A Maçonaria e os reflexos dos anos de 1930 e de 1964 – Parte II

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Nos movimentos que antecederam a Revolução de 1964, com a renúncia de Jânio Quadros, maçom iniciado na “Loja Libertas” de São Paulo[1], o Grande Oriente do Brasil manifestou-se, publicamente, pelo respeito à Constituição, apoiando a consequente posse do vice João Goulart na presidência, que era considerado perigoso pelos ministros militares e que por isso haviam pedido o seu impedimento junto ao Congresso. A solução política para o impasse foi a instituição do regime parlamentarista, tendo João Goulart assumido o cargo em 7 de setembro de 1961, com poderes limitados. Em 1963, Goulart conseguiu em Plebiscito o retorno ao regime presidencialista (Castellani, 1993).

Segundo Castellani (2007), a Maçonaria que se mostrava à época ao lado dos meros expectantes, dividia-se em duas correntes de tendências opostas, uma formada pelos elementos de esquerda que haviam começado a se infiltrar nas lojas a partir dos anos 30 e outra que, sem manifestar tendências radicais de direita, era ferrenha na luta contra o envolvimento esquerdista da Ordem maçônica, tradicionalmente contrária aos extremos. O contingente mais numeroso era representado pela segunda corrente, que passou a lutar ativamente pela legalidade constitucional, ameaçada pelos propósitos continuístas do presidente da República, e por acreditarem que o estado político do Brasil era de caos, apoiou o movimento militar de 31 de março de 1964, culminando com a fuga de Goulart para o Uruguai e a suspensão das garantias constitucionais.

Apesar de tratar-se de um período ainda cercado de controvérsias, sabe-se que a sociedade civil apoiou fortemente o movimento de 1964, com campanhas massivas de desestabilização, com adesão de empresários, imprensa, setores da Igreja e do governo dos EUA.  Os governadores do Rio de Janeiro (Carlos Lacerda), de São Paulo (Ademar de Barros) e de Minas Gerais (Magalhães Pinto) apoiaram de imediato.

Nesse sentido, vale destacar a marcha realizada em fevereiro de 1964, em Belo Horizonte, conhecida como a “Marcha do Terço”, organizada pelo Padre Peyton[2], pelo Padre João Botelho e por várias organizações femininas patrocinadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)[3]. “A marcha, que condenou Leonel Brizola publicamente como anticristo, também condenou o governo de João Goulart e pediu a intervenção militar….O apelo da Marcha do Terço foi reforçado pelo lançamento, em março de 1964, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, numa operação semelhante às executadas em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Entre os militares que lideraram a marcha em Belo Horizonte encontrava-se o General José Lopes Bragança[4]. “O clima político em Minas Gerais estava pronto para que fosse desencadeado o movimento militar contra o governo central” (Dreifuss, 1981 – p.395/396).

Em muitas localidades, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” contou com o apoio da maçonaria. “Estabeleceu-se, aliás, uma situação verdadeiramente inusitada: a instituição maçônica e o catolicismo, frente a uma questão política conflituosa, puseram-se do mesmo lado” (Morel e Souza, 2008).

O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu a Presidência da República em 15 de abril de 1964, eleito pelo Congresso. Foram editados novos Atos Institucionais, dentre eles o de Nº 2, de 27 de outubro de 1965, encerrando os antigos partidos políticos e permitindo, na prática, apenas o bipartidarismo, originando-se a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e determinando a eleição indireta do próximo presidente.

Naqueles agitados dias, embora houvesse uma divisão de opiniões na Maçonaria brasileira, a maioria dos maçons apoiou, inicialmente, o movimento, diante da situação caótica em que se encontrava o país. A Maçonaria, como instituição, não foi molestada em nenhum momento, embora a repressão que se seguiu à queda de Goulart tenha atingido a intimidade das lojas, não diretamente pelo governo, mas por meio da corrente que apoiara o movimento e que iniciava no seio da instituição um expurgo dos elementos radicais, mas aquela seria incrementada a partir de 1968, quando, durante o governo do general Costa e Silva (1967-1969), que sucedeu a Castelo Branco, foi fechado o Congresso Nacional e editado o Ato Institucional Nº 05, com censura tão intensa quanto a da época da ditadura Vargas, em nome da segurança nacional.

