Platão e o Ritual Maçônico – Capítulo III

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A Conexão Grega: A Inglaterra do século XIX

É hoje um fato bem estabelecido que, na Europa, mas mais particularmente na Inglaterra e na Alemanha, um fenômeno cultural conhecido como Filohelenismo surgiu no final do século XVIII e se estendeu por mais de uma centena de anos durante o século XIX. O Filohelenismo é um termo de uso acadêmico para descrever um “amor por todas as coisas gregas”.

A primeira evidência de Filohelenismo foi no campo da literatura.

Estamos acostumados a pensar em entrar numa livraria e comprar traduções de obras literárias em outros idiomas. É um lugar comum da vida moderna. Mas, nos primeiros anos de 1700, isto estava longe de ser um lugar comum. Se você ou eu quiséssemos ler os Comentários de César, histórias de Lívio, ou o Anabasis de Xenofonte, teríamos que conhecer latim ou grego.

Nós compraríamos ou pediríamos emprestado um livro contendo o texto original e o leríamos, o traduziríamos nós mesmos.

Acadêmicos como o Dr. James Anderson estariam muito bem familiarizados com as obras de Platão e seus contemporâneos no original grego.

A primeira tradução notável de um texto grego para inglês foi aquele de Josefo, Antiguidades dos Judeus. Ele foi traduzido por William Whiston (1667-1752) e publicado em 1732, em Londres. As Antiguidades é um documento importante do ponto de vista maçônico. A data da sua publicação é justamente na época do desenvolvimento do Terceiro Grau e mais visivelmente – entre a primeira e a segunda edição das Constituições de Anderson (1723 e 1738) – ambas as obras significativas no cânon de literatura Maçônica (e algo que voltaremos a discutir em breve).

Outra questão importante – há aspectos de nosso Ritual, que aos olhos não treinados parecem ter sido tomados das escrituras sagradas, no entanto – não há dúvida de que eles realmente originavam-se do Antiguidades. Um exemplo é o da escada em caracol encontrado no Segundo Grau. Embora nenhuma escada exista em qualquer narrativa nos livros de Reis ou Crônicas, a referência a uma escada em caracol do piso térreo até o terceiro nível do Templo aparece em Antiguidades. Ela estava posicionada entre as paredes exterior e interior do Templo.

A primeira pessoa a traduzir o corpo completo das obras de Platão e Aristóteles para inglês foi Thomas Taylor (1758 – 1835). Taylor era o filho de um ministro dissidente que tinha esperanças que seguiria os passos de seu pai. Embora a carreira de Taylor não tenha seguido a de seu pai, ele desenvolveu um interesse pelo estudo das línguas antigas – especialmente a grega.

O conjunto de suas traduções gregas é vasto e até o ano de 1800, ele havia traduzido não só as obras completas de Aristóteles, mas também as obras completas de Platão e mais particularmente – a República. Pela primeira vez na história, homens e mulheres que não liam grego podiam ler República em uma tradução em inglês. De repente, o mistério e intriga dos clássicos gregos originais estavam disponíveis para qualquer um ler em inglês razoavelmente simples.

Isso abriu uma nova dimensão de filosofias, ideias, teorias e histórias que somente tinham estado disponíveis para um grupo de elite de acadêmicos. O escopo material grego que estava agora disponível em tradução inglesa (filosofia, teologia, história, poesia, teatro e mitologia) sugeria fortemente que os antigos gregos eram muito parecidos com você e eu. Os problemas que eles enfrentavam, as perguntas que faziam sobre a vida e a morte – essas não eram diferentes das perguntas que fazemos hoje.

No espaço de menos de 10 anos após a primeira publicação da República, o interesse por todas as coisas gregas desenvolveu-se em outros campos. A primeira expressão fora da literatura foi a arte.

Thomas Bruce, o sétimo conde de Elgin (1766-1841), arrebatado pelas ondas da moda grega, e aproveitando-se das tensões entre os gregos e turcos na época, convenceu as autoridades de Atenas para autoriza-lo a derrubar os frisos que adornavam o Parthenon (dentro e fora), corta-los, encaixota-los e despacha-los para a Inglaterra. (Ele os tinha persuadido que este seria a melhor de todas as vias possíveis para preservar a arte, no caso de uma invasão turca). A intenção era que a medida fosse temporária, mas permaneceram na Inglaterra nos últimos 200 anos, apesar dos protestos do Governo grego exigindo seu retorno.

