
III – As Grandes Lojas provinciais
Desde meados do século XIX, existem Grandes Lojas provinciais na Inglaterra. Estas Grandes Lojas são dirigidas pelos Grãos Mestres Provinciais (nomeados pelo Grão-Mestre) e os Oficiais provinciais que usam decorações comparáveis às dos Oficiais da Grande Loja Unida da Inglaterra, com a famosa “liga azul”, o azul da Ordem da Jarreteira. As Grandes Lojas Provinciais cobrem todo o país, com exceção da região de Londres administrada diretamente pela GL. Esta particularidade destaca a verdadeira função dessas Grandes Lojas. De fato, para entrar no cursus honorum da maçonaria inglesa deve-se necessariamente começar pelo escalão provincial. Como os irmãos de Londres não contavam com isso, foi criado para eles no início do século, o “London Rank” e depois o “London Grand Rank,” que são o equivalente exato de uma dignidade de Grande Oficial provincial na jurisdição de Londres. Todos os anos são criados cerca de sessenta “Active Grand Rank” e cerca de 200 “Past Grand Rank”[10], que envergam, evidentemente, a “liga azul”. Assim, constata-se que os cargos provinciais (ou seus equivalentes) são usados essencialmente para outorgar honras maçônicas[11] a irmãos que, por definição, são todos Past Masters. As Grandes Lojas provinciais, portanto, têm um papel muito mais honorífico que administrativo[12].
História das dignidades de Grandes Lojas Provinciais
Nas Constituições de 1738, não encontramos nenhuma provisão relativa aos Grandes Oficiais Provinciais (e muito menos aos Grãos Mestres Provinciais), embora saibamos que eles já existiam. Mas, o fato de que havia Grãos Mestres Provinciais não significa em absoluto que havia Grandes Lojas Provinciais. A distinção pode ser sutil, mas não deixa de ser real. Os Grãos Mestres provinciais realmente apareceram antes das Grandes Lojas provinciais.
Muito cedo na história da maçonaria inglesa, nomeavam-se dignitários para representar o Grão-Mestre nas províncias. Estes representantes eram titulares de uma missão que lhes era confiada pessoalmente (eram os Grãos Mestres Adjuntos para as províncias), mas eles não estavam no comando de uma estrutura administrativa regional com que tivessem de se ocupar.
Isso de fato permite entender, de passagem, uma expressão ambígua e muitas vezes citada das Constituições de 1738, sobre países estrangeiros:
“todas as lojas estrangeiras [isto é, fora da Inglaterra] estão sob o patrocínio do nosso GM, mas a antiga loja da cidade de York e as lojas da Escócia, Irlanda e France[13] e Itália[14] assumindo que tenham sua independência [affecting independency] e seu próprio Grão-Mestre, e que tenham a mesma constituição, os mesmos deveres e as mesmas regras que nós e que elas tenham o mesmo zelo com o estilo da Augusta e o segredo de nossa antiga e honrosa fraternidade.”
Este texto nos ensina que, na época de Anderson, havia dois tipos de Grão-Mestre. De um lado, havia Grãos Mestres colocados no comando de Grandes Lojas “presumindo sua independência” em relação a Londres e, de outro lado, Grãos Mestres nas províncias inglesas sob o controle do Grão-Mestre da Inglaterra. Esses últimos eram Grãos Mestres intuitu personnae, como pessoa, e, portanto, não estavam à frente de Grandes Lojas provinciais em sentido estrito do termo. Assim, a expressão “affecting independency” não é uma contestação dessa independência por Londres, como alguns autores estimaram imprecisamente, mas a constatação de uma situação diferente da que prevalece na Inglaterra, onde os Grãos Mestres Provinciais dependem diretamente do Grão-Mestre.
A primeira referência oficial aos Grãos Mestres Provinciais na Inglaterra encontra-se nas atas da Grande Loja em 1747. Naquela época, na hierarquia das dignidades, eles ficavam depois[15] dos Primeiros Grandes Vigilantes e antes do Grande Tesoureiro.