Segundo José Maurício Guimarães (2014), “mais uma vez frustrada a participação política da Maçonaria, enfraqueceu-se também a formação iniciática e cultural que é o seu principal dever”. Segundo ele, “banidos – primeiro, do Palácio do Catete e, depois, do Palácio da Alvorada -, os chamados ‘maçons históricos’ ficaram suspensos no vácuo, a flutuar na escuridão. O pensamento maçônico que deveria progredir com o amadurecimento dessas circunstâncias e do desenvolvimento histórico destes fatos foi gradualmente substituído e apropriado pelos estudos e pesquisas nas universidades… As Lojas prosseguiram ‘batendo malhete’ e seus oficiais agindo como autômatos” (p.204).

Ainda sobre as repercussões na Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, prossegue o citado autor comentando que “impossibilitados de combater um inimigo externo, a altercação política recrudesceu no interior das Lojas. Mesmo na carência de uma tese política consistente, alguns maçons envolveram-se em confrontos que, embora acalorados e não permitidos pelas leis maçônicas, não ultrapassaram os limites dos Templos” (p.205).

Sobre a gestão do Grão-Mestre Onéas D’Assumpção Corrêa (maio a junho de 1967), relatando entrevistas realizadas entre 2012/2013, José Maurício Guimarães (2014) registra que o mesmo “adotou postura corajosa diante da ameaça de violação dos arquivos da Grande Loja por alas radicais que procuravam agentes de esquerda possivelmente infiltrados nas Lojas” (p. 213). Quanto ao General José Lopes Bragança [junho 1967 – junho 1976] e o Coronel médico Raimundo José de Oliveira [junho 1976 – junho 1979], que ocuparam o Grão-Mestrado durante doze anos desse período, afirma que pouparam a potência “de maiores sacrifícios em meio a tantos abusos de autoridade no mundo profano”, preservando o “crescimento e afirmação da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais como operante defensora da democracia” (p.42).

Ainda segundo Castellani (2007), não obstante os homens sérios que julgavam naquele momento estarem fazendo o melhor para a Maçonaria brasileira, “surgiram os aproveitadores, que, por interesses pessoais na política maçônica e não por idealismo, passaram a usar a tendência política dominante para se desembaraçar de seus adversários”. Segundo ele, “muitos maçons passaram a ser levianamente acusados, sem nenhum fundamento, e ‘premiados’ com o adjetivo mais perigoso e contundente da época: comunista! A Justiça Militar, onde tais acusações eram analisadas, acabaria por arquivar todas as denúncias, diante da inconsistência delas”.

A partir de então, a atividade maçônica externa diminuiu muito, restringindo-se aos fatos administrativos internos. Seguiram-se os governos de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), que implantou a mais profunda censura a todos os órgãos da mídia nacional, impedindo qualquer tipo de manifestação da sociedade, e o de Ernesto Geisel (1974-1979). Em 16 de maio de 1974, o presidente Geisel recebeu lideranças do Grande Oriente, onde foi lido ofício de apoio ao regime de governo, que se havia implantado em 1964, sem a oitiva prévia do “povo maçônico”, segundo Castellani (2007).

No governo Geisel, os militares começaram a planejar uma saída do poder de forma estratégica e conciliatória, iniciando a lenta abertura política. “Para a sociedade civil, começou a se formar um consenso de que a solução dos problemas nacionais passava pela opção política, ou seja, a participação coletiva, a redemocratização” (Lopez, 2002).

Em 28 de agosto de 1979, o governo do general João Figueiredo (1979-1985) sancionou a lei de anistia. “Como a de outros setores da sociedade, as Obediências maçônicas também se fizeram ouvir em favor da anistia”. Em 1984, aproximando-se a nova eleição para a presidência da República, a Maçonaria brasileira, juntando-se a outros segmentos da sociedade, apoiou abertamente a realização de eleições diretas, o que não acontecia desde 1960. Porém, a emenda constitucional foi rejeitada pela Câmara Federal, ensejando a eleição pela via indireta de Tancredo Neves, quando se encerrou então a Quarta República (1964-1985).

