Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram na gênese da maçonaria especulativa, é natural que os maçons tenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, se perguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância, receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quais contraditórias – e é bom que assim seja. A tolerância decorre da diversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: só faz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.
É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nos identificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastar dos que não se nos assemelham. A própria origem das espécies decorrerá dessa tendência de agremiação de seres mais semelhantes entre si, mas um pouco diferentes de outros, mesmo quando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimento de seres diferentes – porventura portadores de uma mutação genética, ou doentes – e o afastamento deles poderá servir de mecanismo de preservação das populações.
Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismo de defesa, de repulsão de um ataque – tenha este de fato decorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Neste sentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que pode destruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão a própria diferença independentemente dos atos cometidos é um comportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bem que inaceitável em um ser humano.
Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemos consciência da dualidade da nossa natureza – animais por um lado, racionais pelo outro – e saibamos tirar o melhor partido de ambas as facetas dela. Pois que se, por um lado, o “instinto animal” nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só uma mente racional nos pode levar até à plenitude da nossa humanidade.
Tolerar a intolerância sob o argumento de que “é natural” só é aceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quanto desenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todos diferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, é uma atitude tão mais importante quanto mais populado está o nosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmente miscigenado este se vai inexoravelmente tornando.
Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo de qual…) de que retive uma frase:
“Um homem sábio não pode ser insultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não merece atenção.”
Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinho que guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça no meu escritório durante anos.
Curiosamente, o presidente Obama disse certa vez uma coisa parecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade de expressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nas nossas sociedades – nos chamados “Estados de Direito” – a lei estabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguais perante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado a fazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as “regras da casa” de uma sociedade, estipulando o que é e não é aceitável.
Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir a diferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somos todos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História, quer o fato de que mesmo na população mais homogênea há diferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitar a diferença – e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agir sobre os outros – tornando-os iguais a nós mesmos ou suprimindo-os – ou pretender agir sobre nós mesmos – aceitando os outros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo a tolerância tal como a maçonaria no-la transmite: como uma deliberada indiferença perante a diferença. Não, não é instintivo – mas aprende-se.
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De todos os debates relacionados com a história da Maçonaria, referente às origens da Maçonaria especulativa não se deve duvidar um instante de que é um dos mais fundamentais.
Agora, na França, esse assunto apareceu mais ou menos recentemente, e eu contribuí modestamente a que se conhecesse em 1989, publicando-o na Revista Renaissance Traditionnelle, através de dois longos artigos em que manifestava precisamente sobre que esta questão pode existir e existe um debate sério, expondo pela primeira vez em francês uma parte fundamental dos estudos realizados até esse momento na Inglaterra e na Escócia, desde o início dos anos setenta.
O simples fato de levantar a questão das origens da Maçonaria Especulativa, e para dizer claramente as coisas, mencionar a ausência de afiliação direta com a Maçonaria operativa medieval como uma hipótese simplesmente possível, foi suscitado em diferentes meios, e se viu em diferentes estudos, por vezes com reações francamente hostis, às vezes chegando às raias da irracionalidade.
Observo que, desde então, vários autores, em diferentes estudos e algumas obras, consideraram útil mencionar esse debate, já dado como inevitável e, portanto, era necessário examinar, pelo menos, as teorias da substituição e a teoria clássica da transição geralmente considerados como dignas de crédito dentro da Maçonaria.
É obviamente na Inglaterra e na Escócia, onde acontece todo um progresso considerável a esse respeito, embora não se possa negar que existem certas oposições, e que estas se expressem de bom grado. No entanto, a emoção suscitada por este novo problema, e o próprio fato de se estar, até certo ponto diante do “debate sobre o debate”, obrigam-me, antes de abordar o núcleo da questão, a regressar à moda de um preâmbulo necessário e quase obrigatório a tecer algumas considerações metodológicas que valem em si mesmas para o todo este trabalho.
Nosso estudo, por trinta anos, endossou a posição definida em 1947 por dois grandes historiadores ingleses da Maçonaria: Knoop e Jones, manifestada no prólogo da primeira edição de sua obra principal The Genesis of Freemasonry:
Em primeiro lugar, advertem os autores, embora tenha sido até agora habitual pensar na história da Maçonaria como uma questão separada da história comum, justificando assim um tratamento especial, pensamos que se trata de um ramo da história social, do estudo de uma instituição social particular e das ideias que estruturam esta instituição, e que se deve abordar e escrever exatamente da mesma forma que a história de outras instituições sociais.
Só temos que retomar a essas observações que aprovamos sem reservas, convencidos de que não há outro caminho possível na pesquisa histórica. Essa é uma escolha obviamente importante que, inevitavelmente, está longe de ser compartilhada pela unanimidade dos autores que trabalham na história maçônica.
Assim como a história de algumas religiões e de algumas igrejas, tratadas com objetividade, às vezes dolorosa para o historiador, visto que envolve conflitos muito vívidos com alguns fiéis que se recusam a observar e digerir sua própria história, é o que acontece com a historiografia maçônica que chamaremos de “a história secular” da Maçonaria, e que é um obstáculo do qual o historiador da Maçonaria deve estar plenamente consciente.
Há mais de quinze anos, o estudioso inglês John Hamill, que foi durante muito tempo bibliotecário da Grande Loja Unida da Inglaterra e curador de seus fabulosos arquivos e seu museu, em sua obra intitulada The Craft (que foi republicada em 1994 com um trabalho revisado em seu fundo e forma com o título: History of English Freemasonry), onde já se expressava claramente sobre essa dificuldade:
“Há então dois tipos de abordagem da história maçônica: o enfoque, propriamente dito, como “autêntico” ou científico, segundo o qual uma teoria se funda e se desenvolve a partir de fatos verificáveis ou de documentos; e a chamada abordagem “não autêntica” que se esforça por recolocar a Maçonaria no contexto da tradição do Mistério, procurando ligações entre os ensinamentos, as alegorias e o simbolismo da Maçonaria, de um lado, e as diferentes tradições esotéricas, de outro. A ausência de algum conhecimento sobre o período das origens da Maçonaria, e a diversidade de enfoques possíveis certamente explicam por que esse problema continua a ser tão cativante. […] Saber se algum dia descobriremos as verdadeiras origens da Maçonaria é uma questão que permanece sem resposta.”
Com essa perspectiva, gostaria de contribuir com algumas reflexões sobre o problema das origens da Maçonaria Especulativa, e o faço, não apresentando catálogos pesados e entediantes de teorias mais ou menos baseadas em fatos ou documentos escrupulosamente analisados, mas como uma síntese de dez anos de trabalho, de reflexões e investigações pessoais sobre este assunto que agora exponho.
Vulgata maçônica: a teoria da transição
A tese mais antiga e difundida é aquela que expõe a maioria das obras consagradas à história maçônica na França, que compartilha espontaneamente a grande maioria dos maçons, e que necessariamente não examina a questão profundamente. É a teoria conhecida como Transição.
Até mesmo na rigorosa escola histórica da Maçonaria inglesa, fundada no final do século passado por Gould e Hughan, essa teoria foi ensinada durante muito tempo. Nas últimas décadas, seu mais brilhante defensor foi o erudito Harry Carr, que tem sobre o resto dos historiadores da Inglaterra uma posição intelectual preeminente e estimável. Esta teoria, diz que ao sair da Idade Média, a Maçonaria Operativa, que então contava com uma organização com lojas e usos rituais, sofreu um certo declínio, por causa de mudanças econômicas que afetaram o ofício da construção.
Na Grã-Bretanha, e em particular na Escócia, no final do Renascimento e, mais especificamente, no decorrer do século XVII, o produto de uma transformação sensível na Instituição, homens alheios ao Craft foram ocupando frequentemente posições importantes, geralmente desempenhadas por intelectuais que de bom grado eram atraídos pelas especulações resultantes da corrente vigente na época, de raízes alquimistas e neoplatônicas nascidas em Florença no século XV, combinadas com a tradição Rosa-Cruz, muito difundida desde o início do século XVII. Esses indivíduos haviam entrado nas lojas em momentos em que elas estavam quase moribundas.
Esses Maçons Aceitos, pouco a pouco, aumentaram seu número e influência ao ponto de se tornarem maiorias dentro das lojas, chegando até certo ponto a eliminar os maçons operativos, tornando-se desse modo estranhos em sua própria instituição. Esta Vulgata, também implica algumas alternativas, e às vezes integra o que poderia ser chamado de lendas complementares.
A primeira dessas lendas, por exemplo, é o tema dos Maîtres Comacins, esses misteriosos maçons italianos que, em virtude de renomadas franquias que lhes foram conferidas pelo Papa – e que de resto justificariam a expressão franc-maçon – cruzaram toda a Europa, estendendo seu conhecimento arquitetônico, geométrico e esotérico, fertilizando assim os primeiros germes da Maçonaria Especulativa. Já mostrei em outro lugar, há alguns anos, de onde vem essa fábula sem nenhuma fundamentação documental, e como em um jogo de sucessivas cópias sem verificação das fontes, essa lenda foi adquirindo sinais de verdade.
Outro componente, muitas vezes confuso, mas muito vivo dentro da teoria da transição, é a hipótese compagnonica. Não é o momento de mostrar em detalhe as contradições e inverosimilhanças, no entanto, neste ponto, destacaremos que há uma confusão grave e frequente entre a Maçonaria Operativa, como pode existir, sob formas extremamente diversificadas no resto da Europa da Idade Média, na França, Grande Grã-Bretanha e Alemanha, por exemplo, com estatutos muitas vezes bem diferenciados, e a própria Corporação de Companheirismo. Organização de origem essencial, que por muito tempo foi quase exclusivamente francesa, e cujas origens históricas parecem certificadas até o século XV, mas sobre os usos dessa irmandade, lembremo–nos, temos pouca informação substancial ou confiável, pelo menos antes do final do século XVIII.
Em todo caso, é importante enfatizar o fato de que a Maçonaria Especulativa se formou, em condições ainda duvidosas, durante o século XVII na Grã-Bretanha, e nunca havia conhecido, nem coincidido com a Guilda de Companheirismo, pelo menos neste momento da fundação.
Que se possa situar a questão como organizações ligadas aos ofícios da construção – mas não exclusivamente para a Guilda de Companheiros – nas semelhanças de formas e usos, não deveria nos surpreender, mas devemos sempre ter em mente sempre este provérbio que todo historiador escrupuloso não deve esquecer “comparação não é razão” …
Uma crítica radical da transição
Foi necessário esperar até os anos setenta para que houvesse uma crítica decisiva que levasse adiante a teoria da transição. Foi o trabalho, em particular, de um notável pesquisador inglês: Eric Ward.
A crítica de Eric Ward baseia-se no significado classicamente associado a algumas das palavras-chave usadas pela teoria da transição. Citarei alguns exemplos.
Freemason, free-mason:
A origem e o significado da palavra freemason é um bom exemplo das ambiguidades exploradas pela teoria clássica. E. Ward pode demonstrar definitivamente que, ao contrário de todas as etimologias fantasiosas que correm hoje no mundo maçônico, a palavra freemason não pertence à Idade Média, já que é uma conformação de duas palavras freestone mason – maçom de pedra livre – designando assim um trabalhador que trabalha seletivamente uma certa qualidade de pedra macia que pode ser cortada e trabalhada de maneira muito fina.
Agora, se tomarmos os primeiros testemunhos relativos aos maçons ingleses não-operativos do século XVII, observamos que estes Maçons Aceitos são também indiferentemente designados pelas palavras Free Masons, ou Free-masons, com ou sem hífen, mas sempre com duas palavras.
Tudo indica claramente que, a partir do final do século XVII e início do XVIII, os termos Aceito e Livre são equivalentes a designar maçons não operativos. Mas conforme observado por E. Ward, em uma análise muito inteligente, freemason não é Free-Mason. A palavra free em Free-Mason ou Free and Accepted Mason simplesmente se refere ao fato de esses “novos” Maçons são “livres” em relação ao ofício, quer dizer, simplesmente alheios ao ofício.
Em resumo, a identidade fonética e a proximidade morfológica das palavras freemason (palavra muito antiga, derivado do anglo normando e ligada à prática operativa) e Free-Mason, não devem nos fazer esquecer a verdadeira diferença semântica, e não podem nos autorizar a procurar e introduzir um parentesco entre homens de diferentes épocas, que levavam esses nomes por razões evidentemente muito diferentes.
As lojas operativas inglesas
Outro problema apresentado é o fato de que a maçonaria especulativa nasceu na Inglaterra, no exato sentido do termo. Agora, sabemos que não existe documento que comprove que pessoas alheias ao ofício tenham sido admitidas nas lojas operativas inglesas.
Por outro lado, a realidade das lojas operativas – dentro do significado que podemos dar à palavra loja, à luz da maçonaria especulativa: uma estrutura permanente, regulando e controlando o Craft em todas as partes do território, providas de usos rituais. específicos – é um fato problemático em terras inglesas, já que não há traço histórico disso.
Além disso, algumas raras lojas operativas, muito tardias, curiosamente conhecidas apenas na Inglaterra, continuaram sendo operativas até seu desaparecimento. Não se pode, senão voltar ao estudo magistral de Knoop e Jones, The Medieval Mason, cuja primeira edição apareceu em 1933, e não deixa de ser notável que esta obra tenha sido publicada por historiadores profissionais, fora dos círculos usuais da erudição maçônica, e que tenhamos resgatado há apenas quarenta anos, e é o que nos coloca uma certeza: que na origem, as lojas maçônicas que aparecem na Inglaterra são puramente especulativas.
A loja de Chester, com efeito, era operativa e se desenvolve em meados do século XVII. Ela é muito bem estudada por historiadores ingleses, e teve uma existência transitória, pelo qual constitui praticamente um “hapax” na História maçônica inglesa.
Mesmo em relação à famosa Acception de Londres, do século XVII, inadequadamente qualificada como uma loja, já que este termo nunca aparece em seus anais, e erroneamente citada como testemunho da transição especulativa, é preciso dizer que ninguém sabe quem tomou a iniciativa de fundá-la, nem por que motivo. Este círculo de lojas constituído à margem da Companhia de Maçons de Londres, foi a única Guilda organizada conhecida na Inglaterra pelo ofício de pedreiro, cuja autoridade nunca se estendeu além do entorno de Londres.
