Pitágoras – Parte III

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O modo de vida pitagórico

Os testemunhos de Platão (R. 600a) e Isócrates (Busiris 28) mostram que Pitágoras era acima de tudo famoso por ter legado um modo de vida que ainda tinha seguidores no século IV, mais de 100 anos depois de sua morte. É plausível assumir que muitas das características deste modo de vida tenham sido planejadas para assegurar as melhores reencarnações possíveis, mas é importante lembrar que nada nas evidências mais antigas conecta o modo de vida às reencarnações. As convicções de Pitágoras sobre a alma e o seu modo de vida, abaixo descritas, mostra semelhanças interessantes com um movimento religioso grego conhecido como Orfismo, mas as evidências sobre o Orfismo são pelo menos tão complicadas quanto as sobre Pitágoras e complicam em lugar de esclarecer (para discussão detalhada, veja Burkert 1972a, 125 ff.; Kahn 2002, 19-22,; Riedweg 2002).

Uma das mais claras dentre as antigas evidências sobre Pitágoras é o seu conhecimento a respeito de rituais religiosos. Isócrates enfatiza que “ele, mais atentamente que outros, prestava atenção aos sacrifícios e rituais em templos” (Busiris 28). Heródoto descreve práticas pitagóricas como “rituais” e dá como exemplo que o pitagóricos concordam com os egípcios ao não permitirem enterrar os mortos em lã (II. 81). Não é surpreendente que Pitágoras, como perito nos destinos da alma depois de morte, também fosse um perito nos rituais religiosos relacionados à morte. Uma parte significativa do modo de pitagórico de vida consistia, assim, na própria observância do ritual religioso. Uma peça importante como evidência dessa ênfase no ritual é o acusmata (“coisas ouvidas”), máximas curtas que eram ministradas oralmente. A fonte mais antiga a citar os acusmata é Aristóteles, nos fragmentos do agora perdido tratado sobre pitagóricos. Nem sempre é possível ter certeza sobre quais dos acusmata citados na tradição posterior são de Aristóteles e o quais os de Pitágoras. A maioria dos exemplos de Jâmblico nas seções 82-86 de Sobre a Vida Pitagórica, porém, parecem derivar de Aristóteles (Burkert 1972a, 166 ff.), e muitos estão de acordo com as evidências que temos sobre o interesse de Pitágoras em rituais. Assim, os acusmata aconselham aos pitagóricos que façam libações aos deuses segurando a asa da xícara, evitando assim usar imagens dos deuses em seus dedos, que não sacrifiquem galos brancos, e que façam sacrifícios e entrem no templo descalços. Várias destas práticas tinham paralelo nas religiões de mistério gregas da época (Burkert 1972a, 177).

Uma segunda característica do modo pitagórico de vida era a ênfase em restrições dietéticas. Não há nenhuma prova direta destas restrições nas evidências pré-aristotélicas, mas Aristóteles e Aristoxeno as discutem extensivamente. Infelizmente, as evidências são contraditórias e é difícil estabelecer qualquer ponto com certeza. Pode-se assumir que Pitágoras defendia o vegetarianismo com base em sua convicção sobre a metempsicose, como fez Empédocles depois dele (Fr. 137). Realmente, o matemático e filósofo do século IV, Eudoxo, diz que “ele não só se privou de comida animal, mas, também, não ficava perto dos açougueiros e caçadores” (Porfírio, VP 7). De acordo com Dicearco, uma das doutrinas mais famosas de Pitágoras era que “todos os seres animados são da mesma família” (Porfírio, VP 19) o que sugere que deveríamos hesitar tanto em comer outros animais quanto outros humanos. Infelizmente, Aristóteles informa que “os pitagóricos se abstêm de comer o útero e o coração, a anêmona-do-mar e algumas outras coisas, mas usam todos os outros alimentos de origem animal” (Aulo Gelio IV. 11. 11-12). Isso faz parecer que Pitágoras proibia a ingestão de apenas certas partes de animais de certas espécies; tais proibições específicas são de fácil comparação com outros rituais gregos (Burkert 1972a, 177). Aristoxeno só afirma que Pitágoras recusava-se a comer bois e carneiros (Diógenes Laércio VIII. 20) e que ele era um apaixonado pelos cabritos jovens e porcos lactentes como alimento (Aulo Gelio IV. 11. 6). Alguns tentaram argumentar que Aristoxeno tenta remodelar o pitagorismo a fim de fazê-lo mais racional, mas isso não explica o testemunho de Aristóteles ou muitos dos acusmata.