Em 1756, no livro das Constituições chamadas “d’Entick” (1ª edição), definem-se regras específicas relativas aos Grãos Mestres. Lê-se:
“O cargo de Grão-Mestre Provincial foi considerado particularmente necessário desde o ano de 1726 [note-se que não se pretende que existissem então Grandes Lojas Provinciais], quando do aumento extraordinário do número de obreiros [ou seja, de homens do Oficio], e suas viagens às vezes a partes mais remotas do mundo, a necessidade de que eles tenham à sua disposição uma autoridade própria.”
Isto se dá devido ao afastamento dos irmãos da metrópole que foi criado o cargo de Grão-Mestre Provincial para lhes dar um chefe por delegação. O Artigo II dessas Constituições afirma que “a nomeação deste Grande Oficial é uma prerrogativa do Grão-Mestre que lhe outorga sua delegação”, e que “o Grão-Mestre Provincial assim delegado tem o poder e a honra de um Grão-Mestre Adjunto”.
Em 1756, a instituição dos Grãos Mestres Provinciais está bem integrada na maçonaria inglesa e seu lugar na hierarquia é elevado: o Grão-Mestre Provincial situa-se na terceira posição, logo atrás da Grão-Mestre Adjunto. Note que mesmo neste texto de 1756, não há menção alguma de Grandes Lojas provinciais nem de oficiais provinciais. Ser Grão-Mestre Provincial é especialmente possuir um título equivalente ao de um Grão-Mestre Adjunto.
Em 1767, na 4ª edição das Constituições d’Entick, o artigo II é modificado:
“O Grão-Mestre Provincial assim delegado fica investido do poder e a honra de um Grão-Mestre em seu distrito particular e tem o direito de usar as decorações de um Grande Oficial, estabelecer lojas em sua própria província e em qualquer reunião pública, de marchar logo atrás do Grande Tesoureiro. Ele também tem o poder de nomear um Adjunto, vigilantes, um tesoureiro, um secretário, um porta-espada, que estão qualificados para usar as decorações de Grandes Oficiais quando eles oficiarem como tal naquele distrito particular, mas em nenhum outro lugar”.
Nessa época, começa então a se constituir em torno do Grão-Mestre Provincial, uma equipe de Grandes Oficiais. É o início de estruturação.
Nas Constituições de Noorthouck de 1784, os Grandes Oficiais são finalmente claramente identificados como elementos essenciais para o funcionamento de uma Grande Loja Provincial.
Assim, no período anterior à União de 1813, pode-se distinguir duas fases:
- A fase de 1726 a 1767, durante o qual há Grãos Mestres Provinciais, sem que se faça alusão às Grandes Lojas provinciais nem a Grandes Oficiais provinciais;
- A fase de 1767-1813, onde os Grãos Mestres provinciais adquirem o poder de nomear Grandes Oficiais Provinciais. Isso pressupõe uma espécie de Grande Loja Provincial, embora o termo não apareça ainda nos textos. Neste momento, a Grande Loja Provincial não está claramente definida e não tem ainda realmente estrutura nem poder.
A partir da União de 1813, a nova Grande Loja Unida da Inglaterra se constitui. As Constituições William (de 1815-1827) precisam então que o Grão-Mestre Provincial “detém [isto é, preside] uma Grande Loja Provincial, pelo menos uma vez por ano”. Mas ainda não se define o que é esta famosa Grande Loja Provincial.
Nos anos que se seguiram, as Grandes Lojas provinciais adquirem sua forma definitiva. Elas devem reunir-se uma vez por ano, os Oficiais provinciais passados e ativos devem estar presentes ali, bem como os Veneráveis, os Past Masters e os Vigilantes de todas as lojas individuais.
Uma Grande Loja Provincial aparece como a reunião de Grandes Oficiais provinciais (com poderes imprecisos), as quais se juntam todos os Veneráveis e Vigilantes em seu distrito. Esta prática é muito antiga, como é observado em York, e em Chester desde a década de 1730. Naquela época, alguns Grãos Mestres Provinciais já detinham o equivalente a uma Grande Loja Provincial. Eram, na verdade, reuniões com periodicidade indeterminada ocorrendo dentro da loja mais antiga em operação na região. Nessa reunião, e durante os trabalhos, a loja e os seus oficiais tinham uma função provincial. Note-se que é assim que funcionava a Grande Loja dos “Antigos” durante os três primeiros anos de sua existência. De 1751 a 1753, o que ainda era chamado de “Grande Comissão” (antes de se tornar a Grande Loja dos “Antigos”, considerando que eles não se erigiam como uma “Grande Loja” até que ela tivesse encontrado um irmão nobre para a presidir como Grão-Mestre) reunia-se anualmente em uma loja designada por antiguidade e era presidida pelo Venerável desta loja, que agia como Grão-Mestre pro tempore[16].