“A Importância da República de Platão na estrutura de classe britânica do século XIX… O estudo do grego… Tinha a vantagem de não ter qualquer função útil… por isso servia aos propósitos de continuar o isolamento de uma classe superior, cujos membros não tinham de ganhar a vida, do resto da comunidade que tinha.” Charles Freeman,- The Greek Achievement, (2000, pp. 9-10).

“É impossível separar a instituição dos estudos gregos nas escolas públicas inglesas da determinação de manter o sistema de classes britânico. Os gregos forneceram, através da República de Platão, por exemplo, um modelo para uma classe dirigente ociosa, cujo direito de governar depende de uma formação especializada negada à maioria que não era considerada digna dela.”  Charles Freeman, The Greek Achievement, (2000, p. 10).

A atriz grega Melina Mercouri (1920-1994) defendeu ativamente o retorno desses frisos que são mais comumente chamados hoje como Os Mármores de Elgin. Quando Lord Elgin inicialmente retirou os frisos, eles eram ricamente coloridos. Personagens e animais esculpidos na pedra tinham roupas de diversas cores, e até mesmo detalhe de tons de pele.

Enquanto guardados no Museu Britânico, essas cores foram metodicamente removidas usando produtos químicos e escovas – uma prática que terminou poucos meses antes da Segunda Guerra Mundial. O que resta agora dos frisos – uma austera pedra branca – é uma interpretação inglesa do que eles acreditavam como devesse a arte ateniense ser olhada.

Enquanto em exposição no Museu Britânico, estas obras de arte atraíram uma nova geração para os estudos antigos gregos. Foi também durante essas primeiras décadas do século XIX que a poesia inglesa experimentou uma nova interpretação do estilo poético grego antigo conhecido como ode ou hino. Os principais expoentes dessa nova forma poética conhecida como a Ode Inglesa foram Wordsworth, Shelley e Keats. No capítulo intitulado Mitologia e História Grega: Sua Relação com Ritual Maçônico, atenção específica é dada à forma como o Ritual de Emulação adaptou a ode grega.

A única coisa intrigante a se notar por enquanto, é que o momento da composição do Ritual de Emulação coincidiu com o ápice do desenvolvimento da ode inglesa. O momento ocorreu com precisão exata.

Relacionada a estes poetas estava a figura romântica de Lord Byron (1788-1824). Ele estava tão envolvido no fenômeno do Filohelenismo que lutou ao lado dos gregos contra os turcos durante a Guerra da Independência Grega (1821-1829). Enquanto se preparava para um ataque contra a fortaleza turca de Lepanto, ele contraiu uma doença e, posteriormente, morreu alguns dias depois. Seu coração foi enterrado debaixo de uma árvore na cidade grega de Messolonghi e seus restos foram preservados e devolvidos para enterro na Inglaterra. A participação britânica na Guerra da Independência Grega era vista em termos muito clássicos como a luta contínua dos antigos gregos contra seus opressores Turcos – opressores contra quem tinham lutado desde a época das Guerras Persas.

Lord Byron também foi contundente em sua oposição ao “vandalismo” de Elgin dos frisos do Parthenon em seu poema – Peregrinação de Childe Harolds.

Cold is the heart, fair Greece! That looks on thee

Nor feels as lovers o’er the dust they lov’d;

Dull is the eye that will not weep to see

Thy walls defac’d, thy moldering shrines remov’d

By British hands, which it had best behov’d

To guard those relics ne’er to be restor’d

Curst be the hour when from their isle they rov’d

And once again thy hopeless bosom gor’d

And snatch’d thy shrinking Gods to northern climes abhorr’d.

Até 1830, dentro do sistema escolar público inglês, o grego se tornou a linguagem da moda. Tornou-se moda porque o estudo dessa língua tornou-se um importante instrumento político para assegurar que em um mundo que estava passando por tantas mudanças, como resultado da Revolução Industrial, o sistema de classes inglês sobrevivesse sem mudanças.

Este fenômeno filohelênico não ficou confinado apenas à Inglaterra. Ele também incluiu termos muito amplos e apaixonados na Alemanha. Até 1870 em um local chamado Hilarsik na Turquia, o empresário alemão chamado Heinrich Schliemann (1822-1890) satisfez uma ambição de longa data – descobrir o verdadeiro local da cidade que tinha sido povoado pelos heróis de Homero – Helena, Páris, Aquiles, Heitor, Agamenon, Menelau e Príamo … a cidade de Troia.

Continua…

Autor: Stephen Michalak
Tradução: José Filardo

Fonte: REVISTA BIBLIOT3CA

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Contato: opontodentrodocirculo@gmail.com

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