Certamente o sacrifício animal era o ato central da prática religiosa grega e aboli-lo completamente seria um passo radical. O acusma relatado por Aristóteles, em resposta à pergunta “o que é mais justo”?” tem, como resposta de Pitágoras, “sacrificar” (Jâmblico, VP 82). Baseando-nos nas evidências diretas sobre as práticas de Pitágoras mencionadas por Aristóteles e Aristoxeno, parece muito prudente concluir que ele não proibia a ingestão de qualquer comida animal. A tradição posterior propõe várias maneiras para conciliar a metempsicose com a ingestão de carne. Pitágoras pode ter adotado uma dessas posições, mas nenhuma certeza é possível. Por exemplo, ele pode ter argumentado que era legítimo matar e comer animais sacrificiais, posto que as almas dos homens não entrariam nestes animais (Jâmblico, VP 85). Talvez a mais famosa das restrições dietéticas pitagóricas seja a proibição de comer grãos que é atestada primeiro por Aristóteles e atribuída ao próprio Pitágoras (Diógenes Laércio VIII. 34). Aristóteles sugere várias explicações que incluem uma que associa os grãos com Hades, consequentemente sugerindo uma possível conexão com a doutrina da metempsicose. Várias fontes posteriores indicam que se acreditava que as almas voltariam à Terra para ser reencarnadas em grãos (Burkert 1972a, 183). Também há uma explicação fisiológica. Grãos que são difíceis de digerir perturbam nossa capacidade de concentração. Além disso, os grãos mencionados são um tipo de ervilha européia (Vicia faba) e não os grãos geralmente comidos hoje. Certas pessoas com uma anormalidade de sanguínea congênita desenvolvem uma disfunção séria chamada favismo, caso comam estes grãos ou mesmo inalem seu pólen. Aristoxeno nega de forma interessante que Pitágoras proibisse a ingestão de grãos e diz que “ele valorizava a maioria dos vegetais, desde que fossem digestíveis e laxativos” (Aulo Gelio IV. 11.5). As discrepâncias entre os vários relatos do século IV sobre o modo pitagórico de vida sugerem que havia divergências entre o que os pitagóricos da época julgavam ser um modo de vida apropriado e ensinamentos do próprio Pitágoras.

Os acusmata indicam que o modo de vida pitagórico encarnava um rígido regime relativo não apenas ao ritual religioso e à dieta, mas a quase todos os aspectos da vida. Algumas das restrições parecem ser tabus profundamente arbitrários, por exemplo, “a pessoa tem que calçar primeiro o sapato direito” ou “a pessoa não deve viajar em estradas públicas” (Jâmblico, VP 83, provavelmente de Aristóteles). Por outro lado, alguns aspectos da vida de pitagórica envolveram uma disciplina moral muito admirada, até mesmo por estranhos. O silêncio pitagórico é um exemplo importante. Isócrates relata que mesmo no século IV as pessoas “se maravilhavam mais com o silêncio daqueles que professavam ser seus seguidores do que aqueles que tinham grande reputação como oradores” (Busiris 28). A capacidade de permanecer calado era vista como um treinamento importante em autocontrole, e os relatos das tradições posteriores mencionam que os que quisessem se tornar pitagóricos tinham que observar silêncio por cinco anos (Jâmblico, VP 72). Isócrates contrasta o maravilhoso autocontrole do silêncio pitagórico com a ênfase à oratória pública na educação grega tradicional. Os pitagóricos também exibiam grande lealdade entre si, como pode ser visto na história de Aristoxeno sobre Damon, que se dispõe a dar sua liberdade em benefício do amigo Fíntias que foi condenado à morte (Jâmblico, VP 233 ff.).