A Acception dentro da história maçônica deixa dois finos traços documentais: em 1610 e, em seguida, em 1686, no relatório de Elias Ashmole. Não se conhece nenhuma outra estrutura comparável na Inglaterra, nem então nem mais tarde. Parece ter sido uma espécie de clube que recebia, de acordo com a fórmula muito clássica de patrocínio que também será conhecida na Escócia, notáveis e personalidades susceptíveis de favorecer o ofício.
Lembremo-nos, acima de tudo, de que os operativos, deviam admitir-se no seio da loja que controlavam, uma vez que não eram membros por direito. É por isso que a Companhia dos Maçons de Londres persistiu até nossos dias, e as Acceptions desapareceram sem deixar nenhuma descendência conhecida.
De modo algum se podem opor coisas que parecem se apresentar de maneiras diferentes, e em âmbitos muito distintos, tais como a Escócia, onde, no início do século XVII, a entrada de notáveis em lojas operativas organizadas parece certa.
Teremos a oportunidade de voltar novamente sobre esse caso. De fato, o assunto da Escócia é muito interessante. Observemos, por enquanto, que a Escócia era, até o início do século XVII, um país estrangeiro e inimigo da Inglaterra, que havia muito poucas relações entre um e outro e que a existência de lojas operativas em Edimburgo ou Kilwinning, não explica por si mesmas as circunstâncias do surgimento de uma Maçonaria puramente especulativa, ao mesmo tempo que no sul da Inglaterra.
A hipótese do empréstimo
A partir da crítica a esta teoria, nasceu no início dos anos setenta, o que se pode chamar de uma contrateoria. Essencialmente negativa, pode-se dizer, esta não se propõe resolver positivamente a questão das origens da Maçonaria, mas sugere que a Maçonaria especulativa, ao contrário do que a teoria da transição afirma, teria uma origem deliberadamente emprestada com textos e práticas que pertencem ou que pertenciam aos operativos, mas de maneira totalmente independente, sem filiação direta ou autorização.
A maçonaria especulativa, portanto, não teria mantido, desde sua fundação, laços puramente nominais, mas, na melhor das hipóteses, laços alegóricos com os construtores das catedrais. Deixando, até certo ponto, a Maçonaria especulativa órfã de sua tradição fundadora, o questionamento levantado por E. Ward, e que levou à erudição maçônica inglesa procurar um modelo de substituição à teoria da transição, a partir de agora muito pouco operativa em sua formulação clássica, “Ce chantier est toujours en cours”.
Novos olhares sobre as Antigas Obrigações
A essa primeira pergunta veio a se juntar outra mais positiva na proposta que em 1986 lançou o grande erudito inglês Colin Dyer.
Esta teoria baseia-se em primeiro lugar na reconsideração da filiação desses textos fundamentais da tradição maçônica inglesa, que são as Antigas Obrigações (“Anciens Devoirs” ou “Old Charges”). Sabe-se, de fato, que entre as duas versões mais antigas conhecidas estão o Regius e o manuscrito Cooke, datados ambos por volta de 1400, e as versões seguintes que existem, mais de 130 atualmente, e colocadas em um índice até o século XVIII, tendo um período documental silencioso que chega a aproximadamente 150 anos.
Por outro lado, a partir da década de 1580, houve novamente uma quantidade crescente de textos das Antigas Obrigações. Agora, sabemos, graças à menção feita pelo Manuscrito Ms. Sloane 3848, que serviu para a iniciação de Elias Ashmole em 1646 na Loja Warrington, uma cópia das Antigas Obrigações era um tipo de ferramenta de trabalho essencial em Lojas especulativas inglesas, em particular o momento da recepção.
Naquele momento, tratava-se de uma cerimônia muito simples e breve para proceder a aceitação de um candidato. Isto é, admitido como um fato muito geral e, acima de tudo, sabendo que até o final do século XVI, aparentemente, não existia nenhuma loja operativa.
A hipótese de trabalho proposta por C. Dyer é estudar o conteúdo dessas novas versões das Antigas Obrigações, para obter um testemunho sobre o espírito e os usos especulativos ingleses daqueles que poderiam ter aparecido ao mesmo tempo que esses mesmos textos, isto é, muito mais cedo do que geralmente se pensa.
Os dois textos mais antigos disponíveis hoje, para esta “segunda onda”, são os Ms. Melrose, do qual se tem uma cópia datada de 1674, mas que alega referir-se a um original – desconhecido até hoje – de 1581, e especialmente o Ms. Grand Lodge n ° 1 que tem uma data clara de 1583, e que são interessantes para um estudo comparativo do seu conteúdo, com a antiga versão de referência que é o Ms. Cooke.
As diferenças observadas se resumem essencialmente em dois grupos:
Algumas atestam que esses novos documentos provavelmente não tiveram uso operativo e que os escritores provavelmente não pertenciam ao ofício de pedreiro. Assim, por exemplo, as condições antigas, relativas à obrigação de todo o Mestre de Obras – isto é, todo patrão – de proporcionar a substituição de todo trabalhador que não realizasse seu trabalho em tempo hábil e pagar-lhe somente pelo trabalho realizado foram simplesmente suprimidas
Outras obrigações surgem e têm significados morais e religiosos interessantes:
A obrigação de servir lealmente ao senhor para quem se trabalha é substituída por um compromisso de fidelidade “a Deus e à Santa Igreja”. É necessário observar que este compromisso aparecia no Ms. Cooke sob a fórmula: “Deus, a Santa Igreja e todos os Santos”.
A supressão dessa última menção tem obviamente um significado religioso provável, uma vez que prescreve que todo Maçom nunca deve cair no erro ou heresia de não ser em qualquer circunstância, um homem discreto e prudente.
No total, as diferenças observadas entre as duas séries de textos levam C. Dyer, à conclusão de que depois de um silêncio de mais de cento e cinquenta anos, o Ms. Grand Lodge n° 1 não é de forma alguma uma simples cópia, mais ou menos abreviada do Cooke, mas um documento totalmente novo, que introduz numerosas regras que não se referem diretamente à prática operativa, mas têm um caráter moral especificamente religioso.
O estudo mais detalhado da ortografia usada para os nomes bíblicos mostrados, por outro lado, no Ms. Grand Lodge, mostra que se fez uso das bíblias publicadas na Inglaterra depois da Reforma, o que significa que foi escrito a partir de 1540 ou por volta desse ano.
A partir deste estudo resulta a proposta de uma hipótese, segundo a qual o Ms. Grand Lodge seria um dos primeiros textos, de uma longa série, usados a partir dos anos 1540-1580, por um grupo de homens conhecido ao longo do século XVIII, sob o nome de Maçons especulativos, ou Maçons aceitos.
Agora, a história religiosa da Inglaterra do século XVI, pode nos fornecer elementos suscetíveis de apoiar esta tese. Durante todo esse período, todos aqueles que expressaram convicções religiosas contrárias ao poder existente perderam suas vidas nas fogueiras. Esta rotina diária em tempos especialmente conturbados, fez com que certas comunidades muito diferentes submergissem discretamente em suas práticas, ou até mesmo em segredo.
É durante os anos de 1560 a 1570, quando a crise religiosa atingiu seu clímax. Estes anos se caracterizaram, em particular, pelos diferentes conflitos que assolavam a Escócia e pela “deposição” teórica de Elizabeth pelo Papa em 1570. Paralelamente a esses eventos, os especialistas da história religiosa da Inglaterra levantaram a existência de um movimento geral constituído no seio da Igreja da Inglaterra, e cujo objetivo era fazê-la oscilar em direção ao campo da Reforma.
Por volta de 1570, segundo o historiador inglês J. E. Neal, tratava-se de uma verdadeira “organização secreta “que devia agir com prudência, devido às pressões dos mais moderados e às exigências expressas pela Rainha. Este movimento devia conseguir a formação de uma seita independente da origem da Igreja Congregacionista. O certo é que um testemunho daquela época levou grupos diferentes, com convicções morais e religiosas bem definidas a agirem com base na fórmula de organizações mais ou menos secretas.
Parece, pois muito provável, quando se segue a tese de C. Dyer, e de vários autores ingleses atuais, que o movimento que deu origem à Maçonaria Especulativa teve sua origem nas motivações claramente religiosas desses momentos. O estudo comparativo das Antigas Obrigações estabelece em particular, que este movimento, aparentemente secreto, e que a história religiosa da época torna compreensível, já não tinha qualquer vínculo com a Maçonaria Operativa, uma vez que teria sido estabelecido por volta de 1560 ou 1580, numa época em que conflitos religiosos atingiram sua maior intensidade.
As teorias múltiplas
Depois de quase vinte e cinco anos, diferentes autores pretendem reformular uma tal teoria alternativa que pode explicar o conjunto de testemunhos documentais que temos em relação ao período histórico em torno do nascimento da Maçonaria Especulativa, e suscetível de escapar às objeções de E. Ward.
Isso certamente se traduz em um certo desconforto por parte dos pesquisadores, e nos mostra o papel muito fértil da crítica devastadora de E. Ward, que se empenhou em reler todos os documentos disponíveis sobre a história da Maçonaria à luz dessa nova proposta. Desta forma, ele consegue propor uma teoria política, ligada aos eventos da guerra de 1640 a 1660 na Inglaterra, acompanhada por uma teoria religiosa que também explorou o papel da sociabilidade de caridade e as primeiras sociedades de ajuda mútua nascidas no século XVII nos meios artesanais, bem como o papel desempenhado pela dissolução das comunidades monásticas após a reforma inglesa de 1534.
É claro que nenhuma dessas teorias leva à convicção total. Todas tiveram um imenso interesse em promover uma redescoberta dos fundamentos históricos da Maçonaria Inglesa e da Maçonaria Escocesa, confundindo seu desenvolvimento, que é bem diferente e levou a uma nova teoria.
A chave escocesa: David Stevenson, em The Origins of Freemasonry.
Em 1988, duas obras do estudioso escocês David Stevenson apareceram sucessivamente. Esses estudos, por sua vez, trouxeram uma renovação completa da controversa questão das fontes da Maçonaria Especulativa. Apenas é possível resumir brevemente a tese sustentada pelo autor sem a ajuda de documentação abundante e segura. No entanto, descreverei suas linhas mais essenciais.
Em 1598-1599, um importante funcionário da Coroa escocesa, William Schaw, Supervisor Geral dos Construtores e Intendente dos Edifícios do Rei, dita uma série de regulamentos que organizam em novas bases o ofício de construtor na Escócia.
O Estatuto Schaw cria uma rede de lojas territoriais, que incluirão uma jurisdição que se definia geograficamente, e dava a estas lojas algumas modalidades de organização, fixando seu funcionamento, por exemplo, a tarefa de conferir aos trabalhadores os dois graus do ofício: o de Aprendiz (Entered Apprentice) e em geral, ao final de um aprendizado que chegava a aproximadamente sete anos, após o que recebiam o diploma que lhes permitia buscar livremente emprego como assistente de um mestre, isto é, de um empregador; o Companheiro (Fellowcraft). Desse modo afirmava seu controle total do ofício, mas acima de tudo, permitia que ele eventualmente solicitasse a entrada na Guilda de Mestres, Corporação distinta da loja e organização puramente civil e política, e que se apresentava como uma classe de sindicato patronal, controlando ao mesmo tempo o ofício e a cidade.
Em um trabalho notável e escrupuloso, D. Stevenson mostra que essa organização era profundamente inovadora e estritamente limitada e ligada à Escócia.
Nunca, nem na Escócia, nem na Inglaterra, havia existido tal sistema, e muito menos dotando a loja de um status jurídico e uma personalidade moral, que buscavam uma verdadeira permanência. Em suma, para desempenhar o papel de “Oficiais” (o Vigilante ou Guarda ou de Diáconos). O Estatuto Schaw é uma evidência, e estabeleceu as bases estruturais que mais tarde se transformarão na Maçonaria Especulativa.
A Maçonaria Especulativa é a contribuição mais notável de D. Stevenson, no entanto, devemos mostrar que, ao contrário da versão propagada pelas teorias clássicas, o fenômeno da Aceitação, é puramente inglês e nunca foi usado na Escócia. Este fenômeno generalizado permitiu a substituição progressiva dos operativos pelos especulativos nas lojas, embora isso nunca tenha ocorrido na Escócia no século XVII.
Analisando cuidadosamente as listas de membros dessas lojas e explorando sua história por várias décadas, D. Stevenson, mostra que estas lojas escocesas permaneceram, essencialmente e por muito tempo, como operativas.
Por outro lado, há um novo ponto essencial, que mostra que desde o início algumas personalidades, incluindo algumas celebridades como Robert Moray, indiscutivelmente muito próximas da corrente do pensamento hermético, neoplatônico e rosa-cruz – seja qual for o significado de esses últimos rótulos – se inclinaram na Escócia, para essas lojas.
Sua organização relativamente discreta, se não secreta, e a existência conhecida de alguns ritos lhes interessavam, embora suas incursões documentadas nessas lojas, ao longo do século, sejam extremamente raras e geralmente transitórias.
Resta, e é o principal acervo das obras de D. Stevenson, que a prática excepcional, mas inegável, de receber como membros honorários pessoas alheias ao ofício nessas lojas – onde os recém-aceitos nunca mais voltavam – tenha sido capaz de criar uma população, embora provavelmente numericamente escassa de “Maçons Livres”, sendo capaz de transportar, transmitir e transformar uma Maçonaria de acordo com suas próprias preocupações intelectuais.
É extremamente interessante notar que Robert Moray, é um daqueles dos que foram recebidos pela primeira vez como “especulativos” e conhecidos como tal na Maçonaria, e que conseguiu em 1640 a uma loja temporária constituída à margem de uma guerra, em território inglês. Um fato que devemos notar é a existência enigmática da loja temporária Warrington que recebeu Ashmole seis anos depois, à margem da mesma guerra, que se situa bem ao norte da Inglaterra.
A Escócia não inventou, então, a Maçonaria Especulativa. Ela criou, sob o ímpeto de William Schaw, as estruturas de uma Maçonaria Operativa bem-organizada que servirá, indiscutivelmente, de modelo para a maçonaria especulativa organizada no início do século XVIII.
