Introdução
O debate em torno das origens da Maçonaria sempre atraiu enorme interesse por parte dos especialistas maçons e não maçons e dos leigos de uma maneira geral. Contudo, determinar as verdadeiras raízes históricas da Ordem sempre foi um obstáculo aparentemente insuperável, pois fatos verídicos muitas vezes aparecem fundidos a uma enorme variedade de elementos lendários. Deste modo, como sugeriu o historiador Alexandre Mansur Barata (2006), o primeiro exercício, no sentido de uma melhor compreensão da procedência da Ordem, é adotar um novo olhar para a vasta literatura produzida, em sua maioria, pelos próprios maçons desde o início do século XVIII. Para legitimar sua atuação, os maçons buscavam em “tempos imemoriais” o inicio da instituição, o que era reforçado pela ritualística e simbolismo utilizados em suas reuniões. Desta forma, os maçons do século XVIII se auto-retratavam como herdeiros diretos dos egípcios antigos, dos essênios, dos druidas, de Zoroastro, de Salomão, das tradições herméticas, da Cabala, dos Templários, etc. (BARATA, 2006, p.23).
Um exemplo dessa atitude pode ser encontrado nas Cartas sobre a Framaçonaria publicadas no início do século XIX e cuja autoria é atribuída ao jornalista e maçom Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1833). Nestas Cartas… , o autor demonstrava a existência de pelo menos quatro versões bem conhecidas sobre as origens maçônicas:
- No Reinado dos primeiros faraós do Egito, as formalidades utilizadas pelos maçons nos diferentes graus e iniciações, seriam criações dos antigos egípcios;
- No Reinado de Salomão, aproximadamente a 1000 anos a.C , o rei hebreu teria sido um reformador da Maçonaria;
- No Reinado de Felipe, o Belo, na França em 1300, atribuindo a criação desta instituição aos Templários;
- No Reinado de Carlos I, na Inglaterra em 1640, onde Cromwell seria um dos principais fundadores.
Nas palavras de Hipólito da Costa a utilização de um passado “perdido” não era uma característica excepcional da Maçonaria, mas sim “uma mania geral”, que conduzia os homens e as nações a uma busca incessante pela antiguidade de origem (MENDONÇA, 1833, p.19).
Em busca de uma origem para a Maçonaria: Inglaterra ou Escócia?
Em seu livro As origens da Maçonaria: O século da Escócia (1590 – 1710), o historiador David Stevenson (2005) lançou-se ao desafio de reconstituir a estirpe maçônica. Para isso estabeleceu, inicialmente, uma distinção entre a fase medieval e a fase moderna da Ordem. A primeira fase, também ficou conhecida como operativa, já que neste período a função da Loja estava diretamente vinculada ao ofício da construção. A segunda foi denominada de especulativa, uma vez que a corporação passou a aceitar membros que não estavam ligados à arte da construção, como filósofos, políticos, alquimistas, dentre outros (STEVENSON, 2005).
Na operativa, a palavra maçom ou mason era utilizada no sentido de pedreiro, um profissional ligado à arte da construção. O termo indicava um artesão hábil para trabalhar com pedra de cantaria, um indivíduo plenamente qualificado, diferente dos assentadores de pedras comuns. Além disso, a palavra Maçonaria – em sua forma inglesa freemasonry – não possuía significado misterioso (STEVENSON, 2005, p.26).
Entretanto, pelo menos em um sentido, pode-se dizer que a arte do pedreiro era incomum mesmo na Idade Média. Pois enquanto o modo de vida da maioria dos artesões era fixa, produzindo os bens para venda local ou por meio de intermediários em mercados distantes, o ofício dos construtores exigia mudanças de um emprego para outro. Comparada com a vida regular e estática da maioria dos artesãos, a do pedreiro ou maçom costumava ser móvel e imprevisível (STEVENSON, 2005, p.31).
