Nos movimentos que antecederam a Revolução de 1964, com a renúncia de Jânio Quadros, maçom iniciado na “Loja Libertas” de São Paulo[1], o Grande Oriente do Brasil manifestou-se, publicamente, pelo respeito à Constituição, apoiando a consequente posse do vice João Goulart na presidência, que era considerado perigoso pelos ministros militares e que por isso haviam pedido o seu impedimento junto ao Congresso. A solução política para o impasse foi a instituição do regime parlamentarista, tendo João Goulart assumido o cargo em 7 de setembro de 1961, com poderes limitados. Em 1963, Goulart conseguiu em Plebiscito o retorno ao regime presidencialista (Castellani, 1993).
Segundo Castellani (2007), a Maçonaria que se mostrava à época ao lado dos meros expectantes, dividia-se em duas correntes de tendências opostas, uma formada pelos elementos de esquerda que haviam começado a se infiltrar nas lojas a partir dos anos 30 e outra que, sem manifestar tendências radicais de direita, era ferrenha na luta contra o envolvimento esquerdista da Ordem maçônica, tradicionalmente contrária aos extremos. O contingente mais numeroso era representado pela segunda corrente, que passou a lutar ativamente pela legalidade constitucional, ameaçada pelos propósitos continuístas do presidente da República, e por acreditarem que o estado político do Brasil era de caos, apoiou o movimento militar de 31 de março de 1964, culminando com a fuga de Goulart para o Uruguai e a suspensão das garantias constitucionais.
Apesar de tratar-se de um período ainda cercado de controvérsias, sabe-se que a sociedade civil apoiou fortemente o movimento de 1964, com campanhas massivas de desestabilização, com adesão de empresários, imprensa, setores da Igreja e do governo dos EUA. Os governadores do Rio de Janeiro (Carlos Lacerda), de São Paulo (Ademar de Barros) e de Minas Gerais (Magalhães Pinto) apoiaram de imediato.
Nesse sentido, vale destacar a marcha realizada em fevereiro de 1964, em Belo Horizonte, conhecida como a “Marcha do Terço”, organizada pelo Padre Peyton[2], pelo Padre João Botelho e por várias organizações femininas patrocinadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)[3]. “A marcha, que condenou Leonel Brizola publicamente como anticristo, também condenou o governo de João Goulart e pediu a intervenção militar….O apelo da Marcha do Terço foi reforçado pelo lançamento, em março de 1964, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, numa operação semelhante às executadas em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Entre os militares que lideraram a marcha em Belo Horizonte encontrava-se o General José Lopes Bragança[4]. “O clima político em Minas Gerais estava pronto para que fosse desencadeado o movimento militar contra o governo central” (Dreifuss, 1981 – p.395/396).
Em muitas localidades, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” contou com o apoio da maçonaria. “Estabeleceu-se, aliás, uma situação verdadeiramente inusitada: a instituição maçônica e o catolicismo, frente a uma questão política conflituosa, puseram-se do mesmo lado” (Morel e Souza, 2008).
O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu a Presidência da República em 15 de abril de 1964, eleito pelo Congresso. Foram editados novos Atos Institucionais, dentre eles o de Nº 2, de 27 de outubro de 1965, encerrando os antigos partidos políticos e permitindo, na prática, apenas o bipartidarismo, originando-se a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e determinando a eleição indireta do próximo presidente.
Naqueles agitados dias, embora houvesse uma divisão de opiniões na Maçonaria brasileira, a maioria dos maçons apoiou, inicialmente, o movimento, diante da situação caótica em que se encontrava o país. A Maçonaria, como instituição, não foi molestada em nenhum momento, embora a repressão que se seguiu à queda de Goulart tenha atingido a intimidade das lojas, não diretamente pelo governo, mas por meio da corrente que apoiara o movimento e que iniciava no seio da instituição um expurgo dos elementos radicais, mas aquela seria incrementada a partir de 1968, quando, durante o governo do general Costa e Silva (1967-1969), que sucedeu a Castelo Branco, foi fechado o Congresso Nacional e editado o Ato Institucional Nº 05, com censura tão intensa quanto a da época da ditadura Vargas, em nome da segurança nacional.
Segundo José Maurício Guimarães (2014), “mais uma vez frustrada a participação política da Maçonaria, enfraqueceu-se também a formação iniciática e cultural que é o seu principal dever”. Segundo ele, “banidos – primeiro, do Palácio do Catete e, depois, do Palácio da Alvorada -, os chamados ‘maçons históricos’ ficaram suspensos no vácuo, a flutuar na escuridão. O pensamento maçônico que deveria progredir com o amadurecimento dessas circunstâncias e do desenvolvimento histórico destes fatos foi gradualmente substituído e apropriado pelos estudos e pesquisas nas universidades… As Lojas prosseguiram ‘batendo malhete’ e seus oficiais agindo como autômatos” (p.204).