Portanto, surgiu a partir de maçons não operativos que nunca haviam feito parte do ofício, mas que, assegurados neste frágil viático, fizeram uso mais adiante da “fronteira do norte” (Northern Border), e eles fincaram pé em solo inglês, expandindo-se. Desse modo, é possível entender que a Maçonaria inglesa do século XVII se convertera em especulativa quase imediatamente.
Uma teoria sintética
Muitas perguntas continuam pendentes sobre esse tema complexo do nascimento da Maçonaria, e ainda restam muitos enigmas a serem resolvidos, e muitos outros pontos ainda estão em uma situação indeterminada de estudo e resolução.
No entanto, podemos afirmar que agora temos elementos para desenvolver uma teoria sintética sobre as origens da Maçonaria Especulativa em cuja formulação venho trabalhando há anos, e gostaria de lançar as bases para um modelo, que obviamente pode ser criticado e até mesmo corrigido.
A Maçonaria Operativa, na Grã-Bretanha como no resto da Europa, se desenvolveu em uma civilização pouco comunicativa e estruturada em torno de poderes locais, numa época em que as organizações de vocação nacional, como as qualificaríamos hoje, não podiam ter nenhum sentido.
Existiam na Inglaterra trabalhadores mais ou menos qualificados e experientes, chefes e mestres de obras que podiam ocupar toda a vida de um Construtor, para quem o ofício se resumia à edificação de uma catedral da qual ele não havia visto colocar nem a pedra fundamental, e que nem sequer veria seu término.
Isso exigiria necessariamente a transmissão de conhecimento sobre as obras, os Companheiros mais antigos formavam os mais novos, os Aprendizes. Esses homens eram simples, analfabetos, nem sequer tinham um nome: eram John, o Construtor, Edwin de Chester… havia lojas anexas ao edifício em construção, onde as ferramentas eram guardadas, onde eles descansavam, onde falavam sobre os problemas da obra e dos projetos do dia seguinte. Nós temos algumas descrições delas.
Ali se faziam plantas, no chão que, uma vez aplainado, servia para traçar desenhos ou as medidas da construção. Havia uma ordem social e religiosa, onde o clero desempenhava um papel essencial. Para organizar o povo maçônico, foram escritos textos, regulamentos e, para dar sentido ao trabalho desses homens, trabalhou-se sobre antigas crônicas, como a de Pierre Comestor e o Polychronicon, tentando escrever uma história que seria a dos Maçons.
Sabe-se assim que o poema Regius foi muito provavelmente escrito por um sacerdote do Priorado de Lanthony. Nisso consistia o famoso ensino das lojas operativas, fora, é claro, onde tudo é natural e sem mistério e muito consubstancial ao exercício do ofício. Havia também alguns usos, algumas cerimônias de natureza religiosa e tudo isso dentro da Europa medieval. O trabalhador recebido em uma obra jurava respeitar a Deus, à Santa Igreja, seu Rei e o Mestre da obra, e a Bíblia lhe era apresentada.
Tudo o que sabemos das lojas operativas inglesas na Idade Média é que as obras duravam anos, ou mesmo dezenas de anos, em que nasciam, viviam e morriam os maçons. É tudo o que sabemos, já que é bem verdade que tudo o que aconteceu ali é uma hipótese baseada em uma rede desconhecida de lojas secretas e iniciáticas, ou na existência dos ensinamentos que teriam escapado ao olhar do historiador; por isso, outras especulações são absolutamente insustentáveis, pelo menos, se se deseja permanecer preciso no campo da história.
A partir do século XV, e depois nos séculos XVI a XVII, com a Reforma, o ofício de construtor sofreu uma súbita e muito profunda transformação: muitas das grandes obras e catedrais desmoronaram, e os maçons foram cada vez mais forçados a atender aos particulares, nobres e burgueses da época, o que eles faziam sozinhos ou com outros Companheiros. O patrão, ou seja, o empregador se chamava então Mestre.
A loja não tinha mais razão de ser, haja vista que nesse novo tipo de obra ela se tornava desnecessária. Isso explica por que as lojas operativas não deixaram vestígios na Inglaterra; eram tempos difíceis em que a doença afetava a qualquer momento, onde não havia proteção social, pelo menos fora da Igreja.
É por isso que, em toda a Europa, em todos os ofícios, não somente dos construtores, em todos os burgos, em todas as cidades, desenvolveram-se solidariedades naturais, muitas vezes baseadas no emprego profissional ou em um status social idêntico. É a base das irmandades e seu principal objetivo era a ajuda mútua: mutualidade e beneficência.
Colocava-se o dinheiro em um caixa único comum, e era possível obter um enterro decente para um falecido e sustentar até certo ponto sua viúva e seus filhos. Ou poder procurar emprego para aqueles que estavam momentaneamente privados dele.
É isso o que certamente evoca que Sir Robert Plot mencione em 1686, em seu livro Histoire naturelle de Staffordshire, um testemunho quase único para a época, de uma organização chamada Masonry que diz “funciona em todo o país”. A descrição que ele faz, corresponde melhor àquela de uma organização fraterna de ajuda mútua de trabalhadores precários. Ele não menciona nada sobre o resto.
Em Londres, a poderosa Companhia dos Maçons, com certa especificidade dentro da capital, até mesmo acolhia, durante o século XVII, os benfeitores eleitos entre os notáveis da cidade, para enriquecer seus fundos de ajuda. Essas irmandades municipais ainda existem e algumas não mudaram sua vocação inicial: não eram operativas, mas não se tornaram especulativas, pois a alternativa é muito sumária. Esta seria a situação no final do século XVII na Inglaterra.
Em Londres, nos primeiros anos do século XVIII, pouco antes da primeira reunião da Primeira Grande Loja, encontramos que em algumas raras lojas sua composição e atividade parecem corresponder, em muitos pontos, ao esquema supracitado de uma certa atividade mutualista e beneficente.
Ignoramos nesses momentos que usos rituais tinham ou seguiam as diferentes lojas. Tudo indica que eram muito simples, como os da loja que recebeu Elias Ashmole, lendo-lhe um manuscrito das Antigas Obrigações e fazendo-o prestar um juramento.
E depois havia a Escócia, remota e nebulosa, inimiga eterna e tão diferente da Inglaterra. Não se sabe muito sobre como os maçons eram organizados neste país pequeno, escassamente povoado e bastante pobre, onde as catedrais não eram muitas, como na Inglaterra. Sabe-se, no entanto, que no final do século XVI, um grande empregado do Estado escocês, William Schaw, concebeu uma organização administrativa radicalmente nova, regulando de maneira muito precisa os grupos de construtores, legislando sobre suas relações com os Mestres – os patrões – agrupados nas poderosas guildas municipais chamadas Incorporações.
Os maçons já não eram livres na organização de Schaw, uma vez que deviam estar necessariamente vinculados a uma seção territorial, um lugar preciso, que, adotando uma palavra antiga presente na tradição do ofício, se decidiu nomear uma loja, dando-lhe, no entanto, um novo significado e um sentido profundamente diferente.
Como seus colegas ingleses, os escoceses tinham a prática de receber em suas lojas, como patronos e benfeitores, personalidades que não retornavam à loja, mas que podiam ajudar o ofício, às vezes dando trabalho aos obreiros.
Esses Cavalheiros Maçons, como eram chamados na Escócia, e nunca com outro nome, não tinham vínculo duradoura com as lojas, nada tinham que fazer e, por outro lado, não teriam qualquer interesse em assistir a suas reuniões que, de outro modo, eram raras, já que as lojas escocesas se reuniam uma ou duas vezes por ano, no máximo, para resolver questões administrativas.
A Escócia é um país singular, tomado a partir de 1560 por um calvinismo radical, mas habitado por homens curiosos e apaixonados por filosofia e misticismo, muitas vezes inscritos ao redor do rei, incluindo o próprio W. Schaw, ou até meados do século, Robert Moray.
Alguns deles figuravam entre os Cavalheiros Maçons e como muitos outros, nunca voltaram a colocar os pés nas lojas em que foram recebidos. No entanto, havia algo que lhes interessava vividamente: um ritual e uma tradição.
Nessa época, nas Ilhas Britânicas, e especialmente no continente, essas questões eram elementos essenciais da vida social. Muitos dos eventos sociais serão ritualizados, muitas vezes com uma óbvia conotação religiosa.
Assim, os Maçons escoceses recebiam os Aprendizes e Companheiros com a ajuda de um ritual muito rudimentar, que conhecemos muito bem, comprometendo-se a proteger os segredos de reconhecimento àqueles que permitiram reservar o privilégio de emprego e a proteção da ajuda mútua aos maçons devidamente registrados, e não aos Cowans como eles chamavam na Escócia os pedreiros independentes, que não pertenciam a nenhuma loja.
Todo o segredo se justificava dessa maneira, puramente utilitarista, mas essencial em um pequeno país onde a vida era dura e o emprego extremamente raro.
Alguns Cavalheiros Maçons estavam muito inclinados a investigações filosóficas, e muito sensíveis ao eco do Renascimento neoplatônico e tendendo às proclamações misteriosas dos primeiros manifestos Rosa-Cruz e, na segunda década do século XVII, eles quiseram se reunir para fazer disso o objeto de seus trabalhos.
Talvez por uma questão de discrição, por gosto pelo mistério, pela atratividade dos estranhos e antigos ritos que eram mais ou menos conhecidos por eles, decidiram se agrupar tomando emprestadas as formas simbólicas e rituais dos maçons escoceses, que também compartilhavam um segredo, embora este segredo também estes Cavalheiros conheciam, mas nunca tinha sido um segredo profissional e operativo.
Observamos, então, que o problema essencial consiste em explicar como, no início do século XVIII, em Londres, apareceu, quase saída de um vazio documental, uma Maçonaria não operativa, que não estava vinculada ao exercício do ofício de pedreiro, mas que estava organizada em esquemas muito próximos aos da Maçonaria Escocesa.
O laço de união ausente deve ser encontrado. Fará que um dia se encontrem Maçons livres, sem lojas, como Ashmole ou Moray, de filiação escocesa direta ou indiretamente, e de lojas livres, como a Masonry, descrita no final do século XVII por Robert Plot.
Observemos que o efeito é como se tratasse de um conjunto de transparências, esses dois aspectos se superpondo, de origens profundamente diferentes, e se obtém um retrato bastante consistente da primeira maçonaria inglesa dos anos 1717-1723.
Indiquemos que uma data importante, 1707, não deve ser negligenciada. Essa é a data do Ato de União, que fez definitivamente da Escócia e da Inglaterra, um só e único Reino, o que finalmente permitiu uma abertura real, embora lenta e desconfiada, dos dois países um ao outro.
Lembremo–nos finalmente, e seria apenas para abrir uma última pista e arriscar uma abordagem, que um dos protagonistas, se não o mais importante, pelo menos, o mais conhecido desta primeira maçonaria Inglesa, foi o pastor Anderson, de origem escocesa, natural de Aberdeen, e cujo pai havia pertencido à loja dessa cidade escocesa.
Paro por aqui e queria, depois de ter estudado os arquivos, os documentos e os testemunhos, contar uma história, esperando que não estivesse muito distante da história real.
Sombras passaram diante de nossos olhos, séculos passarão e gerações antigas viveram sem nos revelar completamente seu mistério. Se, em parte, com este trabalho, levantou-se um véu da escuridão, devemos respeitá-lo e nos guardar das utopias.
A busca das origens é sempre um teste e acontece que o historiador deve renunciar temporariamente a entender tudo, mas nada proíbe ao homem continuar esperando por tudo.
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As difíceis relações entre a Igreja (pelo que aqui nos referimos à Igreja Católica) e a Maçonaria constituem, sem dúvida, um dos aspectos mais recorrentes, sobre o qual se tem repetidamente insistido e que em todos os tempos têm despertado o maior interesse nos estudos sobre a Maçonaria. Basta consultar as páginas das atas das reuniões acadêmicas do Centro de Estudos Históricos da Maçonaria Espanhola (CEHME) realizadas desde 1983 para verificar o grande número de trabalhos apresentados sobre o assunto, nos quais a atitude que a Igreja tem observado sempre sobre a Maçonaria especulativa; tem tantos seguidores entre os pesquisadores que constitui uma seção fixa em todos os simpósios, estabelecendo-se assim como o principal protagonista – não o único como se sabe- do antimaçonismo; mesmo em qualquer obra de referência sobre a Ordem do Grande Arquiteto do Universo é comum a existência de um capítulo dedicado às suas relações com a Igreja, para além daquelas outras obras em que esta questão é expressamente estudada[1].
Porque é também um aspecto abordado por destacados historiadores (também pelo próprio que subscreve estas linhas, que tem dedicado boa parte dos seus estudos maçônicos a este aspecto) o que já é conhecido não será aqui reiterado. Não é, pois, objetivo deste trabalho desvendar as razões invocadas neste esforço que, como bem sabemos, em cada momento e circunstância têm tido um perfil diferente (fundamento jurídico na aplicação da lei própria no século XVIII; ligação com os processos revolucionários burgueses e movimentos liberais ou democráticos; relação com o protestantismo ou com o satanismo; ocupação de territórios papais no caso italiano etc.). Tudo parece ter sido dito a esse respeito, restando-nos apenas, digamos assim, estudar casos concretos, que podem ser múltiplos. Pode-se dizer que em certos momentos da história a Igreja foi a instituição que, desde meados do século XVIII e em todos os níveis de sua hierarquia, mais se posicionou de forma pública e explícita contra a Maçonaria. No que diz respeito à Espanha, parece que, da sua posição social e culturalmente predominante, mais tinta foi derramada contra a Maçonaria, correndo por seus méritos na instituição mais destacada entre aqueles que a difamaram e, consequentemente, sendo uma parte notória do amplo movimento antimaçônico orquestrado.
Mesmo assim, acreditamos que a análise nem sempre é correta. Não estamos dizendo que os estudos sejam erráticos, mas que em muitos casos predominam as generalizações e faltam certas nuances que ajudariam a explicar melhor certos episódios que, relacionados à Igreja ou a seus homens – por exemplo -, podem ser apresentados como raros e estranhos por sair do comum. Para tudo isso contribui, e não pouco, o preconceito, incubado pela parcialidade, que esteriliza o rigor que a análise científica deve exibir e que, embora não a estrague completamente se os fatos forem bem descritos, pode falhar na interpretação que deles se faz com base em generalidades às vezes extemporâneas.