Em trabalho de dissertação de Mestrado apresentada junto à PUC-SP, denominado POSICIONAMENTOS DA INSTITUIÇÃO MAÇÔNICA NO PROCESSO POLÍTICO DITATORIAL BRASILEIRO, abrangendo o período de 1960 a 1989, Tatiana Almeri (2007) efetuou pesquisa bibliográfica e em jornais da época, além de conduzir entrevistas com 13 maçons que vivenciaram o movimento, na faixa etária de 56 a 84 anos, tanto nas cidades do interior quanto na capital de São Paulo.

Das respostas colhidas, foi possível constatar o apoio da Maçonaria ao regime militar como alternativa para solucionar um caos político, econômico e social então formado na opinião pública por vários setores sociais. Quanto aos maçons, uma conclusão pode ter como referência a manifestação de um entrevistado: “[…] difícil opinar sobre como a Maçonaria agiu, difícil formar uma opinião única numa instituição que tem pessoas com as mais variadas formações, e um dos princípios básicos da Maçonaria é a liberdade de pensamento, baseado nisso acredito que existiam alguns a favor e outros contra.

Nesse sentido, o estudo concluiu que “a Maçonaria como instituição esteve ao lado das atuações militares, do governo instituído pós-golpe de 1964. Porém isso não exclui a existência de maçons que eram contra as atuações militares; entretanto teriam que, necessariamente, abster-se de questionamentos, indagações e afins dentro das lojas, pois a Ordem não hesitou em denunciar maçons que estavam contrariando o governo”.

Por sua vez, atualizando informações sobre fatos ocorridos naquele período, José Maurício Guimarães (2014), registra a desconfiança que o regime instaurado no país nutria a respeito da Maçonaria, segundo documentos do DOPS, recentemente vindos à tona. Consta que, “numa dessas informações, oriundas do Ministério do Exército em 1975, o assunto ‘Maçonaria’ é dissecado nos aspectos administrativos e litúrgicos. Apesar de não ter sido possível provar infiltrações de esquerda na Maçonaria, houve denúncias e reações contra ‘elementos ditos como comunistas’. As investigações apontavam a frequência de padres Dominicanos na Maçonaria do Rio, São Paulo e Belo Horizonte e a ação do PCB aliciando militares nas Forças Armadas por meio das Lojas. ‘Nas Lojas [afirmavam os relatórios] seria possível e mais fácil o estabelecimento de contato com os militares maçons’”. Concluiu-se que, “a doutrina maçônica não se coadunava com o comunismo e a atuação de esquerdistas tinha sido objeto de denúncia e repúdio por parte de seus próprios membros, algumas vezes causando crises internas” (p.228)

Analisando em retrospectiva, a Maçonaria brasileira iniciou o século XX exercendo influência política decisiva nos destinos do país, mas chegou ao final do período enfraquecida em decorrência das cisões de 1927 e 1973, bem como do impacto dos movimentos de 1930 e 1964, além de disputas intestinas de poder que sempre marcaram sua estrutura administrativa.

Porém, na atualidade, conta com prestígio crescente junto à Sociedade, como uma instituição formadora de opinião, em especial nas cidades menores, fruto da atuação efetiva de abnegados obreiros, que se mantêm fiéis aos postulados da Ordem, parceiros em diversas atividades, independente das Potências regulares a que estão ligados, pugnando pelo estreitamento dos laços de fraternidade que afortunadamente não são atingidos pelos conflitos e pelas dificuldades de articulação de suas elites dirigentes e conscientes de que maçonaria efetivamente se faz pela atuação de seus obreiros.

Enfim, não obstante as restrições impostas pela regulamentação maçônica em relação à livre manifestação em questões políticas[4], que colide com a sua orientação filosófica de investigação da verdade, o que se espera é que a Maçonaria, como instituição, recupere a sua força de pressão e volte a influenciar ativamente nos meios sociais e politicamente na estruturação do Estado brasileiro, em face das grandes transformações econômicas e tecnológicas em andamento no contexto global, que exigem respostas cada vez mais rápidas, podendo para isso contar com o respaldo da qualidade moral e competência de seu sempre renovado quadro de obreiros, que muito têm a oferecer em prol do nosso país, agindo como Construtores Sociais.