Foi, exatamente, devido à especificidade do oficio do “mação”, em termos de organização e relações profissionais, que surgiu a distinção com os outros artesãos. A fraternidade maçônica representava, nas palavras de Stevenson, “uma espécie de família artificial”, unidos não por sangue, mas por interesses comuns reforçados por meio de juramentos e rituais. Nessa época operativa, a Maçonaria mantinha uma relação estreita com a Igreja Católica, a corporação maçônica era uma espécie de “confraternidade ou irmandade religiosa”. Geralmente, empregava-se um padre e festejava dentro das igrejas locais os santos padroeiros das artes, com a celebração de missas especiais e procissões. Naquele contexto, as autoridades procuravam controlar e regulamentar a arte e o ofício dos artesãos através das guildas e a afiliação deveria ser um privilégio guardado com ciúme pelos maçons (STEVENSON, 2005, p.32).
Em seu sentido original, a Loja de um maçom significava simplesmente uma construção temporária onde se realizava alguma obra importante. Talvez fosse uma estrutura montada contra a parede de um edifício já existente ou em construção ou um barracão separado, onde os pedreiros podiam esculpir e moldar a pedra longe do sol ou da chuva. Entretanto, as Lojas se desenvolveram e passaram a ser um local onde os maçons comiam, descansavam e até dormiam, quando estavam em outra cidade e não podiam voltar para a casa todas as noites. Com o passar do tempo, a Loja se tornou o centro da convivência temporária dos maçons. Referências às Lojas nesse sentido podem ser encontradas na Inglaterra e na Escócia no final da Idade Média. Na fase operativa, igualmente aos outros ofícios medievais, a Maçonaria também possuía seus documentos históricos, onde neles enfatiza-se a antiguidade, a importância religiosa e a moral de seu trabalho (STEVENSON, 2005, p.33).
Pelo menos em um sentido os maçons escoceses do século XV eram peculiares, pois a história mítica de seu ofício, contida nos Antigos Deveres, era extraordinariamente elaborada. Esse legado daria uma significativa contribuição para a Maçonaria, por sua ênfase na moralidade, sua identificação da arte do pedreiro com a Geometria, e a importância que dava ao Templo de Salomão e ao antigo Egito no desenvolvimento do ofício do pedreiro. Nessa época, aspectos da Renascença foram inseridos às lendas medievais, junto a uma estrutura institucional baseada em Lojas, além de rituais e procedimentos secretos para reconhecimento, conhecidos como a Palavra do Maçom (STEVENSON, 2005, p.22).
A fase especulativa ou moderna da Maçonaria, apesar de melhor conhecida, é também repleta de indefinições e contradições entre os especialistas. Conforme sugeriu o pesquisador português Oliveira Marques (1989) durante muito tempo os historiadores acreditaram que a Maçonaria especulativa derivava diretamente, por evolução, das antigas Maçonarias medievais. Entretanto, atualmente esta tese foi superada por hipóteses muito mais elaboradas, como a de que a Maçonaria moderna disfarçou-se na “aparência de uma corporação”, com o intuito de encobrir atividades e ideias que na época não poderiam ser assumidas abertamente. Ou que a origem da Maçonaria atual remontasse às associações de socorros mútuos, mais ou menos laicas, derivadas do convívio interprofissional conseguido em tabernas, botequins e outros locais onde pudessem desenvolver-se novas formas de socialização (MARQUES, 1989, p.17).
Para D. João Evangelista Martins Terra (1993), por exemplo, foram os partidários dos Stuarts destronados e refugiados na Escócia – na guerra contra a Casa de Hanover – que criaram a Maçonaria. Para ele a organização maçônica foi copiada e introduzida nos regimentos militares para transformá-los em facções políticas. Imitando essas Lojas militares, surgiram as Lojas civis. Esta seria a origem da Maçonaria escocesa, que se espalhou pela França juntamente com os stuardistas refugiados, cujos fins, eram apenas imediatos, não possuindo organização central e muito menos declaração de princípios. Mesmo a restauração dos Stuarts tendo se mostrado impraticável, essas Lojas conseguiram perpetuar-se conservando uma vinculação geral com ideais maçônicos comuns (TERRA, 1993, p.135).
