Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988
Os direitos fundamentais estão consagrados na Constituição Federal de 1988 no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, abrangendo no Capítulo I os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º da CF); no Capítulo II os direitos sociais (art. 6º ao 11 da CF), no Capítulo III os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13 da CF); no Capítulo IV os direitos políticos (art. 14 ao 16 da CF); e no Capítulo V os partidos políticos (art. 17 da CF).
Todavia, necessário esclarecer, tratar-se o Título II de um rol meramente exemplificativo. Isso porque existem outros direitos fundamentais alocados em toda a Constituição. O Título VIII da Constituição Federal, atrelado à ordem social, por exemplo, não há sombra de dúvidas, trata de direitos fundamentais, pois nele estão previstas normas relativas ao direito ao trabalho e seguridade social (art. 193 ao 195 da CF); à saúde (art. 196 ao 200 da CF); à previdência social (arts. 201 e 202 da CF); à assistência social (arts. 203 e 204 da CF); à educação cultura e desporto (art. 205 ao 217 da CF); à ciência e tecnologia (arts. 218 e 219 da CF); à comunicação social (art. 220 ao 224 da CF); ao meio ambiente (art. 225 da CF); à família, criança e adolescente (art. 226 ao 230 da CF); e, aos índios (arts. 231 e 232 da CF).
Neste diapasão, Paulo Gustavo Gonet Branco (2005), em alusão ao parágrafo 2º do art. 5º da constituição Federal alude que:
O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição (…). É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora do catálogo. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal considerados, a depender da análise de seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. (GONET BRANCO apud Silva, 2005, p. 39).
Ademais, a despeito do art. 5º, caput, da Constituição Federal (LENZA, 2011) fazer referência expressa, tão somente, a brasileiros, sejam natos ou naturalizados, e estrangeiros residentes no País, a doutrina e o Supremo Tribunal Federal, inclusive, entendem, mediante uma interpretação sistemática, a inclusão nesse rol dos estrangeiros não residentes, dos apátridas e das pessoas jurídicas.
Corroborando a alegação, José Luiz Quadros de Magalhães (2006) aduz que:
Artigo 5: ―Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:‖ Como professora de Direito Constitucional I, sua primeira prova avaliava o conhecimento dos alunos a respeito dos direito individuais. Uma das questões estava assim proposta: Os direitos individuais relativos à vida e à liberdade no Brasil são assegurados pela Constituição Federal para as seguintes pessoas:
- a) Apenas para os brasileiros natos e naturalizados;
- b) Para os brasileiros e estrangeiros residentes no país;
- c) Para todas as pessoas que se encontram no território brasileiro;
- d) Nenhuma das respostas anteriores. Note-se que a questões B transcreve parte do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
A maior parte dos alunos que assistiu às aulas e leu os textos indicados pela professora respondeu corretamente à questão assinalando a letra C. Entretanto, um aluno relapso e criador de caso assinalou a questão B e, alegando estar a professora errada, recorreu e xingou até a última instância acadêmica, perdendo, obviamente, o recurso e a razão. Ora, como dissemos, Constituição não é texto, e uma leitura literal não sistêmica e descontextualizada do texto pode sugerir então que, como a Constituição expressamente se refere à garantia dos direitos individuais para brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, aos estrangeiros, turistas, não residentes, não tem assegurado o seu direito à liberdade, o que é errado (MAGALHÃES, 2006, p. 151-152).
Não se pode esquecer-se, igualmente, que o parágrafo § 2º do art. 5º da CF prevê que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
As características dos Direitos Fundamentais
Os Direitos Fundamentais detém variadas características, as quais podem ser encontradas nas mais diversas obras sobre o tema, conforme o ponto de vista de cada autor. Pode-se apontar, contudo, que as características dos direitos fundamentais sejam: historicidade; universalidade; limitabilidade; irrenunciabilidade; indivisibilidade; inalienabilidade/indisponibilidade; concorrência; interdependência e complementaridade; imprescritibilidade; efetividade; constitucionalização; vinculação dos poderes públicos; aplicabilidade imediata; abertura e eficácia.
Os direitos fundamentais são resultado de um processo histórico iniciado com o cristianismo, posteriormente reforçado pelas revoluções inglesa, norte-americana e francesa, até culminar no que hoje concebemos como tais.