“… A Franco-Maçonaria é chamada a refazer o mundo. A tarefa não está acima de suas forças, desde que ela se torne aquilo que deve serE quando os Maçons forem instruídos, quando eles forem Iniciados reais, Pensadores em toda força do termo, então, qual será o seu poder? — Eles já fizeram tanto, mesmo agindo inconscientemente, que se pode esperar deles obras gigantescas, transformações modificando a face das coisas e assegurando a salvação coletiva dos homens…”. (Oswald Wirth: O Livro do Aprendiz: O Amanhã da Franco-Maçonaria, 1931).

FINIS

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

Notas

[1] – Maçom, iniciado em 1946, quando a Loja pertencia ao Grande Oriente de S. Paulo. Deixou a Maçonaria antes de receber o grau de Mestre Maçom. Elevado, não chegou a receber o grau, tornando-se irregular e adormecido.

[2] – Padre Patrick Peyton, pároco de Hollywood, a serviço da CIA norte-americana (Lopez, 2002).

[3] – IPES: fundado em 29 de novembro de 1961, por um grupo de empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi um dos principais conspiradores contra o presidente João Goulart, participando ativamente das articulações que culminaram no Golpe Militar de 1964.

[4] – O General José Lopes Bragança foi Grão-Mestre da GLMMG no período de junho 1967 a junho 1976.

[5] – A Constituição de Anderson proíbe as discussões de caráter político e religioso dentro das lojas.

Referências Bibliográficas

ALMERI, Tatiana Martins. POSICIONAMENTOS DA INSTITUIÇÃO MAÇÔNICA NO PROCESSO POLÍTICO DITATORIAL BRASILEIRO (1964): Da visão liberal ao conservadorismo. Dissertação de Mestrado apresentada junto à PUC-SP, 2007. Disponível em http://livros01.livrosgratis.com.br/cp039831.pdf – Acesso em Janeiro 2018;

CÁCERES, Florival. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1995;

CASTELLANI, José. A Ação Secreta da Maçonaria na Política Mundial. São Paulo: Landmark, 2007;

CASTELLANI, José. História do Grande Oriente do Brasil: A Maçonaria na História do Brasil. Brasília: Gráfica e Editora do Grande Oriente do Brasil, 1993;

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1981;

GUIMARÃES, José Maurício. Grande Loja Maçônica de Minas Gerais: história, fundamentos e formação. Belo Horizonte: GLMMG, 2014;

LOPEZ, Luiz Roberto. Uma história do Brasil: República. São Paulo: Contexto, 2002;

MOREL, Marco; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

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A Maçonaria e os reflexos dos anos de 1930 e de 1964 – Parte I

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A Maçonaria Moderna, que completou 300 anos em 2017, de uma forma ou de outra, esteve envolvida em vários acontecimentos marcantes da História, dedicando-se à defesa das liberdades de pensamento e expressão, seja política ou religiosa, posicionando-se contra o absolutismo e a opressão. No século XVIII, influenciou decisivamente e Independência dos Estados Unidos e atuou fortemente nos bastidores da Revolução Francesa.

No Brasil suas sementes frutificaram em vários movimentos, com destaques para a Inconfidência Mineira (1789), a Revolução Pernambucana (1817), a Independência (1822), a Confederação do Equador (1824), a Sabinada (1837), a Revolução Farroupilha (1835-1845), a abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889).

Do conjunto dos 13 presidentes da Primeira República ou República Velha (1889/1930), dez foram maçons: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, Wenceslau Brás, Delfim Moreira e Washington Luís. A condição de maçom do marechal Floriano Peixoto é cercada de dúvidas e o nome de Delfim Moreira é omitido em algumas publicações maçônicas. Sobre eles, José Castellani registra que Floriano Peixoto pertenceu à Loja “Perfeita Amizade”, de Maceió, e Delfim Moreira à Loja “Bello Horizonte”. Dois presidentes ocuparam o posto de Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil – Deodoro da Fonseca e Nilo Peçanha, refletindo bem o prestígio e o poder político da Ordem.

Da mesma forma, vários cargos nos poderes constituídos, das esferas municipais à federal, registram a participação de maçons, que galgaram as posições por participarem de movimentos e defenderam interesses legítimos de vários setores da sociedade. A participação de maçons nos embates políticos sempre foi uma realidade, assim como na criação de escolas, creches, hospitais, asilos, atividades filantrópicas e pregação da liberdade de consciência.