Existe, porém, uma forte corrente, dentro e fora da Maçonaria que rejeita completamente a hipótese das Lojas stuardistas e considera, apenas, o movimento iniciado na Inglaterra em 1717, quando as quatro Lojas de Londres se uniram para formar a Grande Loja da Inglaterra, o marco fundador da fase especulativa. O pioneirismo inglês é bem difundido, principalmente porque em 1723, o clérigo presbiteriano James Anderson publicou nas Lojas de Londres a “Carta Magna” dos maçons: The Constitutions of the Freemasons. Containing the History, Charges, Regulations, & c. of the most Ancient and Right Worshipful FRATERNITY (SUPREMO, 2006, p.6). Também conhecido como as “Constituições de Anderson”, este documento pode ser dividido em três partes: a História da Ordem dos maçons, isto é, da fraternidade dos primitivos construtores – ditos maçons operativos; as Obrigações dos Franco-Maçons; e o Apêndice, uma pequena coletânea de hinos maçônicos a serem entoados pelos irmãos nas suas Lojas (SUPREMO, 2006, p.7).
Em concordância com esta origem inglesa, o historiador André Combes (1998), demonstrou que Anthony Sayer foi o primeiro grão-mestre eleito e que no ano seguinte, George Payne assumiu o grão-mestrado, sendo sucedido, em 1719, pelo Reverendo John T. Desaguliers. Em seguida, a Maçonaria se tornaria aristocrática e o grão-mestrado passaria a ser exercido por membros da nobreza como o Duque de Montagu (1721) e o Duque de Wharton (1722). Embora esse episódio tenha sido supervalorizado, sobretudo pela historiografia inglesa, naquele dia 24 de junho de 1717, dia de São João Batista, a grande novidade foi a criação de um organismo central que iria dirigir os trabalhos dos maçons londrinos (COMBES, 1998, p.13).
Por outro lado, segundo a tese de Stevenson (2005), foi na Escócia, em fins do século XVI e início do século XVII, que surgiram alguns dos ingredientes essenciais para a formação da Maçonaria moderna: o primeiro uso da palavra Loja no sentido maçônico moderno; as primeiras atas e outros registros; as primeiras tentativas de organizar Lojas em âmbito nacional; os primeiros exemplos de “não-operativos” (homens que não eram pedreiros trabalhadores) e outros mais. Até o fim do século XVI, não existem provas circunstanciais de que os obreiros da Escócia divergissem muito de outros tipos de artesãos, exceto pelo fato de que, como já foi dito, eram obrigados a se deslocarem em busca de novos trabalhos. Contudo, em 1598, William Schaw – primeiro Mestre-de-Obras do rei – elaborou um regulamentado para a organização e a conduta dos maçons (STEVENSON, 2005, p.24-25).
Daí em diante, no decorrer do século XVII, homens de todos os níveis da sociedade pareciam fascinados pelos segredos dos maçons, o que fez com que a Ordem adquirisse um status intelectual único. Foi quando maçons operativos, pedreiros trabalhadores, começaram a ter companhia de “não-operativos”, homens de outros modos de vida (STEVENSON, 2005, p.26). Em outras palavras, a Maçonaria tornou-se uma associação muito distinta das suas congêneres, porque passou a ser organizada com rituais singulares e muito mais elaborados. Deste modo, o segredo, cercando a Palavra do Maçom, rapidamente despertaria o interesse de homens que não eram ligados à arte da construção, dentre eles, muitos cavalheiros.
