Platão e o Ritual Maçônico – Capítulo IX

Desenvolvendo o Caráter do Rei-filósofo

As Quatro Virtudes Cardeais 

Essencial para o Ritual maçônico é o estudo das Quatro Virtudes Cardeais. Platão não as chamava “virtudes cardeais”. Este termo foi algo que surgiu muito mais tarde desenvolvendo-se a partir da interpretação cristã durante a Idade Média.

Vamos dar uma olhada para o que o termo realmente significa.

A palavra cardeal é derivada do latim cardo. Cardo significa simplesmente uma dobradiça ou uma articulação. A ideia de usar esta palavra foi para enfatizar que, para uma vida humana ter qualquer significado ou valor, aquela vida tem de ser articulada e centrada nessas quatro virtudes.

A palavra virtude é derivada da palavra latina Vir. Vir é latim para homem e, por extensão, virilidade ou força. Os gregos, porém, tinham uma interpretação muito diferente do ideal de virtude e é essa interpretação grega que mais nos interessa neste momento.

O termo grego para a virtude era arete. Arete significa excelência – possivelmente alguma coisa mais – a excelência habitual. É importante notar que do ponto de vista grego, a virtude não tem qualquer inflexão de gênero como tem sua congênere latina. Também era mais ampla em significado e aplicação.

Qualquer que seja o campo da atividade humana em que estejamos envolvidos, cada um de nós tem a capacidade de desenvolver excelência em todo o seu potencial.

As virtudes cardeais são conhecidas em inglês pelas palavras Prudência, Temperança, Coragem e Justiça. Teremos de olhar para cada virtude no seu contexto inglês, latino e grego para melhor apreciar o que Platão estava tentando incutir em nós quando enfatizou repetidamente, que ninguém tem a capacidade de se desenvolver em um filósofo-governante a menos que estas virtudes estejam claramente demonstradas em suas vidas.

Antes de fazermos isso, porém, vamos dar uma olhada na maneira como essas virtudes são exibidas graficamente no espaço da loja.

Acreditava-se em geral… que o número quatro tinha algum tipo de significado especial. Existiam quatro pontos cardeais, quatro ventos, quatro fases da lua, quatro estações, quatro letras da palavra Adão e quatro era o número constitutivo do tetraedro de Platão, que correspondia ao fogo… Quatro foi o número da perfeição moral e os homens com experiência na luta pela perfeição moral eram chamados “tetragonais”. (Umberto Eco, Arte e beleza na Idade Média, pp35-36).

Quando entramos em uma loja, uma das primeiras coisas para a qual nossos olhos serão atraídos é algo que está no centro da sala. É o que é conhecido como o Pavimento Mosaico. Este Pavimento é de forma retangular e as peças que compõem o Pavimento em si são negras contra brancas. Em cada um dos cantos deste Pavimento está a figura de um pendão simples. Em um contexto maçônico, cada um destes quatro pendões representa cada uma das quatro virtudes cardeais.

Não é um simples acidente que o Pavimento Mosaico situa-se no centro da loja. Não é um simples acidente que o Pavimento tenha forma retangular. Não é um simples acidente que as Virtudes Cardeais sejam retratadas como ocupando cada um dos quatro pontos do retângulo onde o ângulo reto é formado.

O projeto em si é medieval e representa a natureza espiritual do ser humano.

O filósofo italiano, linguista e escritor Umberto Eco levantou um argumento significativo em seu livro Arte e Beleza na Idade Média, quando explicou que, durante o século XII, as ideias da teoria pitagórica do universo foram adaptadas e desenvolvidas em um conceito conhecido pelo termo latino, homo quadratus (ou o homem ao quadrado).

Este “homem ao quadrado” é o símbolo da retidão moral e que assim é o próprio conceito que o pavimento mosaico ilustra.

Tendo isso em mente, podemos interpretar o Pavimento Mosaico como ilustração dos meios para atingir uma perspectiva moral sobre a vida e a maneira de fazê-lo – é por meio das Quatro Virtudes Cardeais! Vamos agora examinar cada uma dessas virtudes em mais detalhes para ver quais lições podemos tirar delas, para que possamos aplicá-las em nossas vidas para alcançar maior realização pessoal.

Prudência

A primeiro Virtude Cardeal é a Prudência. A palavra latina é prudentia e é fácil ver a relação linguística entre estas duas palavras. A palavra grega é escrita assim: jronhsis. Ela é pronunciada, fronesis.