O ciclo dos presidentes maçons e a força da maçonaria no campo político se esgotaram no final dos anos de 1920, com destaque ainda para a crise da própria maçonaria, que enfrentou o cisma do Grande Oriente do Brasil, de 1927, que redundou na criação do sistema de Grandes Lojas Estaduais. Ainda a partir dos anos 1920 a maçonaria tornou-se um dos alvos favoritos dos discursos combativos elaborados por uma intelectualidade católica conservadora.

O Confrade José Maurício Guimarães, no seu livro “Grande Loja Maçônica de Minas Gerais: História, Fundamentos e Formação” (2014), repercutindo o posicionamento dos historiadores Marco Morel e Françoise Jean de Oliveira, no livro “O Poder da Maçonaria” (2008), no sentido de que a Maçonaria brasileira “mudou seu perfil a partir de meados do século XX”, afirma que “foi a partir das Grandes Lojas de Mário Behring que a Maçonaria brasileira deixou de interferir na política, passando a se preocupar com ações de suporte à cidadania, à cultura e à educação – noutras palavras: uma Maçonaria que volta sua atenção para a política de Estado e não para projetos de poder” (p.93).

Importa relevar que a década de 20 foi marcada por vários acontecimentos significativos, como a semana de Arte Moderna, o movimento tenentista e a criação do Partido Comunista, em 1922, os reflexos da Grande Depressão em 1929, bem como a indignação dos grupos sociais urbanos contra o domínio das oligarquias agrárias.

A Revolução de 1930 depôs último governante da República Velha ou Primeira República, o maçom paulista Washington Luís (1926-1930), em 24 de outubro, vinte e um dias antes do término do seu mandato como presidente da República. O também paulista e maçom Júlio Prestes, que disputara as eleições contra Getúlio Vargas em março de 1930, foi eleito, mas não chegou a tomar posse.

A candidatura de Prestes, do Partido Republicano Paulista (PRP), com o apoio de Washington Luiz, havia rompido o acordo segundo o qual, depois de um paulista na presidência, um representante do Partido Republicano Mineiro (PRM) deveria assumir o cargo, a conhecida política do “café-com-leite”. Essa expressão devia-se à condição de Minas como “grande produtor de laticínios, embora os interesses dominantes nos dois estados, e por extensão no Brasil, fossem os das oligarquias cafeeiras” (Cáceres, 1993).

Em função desse desacerto, os mineiros aliaram-se ao Rio Grande do Sul e à Paraíba, formando a Aliança Liberal, lançando o nome do governador gaúcho Getúlio Vargas. O setor mais radical da Aliança, formado pelos tenentes, ameaçava pegar em armas para chegar ao poder, caso Getúlio fosse derrotado. O assassinato de João Pessoa, vice-presidente na chapa de Getúlio, reacendeu os ânimos e este aceitou chefiar a revolução, apoiado pelos tenentes, sendo conduzido à Presidência, como Chefe do Governo Provisório, inaugurando a Era Vargas.

Com o golpe de 24 de outubro, a implantação do estado de sítio e o fechamento dos bancos, muitas lojas maçônicas suspenderam o seu funcionamento, até por dificuldades de ordem financeira (Castellani, 1993).

Os Paulistas, sobretudo os dirigentes do PRP, não se conformavam com o resultado da Revolução de 1930, em especial com a nomeação do pernambucano João Alberto Lins de Barros, como interventor de São Paulo, desencadeando uma grande propaganda contra o governo federal. Reivindicavam a nomeação de interventor paulista e, ainda, a promulgação de nova constituição. João Alberto, sentindo-se isolado, pediu demissão no dia 24 de julho de 1931, que mesmo afastado continuou a interferir na situação de São Paulo, marcada pelo agravamento do conflito entre tenentistas e as forças políticas tradicionais, agora representadas no governo de Laudo de Camargo, próximo do Partido Democrático e empossado em 25 de julho. Este, entretanto, pediu demissão em 13 de novembro de 1931. Na sequência, foi nomeado o coronel Manuel Rabelo, simpático ao tenentismo, o que levou as forças paulistas tradicionais de volta à oposição, radicalizando suas posições.