Talvez com o exemplo você possa entender melhor o que queremos dizer. Sobre a Igreja (da qual devemos especificar bem a que nos referimos quando usamos este termo em nossos estudos) existe um clichê que às vezes não corresponde à realidade; ou, em outras palavras, poderia corresponder a uma determinada realidade ou momento histórico, mas não em todos os momentos; as nuances -também as temporais – são muito importantes. Às vezes identificamos o comportamento da Igreja com o clericalismo, sem entender que são dois conceitos diferentes, embora estejam interligados. Não são poucos os casos em que nos referimos à Igreja com uma uniformidade geral em que não há nuances quando estas são fundamentais para compreender certos processos e conceitos, que podem ser interpretados de forma diferente dependendo do momento histórico. E, por último – para não alongar esta introdução- a precisão terminológica é muito importante ao referir-se a ela, já que é uma instituição com linguagem própria, com funcionamento (ad intra e adextra) singular, diferente de qualquer organização civil com a qual às vezes se tenta erroneamente assemelhar-se. Estamos nos referindo, então, a uma globalidade uniforme sem atentar para o fato de que, compartilhando as mesmas crenças religiosas (doutrina), existem grupos com diferentes responsabilidades, hierarquias e – também- matizes ideológicos (mantendo-se na doutrina) cujas preposições – cuja preeminência pode oscilar em função dos momentos históricos.
Nas linhas a seguir vamos nos referir a alguns desses aspectos, sem a pretensão de esgotar o tema, fruto de algumas questões que nos foram colocadas ao longo de nossa – acreditamos longa – trajetória investigativa sobre Igreja e Maçonaria (por separadamente e às vezes juntos). Fazemo-lo sem intenção de censura, mas no caso de poderem ser úteis a outros investigadores que também possam refletir sobre estes extremos. Em suma, tentaremos chamar as coisas pelo nome, não numa tentativa revisionista da história, mas com o objetivo de sermos mais rigorosos em nossas análises porque uma maior precisão terminológica resulta no aprimoramento de nossa ciência.
Maçonaria, Igreja e clericalismo
Numerosos estudos sobre a Maçonaria têm mostrado que, com origem comum na Maçonaria especulativa lançada no início do século XVIII, esta desenvolveu-se nos últimos três séculos de forma diferente porque, tanto em princípios como em valores, a realidade temporária em que foi inserida e desenvolvida também evoluiu consideravelmente. O caráter elitista de outrora, depois “liberal” e posteriormente colocado em abordagens ideológicas mais avançadas – por exemplo – ou diferentes atitudes em relação à própria presença de mulheres em suas oficinas são, sem dúvida, um reflexo dessa evolução. Por esta razão e por uma infinidade de outras nuances, ninguém se surpreende que atualmente – como apontam especialistas conceituados – o uso do termo no plural, maçonarias, seja mais apropriado.
É comum em nossos trabalhos sobre Maçonaria associar o termo Igreja ao clerical, projetando na instituição a ideologia reacionária que o termo implica. Esta generalização e consequente redução é claramente inadequada. Vamos por partes. É claro para nós que com o termo Igreja nos referimos a uma instituição dirigida pela Santa Sé que está localizada no Estado da Cidade do Vaticano, que é muito recente. Até agora, em termos de direção, não há margem para erro; mas, no que diz respeito ao seu coletivo humano, como sabemos, amplo e hierárquico – desde o Papa até o último fiel cristão leigo- além de diversos, quando nos referimos à Igreja em nossos estudos, exatamente a quem nos referimos, ao Papa, a um setor específico dela, a “toda” a Igreja?; e mais: entendemos que a Igreja e seus diferentes setores, membros, têm as mesmas características e posições no início do século XVIII, no final do século XX ou no início do século XXI? A resposta, que não é tão complexa, requer conhecimento para buscar nuances suficientes que devem ser importantes para o pesquisador.
Do ponto de vista doutrinário, todos os que nasceram da água e do espírito fazem parte da Igreja ou do Povo de Deus, termo atualmente mais utilizado para possibilitar a ação de Deus na história. De fato, este aspecto foi redefinido assim recentemente, durante a segunda sessão do Concílio Vaticano II (1963) e onde se fez referência à corresponsabilidade dos leigos na Igreja, radicada no sacerdócio comum de todos os batizados e que, muitas vezes ao longo da história, foram retidas para si pelo clero. A própria Igreja assim reconheceu, aliás, a sua atitude “clerical” até então porque tradicionalmente nas tomadas de decisão não se tinha em conta os leigos, mas apenas os ordenados, o clero [2]. A consequência para o pesquisador é clara e a nuance não menos importante: quando fazemos as análises sobre a Igreja antes do Concílio Vaticano II, em qualquer assunto, inclusive o maçônico, é possível classificá-la como clerical porque, embora houvesse fiéis cristãos leigos (seculares), eram os ordenados que “assumiam” a responsabilidade exclusiva de dirigi-los, traçar direções, preparar propostas e tomar decisões. Por este mesmo fato, nos estudos sobre uma realidade maçônica mais atual, e sempre ao nível da sua direção, a Igreja deixou de ser clerical e basta consultar em qualquer diocese o número de organizações que, com a presença de leigos, participam do processo de tomada de decisão.
Clericalismo, Ultramontanismo e Maçons Católicos
Resolvido até quando e em que condições nos nossos estudos podemos ou não chamar a Igreja clerical em termos de tomada de decisão, tratemos de uma segunda questão que nos parece talvez mais complexa: a ideológica. A maioria dos estudos sobre Maçonaria associa Igreja e clericalismo para identificar ambos os termos – conjuntamente dissemos acima – com a reação; ou seja, com uma “ideologia que defende a influência do clero nos assuntos políticos de uma sociedade”, que tenta impor um modelo próprio à sociedade civil, considerada única, e na qual a Igreja era responsável pela tomada de decisões ou da inspiração absoluta das mesmas contra as abordagens que poderiam ser levantadas a esse respeito pelas Lojas; vale acrescentar que em muitas ocasiões, especialmente nos textos maçônicos que aparecem nos boletins das diferentes Obediências, a palavra jesuitismo também é usada com uma interpretação semelhante, outro termo sobre o qual seria necessário acrescentar não pouco.
Especificaremos que estamos falando de uma ideologia, não tanto de uma doutrina, na qual as abordagens da religião católica permeariam tudo, segundo o modelo do Antigo Regime, anterior às revoluções burguesas que eclodiram no final do século XVIII; nesse caso, seriam seguidas as abordagens dos mais caracterizados ideólogos da reação, como Burke e De Maistre, entre outros. Diante disso, a nova ideologia emergente, liberal (e posteriormente democrática) apostaria na secularização da vida civil e, para isso, lançaria mão do secularismo, cuja manifestação popular e radical mais conhecida seria o anticlericalismo. Vale lembrar que, aos olhos dos setores mais antiliberais do catolicismo (tradicionalismo, fundamentalismo, carlismo no caso espanhol, por exemplo), os termos liberal e maçom foram entendidos como sinônimos ao longo do século XIX e, também, embora talvez com menos ênfase, no século posterior. À primeira vista, tudo parece fazer sentido: a Igreja (o clero) é reacionária e contrária às liberdades individuais do Iluminismo que a Maçonaria assume, o que explicaria a animosidade da Igreja em relação à Ordem e o início do fenômeno antimaçônico por parte desta como resposta. Para conectar abordagem amplamente difundida entre maçonólogos e aquela simples de aparecer exposta em numerosas investigações (igrejas, clericais e reacionárias), esta formulação carece de não poucas nuances que contribuam para explicar os casos que não obedecem a esta norma. Vamos ver alguns.
Não muito tempo atrás, Martínez Esquivel, em um interessante trabalho sobre a origem da maçonaria costarriquenha, revelou a importância do padre católico Francisco Calvo como organizador da primeira loja em seu país em 1865. Entre as condições, o autor referiu-se ao Estado modelo educacional-civilista, promoção das liberdades civis, práticas eleitorais, retorno ou chegada de intelectuais locais ou estrangeiros e interesse “pela vida cívica em alguns setores hierárquicos da Igreja local”. O autor também se perguntou sobre as relações entre os maçons centro-americanos, os Estados e as igrejas católicas locais e, entre outras questões, também se havia antimaçons. Ele ainda aludiu a como o estabelecimento da liberdade religiosa facilitou a tarefa devido ao discurso maçônico de tolerância religiosa, que permitiu a “sociabilidade dos costarriquenhos católicos com estrangeiros de diversas origens e religiões”, o que resultou em uma convivência entre colunas de católicos, anglicanos, quakers, evangélicos e judeus, bem como livres-pensadores, racionalistas, espiritualistas etc. O último fator, como determinante, desta implantação da Ordem no país foi a “transformação ideológica dentro da Igreja Católica costarriquenha” – aponta, tomando de Rodríguez Dobles – que favoreceu um tipo de sacerdote e, portanto, paroquial, que a nosso ver também favoreceu a organização da Maçonaria” [3].
Na última e extensa obra de Javier Alvarado Planas, ele aborda as personalidades relevantes que pertenceram à Ordem (reis, príncipes e outros) nos três séculos de sua história. Um dos capítulos é dedicado aos “príncipes da Igreja” (católicos) maçons, personalidades realmente relevantes da Igreja (o termo, a rigor, referir-se-ia aos cardeais) que trabalharam entre colunas, sobretudo ao longo dos séculos. XIX, a sua presença nas lojas e atividades desenvolvidas. O autor também investiga a origem do fenômeno antimaçônico, os motivos da condenação da Maçonaria no Código de Direito Canônico de 1917 e a situação em que ela se encontra no atual (de 1983), que é uma consequência direta das abordagens conciliares, embora posteriormente tenham sido qualificadas por alguns altos funcionários da departamentos ou congregações romanas [4] .
Por último, na tese de doutorado recentemente defendida na Universidade de Cádiz por Ángel Luis Guisado Cuellar, o autor biografou o famoso médico Cayetano del Toro y Quartiellers (1842-1915), político liberal, prefeito de sua cidade, benfeitor, membro destacado se não promotor de inúmeros projetos sociais e culturais. Ele se referiu à sua condição de maçom pelo menos em sua juventude durante o tempestuoso período democrático de seis anos (1868-1874), desde que foi iniciado na loja de sua cidade Hijos de Hiram no. 62 sob a Obediência do Grande Oriente Lusitano Unido e, posteriormente, já na restauração afonsina, em outra oficina sob o Conselho Supremo da França do qual era Venerável. Caracterizou-se também por sua catolicidade, que o levou a pertencer a diversas irmandades e confrarias penitenciais – nas quais se destacou – e a promover extraordinariamente festividades religiosas quando era gestor público, justamente em um momento em que a Igreja se pronunciava repetidamente contra a Maçonaria, foram publicadas as obras de Leo Taxil (então tidas como verdadeiras) e promovidos encontros antimaçônicos internacionais. Del Toro foi, sem dúvida, um personagem de tão profunda catolicidade, mesmo em seus atos mais íntimos que, na resposta dada em 1913 ao Bispo de Cádiz quando transmitiu suas condolências pela morte de Segismundo Moret, herói liberal de Cádiz, em várias ocasiões Presidente do Governo, formulou uma resposta lapidar: “Agradeço do fundo do meu coração por suas condolências pela morte de Moret. Ser liberal não é incompatível com ser católico e ter uma fé religiosa” [5].
Poderíamos trazer aqui mais exemplos de personagens da Igreja em seus diferentes estratos, não apenas distantes do pensamento reacionário, mas que participaram ou promoveram a Ordem. Esses casos nos mostram uma visão radicalmente diferente daquela que costuma ser difundida pelos homens da Igreja. Diante da visão tradicional da Maçonaria como inimiga, homens que pertenciam a diferentes estratos eclesiais a promoveram, trabalharam em suas oficinas e, mesmo quando a doutrina oficial da Igreja se posicionava (o gerúndio é intencional) contra ela e suas atividades, pelo menos para esses católicos, não representava nenhum problema legal, espiritual ou de consciência, trabalhando entre colunas. Do exposto pode-se deduzir, portanto, que houve momentos em que a rejeição ou condenação das Lojas pela Igreja não afetou os próprios católicos. Foi no final do século XIX (especialmente durante o pontificado de Leão XIII) que se configurou como a principal inimigo da Igreja (por razões doutrinais, mas também ideológicas como veremos), parecendo reunir todos os males e maquinações contra a ela. uma visão que, cem anos depois, tentou-se reformular no contexto do Concílio Vaticano II.
Este aspecto é complicado, porque não é apenas uma questão de tempo, mas de modelos ideológicos de acordo com as circunstâncias de cada país. É aqui que entra a crença errática de conceber sempre a Igreja como um bloco compacto que contém em si uma profunda homogeneidade em todas as suas dimensões. Esta abordagem, comum entre aqueles que percebem a realidade eclesial de fora, exige, no mínimo, ser qualificada. Na mesma base doutrinária comum a todos os católicos, existem diferentes modelos para alcançar o objetivo final, a transcendência (seculares, religiosos, ordenados; associados ou não em grupo, por exemplo). Esta base comum que chamamos de Doutrina Social da Igreja (uma atualização da mensagem evangélica à luz dos textos bíblicos, dos Padres da Igreja, das encíclicas e documentos pontifícios, bem como dos pronunciamentos da Igreja nos sínodos e concílios, sem redução da mensagem evangélica original) começou a ser compilada no pontificado de Leão XIII (1878-1903), e não só contém orientações sobre questões meramente sociais, como se pensa erroneamente, mas também posiciona os crentes diante de toda realidade existente ao seu redor. Além disso, foi com este Papa que se formulou a mais copiosa doutrina sobre a ideologia triunfante com a extinção do Antigo Regime, o liberalismo e a presença pública dos católicos num mundo cada vez mais secularizado; essas iniciativas devem incluir a condenação doutrinária da Maçonaria com o Humanum Genus em 1884.
