A psicologia junguiana, através do conceito de individuação, pode oferecer uma possibilidade de compreensão do entendimento dos símbolos, mitos e rituais, ajudando no aperfeiçoamento e na busca de sentido para a jornada daquele que inicia na Ordem Maçônica. Ao longo dos séculos, a Maçonaria vem realizando os seus trabalhos com base em aspectos históricos, progressistas, filosóficos, iniciáticos, mitológicos, ritualísticos e simbólicos. A procura de um propósito para a vida, a princípio, é o motivador para aqueles que desejam a iniciação na organização. A vivência dos estudos maçônicos tem como meta oferecer a oportunidade para que o maçom trabalhe nesse objetivo que pode ser reverberado para a sociedade. O processo de evolução dentro da Obediência Maçônica é uma possibilidade de conscientização. Algo parecido com um aprimoramento na direção de uma totalidade, uma vez que há um trabalho constante que visa o progresso do próprio indivíduo, sem deixar de dar o devido valor ao contexto que lhe é característico. Tem como parâmetro o esforço árduo e singular na meta de adquirir maior conhecimento da presença das forças opostas, tais como: sombra e luz, mal e bem e ativo e passivo. A individuação não passa apenas pela consciência e, por conseguinte, não está associada a uma intencionalidade ou busca de uma divindade sagrada. Assim há possibilidade, não garantia, de ocorrer nos trabalhos maçônicos uma ampliação da consciência. Para isso, foi utilizada a revisão narrativa de caráter exploratória, tendo como foco produções bibliográficas de autores junguianos e maçônicos.
1 – Introdução
O presente estudo traz aspectos da vivência maçônica experienciados pelos integrantes da Maçonaria, conhecidos como maçons, que seguem e estudam os ensinamentos que estão contidos nos regulamentos, rituais, cerimoniais, símbolos, alegorias e instruções normativas dessa organização.
É-se levado a considerar que essa experiência pode proporcionar uma modificação no sentido de ampliar a consciência de seus integrantes, não na meta de chegar à perfeição ou com a finalidade de obter uma fórmula mágica que garanta o sucesso. Mas algo que está em uma possível sintonia com o resultado proporcionado por um processo de individuação, conceito presente na psicologia junguiana que tem como meta levar a um processo de transformação psicológico na busca de uma totalidade psíquica.
Os principais conceitos da psicologia analítica junguiana e da Obediência Maçônica, relacionados ao processo de individuação e a vivência maçônica, servirão de referência para o presente artigo, o qual, em seus estudos, tomou como base uma revisão de narrativa de caráter exploratória.
A necessidade de se ter uma abordagem que procura entender o que traz sentido à vida, faz parte dos instintos inatos do ser humano e de seus impulsos profundos fundamentais. Jung (2013d) coloca que o ser humano apresenta, sem variações notáveis, pontos de entendimento filosóficos e religiosos sobre o sentido da existência e de sua própria experiência vivencial. Alguns se gabam de não se enquadrarem nisso. Porém são raros entre a maior parte dos seres humanos; carece-lhes uma função fundamental que já foi constatada como necessária à psique humana.
A crença maçônica no Grande Arquiteto do Universo deixa cada maçom livre para escolher como crer em sua manifestação na existência. Segundo Maxence (2010), esse termo seria a maneira que os maçons se referem a Deus. Seu significado não é imposto como um objeto de veneração ou de crença. Ele é algo significativo e representativo. Não sendo colocado como dogma redutor e é o representante de uma dimensão que perpassa o homem.
Buscar o sentido da vida permanece uma necessidade da humanidade como um todo, e, especificamente, do maçom na Ordem Maçônica. Considerar a compreensão da mitologia é uma possibilidade para encontrar esse propósito, tendo em vista que, juntamente com o simbolismo, ela está presente nos rituais e cerimoniais de iniciação da maçonaria auxiliando nessa procura (MAXENCE, 2010).
Jung (2012b) nos proporcionou estudos sobre o que é o inconsciente. A psique possui aspectos individuais e coletivos, não é apenas um produto da experiência pessoal, uma vez que envolve, ainda, uma dimensão muito maior que se manifesta em padrões e imagens universais, tais como os que se podem encontrar em mitologias e crenças diversas (EDINGER, 2020).
Importante destacar que essas imagens estão presentes nos cerimonias da Ordem Maçônica, estes serão descritos, em suas partes essenciais, ao longo do presente artigo. Na sequência, serão apresentados conceitos da psicologia profunda que permitirão uma melhor compreensão da perspectiva junguiana que está particularmente relacionada à vivência maçônica em seus aspectos fundamentais.