Além do silêncio como disciplina moral, há evidências mais antigas de que era guardado segredo sobre certos ensinamentos de Pitágoras. Aristoxeno relata que os pitagóricos pensavam que “nem tudo pode ser dito a todas as pessoas” (Diógenes Laércio, VIII. 15) e Dicearco lamenta que não é fácil dizer o que Pitágoras ensinava aos seus discípulos porque eles observaram um silêncio incomum sobre isso (Porfírio, VP 19). Realmente, era de se esperar que uma sociedade exclusiva como a do pitagóricos tivesse símbolos e doutrinas secretos. Aristóteles diz que os pitagóricos “guardavam, entre os seus aprendizados muito secretos, que um tipo de ser racional é divino, um é humano e um é como Pitágoras” (Jâmblico, VP 31). Não é surpreendente que houvesse ensinamentos secretos sobre a natureza especial e a autoridade do mestre. Porém, isso não significa que toda a filosofia pitagórica era secreta. Aristóteles discute o sistema metafísico de Filolau, do século V, em algum detalhe, sem sugerir que houvesse qualquer coisa de secreto sobre ele, e a discussão de Platão sobre teoria harmônica pitagórica no Livro VII da República não dá qualquer indício de que haja um segredo. Aristóteles escolhe o acusma citado acima (Jâmblico, VP 31) como secreto, mas esta declaração em si mesmo insinua que outros não eram. A ideia de que todos os ensinamentos de Pitágoras eram secretos era usada na tradição posterior para explicar a falta de escritos pitagóricos e tentar validar documentos forjados como se fossem tratados secretos recém descobertos.

O testemunho de autores do século IV, como Aristoxeno e Dicearco, indica que os pitagóricos também tiveram um papel importante na política e na sociedade das cidades gregas do sul da Itália. Relata Dicearco que, na sua chegada a Crotona, Pitágoras fez um discurso aos anciões e que os líderes da cidade lhe pediram então que falasse com os jovens, os meninos e as mulheres (Porfírio, VP 18). As mulheres, realmente, podem ter desempenhado um papel extraordinariamente importante no pitagorismo, uma vez que Timeu e Dicearco descrevem a fama das mulheres pitagóricas, inclusive da filha de Pitágoras (Porfírio, VP 4 e 19). Os acusmata ensinam os homens a honrar suas esposas e a gerar crianças para assegurar a adoração aos deuses (Jâmblico, VP 84-6).

Dicearco diz que os ensinamentos de Pitágoras eram desconhecidos, e, conseqüentemente, ele não poderia ter conhecido o conteúdo das falas às mulheres ou de quaisquer outras falas; as falas apresentadas em Jâmblico (VP 37-57) são, assim, prováveis falsificações posteriores (Burkert 1972a, 115). Os ataques aos pitagóricos tanto nos próprios dias de Pitágoras como em meados do século V são apresentados por Dicearco e Aristoxeno como tendo um grande impacto na sociedade grega do sul da Itália; o historiador Políbio (II. 39) relata que a morte dos pitagóricos significou que “os cidadãos líderes de cada cidade foram destruídos”, o que indica claramente que muitos pitagóricos ocupavam posições como autoridades políticas. Por outro lado, deve-se notar que o Platão apresenta Pitágoras explicitamente mais como uma personalidade privada do que pública (R. 600a). Parece mais provável que as sociedades pitagóricas fossem, em essência, associações privadas, mas que elas também podiam funcionar como clubes políticos, ainda que não fossem um partido político no sentido moderno; Seu impacto político talvez pudesse ser melhor comparado a organizações fraternais modernas como a dos maçons. Veja Burkert 1972a adicional, 115 ff., von Fritz 1940, e Minar 1942.

Continua…

Extraído da Stanford Encyclopedia of Philosophy
Tradução: S. K. Jerez

Fonte: BIBLIOT3CA

 

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