A maior parte do clero que conhecemos que pertenceu à Ordem fê-lo antes destas grandes definições doutrinárias, quando só existiam as condenações ideológicas ao absolutismo (feitas por diferentes monarcas desde meados do século XVIII, incluindo o próprio papa por estar em cargo dos Estados Pontifícios). A dissolução do Antigo Regime facilitou a pluralidade ideológica mesmo dentro da própria Igreja. Na França revolucionária e napoleônica havia jurados e refratários entre o clero; mais tarde será o país do ultramontanismo, mas também o berço do catolicismo liberal: um bom número de jovens padres, diz Aubert – levantou a possibilidade de conciliar o catolicismo com o liberalismo e aceitar, sem trair sua fé, uma ordem social baseada nos novos princípios revolucionários: liberdade pessoal, liberdade política, liberdade de imprensa e religião, mesmo que isso implique uma restrição de privilégios eclesiásticos e até mesmo a separação entre Igreja e Estado. Um catolicismo liberal com múltiplas nuances, que em muitas ocasiões se limitou mais à aceitação do novo estilo de vida, o espírito do século, do que à assunção do conteúdo doutrinal que certas abordagens liberais poderiam acarretar. Assim, com esta abordagem pragmática, a juventude intelectual seria reconquistada para a Igreja e, em última análise, seria melhor para seus próprios interesses. A condenação de Gregório XVI a este movimento que supunha a Mirari vos (1832) foi muito diminuída quando os católicos belgas foram autorizados nas mesmas datas – certamente como uma exceção – a trabalhar junto com os liberais para alcançar sua independência e buscar na prática um modelo constitucional [6].
Como podemos ver, aquela mesma Igreja que nas obras sobre a Maçonaria apontamos ideologicamente de forma genérica como clerical e ultramontana, estava em alguns países e por vezes (ainda que excepcionalmente) dando validade às formulações liberais em cujo triunfo parece claro que, pelo menos na onda revolucionária de 1820 em que se concebeu a independência belga, participaram diferentes sociedades, entre elas a maçônica. o jogo contra o ultramontanismo, que levou ideologicamente ao triunfo de um catolicismo mais autoritário e ultraconservador que permeava tanto questões doutrinárias quanto aspectos meramente circunstanciais, portanto discutíveis. Uma das consequências foi a Humanum genus, que apresentava a Maçonaria como a instituição criada pelo maligno em sua luta contra a Igreja e da qual, por motivos óbvios, os crentes deveriam se distanciar.
O caso exposto acima, relativo à realidade costarriquenha de meados do século XIX, deve ser interpretado dentro dessa evolução, especialmente quando se tratava de uma nova realidade, um Estado emergente, que havia abandonado seu vínculo com a tradição política secular espanhola. A existência de um clero esclarecido, propenso a um incipiente catolicismo liberal é algo que, apesar das contradições ideológicas ocorridas na emancipação destes territórios de Espanha, tem sido constatado nos estudos até à data realizados. Para dar um exemplo: antes da invasão napoleônica da península, alguns membros do conselho mexicano (salvemos Abad e Queipo) já defendiam então que, na ausência do monarca, a soberania havia sido devolvida ao povo e, ainda assim, mantinham a defesa dos direitos da religião católica; nos documentos romanos através dos quais a Santa Sé reconhece a nova realidade eclesial hispânica na América, a própria Igreja admitia de fato governos que saíam de uma revolução política e que de modo algum se identificavam com uma monarquia tradicional (ultramontana, por exemplo) [7].Outra questão é que, de reconhecer o catolicismo como religião de Estado na maioria dos textos constitucionais americanos em meados do século XIX, se passasse a rupturas violentas em alguns países (Colômbia e México; o contraponto seria o Equador na presidência de García Moreno). quando a Igreja se recusou a ser protegida pelo Estado, por ser incompatível com as ideias ultramontanas que prevaleciam cada vez mais em Roma [8].
Voltemos a recapitular o que nos interessa aqui. A visão de uma Igreja monolítica, única e ideologicamente uniforme (ultramontana, reacionária, clerical, enfim, que é o que costuma aparecer nos estudos antimaçônicos) não corresponde estritamente à realidade. Pode associar-se a momentos específicos da sua história nos últimos três séculos, porém em outros e mantendo a mesma doutrina, coexistiram no seu interior orientações ideológicas diferentes (mesmo contraditórias), quanto mais desde o Concílio Vaticano II quando, na reformulação geral que afeta sua relação com outras religiões (especialmente com as do Livro, que, como será lembrado, também esteve na base das condenações da Maçonaria em meados do século XVIII). Só qualificando esta generalidade sobre a Igreja é que se podem compreender as atitudes apontadas por Esquivel, Alvarado e Guisado nas obras acima referenciadas; Eles não eram de forma alguma um pássaro raro que beirava o estranho e o excepcional, ou identificado como distante da ortodoxia ou heréticos; pelo menos até que fossem formulados os grandes princípios doutrinários (impregnados com a realidade italiana neste caso) que deixaram aqueles que seguiam as abordagens filosóficas naturalistas (que excluíam a intervenção de qualquer princípio sobrenatural ou transcendente), como não poderia ser de outra forma, na heterodoxia [9].
Ultramontanismo e a imprensa política dos católicos
Se o uso da imprensa é habitual nos estudos sobre a Maçonaria, na análise do confronto clerical-maçônico torna-se em grande parte imprescindível porque foi justamente neste ambiente – ainda mais que nas instituições públicas – onde ocorreram as maiores controvérsias. A abundante historiografia existente sobre a antimaçonaria no âmbito eclesiástico, tem frequentado o que é definido nos textos como a imprensa católica. Vamos nos deter nesta questão porque, por vezes, a generalização no uso desta denominação, imprensa católica, encerra um profundo desconhecimento dela, sobretudo a partir do momento em que a Igreja acabou por assumi-la como instrumento de evangelização e avançou a propaganda do século XIX (até então, por ser o meio utilizado pela revolução e pelo liberalismo, tendia a desacreditá-la). O caso que vamos apresentar aqui é o espanhol, que conhecemos melhor e podemos falar com mais propriedade, mas pode ser facilmente assimilado com o que acontece além de nossas fronteiras, pois estamos falando de uma Igreja universal [10].
Na época percebemos o caráter oscilante que essa imprensa geralmente chamada de católica tinha em seus ataques à Maçonaria. Na primeira fase da Restauração Alfonsina (último quartel do século XIX) foi neste ambiente que se desenrolaram os confrontos mais viscerais em Espanha (fato que se reproduziria anos mais tarde, já na Segunda República e durante o regime franquista ); paradoxalmente, contrastava com o fato de que no final do século XIX, exceto em momentos específicos (os dois anos após a publicação da Humanum genus), a hierarquia eclesiástica espanhola mal figurava em sua correspondência como um assunto que o preocupava excessivamente [11]. Pelo contrário, na segunda fase da Restauração (primeiro quartel do século XX, até 1923) os ataques à Maçonaria nessa mesma imprensa diminuíram significativamente, ao ponto de ser difícil encontrar qualquer alusão a ela, sobretudo no final do período; seria no início dos anos 30, quando a situação se inverteu, quando a república voltou a ser proclamada. A princípio pensávamos que esta segunda situação se devia em grande parte ao fato de que, no alvorecer do século XX, os textos condenatórios de Roma diminuíram, talvez pela deterioração causada pelo caso Taxil e, sobretudo, porque no caso espanhol houve a paralisação geral das Lojas devido a um fenômeno conhecido(a crise do final do século da Maçonaria Espanhola, nos momentos anteriores ao Desastre de 1998) quando a grande maioria das Lojas bateram colunas. Certamente, a esses fatores poderíamos opor que, embora não houvesse novos textos condenatórios, todos os anteriores ainda estavam em vigor; com relação aos organismos, não era menos verdade que os irmãos não se exterminaram por magia, apesar da crise; e, finalmente, que foi uma fase em que se intensificaram as eclosões do anticlericalismo secularizante, atrás do qual talvez não estivessem as Lojas, mas aqueles que se identificavam com suas abordagens secularistas [12].
Procurando as razões, notamos o comportamento dessa imprensa dita católica, que não foi uma parte menor desse confronto – embora não seja a única – já que a maçônica era muito minoritária e a paramaçônica se confundia com a mais liberal, mais radical ou a republicano, que nem era muito abundante [13]. No que se refere ao último quartel do século XIX, verificamos que na realidade aquela imprensa, visceralmente antimaçónica, estava ligada às organizações políticas carlistas ou fundamentalistas (as duas organizações partidárias com as quais se identificava a maioria do catolicismo espanhol, muito em desacordo entre si), a quem pertencia à propriedade das prensas e que, sem dúvida, lutaram arduamente contra abordagens ideológicas ultramontanas e reacionárias (clericais, segundo alguns, como vimos) contra o, certamente, morno liberalismo espanhol que caracterizou a primeira fase da Restauração Alfonsina. Em sentido estrito, portanto, católico era um adjetivo que qualificava o substantivo: imprensa política daquelas organizações certamente reacionárias, confrontadas pessoalmente, em cuja ideologia figurava a defesa da religião e dos interesses da Igreja. Vale ressaltar que essa imprensa ultramontana, muito polêmica, também atacou tudo o que não gostou: contra a maioria do episcopado espanhol que estava em sintonia com os desígnios de Leão XIII e seu movimento católico, com a qual se pretendia mobilizar os fiéis leigos, fazendo-os participar da vida pública, ainda que em regime liberal; contra os mesmos católicos em geral que, usando sua liberdade e sem entrar em contradição com as abordagens doutrinárias da Igreja, favoreceram a participação no modelo político liberal espanhol claramente moderado, seguindo as diretrizes do Papa e dos bispos; e, por fim, relutavam em distribuir patentes liberais (e, portanto, maçons) a quem não se identificasse com seus postulados, atacando o liberalismo (Liberalismo é pecado diziam, usando o título da obra de Sarda e Salvany, caracteristicamente fundamentalista, publicado em 1884), ou para acusar à própria Rainha Regente, a quem Leão XIII havia concedido a Rosa de Ouro, de ter sido iniciada na Maçonaria.
Se aprofundarmos um pouco mais na polêmica orquestrada por esse tipo de imprensa, seu principal objetivo era atacar o liberalismo e impedir que os católicos espanhóis participassem do sistema liberal alfonsino (como afirmavam os prelados, aplicando o mal menor) usando o argumento de que o os liberais eram todos maçons e, portanto, inimigos da Igreja que os havia condenado. Este pano de fundo é o que está na base das virulentas e permanentes polêmicas jornalísticas antimaçônicas do último quartel do século XX, nuance que não costuma ser captada pelos investigadores e que, consequentemente, não se apercebem de que a imprensa utilizada em suas investigações não pode ser chamada de católica em sentido estrito, mas sim a imprensa política dos partidos católicos ultramontanos.
Uma última nota para esclarecer por que este confronto na imprensa se reduziu ao seu praticamente desaparecimento no primeiro quartel do século XX. Tem muito a ver com a irrupção no início do século de uma verdadeira imprensa católica que, em comparação com a anterior, não dependia de organizações políticas ultramontanas, mas do próprio episcopado. Será a maioria então. É um modelo de imprensa que não só defendia as posições da Igreja e nesse sentido tinha um censor eclesiástico (algo que os anteriores já conheciam) mas, para evitar polémicas como estas somadas a outras, assumiu a direção e até mesmo propriedade da editora. A condição católica desta imprensa é a substantiva, estando ao serviço do prelado e da Igreja, não de qualquer organização política, embora em seus ideais legítimos estivesse incluída a defesa dessas mesmas abordagens [14]. A partir dela, vinculada ao episcopado, não foi necessário usar a Maçonaria como uma arma lançada contra aqueles que tentaram participar do modelo liberal, porque foram os prelados que promoveram a iniciativa de defender assim a Igreja e suas abordagens doutrinárias dentro do sistema; e mesmo que a Maçonaria continuasse a recolher todas as condenações anteriores, esse argumento não foi utilizado, muito menos sua identificação com o liberalismo. O que viria a acontecer anos depois, já durante a Segunda República, quando a controvérsia clerical-maçônica voltou a se intensificar, explica-se pela grande mobilização daqueles setores católicos reacionários contra os mais propícios a participar do processo democrático [15].
Insistimos, então, que boa parte das obras que utilizam a imprensa nessa polêmica não atentam para essas nuances e, por isso, podem levar a confusão na hora de interpretar o que está acontecendo. A imprensa católica, ligada ao episcopado (ainda que exale um ultramontanismo sociopolítico) não é a imprensa política pertencente a organizações seculares cuja ideologia é a defesa dos princípios da Igreja a partir de uma posição ideológica claramente reacionária; esta é a imprensa política dos católicos, em um momento em que a Igreja – como apontamos acima – é clerical em termos de tomada de decisões. Como pudemos perceber, a forma de tratar os assuntos relacionados à Maçonaria em suas colunas certamente é diferente, embora no fundo compartilhem da mesma rejeição à referida instituição.
Recapitulação
Concluímos nosso trabalho em que analisamos como a questão antimaçônica relacionada à Igreja é abordada a partir das investigações que são realizadas a partir da maçonologia mais conhecida. Debruçamo-nos apenas sobre três questões estreitamente relacionadas (clericalismo, ultramontanismo, imprensa católica) onde descobrimos que a ausência de nuances, algumas importantes, produz desencontros interpretativos. A análise também poderia ser feita ao contrário, da eclesiologia à maçonaria, onde também se poderia apontar a falta de nuances e erros grosseiros; talvez um dia cheguemos a isso. Com isso tentamos ilustrar para que generalizações infelizes sejam evitadas e seja especificado da melhor maneira possível, para que um bom estudo não seja prejudicado por não saber qualificar rigorosamente os termos usados.
Neste sentido, creio que podemos distinguir melhor quando devemos usar rigorosamente o termo clericalismo: se nos referimos ao governo geral da Igreja; se estamos nos referindo a um grupo específico de sua estrutura piramidal e sua importância dependendo dos diferentes períodos; ou se o fizermos em referência a uma abordagem ideológica ultramontana. Neste último caso, deve-se levar em conta a heterogeneidade ideológica da Igreja em função dos tempos, o que nos permite explicar a existência do clero maçônico e que não seja tomado como comportamento estranho ou singular, nós o consideramos como um grupo rebelde ou, simplesmente, tomados por hereges; incluindo a nuance do catolicismo liberal pouco tratado, não devemos nos surpreender com a aposta ideológica de uma parte do clero pelo constitucionalismo e pelas liberdades nascidas dos processos revolucionários burgueses, “maçônicos” que diriam – seja essa condição verdadeira ou não – a interpretação eclesial tradicional ou ultramontana. E o mesmo se pode dizer da imprensa que às vezes qualificamos levianamente como católica e, embora seja verdade que em algum aspecto poderia ser, na realidade obedecia a uma certa abordagem ideológica geralmente nas mãos de políticos ultramontanos que eram os que se mostravam os mais beligerantes contra a Ordem, em parte para impedir que os católicos construíssem pontes com a nova realidade política social-liberal que se impunha. Em sentido estrito, esta imprensa não é católica, mas uma imprensa política dos católicos, muito abundante justamente nos tempos em que os leigos, por terem pouco papel nas decisões da Igreja, eram basicamente clericais.
