Perspectivas junguianas acerca de vivências na ordem maçônica (Parte II)

4 – Psicologia junguiana e a vivência maçônica

A Obediência Maçônica apresenta vários aspectos que permitem uma comparação, não necessariamente equivalente ou superior, mas no sentido de poder se aproximar de alguns conceitos junguianos, apesar de suas diferenças. Em conformidade com Maxence (2010), a psicologia junguiana pode contribuir para os estudos maçônicos que buscam uma ampliação da consciência, e, também, para o aperfeiçoamento da instrução nas sessões (trabalhos) da Maçonaria que é constituída de ritos e símbolos. Importante frisar que a psicologia junguiana não tem propósito de educar ninguém e nem servir de base ou ferramenta para doutrinação.

4.1 – A busca de sentido

Na contemporaneidade, o sentido da vida está relegado a um segundo plano de importância. Como consequência, o vazio existencial e a falta de sentido fazem com que o indivíduo procure um propósito que lhe preencha, trazendo maior motivação para vir a ser.

Começamos, no entanto a sentir as consequências deste atrofiamento da personalidade humana. Por toda a parte se levanta o problema de uma cosmovisão, o problema do sentido da vida e do mundo. Em nossa época, numerosas tem sido as tentativas de anular o curso do tempo e de cultivar uma cosmovisão de estilo antigo, ou seja, a teosofia, ou, para empregarmos um termo mais palatável, a antroposofia. Nós temos necessidade de uma cosmovisão; em todo caso tem-na a geração mais nova. Mas se não queremos retrogradar, qualquer nova cosmovisão deve renunciar à superstição da sua validade objetiva, e admitir que é apenas uma imagem que pintamos para deleite de nossa mente, e não um nome mágico com o qual tornamos presentes as coisas objetivas. A nossa cosmovisão não é para o mundo, mas para nós próprios. Se não formarmos uma imagem global do mundo, também não podemos nos ver a nós próprios, que somos cópias fiéis deste mundo. Somente quando nos contemplamos no espelho da imagem que temos do mundo é que nos vemos de corpo inteiro. Só aparecemos na imagem que criamos […] (JUNG, 2013b, p. 337).

Segundo Adoum (2011), o indivíduo que procura a iniciação na Ordem Maçônica tem a esperança de encontrar uma opção para suprir sua falta de sentido na vida. Os candidatos que serão admitidos na Ordem Maçônica são, geralmente, carentes de respostas sobre a vida, sobre a morte, são sedentos de um caminho de crescimento em liberdade, precisam de uma direção, necessitam de alguém que já percorreu o caminho para lhe passar o conhecimento, são indivíduos que querem respostas para seus questionamentos, que buscam uma conscientização maior. Importante destacar que as ausências do fanatismo, do egoísmo e, também, da vaidade (conforme será descrito adiante no presente artigo ao tratar do cerimonial de mestre maçom) são fundamentais para atingir um crescimento na vivência maçônica.

Para a Maçonaria a conscientização da finitude da existência desperta a importância de se ter um sentido de existir da criatura humana. Nascer, viver, morrer e, quem sabe, renascer, são etapas sucessivas e obrigatórias de passagem de todos os seres, elas visam uma construção. O maçom é, simbolicamente, alguém que vai passar por essas experiências nas participações ativas. Nas instruções dos graus maçônicos ao longo da aprendizagem que ocorre na ritualística simbólica da Maçonaria, é importante destacar que a perfeição nunca será alcançada. É algo que se busca sempre (CAMINO, 2015).

Edinger (2020), considera que as várias influências materiais do mundo ocidental aprisionam o indivíduo e o condicionam a um padrão de comportamento totalmente dependente de um contexto externo. Essa falta de liberdade leva o indivíduo a procurar o significado da vida nos objetos que possuem valor, no aspecto do capital e do reconhecimento externo.

Sanford (1998), nos mostra que a liberdade é o verdadeiro tesouro psicológico a ser conquistado, uma vez que ser livre, é ter a condição de se adquirir conscientização e de vivenciar um desenvolvimento de propósito no caminho que percorremos em nossas vidas. Tal opção não está necessariamente vinculada a uma direção pré-determinada, não existe um padrão ou fórmula mágica pronta.

Adoum (2010a), assevera que o ato de fazer parte da Obediência Maçônica, através do ingresso em uma cerimônia de Iniciação, com toda a ritualística e simbolismo característicos, proporciona a possiblidade de viver um renascimento, tal aspecto será apresentado mais adiante no presente estudo.