Ainda sobre as repercussões na Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, prossegue o citado autor comentando que “impossibilitados de combater um inimigo externo, a altercação política recrudesceu no interior das Lojas. Mesmo na carência de uma tese política consistente, alguns maçons envolveram-se em confrontos que, embora acalorados e não permitidos pelas leis maçônicas, não ultrapassaram os limites dos Templos” (p.205).
Sobre a gestão do Grão-Mestre Onéas D’Assumpção Corrêa (maio a junho de 1967), relatando entrevistas realizadas entre 2012/2013, José Maurício Guimarães (2014) registra que o mesmo “adotou postura corajosa diante da ameaça de violação dos arquivos da Grande Loja por alas radicais que procuravam agentes de esquerda possivelmente infiltrados nas Lojas” (p. 213). Quanto ao General José Lopes Bragança [junho 1967 – junho 1976] e o Coronel médico Raimundo José de Oliveira [junho 1976 – junho 1979], que ocuparam o Grão-Mestrado durante doze anos desse período, afirma que pouparam a potência “de maiores sacrifícios em meio a tantos abusos de autoridade no mundo profano”, preservando o “crescimento e afirmação da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais como operante defensora da democracia” (p.42).
Ainda segundo Castellani (2007), não obstante os homens sérios que julgavam naquele momento estarem fazendo o melhor para a Maçonaria brasileira, “surgiram os aproveitadores, que, por interesses pessoais na política maçônica e não por idealismo, passaram a usar a tendência política dominante para se desembaraçar de seus adversários”. Segundo ele, “muitos maçons passaram a ser levianamente acusados, sem nenhum fundamento, e ‘premiados’ com o adjetivo mais perigoso e contundente da época: comunista! A Justiça Militar, onde tais acusações eram analisadas, acabaria por arquivar todas as denúncias, diante da inconsistência delas”.
A partir de então, a atividade maçônica externa diminuiu muito, restringindo-se aos fatos administrativos internos. Seguiram-se os governos de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), que implantou a mais profunda censura a todos os órgãos da mídia nacional, impedindo qualquer tipo de manifestação da sociedade, e o de Ernesto Geisel (1974-1979). Em 16 de maio de 1974, o presidente Geisel recebeu lideranças do Grande Oriente, onde foi lido ofício de apoio ao regime de governo, que se havia implantado em 1964, sem a oitiva prévia do “povo maçônico”, segundo Castellani (2007).
No governo Geisel, os militares começaram a planejar uma saída do poder de forma estratégica e conciliatória, iniciando a lenta abertura política. “Para a sociedade civil, começou a se formar um consenso de que a solução dos problemas nacionais passava pela opção política, ou seja, a participação coletiva, a redemocratização” (Lopez, 2002).
Em 28 de agosto de 1979, o governo do general João Figueiredo (1979-1985) sancionou a lei de anistia. “Como a de outros setores da sociedade, as Obediências maçônicas também se fizeram ouvir em favor da anistia”. Em 1984, aproximando-se a nova eleição para a presidência da República, a Maçonaria brasileira, juntando-se a outros segmentos da sociedade, apoiou abertamente a realização de eleições diretas, o que não acontecia desde 1960. Porém, a emenda constitucional foi rejeitada pela Câmara Federal, ensejando a eleição pela via indireta de Tancredo Neves, quando se encerrou então a Quarta República (1964-1985).
Em trabalho de dissertação de Mestrado apresentada junto à PUC-SP, denominado POSICIONAMENTOS DA INSTITUIÇÃO MAÇÔNICA NO PROCESSO POLÍTICO DITATORIAL BRASILEIRO, abrangendo o período de 1960 a 1989, Tatiana Almeri (2007) efetuou pesquisa bibliográfica e em jornais da época, além de conduzir entrevistas com 13 maçons que vivenciaram o movimento, na faixa etária de 56 a 84 anos, tanto nas cidades do interior quanto na capital de São Paulo.
Das respostas colhidas, foi possível constatar o apoio da Maçonaria ao regime militar como alternativa para solucionar um caos político, econômico e social então formado na opinião pública por vários setores sociais. Quanto aos maçons, uma conclusão pode ter como referência a manifestação de um entrevistado: “[…] difícil opinar sobre como a Maçonaria agiu, difícil formar uma opinião única numa instituição que tem pessoas com as mais variadas formações, e um dos princípios básicos da Maçonaria é a liberdade de pensamento, baseado nisso acredito que existiam alguns a favor e outros contra.”
Nesse sentido, o estudo concluiu que “a Maçonaria como instituição esteve ao lado das atuações militares, do governo instituído pós-golpe de 1964. Porém isso não exclui a existência de maçons que eram contra as atuações militares; entretanto teriam que, necessariamente, abster-se de questionamentos, indagações e afins dentro das lojas, pois a Ordem não hesitou em denunciar maçons que estavam contrariando o governo”.