2 – Conceitos da psicologia junguiana
Segundo Sanford (2020), um termo de muita importância na psicologia profunda é o conceito de individuação e entender o seu significado é essencial para a compreensão da psicologia junguiana. A Individuação é a identificação dada ao processo de transformação psíquico que ocorre constantemente em nós e que tem como fim o desenvolvimento de uma personalidade completa. Esse processo não é aquilo que queremos fazer com consciência, mas uma necessidade imperativa que tem origem espontânea na nossa psique.
A individuação, seguindo o estudo de Stein (2020), tem como material a ser trabalhado as forças opostas, como por exemplos: bem e mal, luz e sombra, ativo e passivo, dentre outras. Para ser alcançada é fundamental a integração desses componentes divergentes pelo indivíduo em sua consciência.
Tendo como referencial Stein (2020), o processo de individuação não se limita a uma especificação simples da maneira como um indivíduo se desenvolve ao longo da infância e da juventude, vivenciando, então, essa forma de ser construída que se apresenta como adulto. O processo de individuação pode ser caracterizado quando o ego-consciência vai além de suas características e hábitos pessoais determinados. Ele ultrapassa as atitudes contextuais introjetadas e pode chegar a um maior autoconhecimento e totalidade.
Outro importante conceito da psicologia profunda, conforme Jacobi (2016), é o conceito de complexos que podem ser considerados como sendo energias psíquicas desconhecidas de forte carga afetiva que estão em raízes profundas da psique, sendo possíveis de conscientização. Tal conquista de consciência, pode ser alcançada através do método analítico da psicologia junguiana, por exemplo. (JACOBI, 2016).
Esclarece a autora supracitada, especificamente, que os arquétipos são fatores e temas que organizam elementos psíquicos, formando determinadas imagens que são percebidas pelas consequências que trazem no comportamento do ser humano ao longo de sua vida. O arquétipo é sempre atualizado de acordo com a vida interior e exterior do indivíduo.
Em sintonia com os esclarecimentos de Stein (2020), os arquétipos podem ser considerados como não necessariamente presentes no passado ou no tempo, são a-históricos e atemporais. Eles materializam estruturas genéricas e motivos de vida. A identificação com um arquétipo é algo totalmente inconsciente em seu processo. Somente para alguns é possível perceber claramente essa ocorrência.
As diversas ocorrências culturais estão em nosso mundo exercendo mudança de comportamento em diversos grupos sociais e transformando as suas visões de mundo. Da perspectiva da psicologia profunda, argumentamos que diversas manifestações do saber cultural são comportamentos com ligações aos arquétipos universais que continuam a exercer influência com o passar do tempo, tais como: persona, sombra, mãe e pai (STEIN, 2021).
Ainda em conformidade com Jacobi (2016), o arquétipo se manifesta no aqui e agora do espaço e do tempo. Caso pudermos percebê-lo na consciência de alguma maneira, então falaremos de símbolo. Isso quer dizer que cada símbolo é, também, ao mesmo tempo, uma expressão de um arquétipo, de maneira que seria um desenho básico arquetípico imaginado.
Edinger (2020) observa que o homem é carente de uma vida constituída de símbolos, assim como necessita de um contexto contendo os signos. Para melhor compreensão é importante deixar claro que o signo é uma unidade de significado que materializa algo de nosso entendimento, exemplificando: a língua é um sistema de signos, e não de símbolos. O signo veicula um significado abstrato e objetivo. Ele é morto. Já o símbolo, por sua vez, é vida. Ele é uma imagem ou representação que nos mostra o desconhecido, algo subjetivo, ele é dotado de um dinamismo que exerce sobre o indivíduo uma poderosa atração e um poderoso fascínio.
Um símbolo que impõe a sua natureza simbólica, ainda não é necessariamente vivo. Pode atuar, por exemplo, apenas sobre a compreensão histórica ou filosófica. Desperta interesse intelectual ou
estético. Um símbolo é vivo só quando é para o observador a expressão melhor e mais plena possível do pressentido e ainda não consciente. Nessas condições operacionaliza a participação do inconsciente. Como diz Fausto: Quão diferente é a atuação deste sinal em mim […] (JUNG, 2013e, p. 489).