Existe um livro de termos filosóficos gregos que leva o simples título de Definições. Embora tenha sido anteriormente atribuído a Platão, a opinião moderna diverge fortemente dessa alegação. Independentemente disso, ele virá a calhar para nós nos referirmos a ela, alegando que as definições aplicadas aos termos eram correntes no mundo grego antigo. Esta será então a nossa linha de base para entender o que os termos significavam quando foram desenvolvidos pela primeira vez.

A definição dada a fronesis (prudência) é:

– sabedoria prática; o conhecimento do que é bom e ruim; a disposição com que julgamos o que deve ser feito e o que não deve ser feito.

A definição enfatiza o caráter muito prático do que se entende pela palavra. Em termos do dia-a-dia, poderíamos sugerir que prudência se refere à arte de aplicar o senso comum em nossas atividades rotineiras. Sendo este o caso, Platão estava enfatizando a importância de um líder ponderado ser capaz de usar o bom senso. A este respeito, o senso comum não é apenas um “palpite” ou um “pressentimento”. Ela é uma habilidade que cada um pode desenvolver como uma forma de excelência habitual.

Temperança

A segunda virtude cardeal é a temperança. A palavra latina é temperantia e é o equivalente grego é svjrosmnh. Pronuncia-se, sofrosunai.

Autocontrole é a mais valorizada das virtudes e significa não desejar desejar. Significa, também, controlar a própria infelicidade, tanto quanto possível quando e se o lamentável acontece e o desejo incontrolável aparece. (Simon Goldhill, Amor, Sexo e Tragédia: A importância dos Clássicos).

Em um contexto do idioma inglês, a palavra temperança tem um sabor muito vitoriano. As Uniões de Temperança (que tinham grande destaque durante a era vitoriana) eram organizações cujo objetivo era a abolição das bebidas alcoólicas. Com efeito, eles diziam “não beba gin”. A palavra também pode significar algo na linha de “contenção”. Em sua própria maneira, a temperança realmente não se sustenta muito bem sob uma luz positiva.

A definição da Grécia antiga era muito diferente e muito positiva:

– Autocontrole; moderação da alma… boa disciplina da alma; concórdia da alma em relação a governar e ser governado.

As ideias operativas aqui são o equilíbrio e autocontrole. Em vez de dizer “não beba gin”, sugere-se que o gin pode ser uma coisa boa para beber – com moderação. Isso sugere que o excesso de qualquer coisa não é realmente desejável.

E ainda sugere que virtude demais pode ser um vício.

Em termos práticos, poderíamos até dizer que esta seria uma boa característica de se ter, se quisermos perder peso… a ideia aqui é que levemos uma dieta balanceada, não exageremos nossa ingestão de calorias e tomemos cuidado com o consumo de álcool. O aspecto positivo desta definição é uma vez mais a sua praticidade. Ela não nos obrigando a sermos ascetas… muito pelo contrário. Ela enfatiza qualidades como equilíbrio, ordem, estabilidade. Nesta luz, o nosso foco na vida diária é atingir o equilíbrio nas coisas que pensamos, as coisas que sentimos e nas coisas que fazemos. É nada menos que o alinhamento harmonioso.

Coragem

A terceira é a virtude cardeal é a coragem. A palavra latina é fortitudo e a palavra grega é escrita assim: andreia. É pronunciada andraia.

Termos como força e coragem têm aplicações diretas em um campo de batalha ou algum teatro de hostilidades, e muitas vezes é nas situações extremas em que manifestações dessas qualidades são geralmente observadas.

A definição do grego antigo é um pouco mais sutil do que esta que acabamos de discutir. A definição grega diz simplesmente:

– Autocontenção na alma sobre o que é temível e terrível; ousadia, em obediência a sabedoria; a calma na alma sobre o que o pensamento correto considera assustador.

Mas, as pessoas que mais merecem ser julgadas de espírito forte são aquelas que sabem exatamente o quais terrores e prazeres estão à frente, e não se afastam do perigo por aquele conhecimento.

Tucídides, A guerra do Peloponeso, 40 (Extraído da Justiça, Poder e Natureza Humana: Seleções da História da Guerra do Peloponeso, Traduzido por Paul Woodruff.

Aqui, a definição enfoca mais uma vez o princípio do equilíbrio. Desta vez, o equilíbrio está associado à capacidade de acalmar a rápida sucessão de pensamentos que nos alarma ou nos assusta. Isso é mais sugestivo de ser um chamado à ação calma mas decisiva quando as circunstâncias o exigem – independentemente dos perigos presentes. Nessas situações, eliminamos os aspectos emocionais de excesso de reação normalmente associados a situações de perigo. Nós vemos o perigo pelo que ele realmente é, e não por aquilo que nossa imaginação hiperativa dá impressão que seja.

