Servidão voluntária: o olhar de Bauman e Huxley sobre a sociedade de consumo

Saramago já nos advertia que estamos cegos da razão. Talvez seja o nosso ego, sempre inflado e se achando o dono do pedaço. Talvez seja pela nossa incessante incapacidade para amar. Podemos dizer que essa cegueira se alastra em função da facilidade. É sempre mais fácil andar sem olhar para o lado. Sem olhar para nós mesmos. Sem olhar para o que somos ou nos tornamos.

Cegos que somos, seguimos a doutrina da sociedade de consumo. Condicionados como bons soldados, não recusamos a missão de esvaziar um Shopping Center. Aprendemos desde cedo, que como partes do todo, devemos manter a ordem e, assim, não devemos transgredir as leis de ouro que tornam a sociedade contemporânea um reino de “felicidade”.

O sistema hegemônico, através da mídia, não nos deixa esquecer a importância de manter o sistema funcionando harmonicamente, e de que como ele é um bom senhor, devemos-lhes obediência e servidão. Servidão esta, construída por meio de chicotes ou força física? Não. Ora, se somos seres desejantes, então, nada melhor do que usar a mídia para nos seduzir.

Somos seduzidos pela promessa de felicidade escondida atrás do consumismo. Somos tentados por todos os sorrisos espalhados nas propagandas. Somos condicionados a acreditar que a felicidade só é possível se e, se somente se, tenho condições de participar da orgia do consumo.

Sendo assim, somos ludibriados por um sistema que nos entorpece e nos torna míopes que só enxergam a realidade pelos óculos que lhes são oferecidos. Tornamo-nos, dessa forma, servos voluntários do sistema, pois embora livres, nos permitimos condicionar e obedecê-lo. Sem espaço para a crítica ou autorreflexão, somos apenas reprodutores de uma cultura aprisionadora que qualifica como tolice qualquer prazer fora do consumo.

“Imaginem que tolice, permitir que as pessoas se dedicassem a jogos complicados que não contribuíam em nada para o consumo. Atualmente, os Administradores não aprovam nenhum jogo novo, salvo se, se demonstrar que ele necessita, pelo menos, de tantos acessórios quanto o mais complicado dos jogos existentes.”

A felicidade, portanto, deve ser comprada, aliás, somente existe se for comprada. Não há espaço para as coisas simples, para o que é “gratuito”. Para que possamos ser felizes e ter prazer, precisamos inexoravelmente consumir. Essa é a servidão voluntária através do consumo, não pela violência ou coerção, mas pela sedução e erotismo produzido nas relações de consumo.

Devidamente seduzidos pelo mercado, não conseguimos sair das suas entranhas. Não precisamos. Tudo é mercadoria. Ouvimos o tempo inteiro a voz do mercado, com seus alto-falantes que denunciam qualquer ato de “tolice” e nos lembram incessantemente a necessidade vital de consumir, pois como bem atenta Huxley: “Sessenta e duas mil repetições fazem uma verdade”.

Todos esses mecanismos de controle social escondem um autoritarismo com o qual nos acostumamos e aceitamos, pela indisposição em ser mais que um pacote de biscoitos e um par de sapatos. Preferimos estar cegos e condicionados que se opor ao sistema. Estamos, assim, mais que cegos da razão, estamos, como diz Bauman, em uma cegueira moral.

Somos subservientes a um sistema que racionaliza as emoções e que transforma a vida em uma longa linha de produção, de modo que não existe outro caminho a uma vida prazerosa sem passar por ela. Somos cegos admirando os caminhos líquidos de um mundo novo.

O admiramos, pois fomos seduzidos pelo encanto e enlace erótico de um mundo que me permite ser um novo a cada dia, em que não se precisa de laços e que, portanto, cada um é um fim em si mesmo. Somos servos voluntários, pois nós mesmos nos fazemos dominar. Entretanto, esquecemos que esse sistema hegemônico através da sedução que nos domina, mantém o status quo de opressão e escravidão.

Como diz Bauman: “A vida desejada tende a ser a vida vista na TV”. Mas, a vida vai além de padrões de comportamento, de cartilhas, senhas e números. Vai além de escravidão e dominação. Vai além de reproduzir as verdades da mídia. Vai além de um cartão sem limites. Vai além de algumas polegadas. Ainda que para enxergar esse além, seja preciso coragem para sair do cinema e visitar a própria vida.

Autor: Erick Morais

Fonte: Provocações Filosóficas

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Consumo x consumismo – Zygmunt Bauman

A desordem do consumismo na sociedade do consumo | by Revista Torta |  revistatorta | Medium

Tentamos achar nas coisas, que por isso nos são preciosas, o reflexo que nossa Alma projetou sobre elas.” Marcel Proust

Consumimos! Desde a aurora de nossa existência, rotineira e ininterruptamente, da hora em acordamos ao momento em que vamos dormir, antes mesmo do nascimento e até após a morte, consumimos.

