असतो मा सगमय
Asato ma sat gamaya
Do ilusório conduz-me ao real
तमसो मा योतगम य ।
Tamaso ma yiotir-gamaya
Das trevas à Luz
मृयोमाअमतृ ंगमय ।
Mritior-ma amritam gamaya.
Da morte à Imortalidade.
(Brhadaranyaka Upanishad — I.iii.28)
Mantra(Oração) Védico Milenar
A verdadeira Iniciação é aquela que obriga o homem a descobrir por si mesmo o que não pode, desde logo, ser desvendado diante de seus olhos, nublados pelos densos véus da matéria em que se acha envolvido. Daí o mantra: “Do ilusório conduz-me ao real, das trevas à luz, da morte à imortalidade”… (Professor Henrique José de Souza)
Introdução
A Maçonaria foi descrita como uma continuação dos vários cultos de Mistério que floresceram na Roma antiga, Egito, Pérsia e especialmente na Grécia antes de serem indiscriminadamente suprimidos em favor da nova, crescente religião cristã. O ilustre irmão Albert Pike chegou ao ponto de declarar que “a Maçonaria é idêntica aos mistérios antigos”, embora mais tarde ele tenha acrescentado que isso é verdade apenas em uma extensão limitada. Pois, na estimativa de Pike, a Maçonaria é mas uma imagem imperfeita do brilho dos mistérios, as ruínas apenas de sua grandeza e um sistema que sofreu alterações progressivas, frutos de eventos sociais, circunstâncias políticas e a ambiciosa imbecilidade de seus melhoradores.
O ponto central desses mistérios, sejam eles de natureza solar ou agrária, era a doutrinação e revelação de seus participantes em relação à realidade da divindade e à imortalidade da alma. Como o ilustre irmão Albert Mackey explicou:
O objetivo da instrução em todos os mistérios era a Experiência Mística, e a intenção das cerimônias de iniciação, era por uma representação cênica da morte e subsequente restauração da vida, impressionar as grandes verdades da ressurreição dos mortos e a imortalidade da alma.
Na maioria dos casos, essas doutrinas parecem ter sido transmitidas por meio de uma dramatização ritualizada complexa dos mitos e lendas tradicionais que cercam a divindade central do culto, em que o próprio candidato era muitas vezes corporificado à divindade, sofrendo suas provações, morte e ressurreição, em alguns casos, até encenando os empreendimentos da divindade enquanto peregrinava pela Terra dos Mortos. Foram precisamente essas reconstituições ritualizadas que, na maioria das vezes, constituíram as várias cerimônias da Iniciação nos mistérios antigos, cuja conclusão o fez de verdade um membro do culto aos Mistérios.
Em algum momento em meio ao nevoeiro do tempo, perdemos um aspecto que provavelmente era definitivo na conformação intelectual e espiritual dessas culturas.
Onde os gregos obtiveram a substância de seu conhecimento? Aquilo que em seu aspecto mais profundo os revelam como mestres iniciados nos mistérios da alma e do cosmos?
A tradição afirma que, do Egito, beberam os mistérios órficos e os pitagóricos. Platão e Pitágoras teriam obtido os segredos filosóficos dos Mistérios Egípcios.
Essa visão da história nos faria acreditar que a filosofia, e em geral o pensamento crítico e o conhecimento validado objetivamente, nasceu na Grécia quase por geração espontânea, libertando-se da superstição religiosa de todas as outras culturas do passado. No entanto, a tradição daqueles mais próximos de Platão, seus contemporâneos e a escola místico-filosófica que desenvolveu seus ensinamentos nos dizem que Platão era primariamente um místico, um iniciado e um teólogo e que sua filosofia não é tão original quanto pense, mas é o refino intelectual de uma antiga tradição esotérica. Marsilio Ficino, o grande tradutor de Platão para o latim, nos diz que seu ensino pode ser chamado de “uma teologia”, uma vez que “qualquer assunto que ele aborda, seja ética, dialética, matemática, rapidamente o completa, em espírito de piedade, e o leva à contemplação e veneração de Deus”.
Em seu livro Os Mistérios Eleusinianos e Báquicos, Thomas Taylor nos diz que Platão considerou que
“o grande desígnio dos Mistérios … era nos levar de volta aos princípios dos quais descemos … uma experiência perfeita do bem espiritual.”