O caráter universal dos direitos fundamentais decorre do fato de que tais direitos são universais, porque são inerentes à condição humana. Assim, toda pessoa humana está abrangida pelos direitos fundamentais, independentemente de sua situação social, política, econômica, sexo, idade, raça ou nacionalidade.
Os direitos fundamentais são irrenunciáveis, ou seja, nenhum ser humano pode abrir mão de possuir direitos fundamentais. Assim, o titular de direito fundamental pode até não utilizá-lo, mas lhe é vedada a possibilidade de renunciá-lo.
A característica de indivisibilidade indica a unidade incindível no contexto de tais direitos, não se podendo fracioná-los. A indivisibilidade dos direitos fundamentais implica na sua inter-relação e interdependência.
Por inalienabilidade/indisponibilidade dos direitos fundamentais, entende-se que esses direitos são insuscetíveis de transferência, seja na forma onerosa ou na gratuita. Já a característica da concorrência indica que variados direitos fundamentais podem ser exercido ao mesmo tempo.
Ademais, as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem sua finalidade. Neste contexto, os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas de forma conjunta, com vistas ao alcance dos objetivos traçados pela norma constitucional.
Os direitos fundamentais são, ainda, imprescritíveis, pois uma vez não exercitados não incidem prescrição (sua perda pelo não exercício num lapso temporal). E como resultado da característica efetividade, pode-se entender que os direitos fundamentais são passíveis de concretização em todo âmbito, seja na relação indivíduo e Estado, seja na relação entre particulares.
Os direitos fundamentais são direitos inerentes à pessoa humana, consagrados como tais no documento normativo de maior hierarquia dos mais diversos países. Até mesmo o exercício da função pública está vinculado aos direitos fundamentais (vinculação dos poderes públicos), no sentido de que não se tratam de simples programas ou carta de intenções, mas de normas revestidas de efetividade.
Os Direitos Fundamentais não carecem de regulamentação pelo legislador ordinário para que possam ser aplicados[4]. Sua característica de abertura e eficácia leva à percepção de que são passíveis de expansão, podendo o seu alcance ser ampliado. Assim, o catálogo dos direitos fundamentais não é exaustivo, sendo totalmente possível o surgimento de novos direitos fundamentais.
As funções dos Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais devem ser efetivados em todas as suas órbitas, detendo tais direitos uma multifuncionalidade. Esta diversidade de funções (MENDES & BRANCO, 2011) leva ao entendimento de que a própria estrutura dos direitos fundamentais não seja unívoca. Sendo, deste modo, propicia a algumas classificações, úteis para a melhor compreensão do conteúdo e da eficácia dos vários direitos.
Diversos autores pretendem, à sua maneira, explicar as funções dos direitos fundamentais, obtendo Jellinek, por meio da sua teoria dos quatro status, êxito nessa jornada. Segundo Lenza (2012), as funções dos direitos fundamentais podem ser encontradas a partir de uma reflexão acerca da relação travada entre o Estado e o indivíduo. Nesses termos, para o autor, diante do Estado, o indivíduo detém os status passivo, negativo, positivo e ativo, os quais podem ser definidos como:
Status passivo ou subjectionis – o indivíduo se encontra em posição de subordinação aos poderes públicos, vinculando-se ao Estado por meio de mandamentos e proibições. O indivíduo aparece como detentor de deveres perante o Estado. Status negativo – o indivíduo, por possuir personalidade, goza de um espaço de liberdade diante das ingerências dos Poderes Públicos. Nesse sentido, podemos dizer que a autoridade do Estado se exerce sobre homens livres. Status positivo ou status civitatis – o indivíduo tem o direito de exigir que o Estado atue positivamente, realizando uma prestação a seu favor. Status ativo – o indivíduo possui competências para influenciar a formação da vontade do Estado, por exemplo, pelo exercício do direito de voto (exercício de direitos políticos). (LENZA, 2012, p. 965).
A eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais
Desde o seu surgimento, os direitos fundamentais foram encarados como aqueles direitos ligados à liberdade, sendo concebidos como direitos que exigem do Estado uma abstenção no sentido de não violá-los. Ou seja, seriam direitos contemplados ao indivíduo a fim de protegê-lo contra eventuais ações arbitrárias do Estado.
