Platão e o Ritual Maçônico – Capítulo Final (2ª Parte)

Qual era a aparência da Atlântida?

Conforme indicamos anteriormente, ela era um continente-ilha maior em tamanho que a África e a Ásia combinados, situado no Oceano Atlântico logo depois do estreito de Gibraltar. Era uma ilha rica em minerais (particularmente um metal precioso conhecido como oreichalkos – “que agora é apenas um nome para nós … (mas) … na época só tinha menos valor que o ouro”. A ilha em si foi um “Éden auto-sustentável”, plantas aromáticas, pastagens, uma variedade de cereais e madeira era abundante assim como outros habitats para sustentar uma ampla diversidade de vida animal (incluindo elefantes).

A peculiaridade mais evidente sobre a ilha era sua excentricidade visual. Ela era composta por três anéis circulares de terra, dividido por três canais circulares de água, com pontes que ligavam cada anel da ilha ao próximo. Uma muralha interior e outra exterior rodeavam cada anel de terra. Isto significa que no total eram cinco muralhas, e cada uma era feita de pedra escavada especificamente para a sua cor característica. A partir da mais distante muralha externa e movendo-se para dentro, suas cores eram branco, em seguida preto, e então vermelho. A quarta muralha era revestida de um verniz de bronze, enquanto que a quinta e mais interna muralha (em torno da Acrópole, as fontes de Água quente e fria e o Palácio) eram fundidas em latão. A própria Acrópole era coberta de oreichalkos que “brilhava como fogo dardejante”.

Para dizer o mínimo, esta é uma descrição muito fantasiosa de uma cidade. Na verdade, caso encontrássemos essa descrição nos escritos de Jules Verne ou de Robert Heinlein, dificilmente pareceria fora de lugar. Ela aparece, por seu valor nominal, ser uma descrição de uma cidade que é o produto orgulhoso da imaginação humana.

Sabemos que a verdade é mais estranha que a ficção. Demonstramos como Platão usou Heródoto para fornecer uma estrutura esquelética para a vitória ateniense contra Atlântida. Também vimos como Platão adaptou a preocupação de Heródoto, que os feitos dos homens e mulheres que viveram no período das guerras persas seriam apagados pelos efeitos do tempo, a menos que eles fossem gravados. Para Platão, este tornou-se o argumento que ele usou para explicar por que nenhum ateniense estava familiarizado com a história da derrota de Atlântida por Atenas. Mas, por mais importantes que elas sejam, não são as únicas influências que Platão deve a Heródoto. A principal influência literária que Platão deve a Heródoto é o uso de sua descrição da capital mediana de Ecbátana como modelo para Atlântida.

Em Histórias l.98, Heródoto descreve a majestosa cidade de Ecbátana com uma semelhança notável por sua excentricidade visual. Por uma questão de conveniência, relacionei suas principais características:

  • Uma fortaleza inexpugnável de círculos concêntricos de muralhas defensivas;
  • Havia sete muralhas que rodeavam a cidade;
  • As paredes mais internas abrigavam o palácio e os tesouros;
  • As cinco primeiras paredes eram pintadas em cores específicas sendo – branco, em seguida preto, vermelho, azul e laranja;
  • As duas muralhas mais internas eram cobertas de prata e a última de ouro.

Por mais intrigantes que sejam essas correspondências, há uma última peça no quebra-cabeça que ajuda a argumentação. Ela é encontrada em uma obra conhecida como Epigramas. Por tradição, a obra é atribuída a Platão. Se cada um destes curtos epigramas foi composto pelo próprio Platão é duvidoso, mas, no contexto do que já discutimos, não podemos descartar o Epigrama XIII como sendo totalmente falso. Se assumirmos, por enquanto, que ele veio diretamente da pena de Platão, então este epigrama tem funções como o tecido conjuntivo, no âmbito do argumento anterior. O epigrama diz:

Certa vez, deixamos as sonoras ondas do mar Egeu para ficar aqui no meio das planícies de Ecbátana. Adeus a ti, conhecida Eretria, nosso antigo país. Adeus a ti, Atenas, vizinha Euboeais. Adeus a ti, querido mar.

Embora existam semelhanças suficientes entre as descrições da Ecbátana de Heródoto com o relato da Atlântida de Platão, a questão central a partir da perspectiva do argumento proposto neste livro, é o desenho da conexão entre o ritual maçônico moderno e a prática da filosofia grega antiga – em particular – da filosofia de Platão. Se Atlântida nunca existiu na realidade ou apenas como uma ideia, é algo que, espero, continuará a ser uma busca para cientistas e historiadores, para os séculos vindouros.