4.2 – Os Rituais

Jung (2014) descreve que os ritos serviram e, ainda, estão presentes no processo de desenvolvimento da cultura do ser humano. Eles muitas vezes são experienciados na transformação do indivíduo. Os ritos também se modificam ao longo do tempo, muitas vezes é determinado pelo contexto cultural presente.

Jung (2013c) nos instrui que o ser humano, desde os tempos remotos sente a necessidade de realizar rituais como apoio para tentar compreender o que lhe é desconhecido. Num mundo primitivo, não se deixa de acreditar nos deuses, nos espíritos, no destino e nas características fantasiosas do local e do tempo, que são referenciados com frequência nesses rituais.

De acordo com Jung (2013f), não há nada de novo em falar que as imagens arquetípicas são projetadas. Isso verdadeiramente tem de se manifestar, pois caso não, elas dominariam a consciência. O desafio consiste apenas em achar uma maneira que seja um recipiente próprio, adequado. A iniciação dentro de uma religião através do batismo é uma possibilidade para tal. No curso da diferenciação da consciência, a iniciação tem evoluído em suas manifestações ao longo do passar do tempo e do contexto que fazem parte.

Campbell (2008) afirma que o ritual permite a materialização de uma ocorrência ou projeção de um drama, visível e ativo de um determinado mito. Ao fazer parte de uma encenação através de um rito, o indivíduo se vincula no mito e este adentra ao sujeito, como se fizesse parte dele – desde que, é claro, seja influenciado significativamente pela imagem.

Jung (2012a) assevera que o simbolismo de alguns ritos, quando devidamente compreendido, vai além do aspecto simples e antigo, em direção àquela motivação psíquica presente em nosso interior, ou seja, inata, produto e armazém de toda a vida ancestral. É necessário destacar como é importante os ritos para a o ser humano. Se os ritos não produzissem nenhum efeito, não só teriam desaparecido como nem teriam originado.

Destaca-se para a compreensão do entendimento do significado de símbolo, tendo como referencial Jung (2013e), que se algo é um símbolo ou não vai necessitar, primeiramente, da atitude da consciência de quem observa. De acordo com o que aponta Jacobi (2016), essa compreensão vai depender de saber se um indivíduo tem a possibilidade e a capacidade de enxergar determinado fato, por exemplo: uma árvore não só em sua aparência física, mas também como expressão ou como imagem sensível de algo desconhecido. Portanto, é possível que o mesmo fato ou objeto seja representado para um ser como sendo um símbolo e para outra apenas um signo.

Nas mitologias dos primitivos, por exemplo, se você estuda as línguas primitivas, as palavras têm vinte sentidos, elas não são, de modo algum, fixas em um sentido. As palavras […] nas grandes palavras primitivas há todo um cosmo que é designado por essa palavra. Ainda é desse modo na visão do inconsciente, por assim dizer. O inconsciente tem uma visão sintética das situações, pode-se dizer. A essência do símbolo ainda é assim, segundo Jung. O símbolo não tem um sentido. Não se pode dizer: a cor verde é a esperança. Cada símbolo tem um sentido absolutamente complexo que não
se pode esgotar; de acordo com Jung não podemos jamais esgotar […] (FRANZ, 2018, p.27).

Sobre os rituais maçônicos, verifica-se uma influência diferenciada, no sentido psicológico, em um ambiente devidamente preparado, conhecido entre os integrantes como templo, local que possui características de contexto próprias no que se refere a possibilitar um cenário que apoia a reprodução da ritualística de acordo com as cerimônias da Ordem Maçônica.

4.3 – As imagens nos cerimoniais dos graus

A imaginação é a chave para que se consiga alcançar uma transformação, de modo que seja possível nascer de novo, de um jeito diferente. Ela tem a capacidade de dar acesso a um local intermediário no qual é possível o contato com uma nova revelação simbólica que terá uma presença significativa na realidade (STEIN, 2021).