O Partido Democrático lançou, em 13 de janeiro de 1932, um manifesto rompendo com o governo federal e conclamando a população à luta pela imediata constitucionalização do país e a devolução da autonomia estadual, sendo seguido pelo PRP, iniciando o processo de união dos dois grandes partidos locais, resultando na formação da Frente Única Paulista (FUP), em 16 de fevereiro. A FUP intensificou as manifestações populares e, com isso, despertou a simpatia no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais pelas reivindicações paulistas, levando Vargas a preparar um estudo para a constitucionalização do país, que resultou no código eleitoral decretado em 22 de fevereiro de 1932.

Em 3 de março de 1932, Getúlio nomeou o embaixador Pedro de Toledo, civil e próximo do PRP, maçom da Loja Piratininga e ex-Grão-Mestre do Grande Oriente Estadual de São Paulo (1908-1914), para o cargo de Interventor Federal. Porém, a indicação não aliviou a tensão reinante e a revolta se mostrou iminente. As reuniões preparatórias do movimento foram realizadas na sede do jornal “O Estado de S. Paulo”, fundado em 1875, e dirigido pelo maçom Júlio de Mesquita Filho (Loja Maçônica União Paulista II). Participaram das reuniões outros jornalistas e maçons, como Paulo Duarte (Loja União Paulista II), Cesário Coimbra, Joaquim Celidônio dos Reis, além da quase totalidade dos membros do Partido Democrático.

No dia 23 de maio 1932, durante uma manifestação na Praça da República, alguns jovens foram mortos pela polícia política da ditadura, dando início à revolta. Seus sobrenomes, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, deram origem ao M.M.D.C, formando o acrônimo pelo qual se tornou conhecido o levante paulista. Mesmo sendo atendida a reivindicação de um governante civil e paulista, São Paulo ainda cobrava a promulgação da nova constituição.

Nesse clima, em 9 de julho, um sábado, às 11h40, a revolta constitucionalista explode nas ruas saindo do palácio Campos Elíseos, sob o comando do Coronel Euclydes Figueiredo e marchando à Estação da Luz e Sorocabana rumo ao interior, dando início a uma guerra civil de grandes proporções. No dia seguinte, o interventor Pedro de Toledo foi aclamado como governador de São Paulo, “perante uma plateia onde se encontravam maçons de destaque no cenário político e cultural, como Altino Arantes, Menotti del Picchia, Francisco Morato, Thyrso Martins, Paulo Duarte, Cesar Vergueiro, entre outros” (Castellani, 1993).

As Lojas participaram ativamente do movimento, junto a diversos segmentos da sociedade de São Paulo, não somente nos serviços de retaguarda e contribuição aos hospitais de sangue, como na própria frente de batalha com a ação de vários obreiros. Entendimentos entre lideranças maçônicas paulistas e mineiras lograram êxito em conter os avanços das tropas legalistas de Minas Gerais contra São Paulo.

Sem o esperado apoio de Minas e do Rio Grande do Sul e sem os recursos necessários, os combatentes de São Paulo resistiram por apenas três meses. A resistência foi vencida com o bloqueio do Porto de Santos e à grande concentração de forças federais vindas dos demais Estados. O armistício foi assinado em 1º de outubro de 1932.

Com a vitória sobre a Revolução Constitucionalista, Vargas nomeou o general Valdomiro Lima como interventor em São Paulo, com a missão de pacificar o estado e promover a conciliação entre o governo federal e as forças derrotadas. Este se manteve no cargo de 6 de outubro de 1932 a 27 de julho de 1933, sendo sucedido por Armando de Salles Oliveira[1]. As eleições constituintes, autorizadas por Vargas, ocorreram em maio de 1933, atendendo assim à reivindicação dos paulistas derrotados, que tiveram a vitória moral com a outorga da Constituição de 16 de julho de 1934. No dia seguinte, a Assembleia elegia Getúlio Vargas, por voto indireto, como Presidente Constitucional do Brasil.

No ano de 1935 o ambiente político continuou agitado, surgindo os extremismos de direita, chamado de “movimento integralista” liderado por Plínio Salgado e, do outro lado, a extrema esquerda, os comunistas, agrupados na Aliança Nacional Libertadora, sob a presidência de honra de Luís Carlos Prestes. O integralismo elegeu como inimigos “o liberalismo, o capitalismo internacional, o comunismo e, na esteira da onda acusatória pela qual passava o mundo, a maçonaria” (Morel e Souza, 2008). O governo Vargas chegou a apoiar teses do integralismo. A luta entre os dois grupos resultou na Intentona Comunista. Em julho de 1935, o governo fechou a Aliança e iniciou forte repressão aos comunistas, comandada por Filinto Müller, o temido chefe da polícia política de Getúlio Vargas.