A Configuração para o Mito de Atlântida

Quando se abre o diálogo em Timeu, Sócrates reúne-se com Timeu, Crítias e Hermócrates. Timeu é um homem rico de Locris, no sul da Itália – uma área conhecida como a terra da Escola Pitagórica de Filosofia. A personagem conhecida como Crítias é na realidade o tio de Platão, enquanto a quarta pessoa neste diálogo é Hermócrates – um sobrevivente rico e educado da Guerra do Peloponeso. Embora aparentemente escrito alguns anos após A República, Timeu começa com Sócrates querendo resumir os pontos principais que pertencem ao tema da sociedade ideal, discutido pela primeira vez em A República. Mais que tudo, ele quer dar-lhe substância, respirar alguma vida nesta visão de seu modelo utópico. Ele quer entender melhor como os seus reis-filósofos governariam tal cidade em tempos de guerra (assim como na paz). O ponto que ele desenvolve aqui é que a personagem do rei-filósofo precisa ser multi-dimensional – capaz de dimensionar o alcance intelectual e emocional entre a sensibilidade emocional profunda para foco, objetivo e dureza mental. Estes são os requisitos mínimos para um líder em tempos de paz como de guerra.

… as almas dos guardiães deveriam ter uma natureza que é ao mesmo tempo alegre e filosófica no mais alto grau, para que eles possam ser adequadamente suaves ou duros conforme seja o caso.

Crítias interrompe aqui e ali e se oferece para contar uma história que pode atingir o objetivo de Sócrates. Ele alega que é uma história que ouviu de seu bisavô – uma pessoa conhecida como Sólon, o legislador, quando o próprio Crítias era apenas uma criança pequena. É a história de uma vitória ateniense épica sobre a maior potência militar já conhecida do homem que ocorrera milhares de anos antes.

Nem Sócrates, nem Timeu ou Hermócrates ouviram esta história antes, e ficaram surpresos ao ouvir que uma história tão grandiosa e épica como Crítias pretende que ela seja não tem qualquer registro histórico que a sustente. Nesse momento, Platão (com inteligência sutil) tece um ponto que Heródoto criou nas primeiras linhas das suas Histórias – a saber, que o triunfo épico é desconhecido para os atenienses porque esses traços dos acontecimentos humanos já tinham sido apagados pelo tempo, muitos e muitos anos atrás:

A história é que nossa cidade (Atenas) realizou grandes e maravilhosos feitos na Antiguidade, que, devido à passagem do tempo e a destruição da vida humana, desapareceram.

…e uma vez mais:

…uma conquista que merece ser conhecida muito melhor do que qualquer outra de suas realizações. Mas, devido à marcha do tempo e o fato de que os homens que a realizaram morreram, a história não sobreviveu até o presente.

Preâmbulo de Crítias – Resumo da Vitória de Atenas sobre a Atlântida

Crítias relata como Sólon, uma vez viajou para a cidade egípcia de Sais no Delta do Nilo e foi recebido pelos sacerdotes que o envolveu em uma série de debates animados sobre uma série de temas – um deles em particular sendo uma tentativa de calcular o tempo decorrido entre a criação do primeiro homem (Foroneu) e o Grande Dilúvio (relacionados no mito grego de Deucalião e Pirra).

Além disso, quanto à sabedoria, eu tenho certeza que você pode ver quanta atenção nosso modo de vida dedicou a ele, desde o início. Em nosso estudo da ordem mundial, rastreamos todas as nossas descobertas … das realidades divinas aos níveis humanos, e adquirimos todas as outras disciplinas relacionadas. Isto é, na verdade, nada menos do que o próprio sistema de ordem social que a deusa (Atena) planejou primeiramente para vocês quando fundou sua cidade …(Timeu, 24b-c ,Trad: Hamilton)

Sólon foi surpreendido pela resposta do sacerdote, rápida, porém irônica. O sacerdote observou que os gregos têm uma clara falta de profundidade histórica. Especificamente, eles exibem uma forma daquilo que podemos chamar de amnésia histórica, porque sempre lhes faltou disciplina para registrar suas histórias. Na falta disso, eles substituíram por mitos para explicar fenômenos naturais. Aqui, o sacerdote explicou algo desconhecido para Sólon. Ele lhe disse que não tinha acontecido uma só grande inundação, mas que tinha havido muitas. A destruição completa, total e absoluta da raça humana tinha ocorrido não apenas uma vez, mas a humanidade foi destruída em intervalos regulares ao longo da história por duas causas principais – o fogo e a água. Cada ciclo de destruição foi acompanhado por uma mudança no curso do sol através do céu – um fenômeno que em linguagem científica seria explicado como uma mudança na polaridade da terra.