Autor: José-Leonardo Ruiz Sánchez
Fonte: Revista REHMLAC, vol. 11, no. 1, maio-nov. 2019.
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[1] – Las reuniones celebradas periódicamente por el CEHME desde hace más de veinte años dan buena prueba del interés que tiene la controversia clericomasónica: el tema siempre tiene una sección destinada a analizar los enfrentamientos entre la Iglesia y el Estado. De la consulta del repertorio bibliográfico de la Masonería publicado José Antonio Ferrer Benimeli y Susana Cuartero Escobés, Bibliografía de la masonería(Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004), comprobaremos que en los dos tomos se repiten dos apartados (Diversos aspectos de la antimasoneríay Confrontación Iglesia-Masonería) con más de tres mil quinientos registros, casi el veinte por ciento de todos los trabajos allí referenciados. Centrándonos en el caso español, la mayoría de los estudios se concentran sobre la etapa inicial de la Restauración, seguida de la Segunda República, a cuyo número habría que añadir otros muchos trabajos que, al analizar la Masonería en España por distintas zonas geográficas, siempre terminan refiriendo los enfrentamientos habidos con la Iglesia local.
[2] – El tema desarrollado fue del Pueblo de Dios y los laicos. Humbert Jedin, “El Concilio Vaticano II”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin y Konrad Repgen (Barcelona: Herder, 1984), T. IX, 157-236. Robert Rouquette, El Concilio Vaticano II(Valencia: Edicep, 1978), 192 y 295-6. Al respecto, véase también el capítulo II de Lumen Gentium, Constitución Dogmática de la Iglesia, uno de los grandes documentos emanados del Concilio.
[3] – Ricardo Martínez Esquivel, “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”, en 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones, eds. Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón (Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017), 91-116.
[4] – Javier Alvarado Planas, Monarcas masones y otros príncipes de la acacia(Madrid: Editorial Dykinson, 2017), 371-544.
[5] – Ángel Luis Guisado Cuéllar, “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento” (Tesis de Doctorado en Filosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017).
[6] – Roger Aubert, “La primera fase del liberalismo católico”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin (Barcelona: Herder, 1978), T. VII.
[7] – Una visión muy completa de la situación de la Iglesia en América en los momentos previos a la emancipación en Joseph-Ignasi Saranyana, Teología en América Latina(Pamplona: Universidad de Navarra, 2008), en especial 88-93 y 137-148. Véase también Pedro Borges, Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas(Madrid: BAC, 1992) 168-172.
[8] – Pío VII, BreveEtsi longíssimo terrarum, 30 de enero de 1816.León XII,Etsi iam diu, Roma, 24 de septiembre de 1824; sobre el particular véase Luis Ernesto Ayala Benítez, La Iglesia y la independencia política de Centro América(Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007), 9 y 292-294. Marta Eugenia García Ugarte, “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”, en Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití, ed. Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez (Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005), 245-270. Sobre el episcopado mexicano véase también Francisco Sosa, El episcopado mexicano(México: Editorial Innovación, 1978).
[9] – Como es sabido los tratadistas pusieron hace tiempo de manifiesto la influencia que en las formulaciones doctrinales sobre el liberalismo y la Masonería tuvo la situación vivida por la Iglesia (en realidad por los Estados Pontificios) tras el proceso de unificación italiana, orquestada por un movimiento liberal en el que participaban los que estaban afiliados a la Masonería, y toda la deriva laicista y radical que vino después con el anticlericalismo.
[10] – Puede seguirse con bastante soltura lo ocurrido al respecto en la introducción que hacemos en nuestro trabajo José-Leonardo Ruiz Sánchez, Prensa y propaganda católica (1832-1965) (Sevilla: Universidad, 2002). En su interior se recoge abundante bibliografia.
[11] – Lo expusimos en nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”, en La masonería española en la época de Sagastacoord. Ferrer Benimeli (Logroño: CEHME, 2007), Tomo II, 1.129-1.155. Utilizamos en gran medida la correspondencia relacionada en el trabajo de Franco Díaz de Cerio, Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano (1875-1899) (Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993), aparte de la consulta expresa en el Archivo Secreto Vaticano.
[12] – Los estudios sobre la controversia clericomasónica relativa a estos momentos brilla por su ausencia en las reuniones del CEHME, hecho que no nos debe llevar concluir que es inexistente. La revitalización de los talleres a partir de las fechas indicadas puedeobservarse, por ejemplo, en todas las provincias andaluzas que cuentan con estudios sobre los talleres en el siglo XX. Véase al respecto, Fernando Martínez López y Leandro Álvarez Rey, La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo (Madrid: Biblioteca Nueva, 2017).
[13] – Sobre la prensa masónica y paramasónica, véase Celso Almunia, “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”, en La cuestión social en la Iglesia española contemporánea(Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981), 123-165. TambiénFerrer Benimeli, “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”, en La modernidad religiosa,coord. Jean-Pierre Bastian (México: Fondo de Cultura Económica, 2004), 111-123.
[14] – Ese aspecto lo podemos ver en un caso local como el que describimos en Ruiz Sánchez,“Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”, en La masonería y su persecución en España, coord. Juan Ortiz Villalba (Sevilla: Ayuntamiento, 2005), 41-64.
[15] – Al Respeto, véase nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”, Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.
Bibliografia
Almunia, Celso. “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”. En La cuestión social en la Iglesia española contemporánea. Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981.Alvarado Planas, Javier. Monarcas masones y otros príncipes dela acacia. Madrid: Editorial Dykinson, 2017.Aubert, Roger. “La primera fase del liberalismo católico”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin. Barcelona: Herder, 1978.Ayala Benítez, Luis Ernesto. La Iglesia y la independencia política de Centro América. Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007.Borges, Pedro. Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas. Madrid: BAC, 1992.Díaz de Cerio, Franco. Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano(1875-1899). Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993.Ferrer Benimeli, José Antonio y Susana Cuartero Escobés. Bibliografía de la masonería. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004.Ferrer Benimeli, José Antonio. “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”. En La modernidad religiosa. Coordinado porJean-Pierre Bastian. México: Fondo de Cultura Económica, 2004.García Ugarte, Marta Eugenia. “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”. En Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití. Editado por Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005. Guisado Cuéllar, Ángel Luis. “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento”. Tesis de Doctorado enFilosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017.Jedin, Humbert. “El Concilio Vaticano II”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin y Konrad Repgen. Barcelona, Herder, 1984.Martínez Esquivel, Ricardo. “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”. En 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones. Editado por Ricardo Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón. Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017.Martínez López, Fernando y Leandro Álvarez Rey. La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2017.Rouquette, Robert. El Concilio Vaticano II. Valencia: Edicep, 1978.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”. En La masonería española en la época de Sagasta. Coordinado por José Antonio Ferrer Benimeli. Logroño: CEHME, 2007.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”. En La masonería y su persecución en España. Coordinado por Juan Ortiz Villalba. Sevilla: Ayuntamiento, 2005.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”. Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. Prensa y propaganda católica (1832-1965). Sevilla: Universidad, 2002.Saranyana, Joseph-Ignasi. Teología en América Latina. Pamplona: Universidad de Navarra, 2008.Sosa, Francisco. El episcopado mexicano. México: Editorial Innovación, 1978.
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No mundo profano, talvez um dos mais conhecidos lemas atribuídos à Maçonaria é a tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Tal tríade restou conhecida pelo lema da Revolução Francesa: Liberté, Egalité e Fraternité.
O que pouca gente sabe é que tal tríptico não advém da Maçonaria à Revolução Francesa (talvez uma das maiores fake News que cerca o universo maçônico), mas exatamente o contrário. Como se sabe, a Revolução Francesa ocorreu no chamado “Século das Luzes”, dentro do movimento que passou a ser chamado de Iluminismo.
Grandes teóricos iluministas tiverem em seus estudos a base para a invocação de movimentos revolucionários. Aliás, tal lema consta inclusive de prédios públicos e da própria constituição da França.
Liberdade e Igualdade advêm puramente do movimento iluminista. Já a Fraternidade advém também de um preceito cristão, tanto que encampado pela Igreja Católica até os dias atuais e com forte trabalho sobre tal virtude por teóricos como Santo Agostinho (a Igreja reúne os homens em fraternidade, que os religiosos vivem a igualdade por não terem propriedades, que os fiéis “vivem na caridade, na santidade e na liberdade cristã”).
Pois bem, a própria maçonaria nasce no século das luzes e, como não poderia deixar de ser, é fortemente influenciada pelo movimento iluminista. Assim, boa parte das lojas maçônicas tomaram para si o tríptico da Revolução Francesa.
Contudo, merece especial atenção à maçonaria o lema “Fraternidade”, mas analisando-o a partir da Fraternidade Maçônica.
O termo “fráter” (irmão, em latim) faz parte do dia a dia das lojas maçônicas. No REAA é absolutamente invocado, sendo, inclusive, utilizado até na abertura das sessões maçônicas quando da leitura do Salmo 133 que invoca, especialmente, a convivência fraterna.
Não é demais dizer que a fraternidade é a base do pensamento maçônico, sendo ele invocado em várias situações quando, por exemplo, o amparo ao irmão necessitado e sua família, a caridade maçônica e em uma série de compromissos assumidos pelo maçom quando é iniciado.
Ocorre que, no mundo moderno, o termo “irmão”, utilizado exatamente para demonstrar a fraternidade parece ter seu uso relativizado. Não é incomum nos depararmos com situações de ativa beligerância entre irmãos, em total inobservância ao preceito de não usar um avental enquanto mantiver algum tipo de nódoa com outro irmão.
O termo acaba sendo desvalorizado. Muito comum se referir a maçom como “é um irmão nosso”, mas sem se atentar se realmente nutre sentimento fraterno pelo irmão e seus familiares.
Pior, com o individualismo crescente em nossa sociedade, intensificado pela grave pandemia do COVID-19, o amparo assistencial ao irmão necessitado parece estar senso extirpado das lojas maçônicas. E tal sentimento não se resume à amparo financeiro, mas também amparo emocional, muito necessário nos dias de hoje.
Ao que parece, o problema assola as lojas, que, não raramente, buscam mais se tornar em verdadeiros tribunais de julgamento de conduta de irmãos, do que amparar o irmão que esteja em dificuldade. Busca-se “cobrar” do irmão inadimplente sem, antes, buscar o amparo fraterno ao irmão em dificuldade. Fosse verdadeiro irmão assim o faríamos?
Não é incomum que irmãos manifestem sinais que precisam de ajuda. Contudo, muitos tentando evitar “assumir problemas de outro” preferem se omitir, até que o irmão se afaste ou seja afastado da vida maçônica. Contudo, repisa-se, seria este um verdadeiro comportamento fraterno?
Penso que talvez um dos maiores problemas da evasão maçônica seja exatamente a ausência de fraternidade. Os irmãos não mais se sentem amparados por sua loja! O pedido de “quite placet” de um irmão, hoje em dia, parece ser recebido mais com alívio do que com pesar.
São apenas divagações sobre tão importante tema, que jamais poderá ser exaurido neste breve trabalho.
E você, tem praticado a FRATERNIDADE?
Autor: Fernando Ramos Bernardes Dias
*Fernando é ex-Venerável Mestre da ARLS Renovação e Progresso, nº 250, do oriente de Patrocínio, jurisdicionada à GLMMG.
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Qual poderia ser um elemento final mais apropriado para essas celebrações dos estados em mudança da natureza e do potencial agrícola do que consumir o kykeon, uma bebida geralmente à base de grãos que foi entendida como indutora de estados visionários.
Refletindo sobre as qualidades visionárias do kykeon, um iniciado descreveu o que aconteceu poeticamente:
“À meia-noite, vi o sol brilhando sob uma luz branca brilhante.”
Ao se unirem para unir, dançar, consumir a poção kykeon e se deleitar com seus efeitos reveladores, as pessoas que participaram promoveram um poderoso senso de conexão com amigos, família e o mundo em geral. Nesse sentido, os Mistérios forneceram um antídoto poderoso para sentimentos de isolamento, depressão e privação social.
O Kykeon é famoso por seu uso nos Ritos de Deméter, na cidade de Elêusis, onde foi usado pelos iniciados para experimentar o mistério da morte e…
A verdadeira Iniciação é aquela que obriga o homem a descobrir por si mesmo o que não pode, desde logo, ser desvendado diante de seus olhos, nublados pelos densos véus da matéria em que se acha envolvido. Daí o mantra: “Do ilusório conduz-me ao real, das trevas à luz, da morte à imortalidade”… (Professor Henrique José de Souza)
Introdução
A Maçonaria foi descrita como uma continuação dos vários cultos de Mistério que floresceram na Roma antiga, Egito, Pérsia e especialmente na Grécia antes de serem indiscriminadamente suprimidos em favor da nova, crescente religião cristã. O ilustre irmão Albert Pike chegou ao ponto de declarar que “a Maçonaria…
Afinal, vamos para a Loja é para aprender ou não? E os irmãos estão satisfeitos?
Creio já estarmos um tanto ou quanto enfastiados de ouvir de parcela de nossos Mestres como tiveram uma brilhante trajetória na Ordem ao falarem reiteradamente sobre si mesmos e suas realizações, expondo opiniões em desordenados falatórios acacianos e dizendo que é assim e assado que pensam (Magister dixit), muitos demonstrando desdém pelas demandas dos Aprendizes e Companheiros ou o que estes também têm a ensinar-lhes. Graças ao Grande Arquiteto do Universo prevalece a tolerância, o carinho, o respeito e o bom humor, em especial.