De acordo com o estudo de Jung (2013b), os conteúdos do inconsciente são o produto da dinâmica funcional psíquica de toda a nossa ancestralidade. Em sua totalidade, eles formam uma representação natural do contexto, ou seja, do mundo, uma condensação de milhões de anos de vivência do ser humano. Essas imagens são míticas, ou seja, simbólicas, porque manifestam a sintonia do indivíduo que experimenta com o objeto experimentado. Certamente, toda mitologia e descobrimento tem origem nesse contexto de experiência e todas as nossas suposições futuras, a respeito da vida no mundo, terão como fonte original esse depósito existencial. Seria um engano crer que as imagens fantasiosas do inconsciente podem ser manipuladas diretamente como uma categoria de revelação conquistada. São apenas o material em estado rústico que necessita ainda de ser transformado para a compreensão na linguagem do presente. Se a tradução for eficiente, o contexto em que vivemos, tal qual o concebemos, será acoplado de novo à experiência primordial da humanidade através do símbolo de uma cosmovisão. O homem antigo e universal oferecerá ajuda ao homem individual recém surgido, será um modo de ser que chegará perto daquela do primitivo que se une ao seu ancestral por meio de um ritual.

4.3.1 Cerimonial de iniciação ao grau de Aprendiz

Adoum (2010a), apresenta os aspectos que caracterizam a cerimônia do grau de Aprendiz que ocorre no momento de entrada do profano, como é conhecido o candidato à Aprendiz Maçom, na Ordem Maçônica. Acontecimento que permite ao indivíduo que aspira fazer parte dos quadros da Maçonaria passar pela experiência simbólica na transposição das provas do ritual de iniciação. Dentre elas está a realização de percursos dentro dos rituais conhecidos como viagens.

Elas são dramatizadas no templo maçônico, local este, que é devidamente preparado para a encenação ritualística, tais como: a presença das pinturas nas paredes do templo maçônico das seguintes representações: o sol, a lua e os 12 signos zodiacais. As figuras ficam dispostas nas paredes laterais, no teto é pintado a abóbada celeste com a representação do cosmos, reproduzindo a galáxia do sistema solar. Há o delta luminoso localizado na parte frontal do interior do templo, simbolizando Deus ou Grande Arquiteto do Universo. Existe no local um livro sagrado, a bíblia ou outro livro (ADOUM, 2010a).

[…]

Segundo Jung (2013g), os instintos atuam com maior liberdade quando não há qualquer consciência que os detenha, ou quando uma consciência já presente está adaptada a eles. Mas este último estado está em enfraquecimento, pois sempre encontramos sistemas psíquicos que se opõem à impulsividade pura.

[…]

A sombra representa um obstáculo de ordem moral que desafia a personalidade do eu como um todo. Ninguém é competente para adquirir consciência desta verdade sem grande esforço. Mas nessa conquista de conhecimento sobre a existência da sombra, reconhece-se as características obscuras da personalidade, tais como existem na vida real. Este procedimento é o fundamento essencial para qualquer tipo de autoconhecimento e, por isso, em geral, ele se enxerga à frente de uma grande barreira resistente. Enquanto, por um lado, o autoconhecimento é um expediente terapêutico, por outro implica, muitas vezes, um esforço significativo que pode se propagar por um tempo longo (JUNG, 2013a).

[…]

Camino (2015), aponta que, fazendo uma comparação metafórica maçônica com o ofício de polir uma pedra em estado rústico e imperfeito, é possível observar em uma pedra bruta a própria imperfeição. O Aprendiz a submete à esquadra, retirando as pontas ou arestas, mas por melhor que execute seu ofício, que atravessa o tempo, sempre ocorrerá a presença de uma falha ou uma deficiência, fazendo-se necessário empregar com vontade e determinação muito esforço para eliminar as imperfeições, muitas vezes com mais sabedoria e técnica do que de força desproporcional.

Segundo Jung (2013a), com entendimento e força de vontade, a sombra pode ser integrada de alguma maneira na psique do indivíduo, enquanto alguns traços, oferecem uma enorme dificuldade para isso, fugindo assim a qualquer influência. De modo geral, estas dificuldades estão conectadas às projeções que não podem ser identificadas como tais e cujo conhecimento requer um dispêndio de trabalho sobre si mesmo muito grande que vai além das forças habituais do indivíduo e que requer perseverança e tempo significativo de transformação.

4.3.2 Cerimonial do grau de Companheiro

De acordo com o autor Adoum (2010b), atesta que nesse ritual, o Companheiro Maçom deve realizar viagens que possibilitarão a conquista progressiva da liberdade. Destaca-se ainda que é fundamental a reflexão, nesse grau, da seguinte pergunta: quem somos?