Porém, o clima no país não era dos melhores e caminhava rumo à ditadura e ao estancamento dos trabalhos das lojas maçônicas. Com a expectativa da nova campanha presidencial em 1937, o quadro político tornou-se tumultuado e o governo Vargas agiu no sentido de impedir as eleições. Com a decretação do estado de guerra, com base na existência de um suposto plano de terrorismo comunista para tomada do poder no Brasil, chamado Plano Cohen, foram dissolvidos o Congresso e os partidos políticos, extinta a Constituição de 1934 e publicada uma nova, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, a terceira da República, elaborada por Francisco Campos, que ficou conhecida como “Polaca”.

Deu-se início, então, ao Estado Novo, um regime ditatorial de direita, a exemplo dos regimes existentes à época na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e na Polônia. “Para evitar o comunismo, assegurar a ordem e a unidade nacional contra a ‘anarquia’, eis por que diversos setores sociais ou apoiaram o golpe ou se mantiveram omissos” (Lopez, 2002).

A maçonaria, por sua vez, enfrentou várias campanhas difamatórias, polêmicas e notícias falsas (as “Fake News” atuais), fruto do desconhecimento de seus princípios, por várias organizações, decorrentes de pensamentos conservadores e de tendências autoritárias, alegando que os maçons articulariam a destruição de todas as pátrias, estando por traz de todos os acontecimentos revolucionários no Brasil e no mundo, conforme escreveu o intelectual católico Ramos de Oliveira em sua obra “A ilusão maçônica” (citado por Morel e Souza, 2008, p.204).

Na mesma linha, Gustavo Barroso, católico, militante integralista e simpatizante do nazismo, atacou a maçonaria em várias de suas obras, defendendo a tese de que a mesma teria planos para o Brasil e que os principais acontecimentos da história brasileira seriam resultado de ações conspiratórias maçônicas. A imprensa integralista reforçou a associação entre maçonaria, judaísmo e comunismo. Atualmente, o desconhecimento e o preconceito ainda estão presentes, frutos dessas sementes do passado, sendo este um tema negligenciado pelos estudiosos e por muitos visto como exótico.

Com repercussão em todas as instituições, o fechamento da Maçonaria foi aconselhado ao governo, em 25 de outubro de 1937, pelo General Newton Cavalcanti, sob o argumento de que a mesma seria contrária ao regime político que iria se instaurar no país. Embora isso não tenha ocorrido no Distrito Federal, o mesmo não se pode dizer sobre o que ocorreu em outras praças. Embora oficialmente fechadas, muitas lojas continuaram a desenvolver seus trabalhos secretamente e em outros lugares.

Pesava ainda contra a maçonaria o fato de grande parte de seus membros do estado de São Paulo terem se envolvido na Revolução Constitucionalista de 1932. Documentos, arquivos e demais materiais das lojas maçônicas foram apreendidos pelas forças de segurança dos estados a partir de então. “A exceção foi no Distrito Federal, então no Rio de Janeiro, onde as Lojas permaneceram em atividade, provavelmente em atenção à submissão do então Grão-Mestre do Grande Oriente, general José Maria Moreira Guimarães, ao governo ditatorial” (Castellani, 2007).

Apesar do fechamento de lojas das quais participavam adversários políticos, o Grande Oriente do Brasil continuou apoiando o regime autoritário imposto ao país, conforme se constata com a publicação do Decreto n° 1.179, de 2 de junho de 1938, exigindo que as Lojas excluíssem “imediatamente de seu seio os Obreiros que professem ideologias contrárias ao regime político-social brasileiro, enviando logo ao Conselho Geral da Ordem …… a lista dos membros atingidos, à qual serão anexos os elementos comprobatórios de seu ato”(Castellani, 1993 – p.248). Segundo Morel e Souza (2008) “A maçonaria começou a perceber que, ou ela adotava um discurso anticomunista mais extremista, ou correria o sério risco de ver-se na ilegalidade”.