Cícero não podia dar maior estima aos mistérios:
“De todas as excelentes e verdadeiramente divinas instituições que Atenas trouxe e contribuiu para a vida humana, nenhuma, na minha opinião, é melhor que os mistérios. Isso ocorre porque através deles crescemos além do modo selvagem de existência em que fomos educados e refinados para um estado civilizado; e como os ritos são chamados de iniciações, aprendemos verdadeiramente sobre o início da vida e ganhamos força não apenas para viver feliz, mas para morrer com esperança.”
Os Mistérios Iniciáticos de Elêusis
Elêusis era uma pequena cidade da baía cerca de 15 milhas a noroeste de Atenas. Começando tão cedo quanto o século XV a.C., um culto agrícola da deusa Deméter está associada com a localização. É este culto da fertilidade provincial que cresceu em tempos
helenísticos para se tornar o mais importante dos grandes mistérios. O notável historiador Walter Burkert explica que esses mistérios não eram entidades religiosas para além do contexto mais amplo do paganismo antigo, mas sim eram tangencial e primordial para os que os desejavam.
“Os Mistérios eram rituais de iniciação de caráter voluntário, pessoal e secreto que visa uma mudança de mente através da experiência do sagrado.”
Por mais de mil anos os mistérios eleusinos fariam parte integrante da vida religiosa de Atenas. Anualmente, no outono, formava-se um novo grupo de mystai (candidatos a Iniciação, semelhante aos nossos recipiendários).
O que ocorria no interior do santuário era mantido em segredo, Nesses mistérios, criptografados pelo mais alto sigilo, foram realizados um tipo de drama psico-cósmico e psicodramático. Muito provavelmente, os mystai encenavam a estada de Deméter em Elêusis. Como em toda iniciação antiga, esses rituais eram assustadores. Os mystai sabiam que os ritos e o mito eram símbolos: se lhes perguntassem se havia suficientes evidências históricas da visita de Deméter a Elêusis, achariam a pergunta um tanto descabida. Mythos (uma narrativa tradicional cujo objetivo é explicar a origem e existência das coisas) e a Theología (o estudo da existência de Deus, das questões referentes ao conhecimento da divindade, assim como de sua relação com o mundo e com os homens.) e, como todo discurso religioso, só fazia sentido no contexto dos disciplinados exercícios que lhe davam vida. O fato de não ser interpretado literalmente tornava o mito mais eficaz. “O que é subentendido (mas não expresso abertamente) é mais assustador”, explica Demétrio, escritor helenístico.
“O claro e manifesto é facilmente desprezado, como o homem nu. Portanto, os mistérios também são expressos na forma de alegoria, a fim de provocar consternação e pavor, e por isso têm lugar na escuridão, à noite. Através dos ritos, os mystai partilhavam o sofrimento de Deméter. Seu culto mostrava que não existe vida sem morte. As sementes têm de ser lançadas nas profundezas da terra para poder produzir o alimento que dá vida, portanto, Deméter, deusa do trigo, era também senhora do mundo subterrâneo.”
Os mistérios obrigavam os iniciados a encarar a própria mortalidade, vivenciar o terror da morte e aprender a aceitá-la como parte integrante da vida.
O processo era duro e exaustivo. Começava em Atenas, onde os mystai jejuavam durante dois dias inteiros, sacrificavam um leitão em homenagem a Perséfone e, numa imensa multidão, davam início à longa caminhada até Elêusis. A essa altura, estavam fracos e apreensivos. Os epoptai (significa “aquele que vê as coisas tais quais são”), iniciados no ano anterior, os acompanhavam, insultando-os e ameaçando-os, enquanto hipnóticas evocações de Dioniso, o deus da transformação, levavam a multidão a um frenesi. A caminhada até Eleusis terminava ao anoitecer. Confusos, eufóricos, exaustos e assustados, os mystai eram conduzidos de um lado para outro pelas ruas da cidade, à luz trêmula das tochas, até que, completamente desorientados, mergulhavam por fim na escuridão absoluta da sala de iniciação. Então, dentro das paredes do complexo, os iniciados foram tomados através de um processo de iniciação que envolve, três elementos:
- o Drómena ( “Drama”);
- o Legómena ( “provérbios”); e
- o Deiknýmena ( “Resultados”).
O primeiro, Drómena, era uma encenação do mitologema das deusas: de archotes em punho, os Iniciados encenavam a busca de Deméter por Perséfone . […]
O segundo aspecto diz respeito aos Legómena, a saber, determinadas fórmulas litúrgicas e palavras reservadas aos Iniciados, fórmulas e palavras que eles certamente repetiriam, daí a necessidade de saber grego. […]
O terceiro e último componente da iniciação são os Deiknýmena, vocábulo que só se pode traduzir por “ação de mostrar ou o que é mostrado, uma revelação”. Trata-se, segundo se crê, de uma contemplação por parte dos Iniciados. (BRANDÃO, 1986, p. 299-301).