Jung (2013d) instrui que o símbolo está presente ao longo dos anos em nossa civilização. Ele participa em diversos processos da evolução da humanidade. O desenvolvimento do indivíduo é muitas vezes alcançado pela vivência, singular, do significado simbólico.
De acordo com Edinger (2020), a psicologia junguiana nos traz o conhecimento de que a psique arquetípica conta com um princípio estruturador ou organizador de conteúdos arquetípicos: o Si- mesmo. O Si-mesmo pode ser identificado, na psicologia junguiana, como a divindade empírica interna e equivale à imago Dei, a imagem de Deus e não Deus. Observemos a explicação seguinte de Carl Gustav Jung:
A imagem divina decorrente de um ato de criação espontâneo é uma figura viva, uma entidade que existe de per si e por isto se torna autônoma com relação a seu aparente criador. Como prova disto lembramos que a relação entre o criador e sua obra é dialética e, de acordo com a experiência, não raro é a obra que fala a seu criador. Certa ou erradamente, o homem comum conclui daí que não foi ele quem a criou, mas que ela se moldou dentro dele – uma possibilidade que crítica alguma pode refutar, pois o vir a ser desta figura é um processo natural orientado para um determinado fim, no qual a causa antecipa a finalidade. Como se trata de um fenômeno natural, fica em aberto se uma imagem divina é criada ou se cria a si mesma. O homem comum não consegue negar esta independência e desenvolve na prática seu relacionamento dialético. Assim, em todas as situações difíceis ou perigosas apela para sua presença, com o intuito de deixar a seu cargo as dificuldades aparentemente insuportáveis e esperar a sua ajuda […] (JUNG, 2013g, p. 82-
83).
Edinger (2020) complementa nos trazendo a informação que o Si-mesmo é o ordenador e unificador da psique total, consciente e inconsciente, assim como o ego é o centro da personalidade consciente. O ego está ligado a identidade subjetiva, ao passo que o Si-mesmo à identidade objetiva.
Segundo Sanford (2020), por intermédio da relação entre o ego e o Si-mesmo é que começa o processo de conscientização. O ego é o componente de nós com o qual estamos estreitamente ligados e identificados. Devido a isso, é comum se entender que a personalidade não vai além da divisa do ego, ainda que, de fato, a parte significativa da psique esteja contida no inconsciente. O Si-mesmo é o nome que Jung deu à psique em sua totalidade na seguinte descrição: “A este cabe funcionalmente o significado de um Senhor do mundo interior, isto é, do inconsciente coletivo” (JUNG, 2013g, p. 433). Jung aqui se expressa metaforicamente, tanto que utiliza a palavra “significado” e o pronome indefinido “um”. Ele não diz que o Si-Mesmo “é” o Senhor do mundo interior.
O Si-mesmo pode ser visto como nossa personalidade plena. O Si-mesmo é composto tanto pelo consciente quanto pelo inconsciente numa totalidade paradoxal. Ele está presente dentro de nós a partir do início da vida como uma força com potencialidade (SANFORD, 2020).
Ainda conforme Sanford (2020), caso a individuação vir a ser, a experiência do Si-mesmo precisa realizar-se através da vida que participamos realmente. Para isso, é imprescindível o trabalho conjunto entre o ego e o Si-mesmo, porque o ego precisa tornar-se uma espécie de recipiente através do qual o Si-mesmo é realizado e manifesto.
Neumann (2021) coloca que o conceito junguiano de persona se refere a uma veste psíquica utilizada pelo indivíduo. Por detrás dessa, podem, muitas vezes, estar presentes as sombras, aquilo que está fora do que se considera certo, algo que está secreto ou é misterioso, dentre outras possibilidades.
O bem e o mal são forças psíquicas opostas que nos acompanham, tanto individualmente quanto no ambiente externo ou contextualmente. Assim sendo, a conscientização de suas presenças permite o desenvolvimento ao longo da vida de uma possível totalidade de consciência. A negação da existência do mal leva a sua manifestação sem controle, tais como podemos observar nas diversas guerras pelo mundo, nas inúmeras formas de agressões, no fanatismo religioso e instabilidades no meio que vivemos (NEUMANN, 2021).
Franz (2018) argumenta que a abordagem do sentido do mal em qualquer indivíduo é o problema da sombra; do mal que lhe é característico. Todos temos uma fuga no sentido a não atentar para a nossa sombra ou a utilizar uma suavização através do uso de eufemismos e justificá-la em determinados conjuntos de ideias. Sem o reconhecimento de nossas deficiências ou daquilo que nós negamos, não se pode desenvolver um processo de individuação com progresso rumo à totalidade.
