
Na teoria sociológica, as questões voltadas às concepções de identidade estão sendo amplamente discutidas. Discute-se o termo identidade para designar características específicas de um sujeito, isto é, aquilo que o diferencia das demais pessoas. Este princípio de identificação não está preso somente às discussões da sociologia. É algo que ultrapassa as fileiras acadêmicas e atinge pessoas nas diversas relações sociais estabelecidas no cotidiano. O objetivo deste trabalho é problematizar a noção de identidade nos dias de hoje e indagar: a maçonaria parou no tempo, como muitos dizem, ou ela não se adequou ao novo estilo de vida pós-moderno?
Stuart Hall (2006) argumenta que existem três concepções de sujeito: o sujeito do iluminismo (aquele centrado, unificado, voltado essencialmente para a razão); o sujeito sociológico (produto das reflexões complexas do mundo moderno, não autônomo e formado nas relações com as outras pessoas); e o sujeito pós-moderno (que celebra o móvel, que assume diferentes identidades em diferentes momentos, uma “multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis”).
Estas três definições dadas por Hall demonstram um panorama da concepção de identidade do sujeito ao longo dos séculos. Lá, no sujeito do iluminismo, a maçonaria especulativa ganhava força, estruturando os ritos e rituais, organizando os templos e abandonando sua fase operativa – fruto do medieval – e iniciando a fase especulativa, na qual a moral, os bons costumes e o estilo de vida do profano valem mais do que o trabalho concreto na pedra bruta. Pelos ensinamentos morais, o maçom aprende a vencer as paixões, submeter suas vontades e alcançar novos progressos na maçonaria, atravessando por três grandes viagens simbólicas: o aprendizado, o companheirismo e o mestrado maçônico. Nesta fase que experimentamos até hoje, o maçom cuida de sua moral e, costumeiramente, ouvimos dizer que “estamos em constante processo de aprendizagem, construindo nosso templo interior”.
A maçonaria enquanto instituição assistiu e assiste a estas alterações de identidade colocadas por Hall. Convivemos bem com a égide iluminista – afinal, nascemos na era das luzes e fatalmente muitos autores desta linha ideológica sustentam a moral maçônica. Convivemos com a identidade sociológica, uma vez que o maçom é um ser social, se reúne em loja com maçons de diversas profissões e, consequentemente, há o estímulo fraternal da instituição. Para além dos templos, fazemos campanhas beneficentes, socorremos as viúvas necessitadas e auxiliamos as áreas da filantropia e do civismo, às vezes até confundindo atos políticos como legítimos da maçonaria…
Mas, a maçonaria está preparada para viver a pós-modernidade? Ela sabe lidar com as identidades flexíveis, mutáveis, indefinidas? Com o advento da tecnologia, os rituais já não são mais secretos; os sinais, toques e palavras estão disponíveis na internet; a compra de aventais está fácil; e esta própria mobilidade faz com que os irmãos muitas vezes não permaneçam nos ágapes, tenham diversos compromissos em suas agendas e o espírito fraternal se perca pouco a pouco.
Não proponho que retornemos ao passado imbuído de um pensamento nostálgico. A maçonaria não pode viver do passado: ela deve analisar o presente e intervir, no sentido de oferecer à sociedade melhores condições de vida no futuro, agindo em torno das lojas ou dos próprios irmãos em seus lares e locais de trabalho, enfim, no dia-a-dia.
A maçonaria deve permanecer com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Mas tem que se preparar para o futuro. Já encaramos pranchas e convites on-line, dispensamos os boletins impressos e uma carta enviada às coirmãs pelo correio não é mais algo de praxe. Precisamos refletir que o sujeito pós-moderno (ou que vive da modernidade tardia, como alguns autores dizem) é participativo, mutante, irônico, indeterminado, flexível, comprime as relações espaço-tempo, desconstruidor e anárquico. Todas estas características levam à criatividade própria das pessoas de hoje, que se engajam em manifestações via internet, que trabalham por projetos sem estarem presas a horários e regras e que prezam pela segurança financeira aliada a novos desafios.
O argumento deste artigo é que a ação da maçonaria precisa ser repensada. As relações sociais mudaram, as pessoas mudaram, a sociedade mudou, o modo de vida mudou e a maçonaria continua lá, intacta. É claro que não é necessário revolucionar a maçonaria, até porque os princípios gerais da ordem devem ser mantidos. Mas precisamos repensar a escolha dos irmãos, pois alguns postulados antigos caíram por terra. É preciso repensar as ações para além das paredes de nossos templos, pois ajudar financeiramente quem precisa (quando isso ocorre…), contribuir com rifas e promoções ou votar em candidatos irmãos não basta.
Sugiro que a maçonaria passe a refletir os caminhos que a pós-modernidade nos tem levado. Trabalhar por projetos, envolver os irmãos e explorar a criatividade são tarefas básicas. Agiremos, dessa maneira, como uma elite estratégica, colocada em postos fundamentais e que faz a diferença nas profissões, nos projetos que nos engajamos, nas empreitadas que topamos. Quando isso ocorrer, aproveitaremos nossa união, reforçando os laços de amizade e prosperidade entre os irmãos e, por conseguinte, pensando em uma nova atitude maçônica, totalmente condizente com a geração do novo século que já estamos vivenciando.
Autor: Tiago Valenciano
Fonte: Pavimento Mosaico
Referências bibliográficas
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A, 2006.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2012. 22. Ed.

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