Os direitos de defesa caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo. Esses direitos objetivam a limitação da ação do Estado. Destinam-se a evitar ingerência do Estado sobre os bens protegidos (liberdade, propriedade…) e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões eventualmente consumadas. (MENDES; BRANCO, 2011, p. 178).
Conforme visto alhures, quando se discorreu sobre a teoria de Jellinek, o indivíduo encontra-se em uma relação de subordinação para com o Estado, logo, os direitos fundamentais teriam uma eficácia vertical, sendo aplicados na relação Estado/indivíduo.
Essa aplicação dos direitos fundamentais nas relações estabelecidas entre o particular e o poder público não se discute. No entanto, vários estudiosos começaram a perceber que a opressão a direitos fundamentais não advém, unicamente, do Estado, mas também, do particular, fazendo surgir a chamada teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, por da qual se defende a ideia de que os direitos fundamentais também devem ser respeitados em âmbito privado.
Corroborando a ideia, o Supremo Tribunal assim decidiu:
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO (BRASIL, 2005, p. 01).
Não há dúvidas para o homem médio de que a melhor solução para o caso acima tenha sido a tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Enfim, existem dadas situações envolvendo particulares fáceis de serem resolvidas.
Exemplificando a hipótese, Pedro Lenza (2012) cita em sua obra Direito Constitucional Esquematizado que se um empresário demitir um funcionário em razão de sua cor, o Judiciário poderá (ou deverá) reintegrar o funcionário, já que o ato motivador da demissão, além do triste e inaceitável crime praticado, fere, frontalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República (CF, art. 1º, III). O grande problema surge quando situações mais complexas envolvem a esfera privada. Será que nessas situações os direitos fundamentais seriam aplicados?
Buscando solucionar o problema, grandes teóricos elaboraram as seguintes teorias acerca da aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas.
Eficácia indireta ou mediata – os direitos fundamentais são aplicados de maneira reflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltada para p legislador, que não poderá editar lei que viole direitos fundamentais, como ainda, positiva, voltada para que o legislador implemente os direitos fundamentais, ponderando quais devam aplicar-se às relações privadas. Eficácia direta ou imediata – alguns direitos fundamentais podem ser aplicados às relações privadas sem que haja a necessidade de intermediação legislativa para a sua concretização. (LENZA, 2012, p. 967).
Inúmeros casos levam a grandes discussões no que diz respeito à aplicação da teoria indireta/mediata ou da teoria direta/imediata e, em última instância, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Será (LENZA, 2012) que numa entrevista de emprego na iniciativa privada, o dono do negócio deverá contratar o melhor candidato? Será que o dono de uma empresa poderá demitir alguém simplesmente porque não está gostando de sua aparência?
Tratam-se esses eventos de casos geradores de muitas polêmicas, as quais não serão enfrentadas neste trabalho, pois os seus esforços concentram-se em analisar a impossibilidade da admissão das mulheres nos maçonaria quadros da maçonaria frente à efetiva tutela dos direitos fundamentais, com ênfase nos direito à igualdade, autonomia da vontade e liberdade de crença, tendo como norte a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, o que faremos a partir de agora.
O Direito à Igualdade
Pelo princípio da igualdade ou isonomia, previsto no art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da Constituição.
A igualdade insculpida no dispositivo é conhecida como igualdade formal, ou seja, igualdade na lei. Contudo, diversos teóricos desenvolvem que não basta essa igualdade na lei, havendo a necessidade da conquista de igualdade no mundo dos fatos (igualdade material/ substancial).
Para que isso ocorra, far-se-á necessário tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, pois o princípio da isonomia (NOVELINO, 2012), tem por fim impedir distinções, discriminações e privilégios arbitrários, preconceituosos, odiosos ou injustificáveis.
Note-se que (MORAES, 2010) o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente se protege são certas finalidades, tendo-se por lesado o princípio constitucional, unicamente, quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.
Nesses termos, Marcelo Novelino (2012) discorre que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais impõe aos particulares o dever de observância ao princípio da igualdade, sendo-lhes vedado praticar condutas de cunho discriminatório ou preconceituoso. Todavia, para o autor, a aplicação deste princípio às relações entre particulares não se dá com a mesma intensidade em que ocorre em relação aos poderes públicos, em respeito à autonomia da vontade, princípio basilar das relações privadas.