No início do século XVIII a Inglaterra assumiu a liderança no desenvolvimento da Maçonaria, mesmo assim, a influência escocesa permaneceu ainda muito forte. Para o autor a fase escocesa ou renascentista da Maçonaria – tanto na Escócia como na Inglaterra – só foi superada quando valores Iluministas foram incorporados ao movimento. Na medida em que a “Idade da Razão” alvorecia, a Maçonaria – nascida na Renascença – era adaptada para se acomodar a um novo clima intelectual. No bojo das influências medievais, renascentistas e iluministas, surgia uma instituição que parecia refletir o espírito progressivo da época, com ideais de irmandade, igualdade, tolerância e razão. O resultado foi que a Maçonaria se transformou num pólo de atração de numerosos ocultistas, magos, alquimistas, cabalistas, dentre outros. Assim, a Maçonaria surgida e difundida como um movimento mundial diversificava-se rapidamente (STEVENSON, 2005, p.23).
O caráter pluralista da Maçonaria especulativa proporcionou uma estrutura institucional excêntrica, onde as mais diversas religiões e crenças políticas podiam ser acolhidas. Parecia que aquele sistema de Lojas, encoberta pelo mistério, ideais de lealdade e modos secretos de reconhecimento, havia criado uma organização perfeita, em que os membros podiam incorporar novos valores e adaptá-los para usos pessoais. Devido à abrangência institucional e a variedade de seus componentes, a Maçonaria nunca foi capaz de atingir plena homogeneidade interna. Sendo assim, muitas vezes era o posicionamento particular de seus membros que determinavam os rumos da Ordem.
Desta maneira, com o tempo, os desacordos se multiplicaram e as partes divergentes formaram obediências maçônicas próprias. Um complexo movimento de mútua excomunhão se seguiu no interior da Maçonaria. A primeira grande cisão da Maçonaria ocorreu ainda em solo inglês, alguns anos após a segunda edição das Constituições de Anderson. Os maçons ditos “antigos” acusavam os “modernos” maçons de descristianização do ritual maçônico e traição do verdadeiro sentido da instituição. Em 1751, o grupo descontente fundou a Grande Loja dos Antigos ou maçons antigos, em oposição à Grande Loja da Inglaterra (HORTAL, 2002, p.17).
Passos incertos da Maçonaria luso-brasileira
No que se refere ao mundo luso-brasileiro, segundo Oliveira Marques (1989), a Maçonaria foi instalada por volta do ano de 1727, sendo registrada nos arquivos da Inquisição como Loja dos Hereges Mercantes. Essa primeira Loja portuguesa, era basicamente formada por comerciantes britânicos protestantes que viviam em Lisboa. Em 1733, por iniciativa do maçom inglês George Gordon, seria fundada uma segunda Loja com o nome de Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia composta por irlandeses, mercadores, mercenários do exército português, médicos, um frade dominicano e um estalajadeiro. Não obstante, ao ser promulgada a bula condenatória de Clemente XII, In Eminenti Apostolatus Specula (1738), a Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia foi dissolvida, mas alguns dos maçons se transferiram para a primeira Loja (MARQUES, 1989, p.23).
Uma terceira Loja haveria de ser fundada em Lisboa, em 1741, pelo lapidário de diamantes John Coustos, nascido na Suíça, naturalizado inglês. Durante os dois anos em que a Loja funcionou, foi constituída de estrangeiros residentes em Portugal, alguns dos quais franceses, ingleses, um belga, um holandês e um italiano, mas também por portugueses letrados e gente da alta sociedade lisboeta. John Coustos desempenhou um papel central na constituição dos primórdios da Maçonaria portuguesa, sendo alvo desde cedo do interesse do Santo Ofício. A desconfiança da Igreja foi despertada pelas indicações da Imperatriz austríaca e católica Dona Maria Teresa, obstinada na perseguição e ilegalização das associações de franco-maçons. Para a imperatriz a Maçonaria e suas ramificações era considerada um centro de influência protestante inglesa, por isso, contrária aos interesses das famílias dinásticas europeias, de orientação católica (MARQUES, 1989, p.33).