O sacerdote então continua a explicar que, embora os gregos pareçam considerar a civilização egípcia como mais antiga que a deles, Atenas é, na verdade, a civilização mais antiga. Como justificativa, ele afirma que os egípcios têm documentos históricos que remontam a 8.000 anos. O sacerdote explica que, quando ambas as civilizações, egípcia e ateniense, foram fundadas, cada uma delas tinha o mesmo sistema social. Durante todo esse tempo, o sistema social ateniense tem estado em decadência, enquanto que os egípcios o mantiveram em seu estado original.

O curioso sobre este sistema social é que, no modelo egípcio, as pessoas mantiveram competências especializadas e estavam proibidas de se envolver, obter formação ou educação em áreas em que o seu próprio comércio ou profissão não estava relacionado.

Primeiro, você descobrirá que a classe de sacerdotes é demarcada e separada das outras classes. Em seguida, no caso da classe operária, você verá que cada grupo – os pastores, os caçadores e os agricultores – trabalha de forma independente, sem se misturar com os outros.

O próximo ponto exposto pelo sacerdote é que a lei egípcia sublinha a importância de todas as disciplinas do conhecimento – um ponto que Platão elaborou no currículo educacional que ele criou para reis-filósofos da República – algo que entendemos como as artes liberais e ciências.

Se dermos um pequeno passo para trás, podemos apreciar as habilidades que Platão demonstrou como propagandista e marqueteiro de suas próprias teorias. Aqui está um sacerdote egípcio falando de uma ordem mundial ideal (ou a estrutura social), onde o conhecimento é usado para nos levar a realidade divina ou ao próprio trono de Deus. Usando o artifício artístico de um terceiro expressando a mesma coisa que Platão estava promovendo, ele dá ao seu argumento uma vantagem extra de credibilidade, bem como uma justificação histórica convincente.

Podemos ver os primórdios das origens ideológica real de uma super-raça – por exemplo – Atenas sobre Esparta – tomando sua forma, nas próximas palavras ditas pelo sacerdote:

…ela (Athena) tinha escolhido a região em que seu povo tinha nascido (Atenas) e percebido que o clima temperado ao longo das estações produziria homens de sabedoria insuperável. E, sendo um amante tanto da guerra quanto da sabedoria, a deusa escolheu a região que mais provavelmente produziria homens com ela mesma, e a fundou primeiro … na verdade, suas leis melhoraram ainda mais, de modo que você veio a superar todas as outras pessoas em toda a excelência, como se poderia esperar daqueles cuja geração e nutrição eram divinos.

A Vitória de Atenas sobre Atlântida

Combinando as narrativas dadas em Timeu e Crítias, a história de Atlântida segue…

Crítias explica que os eventos da guerra entre Atenas e Atlântida ocorreram 9.000 anos antes de seu tempo (em outras palavras por volta de 9400 a.C.). Ele descreve Atlântida como uma ilha situada no Oceano Atlântico, em frente as Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar). Era uma ilha “maior que a Líbia e a Ásia juntas” (Líbia era o nome dado à área da África explorada na época). Seu império se estendia por toda a África até as fronteiras do Egito, e por toda a Europa até a Itália. Atlântida, então, decidiu expandir o seu império ainda mais para incorporar a Grécia e o Egito e o que é hoje é a Espanha. Atenas, então, mostrou sua força e coragem a comandar uma ofensiva que consistiu em “… uma aliança entre os gregos” contra as legiões de Atlântida. Mesmo quando foi abandonada pelos membros desta aliança grega, Atenas resistiu à agressão atlante sozinha e conseguiu o triunfo incontestável para depois liberar todos os países que haviam sido subjugados sob a tirania dos Atlantis.

É fácil ver hoje como Platão adaptou os seis pontos que ele escolheu cuidadosamente nas Histórias de Heródoto para construir um mito da Atlântida, que serviu para atingir um fim (e somente um) – apoiar sua visão do rei-filósofo.

A conclusão do conto é o melhor em matéria de narração de histórias. Platão relata através de Crítias que no meio dessa euforia da vitória e dentro de somente um período de 24 horas, terremotos e enchentes de intensidade sem precedentes engoliram não apenas todo o continente-ilha de Atlântida, mas também todas as legiões de Atenas.

Essa catástrofe natural, Ele enfatizou, foi a terceira antes do Grande Dilúvio.

Por que Atenas foi capaz de derrotar Atlântida?