Por sua vez, atualizando informações sobre fatos ocorridos naquele período, José Maurício Guimarães (2014), registra a desconfiança que o regime instaurado no país nutria a respeito da Maçonaria, segundo documentos do DOPS, recentemente vindos à tona. Consta que, “numa dessas informações, oriundas do Ministério do Exército em 1975, o assunto ‘Maçonaria’ é dissecado nos aspectos administrativos e litúrgicos. Apesar de não ter sido possível provar infiltrações de esquerda na Maçonaria, houve denúncias e reações contra ‘elementos ditos como comunistas’. As investigações apontavam a frequência de padres Dominicanos na Maçonaria do Rio, São Paulo e Belo Horizonte e a ação do PCB aliciando militares nas Forças Armadas por meio das Lojas. ‘Nas Lojas [afirmavam os relatórios] seria possível e mais fácil o estabelecimento de contato com os militares maçons’”. Concluiu-se que, “a doutrina maçônica não se coadunava com o comunismo e a atuação de esquerdistas tinha sido objeto de denúncia e repúdio por parte de seus próprios membros, algumas vezes causando crises internas” (p.228)
Analisando em retrospectiva, a Maçonaria brasileira iniciou o século XX exercendo influência política decisiva nos destinos do país, mas chegou ao final do período enfraquecida em decorrência das cisões de 1927 e 1973, bem como do impacto dos movimentos de 1930 e 1964, além de disputas intestinas de poder que sempre marcaram sua estrutura administrativa.
Porém, na atualidade, conta com prestígio crescente junto à Sociedade, como uma instituição formadora de opinião, em especial nas cidades menores, fruto da atuação efetiva de abnegados obreiros, que se mantêm fiéis aos postulados da Ordem, parceiros em diversas atividades, independente das Potências regulares a que estão ligados, pugnando pelo estreitamento dos laços de fraternidade que afortunadamente não são atingidos pelos conflitos e pelas dificuldades de articulação de suas elites dirigentes e conscientes de que maçonaria efetivamente se faz pela atuação de seus obreiros.
Enfim, não obstante as restrições impostas pela regulamentação maçônica em relação à livre manifestação em questões políticas[4], que colide com a sua orientação filosófica de investigação da verdade, o que se espera é que a Maçonaria, como instituição, recupere a sua força de pressão e volte a influenciar ativamente nos meios sociais e politicamente na estruturação do Estado brasileiro, em face das grandes transformações econômicas e tecnológicas em andamento no contexto global, que exigem respostas cada vez mais rápidas, podendo para isso contar com o respaldo da qualidade moral e competência de seu sempre renovado quadro de obreiros, que muito têm a oferecer em prol do nosso país, agindo como Construtores Sociais.
“… A Franco-Maçonaria é chamada a refazer o mundo. A tarefa não está acima de suas forças, desde que ela se torne aquilo que deve ser…E quando os Maçons forem instruídos, quando eles forem Iniciados reais, Pensadores em toda força do termo, então, qual será o seu poder? — Eles já fizeram tanto, mesmo agindo inconscientemente, que se pode esperar deles obras gigantescas, transformações modificando a face das coisas e assegurando a salvação coletiva dos homens…”. (Oswald Wirth: O Livro do Aprendiz: O Amanhã da Franco-Maçonaria, 1931).
FINIS
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.
Notas
[1] – Maçom, iniciado em 1946, quando a Loja pertencia ao Grande Oriente de S. Paulo. Deixou a Maçonaria antes de receber o grau de Mestre Maçom. Elevado, não chegou a receber o grau, tornando-se irregular e adormecido.
[2] – Padre Patrick Peyton, pároco de Hollywood, a serviço da CIA norte-americana (Lopez, 2002).
[3] – IPES: fundado em 29 de novembro de 1961, por um grupo de empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi um dos principais conspiradores contra o presidente João Goulart, participando ativamente das articulações que culminaram no Golpe Militar de 1964.
[4] – O General José Lopes Bragança foi Grão-Mestre da GLMMG no período de junho 1967 a junho 1976.
[5] – A Constituição de Anderson proíbe as discussões de caráter político e religioso dentro das lojas.
Referências Bibliográficas
ALMERI, Tatiana Martins. POSICIONAMENTOS DA INSTITUIÇÃO MAÇÔNICA NO PROCESSO POLÍTICO DITATORIAL BRASILEIRO (1964): Da visão liberal ao conservadorismo. Dissertação de Mestrado apresentada junto à PUC-SP, 2007. Disponível em http://livros01.livrosgratis.com.br/cp039831.pdf – Acesso em Janeiro 2018;
CÁCERES, Florival. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1995;
CASTELLANI, José. A Ação Secreta da Maçonaria na Política Mundial. São Paulo: Landmark, 2007;
CASTELLANI, José. História do Grande Oriente do Brasil: A Maçonaria na História do Brasil. Brasília: Gráfica e Editora do Grande Oriente do Brasil, 1993;
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1981;
GUIMARÃES, José Maurício. Grande Loja Maçônica de Minas Gerais: história, fundamentos e formação. Belo Horizonte: GLMMG, 2014;
LOPEZ, Luiz Roberto. Uma história do Brasil: República. São Paulo: Contexto, 2002;
MOREL, Marco; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.