George E. Mylonas, autor do livro Eleusis and the Eleusinian Mysteries, define o mistério Iniciático de Elêusis :
“Seja qual for a conteúdo e significado dos Mistérios, permanece o fato de que o culto de Elêusis satisfez os anseios mais sinceros e os desejos mais profundos do coração humano. Os iniciados retornam de suas peregrinações a Elêusis cheios de alegria e felicidade, o medo da morte diminuiu, e a esperança reforçada de uma vida melhor no mundo das sombras.”
E Píndaro cantou:
“Feliz aquele que viu isto antes de morrer. Conhece o término da vida, e conhece também o começo.”
E clama Sófocles:
“Oh três vezes felizes os mortais que, depois de contemplarem estes mistérios, partam a morada de Hades: somente eles poderão ali viver; para os demais, tudo será sofrimento.”
Não se ensinava nenhuma doutrina secreta na qual os mystai tivessem de “acreditar”. A “revelação” era importante somente como a culminância da intensa experiência ritualística Num esplêndido resumo do processo religioso e espiritual, Aristóteles escreveria posteriormente, que os mystai iam a Eleusis não para aprender (mathein) alguma coisa, mas para viver uma experiência (pathein) e uma mudança no estado mental (diatethenai). Parece que os ritos causavam uma profunda impressão.
Era impossível os mystes não ficarem atordoados com uma cerimônia tão “imponente pela beleza e pela magnitude”, escreveu o retórico grego Dion de Prusa, 117 d. C.), eles tinham
“muitas visões místicas e ouvia muitos sons do mesmo teor, enquanto escuridão e claridade se alternavam bruscamente e ocorria um sem-número de outras coisas”, era impossível “não sentir nada na alma, não imaginar que existe uma inteligência maior ou um plano mais sábio em tudo que acontece.”
Para o historiador Plutarco (c. 46-120 d.C.), a iniciação era uma amostra da morte:
“Começava com a dissolução dos processos mentais do indivíduo, com desorientação, caminhos assustadores, que aparentemente não levavam a lugar algum, e, pouco antes do final, pânico, tremor, suor e espanto. Mas, então, uma luz maravilhosa […] regiões e prados puros estão ali para nos receber com sons e danças, e palavras solenes e sagradas, e santas visões.”
O drama concebido meticulosamente conduzia os mystai a uma nova dimensão da vida e
os punha em contato com um nível inconsciente e mais profundo da psique. Assim, no final, muitos se sentiam totalmente mudados, “Deixei a sala do mistério, sentindo me um estranho para mim mesmo”, lembrou um mystes.
Eles já não temiam a morte: alcançaram o ekstasis, o “sair” de seu eu prosaico, e, por um breve tempo, experimentavam algo semelhante à beatitude dos deuses. Mas nem todos se saíam bem nesses jogos rituais.
O filósofo ateniense Proclo (c. 412-85 d.C.) relata que alguns mystai ficavam tomados de pânico na parte mais sombria do rito e permaneciam aprisionados em seu medo; não eram suficientemente hábeis nesse jogo ritual de faz de conta. Outros, porém, chegavam a uma sympatheia (sofrer ou sentir juntos), uma afinidade que os incorporava ao ritual, fazendo-os perder-se nele “de uma forma ininteligível para nós e divina”. Seu ekstasis era
uma kenosis, um esquecimento de si mesmo que lhes permitia “assimilar-se aos símbolos
sagrados, despojar-se da própria identidade, fundir-se com os deuses e experimentar a possessão divina”.
Interpretações como a de Thomas Taylor, o tradutor mais importante da filosofia platônica e neoplatônica na história, ou a do pesquisador místico, célebre pensador, conferencista, mundialmente reconhecido por centenas de trabalhos publicados dedicados à religião comparada, filosofia, e tradições esotéricas e iniciáticas, o Ir.’. 33° Manly P. Hall , também nos conta que
“os mistérios produziam uma experiência de quase morte no neófito, uma verdadeira iniciação, no o que o fez entender e experimentar de alguma maneira íntima e indescritível, a imortalidade ou a noção de que a alma continuava após a morte”.
Sabemos de outros estudiosos modernos, como Carl Ruck e Gordon Wasson, (que escreveram um livro em conjunto com o Dr. Albert Hofmann sobre Elêusis e o fato de que uma forma de substância psicoativa natural foi ingerida) que os rituais faziam parte de suas vidas e no drama iniciático visionário, eles usaram uma bebida psicodélica, o Kykeon.