A perseguição iniciada em 1743 com a prisão de vários Pedreiros-Livres conduziria ao desmantelamento desta primeira tentativa de instalação maçônica em Portugal. A própria Loja dos Hereges Mercantes entraria em fraca atividade, “adormecendo” em 1755. Em 1751, o Papa Bento XIV, a pedido dos reis da Espanha e de Nápoles, lançou uma nova bula contra os maçons, Providas Romanorum, reiterando a posição de seu predecessor Clemente XII. A bula seria seguida de decretos reais dos dois monarcas suprimindo a Maçonaria nos respectivos países, o que favorecia as condições para incitar o Santo Ofício à vigilância e à perseguição (MARQUES, 1989, p.35).
A Maçonaria portuguesa só se libertaria desta pressão na década de 1760-70, com o Marquês de Pombal. Durante o “pombalismo” não se tem nenhum registro de maçom nas listas condenatórias da Inquisição nem nos relatórios da intendência da polícia. Pombal nunca permitiu que a Inquisição perseguisse os franco-maçons, defendendo assim os direitos do Beneplácito contra a usurpação dos eclesiásticos. Deste modo, a Maçonaria retomou sua força e o seu vigor, desenvolvendo-se sobretudo no exército, na aristocracia e nas classes instruídas. É provável que Pombal antes de ser ministro de D. José, tivesse contato, enquanto embaixador em Londres, com meios e círculos aristocráticos favoráveis à Maçonaria, mas não existe prova documental de que ele fosse iniciado na “Arte Real”. Além disso, o recrutamento pelo Marquês de Pombal de vários cidadãos estrangeiros, designadamente de países protestantes, para o exército, para a indústria e outras atividades econômicas propiciou condições para a expansão das Lojas (MARQUES, 1989, p.37).
No caso específico do Brasil, segundo o manifesto de José Bonifácio, a primeira Loja simbólica regular foi instalada no Brasil somente em 1801, com o título de Reunião, filiada ao Grande Oriente da Ilê de France. Quando o Grande Oriente Lusitano soube da existência, no Brasil, de uma Loja regular, vinculado a uma Obediência francesa enviou, em 1804, um delegado a fim de garantir a adesão e a fidelidade dos maçons brasileiros. Mas não foi feliz o delegado lusitano no modo como queria impor suas pretensões. Assim, resolveu deixar fundadas duas novas Lojas, submissas ao Oriente do Reino: eram as lojas Constância e Filantropia (BARATA, 2006, p.71).
Desta forma, a Maçonaria ao chegar às terras brasileiras – oficialmente nos primeiros anos do século XIX – trazia em sua bagagem acusações e desconfianças tanto das autoridades civis quanto eclesiásticas. Ao mesmo tempo em que se inauguravam novas Lojas maçônicas, particularmente, no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, também crescia o número de documentos e cartas enviadas pelos súditos ao rei D. João VI pedindo o fechamento de tais corporações. Isto pode ser corroborado na carta escrita por José Anselmo Correa Henriques datada de 10 de janeiro de 1816:
Real Senhor,
O objeto, de que vou tratar, tem de sua natureza a maior importância Política, por que inclui em si três motivos tão poderosos, que devem formar a desconfiança da sua existência dentro de qualquer Estado: estes são Silêncio, união e obediencia.
Qualquer Corporação de indivíduos, que combina um sistema qualquer, não poderá unir três pontos em ligação política, que faça estremecer os alicerces do mais poderoso Governo do Universo, debaixo de um escudo tão impenetrável, como este, de que escolhem os Pedreiros Livres por base da sua Sociedade. Estas terminantes Leis Constitucionais da mencionada Corporação são tão encadeadas na segurança do objeto, a que ela se proporem, ou os maiores Cargos dela, que persuade ao homem racionavel, que debaixo desta cautela exista uma mascarada conjuração, a qual não pode o Soberano de um país deixar de desconfiar com suma razão, que é tendente a pertubar o seu socego este oculto conluio, e maiormente quando se aumentam as forças dele debaixo de um segredo impenetrável no centro de Estados bem regulados… (CARTA, 1816).