[…]

A pedra cúbica não serve ainda para a construção social. O que é essencial é conseguir uma pedra em perfeito esquadro em suas seis faces. O lapidar, constante, é uma necessidade do ser, para isso ele utiliza as seis faculdades espirituais: a vontade, o livre-arbítrio, a harmonia, o equilíbrio, a força e a sabedoria. Essas são simbolizadas pelas […] ferramentas utilizadas pelo Companheiro em suas viagens: […] (ADOUM, 2010b).

[…]

Em resumo: é mais vantajoso, e psicologicamente mais “correto”, considerar certas forças naturais que se manifestam em nós, sob a forma de impulsos, como sendo a “vontade de Deus”. Com isso nos pomos em consonância com o habitus da vida psíquica ancestral, isto é, funcionamos tal qual tem funcionado o ser humano em todos os lugares e em todas as épocas. A existência desse habitus demonstra sua capacidade de sobreviver, pois, se não a tivesse, todos os que o seguiram teriam perecido por não haverem se adaptado. Se estivermos em consonância com ele, existirá para
nós uma possibilidade racional de sobreviver. Se uma concepção tradicional nos garante tal coisa é porque não só não há motivo algum para considerar tal concepção como errônea como também temos toda razão de considerá-la “verdadeira” ou “correta”, precisamente no sentido psicológico. Verdades psicológicas não são conhecimentos metafísicos. São, pelo contrário, modos (modi) habituais de pensar, de sentir e de agir que se revelam úteis
proveitosos à luz da experiência (JUNG, 2013a, p.40).

No cerimonial descrito, simbolicamente, o Companheiro adquire conhecimento sobre o seu mundo interno, um processo de aumento de consciência de si próprio. Na próxima dramatização esse conhecimento será utilizado para um possível alcance da completude na vivência maçônica, conforme será apresentado logo adiante.

Kast (2013), nos traz a informação que uma fração importante da experiência da obtenção de nossa identidade é a conquista de uma parte da autonomia, pois ela não é totalmente incorporada ao longo da existência, mas nos tornamos, a cada tempo, um pouco mais livres. Podemos afirmar que a independência substitui o lugar da subordinação nos tornando mais livres. Percebemos estar, cada vez mais, como nós mesmos em nossa identidade. Sendo assim, deixamos de ser apenas o resultado da situação moldada, por nós mesmos, pelo outro e pelo meio.

4.3.3 Cerimonial do grau de Mestre

Adoum (2011), nos esclarece que os ensinamentos desta dramatização, conhecida como exaltação, tem como centro a Lenda de Hiram. Ela transmite a mensagem que a edificação do templo significa que o progresso se faz pelo uso da dedicação no trabalho com objetividade. Tal esforço busca a conquista da verdade e a prática desinteressada do bem. O templo de Salomão é a representação da estrutura física do corpo humano. Jerusalém, considerada cidade paz, é a configuração do mundo interno (ADOUM, 2011).

[…]

A experiência proporcionada pelo contexto ritualístico cria um ambiente com forte poder de despertar os conteúdos do inconsciente e são materiais a serem ressignificados e revividos, daí a importância da mitologia e dos rituais.

As poderosas forças do inconsciente manifestam-se não apenas no material clínico, mas também no mitológico, no religioso, no artístico e em todas as outras atividades culturais através das quais o homem se expressa. Obviamente, se todos os homens receberam uma herança comum de padrões de comportamento emocional e intelectual (a que Jung chamava arquétipos), é natural que os seus produtos (fantasias simbólicas, pensamentos ou ações) apareçam em praticamente todos os campos da atividade humana (FRANZ, 2016, p.207).

Conforme Adoum (2011), ao atingir o terceiro grau, conhecido como o grau de Mestre, o maçom passa a ter uma conduta que é influenciada por um duplo sentido: individual e coletivo — inseparáveis — como tópicos que pertencem ao seu mundo interior e que encontra abrigo no contexto em que se vive, aquilo que é feito passa a ter uma influência na vida de toda a humanidade. É imprescindível ter conhecimento para poder passar esse saber e tornar-se capaz de contribuir para o contexto em que está inserido, de modo que possa auxiliar na evolução de todos.

Aquilo que mantém as coisas juntas, é adesivo, razão pela qual, na alquimia, cola, goma e resina, são sinônimos da substância transformadora: essa substância semelhante à força vital (vis animans) é comparada por outro comentador, com a cola do mundo (glutinum mundi), o espaço intermediário entre a mente e o corpo e sua união. (EDINGER, 2006, p.239).