A organização das províncias é o último ato na evolução das dignidades maçônicas inglesas. A existência desses escalões provinciais não impedia a Grande Loja Unida da Inglaterra de ser muito centralizado e muito hierarquizada. A história dessas Grandes Lojas provinciais mostra bem que se tratava sobretudo no início, de dar dignidades a certos irmãos. Isto é particularmente notório com o caso da região de Londres, onde foram criados a partir do zero um substituto para as dignidades provinciais. As Grandes Lojas provinciais são assim menos um escalão administrativo que um escalão de dignidades intermediário entre as dignidades de uma determinada loja e as da Grande Loja Unida da Inglaterra. Este elemento tardio é certamente devido ao grande desenvolvimento da maçonaria Inglesa no século XIX.
Conclusão
A formação do sistema de dignidades e de cargos da loja no sistema Inglês é algo complexo e ainda parcialmente obscuro. No entanto, podemos identificar dois fatos importantes.
- Embora os cargos e dignidades de uma loja inglesa dos anos 1720 fossem fortemente influenciados pela herança escocesa (no vocabulário e na estrutura), o fato é que inovações importantes foram introduzidas (por exemplo, a aparição de dois vigilantes, ou a do diácono);
- É provável que alguns cargos de lojas particulares (por exemplo, o Tuileur ou Cobridor Externo) já existiam na Grande Loja antes de serem introduzidos em loja. Este relacionamento da Grande Loja e das lojas individuais coloca a questão do status real da Grande Loja fundada em 1717. Era ela uma potência reguladora, ou era simplesmente a reunião de lojas, uma vez que é provável que tenha sido só mais tarde, por volta de 1721-1723, com a entrada da aristocracia na maçonaria inglesa que Grande Loja tornou-se um poder que se impunha às lojas individuais? Assim, os novos cargos, que parecem necessários nestas grandes reuniões, poderia então ser introduzidos naturalmente nas lojas.
Autores: Roger Dachez e Thierry Boudignon
Tradução: José Filardo
Fonte: Bibliot3ca Fernando Pessoa
Notas
[10] – Portanto, existem dois tipos de oficiais provinciais: os “Active Grand Officers” e os “Past Grand Officers”. Este último status tem, na verdade, como função recompensar alguns irmãos. Para obtê-lo, não é necessário ter exercido as funções correspondentes. Entretanto, quando se o obtém, desfruta-se dos mesmos benefícios (condecorações etc.) que aqueles que realmente exerceram…
[11] – E, em teoria, também instalar lojas. Mas, na maior parte das vezes, o GM provincial delega esse encargo ao GM Adjunto, que por sua vez delega aos GM Assistentes que, eles mesmos, o confia aos Veneráveis Mestres da região.
[12] – A administração local real é conduzida pelas Lojas de Mestres instalados, uma verdadeira estrutura que são clubes regionais de Veneráveis.
[13] – Sabemos que os três primeiros GGMM da Maçonaria Francesa (o Duque de Wharton, Mac Leane, Lord Derwentwater) eram anglo-saxões. No entanto, não podemos considerá-los “representantes” do GM da Inglaterra pela simples razão de que eles haviam sido eleitos pelos irmãos franceses. Além disso, essas lojas eram provavelmente mais franco-escocesas que franco-inglesas. Esta é a oportunidade de esclarecer que a famosa “GL Inglesa da França”, cara para alguns “historiadores” nunca existiu. Trata-se simplesmente de uma falsificação do Cavaleiro de Beauchaine (ou Beauchesne).
[14] – A primeira excomunhão de maçons pelo papado veio, entre outras coisas, da presença de lojas na Itália.
[15] – Lembremo-nos que no protocolo maçônico de costume, são os mais altos na hierarquia que são os últimos.
[16] – A LNF funciona hoje dessa forma.

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