Ao que parece as reclamações de José Anselmo Correa Henriques foram contempladas, quando em 30 de março de 1818, D. João VI emitiu um Alvará Régio proibindo quaisquer sociedades secretas, de qualquer denominação, no território luso-brasileiro:
Eu, El Rei, faço saber aos que este alvará com força de lei virem, que tendo-se verificado pelos acontecimentos que são bem notórios o excesso de abuso a que tem chegado as Sociedades Secretas, que, com diversos nomes de ordens ou associações, se tem convertido em conventiculos e conspirações contra o Estado, não sendo bastantes os meios correcionaes com que se tem até agora procedido segundo as leis do Reino, que prohibem qualquer sociedade, congregação ou associação de pessoas com alguns estatutos, sem que elas sejão primeiramente por mim autorizadas, e os seus estatutos approvados … (KLOPPENBURG, 1992, p.11).
Apesar da proibição, no início da década de 1820 é possível constatar uma dinamização da atividade maçônica no Rio de Janeiro, resultado direto da reinstalação da Loja Comércio e Artes. Nela ingressaram funcionários públicos, militares, eclesiásticos, homens do comércio. Muito deles acabaram por atuarem na defesa da autonomia e, posteriormente, independência do Brasil. Porém, era indispensável que primeiramente a própria Loja ficasse independente das orientações do Grande Oriente Lusitano. No dia 28 de maio de 1822, reuniram-se os maçons do Rio de Janeiro em assembleia magna, na Loja Comércio e Artes, com a finalidade de instalar um Grande Oriente no Brasil. Para conseguirem o mínimo de três Lojas, fundaram naquele mesmo dia mais duas: a União e Tranqüilidade e a Esperança de Niterói (BARATA, 2006, p.78).
No dia 24 de junho de 1822 fundou-se o novo Grande Oriente do Brasil para o qual foi aclamado como primeiro Grão Mestre, José Bonifácio de Andrade e Silva. O GOB adotou o Rito Francês Moderno, criado em 1783, e composto por sete graus. Naquela ocasião estavam presentes, entre os 94 fundadores, alguns antigos maçons como José Bonifácio, o coronel Luiz Pereira da Nóbrega e o padre Belchior de Oliveira, além de Domingos Alves Branco Muniz Barreto, frei Francisco Sampaio, cônego Januário da Cunha Barbosa, Jose Clemente Pereira e Joaquim Gonçalves Ledo (BARATA, 2006, p.79).
O historiador Marco Morel, em trabalho conjunto com Françoise Jean de Oliveira Souza, compreende que havia uma espécie de jogo entre os maçons e o poder dos príncipes. A Maçonaria em busca de proteção e espaço abria seus “segredos” aos nobres, dando-lhes em troca a oportunidade de legitimação no campo das novas ideias e também o controle dessa nova forma de sociabilidade (MOREL & SOUZA, 2008). O mundo ibérico não fazia exceção a esta regra, por isso a filiação de D. Pedro ao Grande Oriente do Brasil não representou uma particularidade brasileira. Sendo assim, a Maçonaria em 13 de maio de 1822 conferiu o título de Defensor Perpétuo do Brasil ao Príncipe Regente. Pouco tempo depois, em 2 de Agosto de 1822, D. Pedro foi recebido no Grande Oriente, com o pseudônimo de Guatimozim, e contra todas as regras, o Aprendiz Guatimozim foi eleito Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil.