Stein (2007) afirma que ao passar pela experiência da separação e aceitar a transformação, a alma liberta-se das amarras de uma identidade antiga, através de um processo de conscientização das limitações da vida. Essa forma de separação é uma amostra experiencial de morte e um passo para uma nova vida mais consciente.

Segundo Zimmer (1998), nascimento, morte e renascimento, em ciclo infinito, materializam o caráter estável do processo da vida. Exemplificam-no os ciclos do ano e do dia, a passagem das gerações e as metamorfoses do ser humano durante a etapa de uma existência. Este é o mais antigo romance da alma, implementado pelo aspecto mítico que é capaz de atingir nossa intuição com significado para os enigmas da existência.

4.4 – Individuação e vivência maçônica

Conforme Maxence (2010), a individuação é, em diversas ocasiões, confundida com a conquista de consciência do Eu. O Eu é então posto como sendo o Si-mesmo, ocasionando equívocos nos conceitos. Logo, a individuação não seria senão egocentrismo ou autoerotismo. O Si-mesmo é mais amplo do que um simples Eu. Assim, o Si-mesmo é um conceito, um arquétipo central que deve ser bem assimilado para melhor entender que é realmente uma individuação em processo. O Si-mesmo é uma figura da totalidade psíquica.

O conceito de individuação desempenha papel não pequeno em nossa psicologia. A individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser individual e, em especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser distinto do conjunto, da psicologia coletiva. É, portanto, um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da personalidade individual. É uma necessidade natural; e uma coibição dela por meio de regulamentos, preponderante ou até exclusivamente de ordem coletiva, traria prejuízos para a atividade vital do indivíduo […] (JUNG, 2013e, p.467).

Nise da Silveira (1981), nos esclarece que a evolução das capacidades do ser humano pode ser proporcionada por forças de origem inatas, inconscientes. Além disso, é notório destacar que esse ser humano tem uma condição de adquirir consciência desse crescimento. Esclarecendo que indivíduo é possuidor de energia capaz de influenciar na aquisição desse desenvolvimento. Tal possibilidade é obtida, justamente, no embate do inconsciente com o consciente, na disputa ou na união entre ambos, permitindo que os inúmeros integrantes da personalidade se conscientizem e juntem-se em um todo, numa síntese, ou seja, na realização de um indivíduo específico e inteiro.

Individuação não quer dizer perfeição. Aquele que procura individuar-se não tem o menor desejo de se tornar perfeito e sim de evoluir para um indivíduo melhor, no sentido de completar-se, situações que são totalmente diferentes. Em busca desta completude, será necessário conhecer e entender as forças psíquicas opostas que agem dentro de si e no universo, tais como: bem ou mal e claro ou escuro. Outro equívoco, seria confundir individuação com individualismo. Observa-se que o processo de individuação leva em consideração os integrantes do inconsciente coletivo (SILVEIRA, 1981).

Boucher (2015), argumenta que a verdadeira iniciação maçônica é uma participação prática que pode produzir efeitos em si mesma, depois de serem vencidos e vividos os degraus de: Aprendiz, Companheiro e Mestre. O iniciado adquire a capacidade de estar acima dos rótulos e das amarras que o limitam no saber, sendo capaz de ultrapassar o racionalismo estéril para atingir a sabedoria. Da mesma forma que o movimento se faz pela ação, tal como o caminhar, a Maçonaria procura fazer uso do simbolismo na instrução de seus integrantes de forma disciplinada e organizada, amparada em seus regulamentos, estatutos, manuais e rituais. Tais dramatizações podem despertar a imaginação em seus membros através dos rituais que ocorrem nos templos devidamente preparados para as encenações. Tudo de acordo com os graus dos rituais e suas ritualísticas que são vividas na prática dos trabalhos.

A vivência de uma ocorrência na vida, de maneira muito significativa, pode oferecer elementos essenciais (a prima matéria alquímica) para as etapas que se
seguem rumo ao conhecimento e a totalidade na obra de individuação (STEIN, 2020). Essas experiências precisam, em diversas oportunidades, continuar sendo trabalhadas no processo terapêutico.

Stein (2021) pontua que comparando os diversos avanços na tomada de consciência do indivíduo e levando em consideração os diversos contextos que se desenvolveu essa conscientização, a individuação é um conceito que também está presente em outras culturas e em outras possibilidades de ocorrência.