3 – Conceitos da Maçonaria
A Maçonaria, contemporaneamente, não pode ser considerada tão secreta como outrora, pois é uma instituição civil que possui registro nos livros dos cartórios, tendo personalidade jurídica, estando assim, sob a obediência das Leis Constitucionais. No Brasil, a Ordem Maçônica tem progredido multiplicando suas representações locais, conhecidas entre os maçons como lojas maçônicas. Nelas são recepcionados novos adeptos que comporão seus quadros pessoais. Elas possuem seus templos e suas características próprias para a ritualística (CAMINO, 2015).
Conforme nos ensina Boucher (2015), a Obediência Maçônica preserva tradições presentes nos ensinamentos iniciáticos e na simbologia maçônica. O símbolo possui a capacidade de fazer adquirir certos detalhes que podem estar fora da ciência, mas que nem por isso é menos importante. O símbolo, na perspectiva maçônica, é uma possibilidade ou espécie de descobrimento e de esclarecimento (BOUCHER, 2015).
Camino (2015), aponta que a Ordem Maçônica se manifesta por intermédio de reuniões que buscam uma referência ao Ser Supremo, conhecido como Grande Arquiteto do Universo. Ela faz uso dos ritos e dos símbolos. Um exemplo do simbolismo no templo é a presença no interior do ambiente de um livro considerado sagrado. Ele simboliza a palavra divina, o verbo ou verdade suprema, escrita em nosso arquivo da memória, é a lei natural.
Para os países de predominância católica e protestante é representado pelo uso de uma Bíblia, mas em outros credos pode ser o Livro dos Mortos, o Vedas, o Torah ou o Alcorão. Evidencia-se na Ordem o culto ao amor fraterno, a liberdade e a igualdade que são reconhecidos como valores importantes (CAMINO, 2015).
Segundo Boucher (2015), a Maçonaria tem como grande meta abrir o caminho à conscientização do Aprendiz maçom que se inicia na Ordem. Para isso, faz uso da dramatização ritualística nos cerimoniais de iniciação dos diferentes graus e conta com instruções ministradas pelos Mestres maçons. Além disso, faz uso da simbologia maçônica que está contida nos diferentes ritos, manuais, na decoração e harmonia do interior dos espaços de reuniões. A maneira de agir do maçom depende muito da afinidade, da capacidade cognitiva de aprendizagem e principalmente da dedicação de seus integrantes.
A tolerância é um atributo importante no processo de conscientização dos maçons, a aceitação das diferentes visões de Deus presentes nos integrantes da Obediência Maçônica é respeitada. Para ser admitido na organização, há a necessidade de se crer em Deus, pois os ensinamentos são baseados na existência de um Ser Supremo (CAMINO, 2015).
A crença em uma Força Superior na Ordem Maçônica materializa um significado de algo muito maior e muito mais complexo, muito além da capacidade de compreensão da inteligência humana. Ele é conhecido na Ordem como “Grande Arquiteto do Universo”. Existe na vida maçônica a liberdade de crer, sem ortodoxia ou dogmatismo (CAMINO, 2015).
A estruturação ou organização da Ordem Maçônica se baseia em três graus de simbolismo maçônico, grau 1 ou de Aprendiz, grau 2 ou de Companheiro e grau 3 ou de Mestre (CAMINO, 2015).
Seguindo o estudo de Adoum (2010b), no grau de Aprendiz a meta é o estudo de onde se origina o ser. Já no grau de Companheiro, que é o segundo grau, o foco é buscar uma resposta à pergunta: Quem Somos? No grau de Mestre, fica evidente a efemeridade da vida com a percepção da morte a nos aguardar em um futuro inevitável.
Segundo Camino (2015), a aprendizagem do maçom na Ordem não é uma fórmula pronta, não é um gabarito para se chegar a um padrão de excelência e ausência de defeito, sendo destaque, entender que a singularidade de cada um é imprescindível para o aumento da conscientização do ser. Além disso, a compreensão dos postulados simbólicos da Maçonaria, a capacidade de transformar em prática para si mesmo e reverberar esse progresso para o contexto social são fundamentais.
Continua…
Autores: Claudiney Rodrigues Calsavara e Paulo Ferreira Bonfatti
Fonte: Cadernos de Psicologia, Juiz de Fora, v. 3, n. 6, p. 542-567, jul./dez. 2021.

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