A Lei de Godwin e a Maçonaria

“Paremos, portanto, de julgar uns aos outros. Ao contrário, preocupem-se em não ser causa de tropeço ou escândalo para o irmão.” (Romanos 14,13)

Em 1990, o jurista americano Michael W. Godwin fez uma afirmação que repercutiu nos meios virtuais e ficou conhecida como a “Lei de Godwin”. Segundo ele, “à medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou o nazismo aproxima-se de 1 (100%)”.

Desde então, sempre que o calor das discussões, fóruns ou bate-papo, sobre qualquer assunto, o posicionamento de uma das partes resvala para comparações ao nazismo, na tentativa de demonizar ou desacreditar o(s) interlocutor (es), considera-se que o autor da colocação perdeu a discussão à míngua de melhores argumentos, distanciando-se do assunto original, revelando-se um bom momento para acabar com o debate, vez que o mesmo atingiu o “ponto Godwin”.

Por outro lado, há aqueles que argumentam no sentido de que se alguém invoca a presença da citada “Lei”, trata-se de desculpa para terminar a discussão, o que pode ensejar um recuo estratégico.

Em todo caso, tal situação é facilmente identificável quando o tema envolve discussões religiosas, políticas e filosóficas, em especial quando uma das partes tem posição contrária e não vislumbra espaço para debates democráticos ao receber insinuações que ensejam rótulos vinculados à direita ou esquerda, anti-isto, anti-aquilo, fascista, nazista, e suas variantes como golpista, burguês, elite branca, filhote de ditadura, “coxinha”, conspirador etc., além de censuras ou deturpação dos argumentos expendidos, podendo até terminar em xingamentos e ataques pessoais. Em determinadas situações, pessoas raivosas e arrogantes passam a demonizar, desqualificar, humilhar e excluir aqueles que pensam de forma diferente.

Assim, discordar de opiniões alheias não pode ser motivo para criação de barreiras tipo ”nós versus eles” ou “afastemo-nos deles”. É importante ter em mente que o outro não é melhor nem pior, apenas pensa de uma maneira diferente e, por vezes, de forma mais racional que a nossa, quando não de forma complementar.

O posicionamento de algumas pessoas que alegam franqueza e falam tudo o que pensam pode ser sinônimo de imaturidade e falta de habilidade nos relacionamentos. A franqueza pode ser interpretada como um modo indelicado de usar da sinceridade. Precisamos ter em mente que ferir os sentimentos alheios gera ressentimentos e distanciamento entre as pessoas. O exemplo do efeito rebote na guerra entre bugios deve ser evitado. Esta espécie de macaco costuma lançar dejetos nos rivais quando brigam.

Nesse sentido, passando ao largo da lógica e da filosofia, o recurso da argumentação sobre um determinado tema exige conhecimento amplo de seu escopo, com opinião minimamente lógica, de forma a defender o ponto de vista e convencer o interlocutor, sem, no entanto, almejar sua mudança de opinião. A sabedoria popular ensina que é preciso vencer a soberba e dizer “não sei”, “desconheço”, com respaldo na virtude da humildade e tranquilamente completar com “vou me informar melhor”. O que importa realmente é abandonar a postura de que é imperioso “estar certo”.

O debate é importante por uma série de motivos, dentre os quais como oportunidade de analisar variantes de uma questão, esclarecendo pontos obscuros, permitindo o compartilhamento de ideias, experiências e informações, além do aprendizado decorrente dos argumentos a favor e contra uma opinião, com grandes possibilidades de mudança ou o surgimento de soluções inéditas. É no debate, portanto, e nas atividades de grupo, que acumulamos conhecimentos. O que não pode ser descurado é o respeito às pessoas e a discordância não pressupõe conflito. Se todos concordam, então não existe o debate e a situação se congela.

A prática da Maçonaria Especulativa ensina que o debate é essencial, tanto em Loja quanto nas redes sociais ou círculos de estudos presenciais ou online. Ademais, leituras de instruções e textos em Loja não agregam valor se não são sucedidos de reflexões. E a participação, em qualquer dos fóruns acima citados, deve transcorrer observando-se o que está sendo dito e não quem o diz, pois esta se dá no nível de igualdade entre os participantes, valendo as diferenças culturais apenas como tempero e enriquecimento, respeitados os valores de cada um. A somatória das experiências individuais, os saberes e os conhecimentos obtidos pelo compartilhamento dos demais, forma um patrimônio cultural que beneficia a todos.