A individuação não passa apenas pela consciência e, por conseguinte, não está associada a uma intencionalidade ou busca de uma divindade sagrada. Ela é a conscientização e a integração dos níveis somático, psicológico e espiritual do ser humano, nos aspectos individual e coletivo (STEIN, 2020).

“O alvo do processo de individuação é obter uma relação consciente com o Si-mesmo” (EDINGER, 2020, p. 294). Esse caminho de conquista é uma viagem ao
encontro do desconhecido em si mesmo.

Para Camino (2015), a experiência proporcionada pelo ensino maçônico tem como metas: dar condições à convivência harmônica que se situe longe da polarização radical, permitir a busca por uma conscientização ampla, alcançar um sentido para a vida a fim de possibilitar a felicidade individual e reverberar tais conquistas em benefício do contexto social.

Gennep (2012) enfatiza que ao considerarmos os grupos, ou os seus integrantes individuais, o fato de existir é constantemente marcado pela ação de decompor-se e compor-se novamente de maneira diferente, em novo estado e forma, morrer e renascer, transformar-se e transformar. É necessário trabalhar arduamente, parar, esperar, repousar, recomeçar a peleja em seguida, de uma maneira diferente, mais eficiente. A certeza de novos desafios a vencer, verão ou inverno, dia ou noite, nascimento, adolescência, idade madura, velhice, morte e limiar da outra vida – para os que alimentam essa esperança.

5 – Considerações finais

A psicologia arquetípica possui fundamentos que estão contidos na literatura de Jung e, também, em importantes estudiosos que seguem os postulados junguianos, como os que fazem parte das referências do presente estudo, dentre
outros. Eles podem nos ajudar a compreender a jornada do indivíduo rumo à realização pessoal e à aquisição de uma totalidade, sem estar ligada ao dogmatismo, estando fora da ortodoxia.

A psicologia profunda, como também é conhecida, possui base conceitual que pode apoiar no desenvolvimento mais amplo da compreensão dos significados simbólicos e ritualísticos da Ordem Maçônica. A busca pelo aprimoramento é uma necessidade na mesma, sendo fundamental evidenciar que o sentido de se chegar à perfeição é algo inalcançável para o ser humano, seja ele maçom, junguiano ou de outras escolas de pensamento.

A imaginação despertada nas participações ativas nos rituais da Maçonaria tem a possibilidade de fazer emergir os conteúdos inconscientes adormecidos e negados. Eles poderão ser compreendidos e vivenciados de uma maneira consciente e com novo significado. Tal aspecto pode dar acesso ao desenvolvimento da tolerância, atributo essencial, que é sempre considerada para os trabalhos de aprimoramento individual e coletivo na Ordem Maçônica. A conquista supracitada é obtida como algo que está em um patamar superior ao das forças contrárias que se polarizam e trazem atraso no alcance da completude ou totalidade.

Entre os principais aspectos, comuns em diversos simbolismos, estão as imagens arquetípicas, tais como: o sol, a lua, os pontos cardeais, o cosmos, a pedra bruta a ser trabalhada, o fogo, o ar, a terra, a água, o delta luminoso, a cripta (caverna) de reflexão, tão presentes nos cenários de dramatização ritualística na Maçonaria. A codificação de significados simbólicos na ritualística maçônica é um ponto de afastamento em relação aos ensinamentos junguianos, pois o símbolo é algo que possui uma significação viva e singular ao indivíduo.

A Ordem Maçônica pode aprender com os ensinamentos da psicologia profunda no que se refere a ampliação da consciência pelo conhecimento dos preceitos junguianos. A psicologia profunda tem sua independência e não é ferramenta de apoio a nenhuma forma codificada de ensinamento, mas isso não impede que o maçom considere seus fundamentos em sua própria conscientização. Esse apoio não é uma doutrina, nem é uma máxima, pois não existe, com certeza, um percurso único e uniforme para todos, não há conhecimento de uma fórmula pronta para encontrar a individuação, uma vez que ela pode ser encontrada em diferentes contextos que comungam perspectivas simbólicas e respeitam a singularidade de cada um.

Autores: Claudiney Rodrigues Calsavara e Paulo Ferreira Bonfatti

Fonte: Cadernos de Psicologia, Juiz de Fora, v. 3, n. 6, p. 542-567, jul./dez. 2021.

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Referências

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