Na verdade, isso não é tão surpreendente. O uso de compostos enteogênicos (a palavra “enteógeno”, significa literalmente, “manifestação interior do divino”, deriva duma palavra grega obsoleta da mesma raiz da palavra “entusiasmo”, e se refere à comunhão religiosa Espiritual sob efeito de substâncias visionárias.) em ambientes ritualísticos comumente empregado em sociedades indígenas, linhas xamânicas, e espirituais aqui no Brasil.
Na Bacia Amazônica, é a
-
- Ayahuasca (também chamado de Santo Daime, o chá de ayahuasca – na linguagem quéchua, aya significa espírito ou ancestral, e huasca quer dizer vinho ou chá );
Entre os Mazatecas, no México, o
-
- Teonanacatl (Significa “Carne dos Deuses”, Conhecidos como cogumelos mágicos, Psilocybe cubensis (anteriormente designada por Stropharia cubensis) é uma espécie de cogumelo enteógeno, mundialmente conhecido, que apresenta como principais princípios ativos a psilocibina e a psilocina);
Com os milenares vedantistas, era o
-
- Soma, (Soma é uma bebida ritual da cultura védica e hindu. É também o nome da própria planta da qual se extrai a bebida, bem como a personificação do Deus dos deuses. Existem nos Vedas (Rigveda, Soma Mandala) 114 hinos exaltando suas qualidades. Alguns antropólogos acreditam que o cogumelo Amanita muscaria seja o soma, ou parte dele. Outros afirmam que poderia ser o cogumelo Psilocybe cubensis);
“Bebemos o soma, nos tornamos imortais, fomos para a luz, e encontramos os deuses.” (Rig Veda 8.48.1-15
Com os Parsis zoroastrianos, foi o
-
- Haoma (era na mitologia persa ou iraniana a bebida dos deuses, feita de um planta com o mesmo nome. Esta bebida desempenha um papel fundamental nos rituais da religião ariana, sendo ela que dava a divindade aos deuses. Esta bebida psicoativa tinha um paralelo semelhante na Índia (do qual terá derivado), com o nome de soma, sendo deus e bebida num só).
Em todos esses casos, foi ou é um composto enteogênico que facilita (ou realiza) a experiência mística.
Iniciação simbólica x Iniciação real
Uma distinção importante precisa ser feita aqui. Na milenar pedagogia Iniciática, existem dois tipos diferentes de iniciação: a formal e a real.
A iniciação formal planta as sementes e fornece os meios pelos quais, com o tempo e a aplicação das lições inculcadas, essas sementes podem florescer para a verdadeira iniciação ou a iluminação. No entanto, nem todos os iniciados formais atingem a iniciação real, nem todos os iniciados reais foram formalmente iniciados. A única maneira, portanto, de garantir que tanto a iniciação formal quanto a iniciação real coincidam no mesmo momento é ter um meio à prova de falhas pelo qual a iniciação real possa ser induzida ao ser formalmente iniciada. É essa função que as substâncias psicodélicas serviam nos antigos mistérios e ainda servem até hoje em certas linhas religiosas, filosóficas e iniciáticas.
Compostos enteogênicos selecionados têm o efeito de expandir a consciência de tal maneira que noções previamente abstratas e inefáveis de divindade e espírito se tornam ao mesmo tempo tangíveis e concretas, na medida em que não se pode questionar a realidade do plano espiritual. As experiências relatadas por aqueles que experimentaram tais compostos consistentemente envolvem viagens astrais, experiências de quase morte, percepção da unidade de toda a criação e da imanência da divindade, contato com seres angélicos ou divinos, etc. Nas palavras orientais do nosso estimado irmão Swami Vivekananda,
“A matéria é representada pelo éter; quando a ação do Prana é mais sutil, esse mesmo éter, no mais fino estado de vibração, representará a mente, e ainda aí continua existindo uma massa uniforme. Se pudéssemos criar em nós mesmos essa vibração sutil, veríamos e sentiríamos que o universo inteiro é composto de vibrações sutis. Às vezes, certas substâncias têm o poder de nos levar, acima dos sentidos, onde podemos sentir tais vibrações.”
Assim como em Elêusis, o que antes era necessário aceitar com fé, Agora o iniciado recebeu o conhecimento direto da realidade ou irrealidade.
Continua…
Autor: Geovanne Pereira
Geovanne é professor de Filosofia, psicanalista, Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay, n°22 – GLMMG e, para nossa alegria, também um colaborador do blog.

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