A resposta a esta pergunta é a base da ligação filosófica entre a história de Atlântida e a Maçonaria moderna.

Proeminente entre todas as outras em nobreza de seu espírito e na sua utilização de todas as artes da guerra, ela (Atenas) subiu primeiro à liderança da causa grega. Mais tarde, obrigada a ficar sozinha, abandonada por seus aliados, ela chegou a um ponto de extremo perigo. No entanto, ela venceu os invasores … (e) impediu a escravização daqueles ainda não escravizados e, generosamente, libertou todo o resto de nós que viviam dentro dos limites das Colunas de Hércules.(Timeu, 25 b-c ,Trad: Lee)

Crítias (relatando ainda mais a história do sacerdote egípcio) argumenta que o deus Hephaestos e sua irmã Atena receberam o controle da Grécia e a impregnaram com o selo do seu caráter – com conhecimento e habilidade, tornando a Grécia o berço natural de excelência e sabedoria. Os sobreviventes da catástrofe natural que envolveu Atlântida foram “um povo de montanha analfabeto” a quem faltavam os dons intelectuais para apreciar e transmitir os valores e virtudes praticados pelos atenienses. Além disso – os sobreviventes que escaparam tiveram que enfrentar a tarefa de domar um ambiente hostil – uma ocupação que não contribuiu para a gravação de eventos históricos:

É no trem do lazer que a Mitologia e a Investigação sobre o passado chega às cidades, uma vez … que as necessidades da vida tenham sido garantidas, mas não antes.

Ele, então, descreve as virtudes que levaram a uma vitória ateniense. Em primeiro lugar, eles praticavam todas as normas estabelecidas em A República. É importante ressaltar que seguiram uma das restrições mais importantes aplicáveis ​​a reis-filósofos – que é a primeira lição ensinada a um Iniciado durante o Discurso no Canto Nordeste:

Eles não faziam uso de ouro ou prata… . mas seguiam na média entre a ostentação e servilismo…

O argumento que Platão levanta, com uma habilidade artística e floreio filosófico, foi que na prática dos princípios preconizados em A República, (que de acordo com o sacerdote de Sais eram de origem divina), Atenas foi capaz de derrotar Atlântida:

… Eles eram os guardiões de seus próprios cidadãos e líderes do resto do mundo grego .. . tal era o caráter deste povo … pois eles dirigiam a vida de sua cidade e da Grécia com justiça. Sua fama pela beleza de seus corpos e a variedade e diversidade das suas qualidades mentais e espirituais espalharam-se por toda a Ásia e toda a Europa. E as considerações em que eram tido e sua fama eram a maior de todas as nações da época.

O Triunfo de Reis-Filósofos

O que importa para você e eu, enquanto maçons, é que o mito da derrota de Atlântida por Atenas ocorreu porque eles seguiram os princípios dos reis-filósofos.

Em sua própria maneira, é um modelo que devemos ter em mente quando circunstâncias aparentemente intransponíveis golpeiam nossas vidas. Nesses momentos, podemos optar por usar um equilíbrio entre o intelecto e emoção, cuidadosa e sabiamente direcionar nossa vida através de mares tempestuosos da vida, mantendo a nossa própria credibilidade de caráter.

Você pode encontrá-los de qualquer falha, então, em uma profissão como esta, que para ser praticada com competência exige as seguintes propriedades inerentes a uma pessoa: boa memória, rapidez na aprendizagem, abrangência de elegância, visão e amor e filiação à verdade, à moral, à coragem e à auto-disciplina? (Platão: República, 487a, Trad. Robin Waterfield)

Nosso objetivo ao fazer isso é alcançar um triunfo. É atingir o mais alto nível de excelência humana que a nossa própria natureza individual alguma vez possa alcançar.

… E esse é o propósito da filosofia por trás da Maçonaria.

Finis

Autor: Stephen Michalak
Tradução: José Filardo

Fonte: REVISTA BIBLIOT3CA

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Contato: opontodentrodocirculo@gmail.com

2 comentários em “Platão e o Ritual Maçônico – Capítulo Final (2ª Parte)”

  1. Ao Amado Irmão Luiz Marcelo Viegas – perfeita é a intenção do Irmão. Meus sinceros agradecimentos. Disponha de mim qdo quiserespero continuar sendo presenteado com tanta informação, que admiro e gosto. Abraço.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Estimado irmão Adnir,

      Grato sou pelas suas palavras. Faço este trabalho com prazer, com o único intuito de poder oferecer a todos os irmãos um canal seguro para suas pesquisas, estudos e consequente ampliação do conhecimento.

      Fraternalmente,

      Luiz Marcelo

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