Alguns apenas abrem a boca para ufanar-se de ter atingido o ápice dos Graus Superiores, de ocupar tais e tais cargos na Potência e para exaltar relacionamentos estreitos com autoridades da Ordem. Por vezes, com o maior caradurismo, insinuam-se para comendas e homenagens. Normalmente esses “monstros sagrados” encontram-se aboletados no Oriente das Lojas e declinam de convocações para ocupar cargos para compor as sessões de trabalho por ausência dos titulares. Esse “Oriente” deveria ser apenas um caminho a ser percorrido, não um status.
Constata-se, com certa regularidade, uma dissonância cognitiva entre o que pregam e o que fazem alguns desses Mestres. Em resumo, respeitado o mérito, onde couber, por uma questão de justiça, o que se constata em determinadas situações são demonstrações de muita arrogância travestida de sabedoria e um vazio de conhecimentos. Segundo um calejado mestre pai d‘égua da Ordem, “quem exalta os próprios méritos, menos créditos tem”.
Isso pode ser facilmente constatado em Loja, nas oportunidades em que são ministradas as Instruções Maçônicas, ao reinar o mais absoluto silêncio por parte dos Mestres quando a palavra circula para que sejam agregados comentários que possam enriquecer os conteúdos apresentados. Essa ambiguidade gera comprometimento da credibilidade nos Valores da Ordem e desânimo junto aos principiantes, redundando, por vezes, na baixa do número de obreiros da Oficina.
Um aviso aos novéis Mestres: não caiam na lorota de acreditar que ao atingir a Plenitude Maçônica[1] está tudo dominado. Afinal, o mestrado maçônico está apenas começando. Torna-se indispensável manter o interesse pelos estudos. Por outro lado, alguns com mais tempo de caminhada se perguntam: voltar a interessar-me pelos estudos depois de “velho”? Atenção! Segundo Mário Sérgio Cortella, idoso é diferente de velho.
“Idoso é quem tem bastante idade, velho é o que acha que já sabe, que já está pronto”.
E mais, o idoso moderno tem projetos e se renova a cada dia; o velho rabugento[2] vive de recordações, e, no nosso métier, apenas exulta-se das glórias do passado para as quais não contribuiu e recebeu graciosamente como legado dos denodados irmãos que nos precederam. Por vezes julga-se um “guru” com direito a criticar tudo e a todos, dizer o que é certo e errado e adora ser exageradamente reverenciado. Qualquer paralelo com os chamados gases raros que compõem os elementos do grupo 18 (família 8A) da tabela periódica e o número 7 é pura maldade! Castigat ridendo mores.
Em algumas oportunidades, integrantes dessa nobreza articulam a concepção de grupos de massa crítica propositiva que logo descambam para futricas e olhar de desapreço em relação a trabalhos apresentados, emitindo comentários ditos abalizados, mas que na realidade tendem a deslustrar a imagem de obreiros esforçados e dedicados à Sublime Ordem, em flagrante atitude de soberba ou mesmo de inveja, na tentativa de esmorecer lídimas iniciativas ou ensejar um autoatribuído poder de censura. Em comum elogiam-se mutuamente, mas demonstram que a Pedra Bruta ainda precisa de muita lapidação e polimento.
De uma forma desrespeitosa, segmento dessa elite tenta influenciar Aprendizes e Companheiros ao difamar reputação de escritores maçônicos brasileiros do passado que construíram os alicerces onde esses críticos se formaram, desaconselhando a leitura de obras desses baluartes. Já chegamos ao absurdo de ver postadas figurinhas depreciativas de troféus com o nome desses autores de referência (Troféu XYZ de viagem na maionese, e.g.). Outro péssimo exemplo para os Aprendizes e Companheiros é a postagem de figurinhas com sinais maçônicos, em flagrante descumprimento de juramento prestado. Isso a Maçonaria não ensina, mas reitera que não impõe nenhum limite à livre investigação da Verdade e para garantir a todos essa liberdade, ela exige de todos os seus membros a maior tolerância.
Têm-se notícias de que inoportunos grupos críticos exclusivistas, em sistemáticas trocas simultâneas de mensagens em tons desdenhosos durante apresentação de palestras por videoconferência, conspiram para colocar os apresentadores em saia justa por meio de perguntas desestabilizadoras. Esse formato de associação precisa ser desincentivado e eventuais convidados devem declinar de plano desse tipo de assédio e os atuais componentes desses grupos radicais deveriam desligar-se de imediato, sob pena de terem a imagem conspurcada. Nesse imbróglio, permitimo-nos destacar um aforismo não se sabe de autoria ou atribuído a Steve Jobs:
“Você nunca será criticado por alguém que esteja fazendo mais do que você, você só será criticado por alguém que esteja fazendo menos.”
Por sua vez, os valorosos Mestres idosos e experimentados, que já acumularam relevante bagagem na senda do conhecimento e sabedoria, devem despertar nos mais jovens a motivação para seguirem seus passos e aprenderem juntos, mantendo o brilho nos olhos, nunca encarando desafios como problemas e demandas como sacrifícios, tendo como meta o aprimoramento e conquista de realizações, de sempre ir além e crescer na Ordem. A vivência e generosidade desses Mestres, que felizmente são a maioria, reconhecidos e queridos por todos, tornam mais suave e estimulante a marcha dos Aprendizes e Companheiros. A essência deve estar nos exemplos e nas mensagens que passam a esses irmãos em formação.
Argumenta-se que haveria na Maçonaria um conflito geracional, com o desgastado discurso de que os mais jovens naturalmente rejeitam as tradições e o que é antigo, desejando o novo e a promoção de mudanças, transformações por vezes geradoras de conflitos. Mesmo dentro das faixas etárias verificam-se necessidades e interpretações distintas, dada a própria diversidade e formação dos obreiros, levando pessoas de uma mesma geração em qualquer tempo a não compartilhar os mesmos valores e atitudes. Há que se focar no equilíbrio e conciliação, tendo como escopo os princípios fundamentais da Maçonaria.
Como sabemos, tradição é aquilo que vem do passado, que deve ser protegido, guardado e difundido. Na Maçonaria, além da sua declaração de princípios e o propósito definido para cada Grau, os símbolos e alegorias são exemplos e carecem ser conservados, por auxiliarem seus membros a reter os ensinamentos pela impressão que causam aos sentimentos, ao espírito e à razão. Com o suporte dos cobridores dos respectivos Graus e os critérios de reconhecimento, forma-se a sua base como uma instituição de sucesso, já tendo ultrapassado a marca de mais de três séculos de sólida existência, na sua vertente moderna.
O modernismo a que refere os tempos atuais deve ser avaliado com cautela, para que sejam absorvidos os instrumentos que incrementam o sucesso até então alcançado, inclusive tecnológicos, fazendo as devidas adaptações, de forma refletida, dentro do conceito de modernidade, sem abandonar as tradições, deixando de lado discursos de desconstrução e reconstrução que levariam a Maçonaria a seu enfraquecimento.
A resposta para o Mestre Maçom de como enfrentar e superar esses novos tempos deveria ser óbvia, ou seja, dar um gás, saber o que ainda não se sabe, aprender com os irmãos mais experientes, com aqueles que são verdadeiras lições ambulantes, e com a nova geração de Aprendizes e Companheiros, uma espécie de mentoria reversa, do tipo colaborativa, facilitando o intercâmbio de conhecimentos e percepções. Indubitavelmente, a Loja é dos Mestres e é composta exclusivamente por eles; os Aprendizes e Companheiros a complementam e estão em processo de transição e lapidação, de aprendizado de vida e para a vida, em busca da luz ao interpretar os elementos fundamentais do simbolismo e realizar, em atividades construtivas, os conhecimentos adquiridos e assim atingirem o mestrado maçônico. Vale elucubrar sobre a máxima de que “maçonaria é aquilo que você faz quando a sessão acaba”.
Esse contexto merece uma reflexão mais profunda, pois são esses Mestres que recrutam os novos membros e, como bem destaca Napoleon Hill, no seu livro “Mais Esperto que o Diabo”:
“Quando você fala de líderes que são bem-sucedidos porque ‘sabem escolher homens’, você pode mais corretamente dizer que eles são bem-sucedidos porque sabem como associar mentes que se harmonizam naturalmente. Saber como escolher pessoas de forma bem-sucedida, para qualquer objetivo definido na vida, é uma habilidade desenvolvida para reconhecer os tipos de pessoas cujas mentes naturalmente se harmonizam.”
Com base na afirmação acima, a pergunta que não quer calar é: como está a qualidade de nossas escolhas dos novos Aprendizes, a formação e o preparo de quem os recruta junto à sociedade e, na sequência, ministram-lhes os fundamentos da Ordem? A resposta está com os gestores das respectivas Lojas e não deve circunscrever-se à busca de culpados por eventuais erros do passado, mas na construção de futuros possíveis e alvissareiros, cultivando o orgulho de ser Maçom. Aí reside o busílis.
“…Há que se cuidar da vida…Há que se cuidar do mundo…Tomar conta da amizade…” (Coração de Estudante: Milton Nascimento / Wagner Tiso)
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.
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Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Eu enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu permanecerei.
Frank Herbert, Duna
Em nossa juventude, protestamos contra a injustiça do mundo. À medida que desenvolvemos nossas filosofias de vida, também desenvolvemos nossos medos. Em uma recente discussão em grupo sobre o simbolismo específico da Maçonaria, foi colocada a questão: como podemos nos livrar dos medos? O medo, disse uma pessoa, é o que impulsiona o comportamento negativo. Outro disse que o medo motiva todo o comportamento. Depois de muita discussão, nunca chegamos a uma conclusão sólida sobre como aliviar o medo.
O medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio e o ódio leva ao sofrimento. Yoda , Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999).
O medo é o sentimento desagradável causado pela crença de que alguém ou algo é perigoso, ameaçador ou que pode causar dor. Esta definição está repleta de oportunidades para dissecação, para separar as peças que criam razões filosóficas para o medo.
Em primeiro lugar, é uma sensação desagradável, e os humanos odeiam sensações desagradáveis. Ninguém realmente quer se sentir mal e, no entanto, esse sentimento malicioso é construído sobre uma crença – não necessariamente baseado em fato ou razão. É simplesmente uma crença. Por definição, uma crença é uma fé ou confiança em algo”. Separados e colocados juntos, podemos dizer que o medo é um sentimento desagradável causado por uma confiança, fé ou garantia de que alguém ou algo está pronto para causar danos à nossa pessoa, nossos relacionamentos ou talvez nosso modo de vida e ideias.
Essa explicação não visa banalizar o medo ou certas manifestações importantes de medo, como o transtorno de estresse pós-traumático. Trata-se apenas de discutir medos comuns que a maioria de nós, se não todos, temos. Os medos são justificados? Alguns, sim. Alguns, talvez não. Em face do desastre imediato, o medo certamente está em ordem. Sigmund Freud disse, sobre medo real versus medo neurótico:
Você me entenderá imediatamente quando eu chamar esse medo de medo real, em oposição ao medo neurótico. O medo real parece bastante racional e compreensível para nós. Podemos testemunhar que é uma reação à percepção de um perigo externo, isto é, de um mal esperado e previsto. Está relacionado ao reflexo de fuga e pode ser considerado uma expressão do instinto de autopreservação. Assim, as ocasiões, ou seja, os objetos e situações que despertam medo, dependerão em grande parte de nosso conhecimento e de nosso sentimento de poder sobre o mundo externo…
Passemos agora ao medo neurótico, quais são as suas manifestações e condições…? Em primeiro lugar, encontramos um estado geral de ansiedade, um estado flutuante de medo, por assim dizer, que está pronto para se ligar a qualquer ideia adequada, para influenciar o julgamento, para criar expectativas, de fato, para aproveitar qualquer oportunidade para ser cheirado. Chamamos essa condição de “medo-expectativa” ou “expectativa ansiosa”. As pessoas que sofrem desse tipo de medo sempre profetizam a mais terrível de todas as possibilidades, interpretam cada coincidência como um mau presságio e atribuem um significado terrível a qualquer incerteza. Muitas pessoas que não podem ser chamadas de doentes mostram essa tendência de antecipar o desastre.
Simplificando, o medo é simplesmente a falta de um senso de poder sobre nosso próprio mundo, seja causado por um tornado iminente ou por sentimentos de inadequação. O que nos interessa aqui é o que Freud chamou de medos neuróticos. No entanto, a base de nossas reações, essa falta de controle, vem do mesmo processo de sobrevivência “lutar para fugir”. Ambos têm suas raízes no controle.
Uma vez me foi explicado que todos os vícios – preguiça, inveja, ganância, ganância, orgulho e luxúria – são todas as principais manifestações do medo.
“Para que nos reunimos aqui? ”.
“Para combater o despotismo, a ignorância, os preconceitos e os erros.Para glorificar a Verdade e a Justiça. Para promover o bem-estar daPátria e da Humanidade, levantar Templos à Virtude e cavandomasmorras ao Vício”
Aristóteles, em Ética a Nicômaco, fez afirmações semelhantes, explicando que virtudes e vícios eram um espectro e deficiências eram expressões dos extremos do espectro. Em muitos lugares, os cursos de psicologia ensinam como lidar com os medos das pessoas com algumas dessas mesmas técnicas, mas, novamente, ninguém realmente chega ao cerne do gerenciamento do medo. Então, sabemos o que pode ser o medo e como ele se manifesta, mas como realmente lidamos com ele?
Na minha juventude, li uma série de livros baseados na Psicologia. Esses ensinamentos eram reflexões canalizadas sobre a vida e o estilo de vida, como e por que as pessoas fazem o que fazem e as relações humanas em geral. Um aspecto que ficou comigo foi relacionado aos medos. Muitas pessoas têm uma atitude negativa dominante que precisam superar em suas vidas.
Alguns exemplos disso são:
autodepreciação;
autodestruição;
martírio;
teimosia;
ganância;
impaciência; e,
arrogância.
Muitos de nós passamos por tudo isso em algum momento de nossas vidas, mas, geralmente, nos limitamos a um (talvez dois) quando estamos cansados, deprimidos, sobrecarregados, distraídos ou simplesmente não estamos trabalhando no auge. Quando nossa sensação de conforto, nossa criança interior, é atacada ou se sente vulnerável, recorremos a essas atitudes que na verdade são expressões de medo.