Ocorre que, não obstante esse entendimento ser um norte da Arte Real, e apesar de vacinados contra a “ditadura do pensamento”, rotulagens e o patrulhamento, vez por outra caímos na cilada da crítica pela crítica, acompanhando uma opinião mais incisiva sobre determinado assunto, como o ocorrido recentemente no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”, mantido pelo nosso irmão Luiz Marcelo Viegas, membro da ARLS Pioneiros de Ibirité Nº 273, onde um artigo denominado “Os Dois Coveiros da Maçonaria” causou furor, levando o editor, num primeiro momento, a retirar o artigo do blog. Passado o frisson e serenados os ânimos, o artigo voltou ao seu merecido lugar, para que possa ser lido e avaliado por todos.

Para não fugir ao lugar-comum, quando a discussão envolve censura, inevitavelmente somos remetidos aos lamentáveis registros históricos de queima de papiros, destruição de bibliotecas, além de situações ainda mais gravosas como a queima de livros e de seus autores, tão covardemente praticados por ocasião da Inquisição. São famosas as sessões de queima de livros promovidas pelo regime nazista.

Por oportuno, vale ainda lembrar uma expressão atribuída ao cineasta Cacá Diegues, as “patrulhas ideológicas”, que tinham como objetivo “depreciar” produtos culturais não alinhados a certo cânon considerado politicamente correto por grupos formadores de opinião”, articulando-se no sentido de convencer o público a seguir determinados critérios e normas, desencorajando iniciativas de questionamento de princípios ou fatos. Referidos grupos poderiam inclusive intimidar, causar medo, obstruir espaços de discussão, sejam eles públicos ou privados, podendo até evoluir para o linchamento daqueles considerados inimigos.

Em nosso meio, cabe-nos refletir frente a esses acontecimentos sobre a nossa real certeza quanto à valorização da dialética, da arte do diálogo, como instrumento que viabilize discussões que contrariem entendimentos arraigados, permitindo que a força da argumentação inteligente, fundada na pesquisa e no estudo, produza novas ideias, amparada pela igualdade e liberdade de pensamento. Importa ressaltar que o verdadeiro Iniciado tem perfeito domínio do que pode ser discutido, em que nível e com quais públicos, respeitados os postulados da Ordem. E, “pra não dizer que não falei das flores” (Vandré), é sempre presente o pensamento atribuído a Voltaire por Evelyn B.Hall no sentido de proteger o direito dos outros de dizerem o que pensam, mesmo que não estejamos de acordo.

Com relação aos chamados reacionários, que não medem esforços em julgar a tudo que venha de encontro à suas idiossincrasias, e pouco, ou quase nada, agregam, por vezes desagregam, mas que se destacam apenas e tão-somente pela dimensão da arrogância e da vaidade, não devemos gastar mais que algumas linhas e desejar-lhes que sejam felizes e avaliem a possibilidade de retornar ao primeiro grau e que procurem seguir com seriedade as instruções que não foram assimiladas na sua plenitude.

Enfim, a citada “Lei de Godwin”, não pode gerar um correlato e prosperar no nosso meio, levando irmãos a se imporem como juízes e decidir ao seu alvedrio o que é Maçonaria e o que é atitude antimaçônica, com notas de intolerância e radicalismo, estes sim, condenados pela Ordem, que se estrutura em uma filosofia eminentemente libertária, onde não prospera uma investigação dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre arbítrio.

“Na essência somos iguais, nas diferenças nos respeitamos.” ( Santo Agostinho)

“Reaja com inteligência, mesmo que o ataque não seja inteligente.” (atribuído a Lao-Tsé, na obra “Tao-Te King”).

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

Nota do Blog

Abaixo os links para as duas partes do artigo “Os Dois Coveiros da Maçonaria”:

Parte I : Os Dois Coveiros – Parte I – O Místico Supersticioso

Parte II: Os Dois Coveiros – Parte II – O Vaidoso Arrogante

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