Sobre o dever do Estado diante do direito de igualdade, nos termos aqui delineados, segue trecho de um importante julgado do Supremo Tribunal Federal:
[…] os objetivos fundamentais da República, previstos nos quatro incisos do já mencionado art. 3.º, dizem respeito à atuação do Poder Público na construção e na manutenção das liberdades fundamentais e na busca inescusável e ininterrupta de níveis minimamente aceitáveis de igualdade material, justiça social e solidariedade entre os indivíduos. Ora, é inevitável a conclusão de que está entre as finalidades do Estado Brasileiro, pelo menos implicitamente, a promoção dos direitos fundamentais, tarefa essa que incumbe a todos os entes da Federação, dentro dos limites de suas competências. E nem poderia ser de outra forma – afinal, a própria gênese do constitucionalismo associa-se à organização e racionalização do poder político para proteção dos direitos fundamentais. Pois bem. Como visto acima, a promoção dos direitos fundamentais envolve, necessariamente, a atuação positiva do Poder Público não apenas na oferta de prestações materiais positivas, mas também no exercício de seus deveres de proteção, agindo no sentido de impedir a violação dos direitos fundamentais dos indivíduos ou de uma coletividade por terceiros. Cumpre ao Estado-membro, portanto, exercer tal mister e atuar comissivamente na defesa dos direitos fundamentais. Nessa linha de raciocínio, se o Poder Público pode obstar à violação de direitos fundamentais por particulares ou por Estados estrangeiros, não parece haver qualquer impedimento a que um Estado-membro aja positivamente para proteger seus cidadãos da violação de direitos fundamentais perpetrada por outro ente da Federação, seja a União, outros Estados-membros ou Municípios.” (BRASIL, 2011, p. 07).
Veja-se que o Estado deve estar atento à realização da igualdade material de modo a impedir, inclusive, a violação desse direito por particulares, abalizando as autonomias da vontade e privada.
A Autonomia da Vontade
A Constituição Federal de 1988 não prevê, em nenhum dos seus dispositivos, o princípio da autonomia da vontade, podendo esta ser definida, sumariamente, como a possibilidade do individuo se autodeterminar, desde que não ultraje a lei ou qualquer direito alheio. Essa ideia pode ser extraída do princípio da legalidade, previsto no inciso II do art. 5º da Constituição Federal, o qual prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ou seja, no que toca a parte final, tudo o que a lei não impeça o indivíduo pode fazer, manifestando as suas vontades.
Segundo George Marmelstein (2009), a autonomia da vontade pode ser entendida como a faculdade que o indivíduo possui para tomar decisões na sua esfera particular de acordo com seus próprios interesses e preferências. Ou ainda, o direito de fazer tudo aquilo que se tem vontade, desde que não prejudique os interesses de outras pessoas. Para o autor:
A proteção da autonomia da vontade tem como objetivo conferir ao indivíduo o direito de autodeterminação, ou seja, de determinar autonomamente o seu próprio destino, fazendo escolhas que digam respeito a sua vida e ao desenvolvimento humano, como a decisão de casar-se ou não, de ter filhos ou não, de definir sua orientação sexual etc. (MARMELTEIN, 2009, p. 95).
Deve-se, entretanto, estabelecer a distinção entre a autonomia da vontade a autonomia privada. Pode-se dizer (FAVARIN, 2009) que a autonomia da vontade tenha uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto que a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real. A autonomia privada constitui-se, em suma, em um dos princípios básicos e fundamentais do sistema de direito privado, num reconhecimento da existência de um âmbito particular de atuação em eficiência normativa.
O Direito à Liberdade de Crença
O art. 5º, inciso VI da Constituição Federal provê a inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
Por força do dispositivo, entende-se que o cidadão brasileiro é livre para crer no que bem queira. Noutras palavras, não se pode impor a ninguém quaisquer convicções, seja de ordem filosófica, religiosa, política, social, entre outras.
Trata-se a liberdade de crença de um tema abrangente englobando a liberdade de escolha de religião, de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade de mudar de religião, bem como a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de ser ateu ou agnóstico.