Naquele período a Maçonaria passou por uma fase de estagnação, tendo sofrido, nos anos 30, durante o Estado Novo, perseguição a alguns maçons liberais e adversários políticos. Era frequente obreiros, e por vezes Veneráveis, prestarem depoimentos nas delegacias e responderem a acusações de estarem abrigando comunistas em suas lojas. Mas isso não constituiu motivo para que os maçons deixassem de se articular e persistir na elaboração de novas estratégias de abordagem. Reações à arbitrariedade partiram do Grande Oriente e da Grande Loja de São Paulo, onde se destacavam nomes que já haviam sido importantes movimento de 1932, como Júlio de Mesquita Filho e Paulo Duarte.

A situação em cada Estado tinha um cenário diversificado, sendo que em alguns a propaganda maçônica se organizou bem antes do fim do regime. Em várias cidades do interior, a repressão promovida pelos investigadores era menos efetiva, possibilitando a continuidade dos trabalhos e manutenção dos vínculos de solidariedade. “Em 7 de janeiro de 1938, após insistentes apelos por parte dos altos escalões maçônicos, o Grande Oriente do Brasil foi posto na legalidade outra vez” (Morel e Souza, 2008).

Morel e Souza (2008) descrevem uma situação em 1939, quando um investigador do DOPS[2] fez um relatório registrando datas de reuniões de uma determinada loja da capital mineira, com o nome de todos os participantes, bem como a placa de todos os carros estacionados em frente ao local. Outro relatório, datado de 26 de janeiro de 1938, um agente registra que assistiu a uma reunião da loja maçônica Vinte e Um de Abril, e que nada de anormal constatou (p. 214/215).

Em setembro de 1939 teve início a Segunda Guerra Mundial, que se estenderia até 1945, envolvendo o Brasil e todos os segmentos da sociedade. As Lojas que haviam permanecido fechadas desde a implantação do Estado Novo, em 1937, começaram a ser reabertas em 1941, embora com agentes do estado infiltrados.

O Jornal “O Estado de S. Paulo” ficou fechado entre 1940 e 1945. O “Manifesto dos Mineiros” divulgado por membros da elite liberal de Minas Gerais, em 1943, antes mesmo dos envio das tropas brasileiras à Segunda Guerra, já fazia alusão ao retorno à ordem democrática. Em 1945, o Brasil passou a ter os primeiros partidos de âmbito nacional, com destaque para o PTB, PSD e a UDN[3]. Vargas permaneceu no poder até 1945, quando foi deposto, encerrando o período conhecido também como Segunda República. Novas eleições deram a vitória ao general Eurico Gaspar Dutra e foi promulgada nova Constituição em 18 de setembro de 1946.

A partir de então, pressões para a redemocratização começaram a pipocar, com as forças policiais ainda reagindo de forma repressiva. A maçonaria, por sua vez, reacendeu o movimento mirando o cenário de retorno à ordem democrática. Em 1951 Vargas retorna à presidência pelo voto popular, permanecendo até 24 de agosto de 1954, quando se suicidou. João Café Filho presidiu o país até 9 de novembro de 1955, seguido de Carlos Luz, que ficou apenas dois dias, e de Nereu Ramos, (11.11.1955 a 31.01.1956), maçom catarinense e vice-presidente do senado, que por sua vez deu posse aos eleitos Juscelino Kubitschek e João Goulart, presidente e vice-presidente respectivamente, para o período 1956 -1961. Segue-se o governo de Jânio Quadros (31.01.1961 a 25.08.1961) e João Goulart (1961-1964). O período 1946-1964 ficou conhecido como Terceira República ou República Populista.

Continua…

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

Notas

[1] – Armando de Salles Oliveira e seu cunhado, o maçom Júlio de Mesquita Filho, fundaram a Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Mesquita Filho estabeleceu como condição de sua criação que a Universidade fosse pública, laica e gratuita.

[2] – DOPS: Departamento de Ordem Política e Social, criado em 30 de dezembro de 1924. Órgão do governo brasileiro utilizado principalmente durante o Estado Novo e mais tarde no Governo Militar. Extinto em 4 de março de 1983.

[3] – Partido Trabalhista Brasileiro, Partido Social Democrático e União Democrática Nacional.

 

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