Estes surgem desde a nossa infância e são colocados lá por nossas reações ao ambiente e experiências. Cada um desses bloqueios é baseado em um medo muito específico e pode ser superado, com esforço consciente. Essas são as atitudes negativas dominantes com seu espectro de manifestação, para retomar a ideia aristotélica de uma escala móvel de virtudes e vícios.
A autodepreciação é o medo de não ser bom o suficiente – manifesta-se como humildade (positiva) a auto humilhação (negativa).
A ganância é o medo de não ter o suficiente – manifesta-se como egoísmo | Desejo (positivo) para Voracidade | Gula (negativo).
A autodestruição é o medo de perder o controle – manifesta-se no auto sacrifício (positivo) até o suicídio | Imolação (negativo).
O martírio é o medo de não ser digno – manifesta-se no altruísmo (positivo) à mentalidade de vítima (negativa).
A teimosia é o medo da mudança, de novas situações – se manifesta na força de vontade | determinação (positiva) à teimosia (negativa).
A impaciência é o medo de perder ou perder oportunidades – manifesta-se como ousadia (positiva) à intolerância (negativa).
Arrogância é o medo de ser vulnerável – se manifesta como orgulho (positivo) à vaidade (negativo).
Como Sócrates, Aristóteles define o homem pela sua alma inteligente e, ao admitir que tudo tem uma finalidade, afirma que a finalidade do homem é a felicidade. Mas que felicidade seria essa? Podemos pensar a partir de um raciocínio bem simples: Qual é a felicidade de uma planta? Luz solar e água, por exemplo. Qual é a felicidade de um animal? Não sentir fome e poder viver em liberdade. E, por fim: Qual é a felicidade do homem? Desenvolver aquilo que tem de diferente em relação a todos os outros seres – a racionalidade. Para Aristóteles, a alma humana tem três partes: a alma vegetativa, com necessidades biológicas como as plantas; a alma sensitiva, com necessidades de sensações e movimento dos animais, e a alma intelectiva, com a necessidade de usar o pensamento. Se a alma tem três partes, então o homem tem de ser feliz nelas três, pois ninguém é feliz pela metade. Daí a importância do conhecimento e do raciocínio, responsáveis por evitar que haja exagero em qualquer uma das funções da alma. Em síntese, o critério de Aristóteles é o equilíbrio.
Neste quadro, estão as funções das partes da alma:
A felicidade completa do homem depende da realização de todas essas funções da alma. Mas, segundo uma ordem de importância, a alma intelectiva, ou seja, a inteligência, deve governar todas as funções. Além disso, como as pessoas vivem juntas, é função da alma treinar as virtudes, que são as boas práticas comuns do dia a dia. A palavra virtude (areté), para Aristóteles, significa “hábito que torna o homem bom”. Seguindo esse raciocínio, temos de treinar as virtudes, ou melhor, disciplinar nossos hábitos, para nos tornarmos bons. Podemos compreender isto como uma espécie de treinamento de virtudes a algumas regras de comportamento, por exemplo, lembrando que pessoas sem treinamento de boas maneiras, ao precisar demonstrá-las, acabam parecendo falsas, engraçadas ou até ridículas. Isso acontece, geralmente, em entrevistas de emprego ou na hora da paquera, quando o nervosismo e a falta de experiência podem criar situações constrangedoras. Do mesmo modo que não se pode fingir ter boas maneiras, não adianta querer parecer bom, pois isso depende do treinamento das virtudes, que acabam se incorporando à alma da pessoa. Para Aristóteles, então, a virtude, ou as práticas da busca da felicidade, têm de ser treinadas sempre para que não cometamos erros e prejudiquemos a nossa felicidade, que depende muito da nossa relação com as outras pessoas.
Observe no quadro abaixo os exemplos que demonstram o conceito de justa-medida ou equilíbrio de Aristóteles e reflita:
1→ No meu dia a dia eu costumo fazer escolhas virtuosas/equilibradas?
2→ Apropriando-se dos conceitos de Aristóteles posso dizer que sou capaz de cuidar da minha alma vegetativa, sensitiva e intelectiva?
Olhando mais de perto nosso próprio comportamento, pode ser mais fácil ver como uma reação a uma situação ou outra remonta a uma dessas atitudes negativas e ao medo por trás dela. Quando você deixa de se orgulhar de um trabalho bem-feito e passa a acreditar que o trabalho que fez é o melhor que já viu, pode haver algum medo. Essa linha que separa os dois extremos pode ser diferente para pessoas diferentes, e é claro que todos nós temos diferentes níveis de tolerância e habilidades para processar reações quando nos deparamos com o medo. Quando começamos a mergulhar além da superfície de nossa própria psique, a introspecção revela, talvez, essas atitudes negativas baseadas nas experiências da infância.
As crianças criam, com base em sua experiência ambiental e inclinações pessoais, visões de mundo distorcidas. Todos nós criamos essas distorções (grandes e pequenas) e elas acabam se tornando nossos mitos pessoais. Pense: “Sou feio”, “Sou estúpido” ou “Não vou comer hoje à noite”. Situações repetidas ou eventos traumáticos reforçam esse mito. Impulsionados por um medo profundo e por uma visão de mundo distorcida, a atitude negativa dominante emergente entra em ação em suas vidas, até mesmo na idade adulta.
A criança pensa, por exemplo: “Vou evitar que a vida sofra assumindo o controle da minha dor. Eu vou me machucar mais do que qualquer outra pessoa. A estratégia de sobrevivência escolhida pela criança envolve uma espécie de conflito, uma guerra contra si mesma, contra os outros ou contra a vida. É um padrão de comportamento defensivo que parece irracional por fora, mas que, do ponto de vista da criança, é perfeitamente racional. À medida que amadurecemos, devemos lidar com essas atitudes negativas dominantes ou elas comprometerão qualquer chance de autoaperfeiçoamento. Eles escondem nossa verdadeira natureza.
Quando alguém implica comigo ou com outras pessoas, acredito que o motivo seja sempre o medo. O medo não é a motivação para todas as atividades que fazemos. Sempre parece, no entanto, que o medo está no cerne de comportamentos verdadeiramente negativos e destrutivos. O ódio, a mentira e o fanatismo são reações e atitudes reais baseadas no medo. Ao lidar com essas reações no mundo, devemos ter em mente que o medo é o fator motivador e que, talvez, fazendo a pessoa se sentir segura, deixando-a expressar seus verdadeiros medos, a cura pode começar.
Em outro grupo de estudo, discutimos o medo e como usá-lo para desvendar a verdade. Fiquei então impressionado com o fato de que a Maçonaria nos oferecia oportunidades para confrontar nossos próprios medos e os dos outros. Seja falando na frente de um grupo, assumindo o trabalho ritual ou dirigindo o trabalho voluntário, a Maçonaria nos oferece uma chance de transformar continuamente os medos em ouro relacional, fornecendo os tipos de experiências que nos testam e nos forçam a enfrentar esses medos. Por que o maçom se importa com os medos? Há uma grande parte do mundo que opera em uma dieta constante de medo. A única maneira de encontrar um mundo melhor e uma humanidade melhor é elevar-se acima das coisas que nos levam a viver uma vida mundana, irracional e medíocre. Ao abordar e reconhecer quando as pessoas estão se movendo com medo, podemos acabar interrompendo o ciclo para elas e para nós mesmos.
Além disso, os maçons se esforçam para serem líderes. Liderança é aprender o que motiva as pessoas; aprendendo seus medos e ajudando-os a contorná-los, descobrimos talentos e habilidades esperando para serem descobertos. A liderança ilumina o que impede as pessoas de serem o melhor que podem ser. Abordar os medos é difícil, a menos que você crie um diálogo verdadeiro e honesto. A Maçonaria fornece um ambiente para expressar honestidade e ser apoiado.
Este diálogo honesto se estende a nós mesmos. Quais são os nossos medos? Qual é a nossa atitude negativa dominante e como isso afeta a mim, minha família e meus relacionamentos? Quais relacionamentos são saudáveis e positivos e quais não são?
Perguntar “por que” é um bom começo. Talvez, examinando as motivações dentro de nós que nos levam a ter relacionamentos dolorosos com os outros, possamos enfrentar nosso medo. Para fazer isso, devemos ser capazes de examinar ativamente nosso comportamento, avaliar o dano que estamos causando a nós mesmos e, como Paul Atreides da série Duna, olhar para dentro do caminho que ele percorreu e nos encontrar em seu caminho, e despertar.
Tente olhar naquele lugar onde você não ousa olhar!Você vai me encontrar lá, olhando para você!
Paul-Muad’Dib à Reverenda Madre, de “Duna” de Frank Herbert
Aos Buscadores, onde quer que estejam sobre a face da terra.
Autor: Geovanne Pereira
Geovanne é Bacharel em Filosofia, Pós-graduado em Psicanálise, Pós-graduando em Neuropsicologia, Acadêmico em Psicologia, Psiconauta, Yogue, Facilitador voluntário de estados holotrópicos de consciência no Instituto de Desenvolvimento Humano Céu na Terra (@ceunaterra.autoconhecimento) e Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay, n°22 – GLMMG.
Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:
“Pensar que as coisas desta vida hão-de durar sempre, é escusado. Até parece que anda tudo à roda: à Primavera segue-se o Verão, ao Verão o Outono, ao Outono o Inverno, ao Inverno a Primavera, e assim o tempo gira nesta roda contínua. Somente a vida humana corre para o seu fim mais ligeira do que o tempo, sem esperar renovar-se, a não ser na outra, que não tem fins que a limitem. ”
Trecho do Capítulo LIII do Livro O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Edição Especial 400 anos, Lisboa, Portugal
Na cidade mais antiga de Portugal e uma das mais remota da Europa, Évora, pouco mais de 100 km de Lisboa, cuja fundação dá-se à época do domínio romano, encontramos alguns monumentos erguidos por mestres construtores, como o Templo a Diana, e a Igreja de São Francisco.
Nesta, em um anexo, está erguida a Capela dos Ossos construída no século XVII por frades franciscanos, estes teriam chegado a Évora em 1224, oriundos da Galiza e quando Francisco de Assis ainda era vivo.
Certamente, o que chama e atrai atenção de todos os turistas que visitam a cidade de Évora é a Capela dos Ossos. Sua construção teve um único objetivo, chamar a atenção dos visitantes, pois, sendo uma construção muito peculiar, suas paredes e pilares foram revestidos por milhares de ossos e crânios humanos.
Toda a ossada fora retirada dos mais de 40 cemitérios abandonados que existiam na região de Évora e que ocupavam muito espaço na cidade.
Desta forma, os monges em um trabalho hercúleo, requisitaram as ossadas e como dito, querendo chamar os olhares de todos, sobre a brevidade da vida humana e sua transitoriedade, encontraram uma forma única e tocante, revestir a Capela com ossos e crânios, criando um espaço de reflexão sobre a vida.
É certo que se tornou um local turístico, alguns destes, com olhar de pura curiosidade histórica, outros tem uma visão mais espiritualista, mas, a Capela dos Ossos, cumpriu fielmente o objetivo inicial dos frades, um espaço para meditação e estímulo à humildade e mais ainda, queriam mostrar a todos os visitantes que tudo na Terra é impermanente.
Cabe ainda destacar o aviso, que está no frontispício da Capela, “Nos ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, ou seja, mais uma mensagem de que a vida é transitória e breve.
Saindo de Évora, deixando a Capela dos Ossos, vamos ao encontro de outra construção, se assim podemos dizer, que não está aberta à visitação, e a qual só pode ser adentrada, por pessoas que passaram por um processo de seleção criterioso.
Naquela, o espaço é preparado sob luz tênue onde estão expostos símbolos e frases de impacto e reflexão, na qual, o candidato a iniciação, o profano, tem o primeiro contato com a simbologia maçônica, tais como: o pão e a água, o enxofre e o sal, a ampulheta, o testamento, o galo, a foice, os símbolos da morte (esqueleto e um crânio humano).
Importante destacar que cada objeto ou frases (nem mais, nem menos) que estão nesta sala tem o seu significado maçônico, e que o iniciado uma vez recebendo a Luz da Verdade, isto é, tornando-se um Aprendiz Maçom, seguirá os estudos deles nos Graus seguintes.
Frise-se nenhuma pessoa é admitida na Maçonaria se não passar um tempo na Câmara de Reflexão. A Câmara, nas palavras de Sérgio Couto:
É definida como um recinto com paredes e teto pintados de negro, com uma mesa e um banco toscos. Na mesa são encontrados uma ampulheta, um tinteiro com uma caneta, um crânio humano, um vaso com sal, velas e papéis que devem estar preenchidos. Quando a porta de tal lugar é fechada, não é possível ouvir nenhum ruído externo. A pessoa que lá está deve ler algumas instruções que estão nos cartazes e papéis da mesa. O silêncio incita a meditação, e o cheiro de mofo mais os símbolos mortuários impressos nas paredes servem para lembrar que a morte chega para todos os vivos. Dessa maneira, o maçom terá certeza de que retornou ao “ventre materno” da Terra e que deve “renascer” para novas compreensões. (COUTO, 2009, pág. 58 grifos nosso)
Simbolicamente um dos objetivos dessa passagem pela Câmara é exatamente a que os monges Franciscanos da Capela dos Ossos tinham em mente, isto é, a reflexão sobre a brevidade da vida e que a morte é inevitável e ainda que devemos viver com humildade.
Findando essas breves reflexões, deixando a Capela dos Ossos e a Câmara de Reflexão, retorno novamente a Portugal, agora não em Évora, mas sim, no ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998, José Saramago.
A certa altura da narrativa, temos a preocupação de um padre que diz “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”.
Mais à frente: “As religiões, todas elas, por mais voltas que lhe dermos, não têm outra justificativa para existir que não seja a morte, precisam dela como do pão para a boca. ” A grande mensagem que fica da obra de Saramago é: “a morte é necessária para todos”.
Meus queridos II∴ todos nós já passamos pela Câmara de Reflexão, talvez poucos conheçam a Capela dos Ossos e reduzido leitores conheceram a obra citada, e, nas palavras de Saramago, “Se não voltarmos a morrer não temos futuro”, cabe a seguinte reflexão: nós maçons já experimentamos a “primeira morte” e “estamos nos preparando para a segunda? ”.