Fora estarem envolvidas em um teatro de guerra, a seguinte situação que a maioria de nós tem que enfrentar em algum momento de nossas vidas expressa como podemos demonstrar firmeza em uma situação cotidiana.

Imagine ter ido a um médico especialista e ser submetido a uma série de exames. Estamos aguardando os resultados na área de recepção do consultório do especialista. Estamos preocupados que talvez os resultados sejam terminais. Pensamos que uma rápida sucessão de pensamentos ligados à morte e o morrer. Como as pessoas reagem? Que medidas deverão ser tomadas para o descarte de nosso corpo? Existe vida após a morte? Se for o caso, como seria ela?

Sentimos nosso coração disparar, a respiração tornar-se superficial e rápida. Justificadamente – nos sentimos fracos.

A única coisa positiva a fazer é realizar uma cirurgia em nossos pensamentos… cortar aqueles pensamentos que são uma elaboração baseada nas circunstâncias que estamos enfrentando, agora, hoje, neste exato instante. Precisamos descobrir que um ponto em nosso espírito; aquele ponto fixo em um universo que está girando loucamente fora de controle, e depois ficar com a cabeça erguida quando formos chamados à sala da especialista para ouvir o veredicto, qualquer que seja o que o veredicto possa reservar para nós.

Justiça

A quarta virtude cardeal é a justiça. A palavra latina é iustitia e a palavra grega é escrita assim: dikaiosmnh. É pronunciada dikaiosuna.

Anteriormente, abordamos a tradução moderna da palavra, dizendo que dikaiosuna era traduzida geralmente como a justiça, ao passo que a tendência hoje é traduzir a palavra como “moralidade” ou “retidão ética”. De qualquer maneira, a palavra em inglês é temperada com um tom jurídico de punição por má conduta.

Em nossa discussão das três virtudes cardeais anteriores, notamos que a definição grega original se afasta significativamente do uso comum das palavras em inglês. A situação não é diferente quando se trata da palavra justiça.

A definição grega antiga é simples, sem qualquer elaboração:

– O estado que distribui a cada pessoa de acordo com o que é merecido.

Neste sentido, os gregos enfatizavam que a moralidade, ou a justiça ou demonstrações de ética tinham mais a ver com a resposta a situações de forma adequada. Por exemplo: se uma pessoa faz bem alguma coisa, a coisa apropriada é elogia-la. Se uma pessoa faz mal a uma tarefa, o mais apropriado é aconselhá-la, ou treina-la e orienta-la (ou se todas estas coisas falharem), possivelmente até mesmo puni-la.

Sua importância para nós é aplicar o princípio de tal forma que damos uma resposta adequada a nós mesmos, a cada pessoa que encontramos e a cada evento na vida em que estamos envolvidos.

O ponto é que os deuses nunca negligenciaram qualquer pessoa que esteja disposta a se dedicar a se tornar moral e praticar a virtude para assimilar-se a deus, tanto quanto seja humanamente possível. (Platão: República 613e Trad. Robin Waterfield)

Neste sentido, é significativo que na Cerimônia de Encerramento da Loja, um pouco antes do Primeiro Vigilante bater o malhete para fechar a loja, ele comenta a todos os presentes a sua função específica. É para zelar que cada irmão tenha tido o que é devido e o que lhe deve.

….

Após discutir cada uma das quatro Virtudes Cardeais, podemos entender que, enquanto maçons, somos convocados a demonstrar equilíbrio em tudo de nossas vidas e em nenhum lugar esta instrução tão claramente explicada quanto no Segundo Grau

…observar uma média devida entre a avareza e a profusão, manter a balança da justiça com igual equilíbrio; fazer suas paixões e preconceitos coincidir com a linha justa de sua conduta…

O objetivo por trás dessa afirmação é simples. O objetivo por trás disso ilustra a razão por trás uma vida moral que Platão enfatizava de diferentes maneiras ao longo de A República. É assimilação a deus, ou como nosso ritual poeticamente nos lembra, sempre temos a eternidade em vista.

Continua…

Autor: Stephen Michalak
Tradução: José Filardo

Fonte: REVISTA BIBLIOT3CA

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Contato: opontodentrodocirculo@gmail.com

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