Eu, meu pai, entrei para maçom; sei que os fidalgos em 1806 convidaram os maçons e que eles não quiseram entrar, e por isso o desgraçado Gomes Freire foi enforcado por ser constitucional, querendo eles que V. Magestade continuassem a ser rei. Não houve quem dissesse a V. magestade que era preciso uma Constituição (eu então era pequeno). Em vingança a Gomes Freire rebentou a revolução do Porto em 24 de agosto de 1820 e, pela mesma razão, os maçons que estavam na Corte, tanto bateram os fidalgos que eles agüentaram calados, até que pilhando-os agora debaixo, atribuem tudo que fazem aos pedreiros-livres. Porque sabem com que horror os portugueses olham para uma tão filantrópica instituição.(MOREL & SOUZA, 2008, p.102).
Ainda em 1822, o próprio Grão Mestre, D. Pedro I, por desentendimentos com os maçons, fechou o Grande Oriente do Brasil. Entretanto com a abdicação do Imperador em 1831, este seria restaurado e novamente José Bonifácio elevado ao cargo de Grão-Mestre. Seguiram-se novas divisões e subdivisões, até que em 1863 se tornou mais profunda a dissidência entre algumas lideranças, dividindo o Grande Oriente do Brasil em: Grande Oriente do Lavradio e o Grande Oriente dos Beneditinos (MOREL & SOUZA, 2008, p.15).
Não obstante, durante todo o Segundo Reinado teve a Maçonaria grande prestígio e influência política, contando entre seus membros altas personalidades e não poucos sacerdotes. Infiltrou-se profundamente na Igreja, através das irmandades, chegando a ter, em alguns casos, as chaves do sacrário, diante desse avanço maçônico muitas autoridades clericais passaram a adotar um discurso cada vez mais radical no sentido de desmoralizar os maçons (MOREL & SOUZA, 2008, p.16).
Considerações finais
As dúvidas e as controvérsias que envolvem a história da Maçonaria, só fazem crescer o interesse das pessoas pelo assunto. Prova disso são os incontáveis filmes, livros, revistas, documentários e sites da internet que tentam lançar novas questões e novas polêmicas em torno da temática maçônica. Infelizmente a maioria desse material não pode ser levado a sério, uma vez que ou estão impregnados por teorias absurdamente conspirativas ou são exageradamente apologéticos. Neste sentido, cabe aos pesquisadores uma atitude cautelar e criteriosa quando se deparar com esta grande massa de informação.
Autor: Luiz Mário Ferreira Costa
Fonte: Revista Ciência e Maçonaria
Referências
BARATA, Alexandre M. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência (1790 – 1822). Juiz de Fora: Ed.UFJF; São Paulo: Annablume, 2006. CARTA de José Anselmo Correia Henriques dirigida ao Rei Dom João VI, datada do Rio de Janeiro, 1816, na qual se pede que o Rei dissolva as lojas maçônicas. (BNL – COD 10793 – reservados) COMBES, André. Les trois siècles de la Francmaçonnerie française. 3.ed. Paris: EDIMAF, 1998. KLOPPENBURG, Boaventura. Igreja e Maçonaria, conciliação possível? Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. MARQUES, A. H. de Oliveira. História da Maçonaria em Portugal. Das Origens ao Triunfo. vol. 1. Lisboa. Editorial Presença, 1989. MENDONÇA, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de. Cartas sobre a Framaçonaria. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de Seignot-Plancher e Ca., 1833. p. 19. MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. STEVENSON, David. As Origens da Maçonaria: o século da Escócia, 1590 – 1710. Trad. Marcos Malvezzi Leal. São Paulo: Madras, 2005. SUPREMO conselho do grau 33 para a Republica Federativa do Brasil: Rito Escocês antigo e aceito. Belo Horizonte. Jan de 2006. TERRA, João Evangelista Martins. Maçonaria: Communio 62. Lisboa: s.n, 1993.
Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:
Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo
Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com