Isso porque à luz da Constituição Federal de 1988 o Brasil é um Estado laico, leigo, não sendo adepto de qualquer religião, rezando, inclusive, o inciso I do art. 19 que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecerem cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público. Ou seja, há uma separação total entre Estado e igreja em nosso país.
Note-se, todavia (LENZA, 2012) que os direitos fundamentais de liberdade de crença, da liberdade de culto e da prática de ritos não são absolutos. Um direito fundamental vai até onde começa o outro e, diante de eventual colisão, fazendo-se uma ponderação de interesses, um terá precedência em face do outro se não for possível harmonizá-los.
Neste sentido, no que toca a inadmissão das mulheres nos quadros da maçonaria, trata-se de tema muito polêmico, envolvendo questões altamente subjetivas bem como crenças, autonomia da vontade e privada de uma mulher que eventualmente queira adentrar a maçonaria, bem como a autonomia da vontade e privada dos membros da maçonaria no sentido de aceitarem, ou ao menos, pensarem na hipótese de relativizarem os seus conceitos filosóficos, místicos e religiosos. A tarefa é das mais difíceis!
Opinar sobre se esta exclusão ofende ou não o princípio da igualdade é igualmente penoso, pois se o conceito de igualdade é tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais na medida em que se desigualam, os defensores da ofensa poderiam dizer que nessa hipótese haveria um tratamento ofensivo ao direito insculpido no art. 5º, caput e inciso I da Constituição Federal, por não haver necessidade, nesse caso, de um tratamento desigual à mulher, podendo-se, por exemplo, haver uma lapidação no rito de modo que a mulher possa participar. Já os defensores do contrário diriam que a mulher tem de ser desigualada, pois o rito é imodificável, tratando-se de uma convicção indubitável de seus associados, em que a mulher não pode fazer parte pelos motivos já expostos. Enfim, as dúvidas são grandiosas e os argumentos são variáveis.
Conclusão
Passados pouco mais de vinte anos da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a forma de aplicar o direito se modificou no cenário jurídico brasileiro.
Noutras épocas, a aplicação da regra jurídica era inquestionável, sendo os princípios considerados meros valores, participando da aplicação do direito em último caso, quando já esgotadas as perspectivas legais, da analogia e dos costumes. Contudo, com o inquestionável reconhecimento normativo dos princípios, o paradigma foi alterado, exercendo o juiz uma função diversa da de outrora, que se reduzia ao silogismo.
Tudo isso foi possível, porque a Constituição de 1988 passou a ocupar (LENZA, 2009) o centro do sistema, devendo os Poderes Públicos, quando da observação e aplicação das leis, além das formas prescritas na Constituição, estarem em consonância com seu espírito, seu caráter axiológico e seus valores, de maneira a revelar a importância do homem e a sua ascendência a filtro axiológico de todo sistema jurídico.
Nesse quadrante, o direito brasileiro deve passar, atualmente, por uma filtragem constitucional, pois segundo Daniel Sarmento (2010) as normas constitucionais que são irradiadas para os diversos ramos do direito, impõe uma releitura dos seus conceitos e institutos, já que se encontram constitucionalizados princípios e valores fundamentais de elevada estatura moral.
A problemática que envolve este trabalho não é exclusa do raciocínio. Por mais que seja extremamente difícil tender para uma ou outra posição, a conclusão racional acerca de ser razoável ou não a exclusão da mulher dos quadros da maçonaria, tendo em vista o tema eficácia horizontal dos direitos fundamentais, perpassa a hermenêutica e argumentação jurídicas.
FINIS
Autor: Hugo Garcez Duarte
Fonte: Revista Ciência e Maçonaria
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Notas
[4] – Não se pode esquecer-se da clássica classificação das normas constitucionais quanto à eficácia e/ou aplicabilidade de José Afonso da Silva, a qual divide as normas constitucionais em normas constitucionais de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada (institutiva e programática). Contudo, não serão abordadas aqui, por tratar-se o estudo de analisar outra seara, por mais que se possa afirmar que os direitos fundamentais têm aplicação imediata, independentemente da natureza da norma que o consagra.
Referências Bibliográficas
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