Mas, uma coisa é o consumo de bens necessários e até indispensáveis à vida e ao bem estar (morar, comer, beber, dormir, saúde, estudos, lazeres… prazeres!); Outra é o consumismo.

Desenfreado, o consumismo excede a necessidade, culminando na profusão de mercadorias, na ostentação do luxo e num portentoso descarte de lixo.

Analisar o fenômeno do consumismo é fundamental para que possamos compreender um aspecto funesto e nevrálgico da sociedade em que vivemos.

Da obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “Vida Para Consumo – A transformação das pessoas em mercadoria” trazemos uma breve reflexão sobre o capítulo intitulado “Consumo versus Consumismo”.

Segundo o autor, o fenômeno do consumo “tem raízes tão antigas quanto os seres vivos (…) é parte permanente e integral de todas as formas de vida (…)”.

Mas, enquanto o consumo constitui uma característica e ocupação de todos os seres humanos enquanto indivíduos, o consumismo, alerta o estudioso, é um atributo da sociedade.

Não precisamos de uma lupa superpoderosa para observar que, nos últimos séculos, galopando cada vez mais em mega escala, rumamos a um consumismo vertiginosamente apoteótico: de uma natural necessidade de segurança, conforto e, até sobrevivência mesmo, o que justifica o consumo, ao abismo propulsionado do vício do consumismo.

Governado por nossas ‘vontades’, o consumismo se tornou o propósito de nossa existência quando nossa capacidade de ‘querer’, ‘desejar’, ‘ansiar por’, passou a sustentar a economia (oikós = casa + nomós = norma) mediando o convívio humano.

Bauman afirma que o ‘consumismo’ é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros (neutros quanto ao regime), transformando-os [e transmutando-os] na principal força propulsora e operativa da sociedade.

O ‘consumismo’ chega, diz ele, quando o consumo assume o papel-chave que na sociedade de produtores era exercido pelo trabalho.

Passa a ser central quando “a capacidade profundamente individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade de produtores, destacada [‘alienada’, o termo aqui empregado não em conotação pejorativa] dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a ‘sociedade de consumidores’ em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e conduta individuais”.

Ou seja, o coletivo mais que se sobrepõe: dita o modus vivendi/modus operandi do indivíduo que se afoga, ‘engolfado’ pelo ‘Todo’.

A revolução consumista, diz o sociólogo, é uma questão que exige investigação mais atenta, diz respeito ao que ‘queremos’, ‘desejamos’ e ‘almejamos’, e como as substâncias de nossas vontades, desejos e anseios estão mudando no curso e em consequência na passagem ao consumismo.

Equivocadamente, pensamos que os consumistas se empenham pela apropriação e acumulação de objetos pelo conforto e/ou respeito que outorgam a seus donos, mas, embora essa possa ser a principal motivação, na verdade, foi “um tipo de sociedade comprometida com a causa da segurança estável e da estabilidade segura, que baseia seus padrões de reprodução a longo prazo em comportamentos individuais criados para seguir essas motivações” que serviu de esteio para alicerçar a pedra fundamental do consumismo.

Àquela em que Bauman nomeia fase “sólida da modernidade” foi basicamente orientada para a segurança e, norteada por esse anseio, “apostou no desejo humano de um ambiente confiável, ordenado, regular, transparente e, como prova disso, duradouro, resistente ao tempo e seguro…”.

Lícito, sem dúvida, todo esse afã constituiu a matéria-prima convincente e “bastante conveniente para que fossem construídos os tipos de estratégias de vida e padrões comportamentais indispensáveis para atender à era do ‘tamanho é poder’ e do ‘grande é lindo’: uma era de fábricas e exércitos de massa, de regras obrigatórias e conformidade às mesmas, assim como de estratégias burocráticas e panópticas de dominação que, em seu esforço para evocar disciplina e subordinação basearam-se na padronização e rotinização do comportamento individual (…)”.

Assim, afirma o renomado sociólogo, foi-nos incutido que a posse de um grande volume de bens garantiria uma existência segura, imune aos caprichos do destino: “Sendo a segurança a longo prazo o principal propósito e o maior valor, os bens adquiridos não se destinavam ao consumo imediato – pelo contrário, deviam ser protegidos da depreciação ou dispersão e permanecer intactos”.

Não era exatamente pelo desfrute imediato que ansiávamos, ao contrário, esse modelo preconizava que se adiasse (quase indefinidamente) a fruição dos bens arduamente conquistados, acumulados e estocados.

No começo do século XX, o ‘consumo ostensivo’, diz ele, portava um significado bem distinto do atual: “consistia na exibição pública de riqueza com ênfase em sua solidez e durabilidade, não em uma demonstração da facilidade com que prazeres imediatos podem ser extraídos de riquezas adquiridas (…)”.

Bens resistentes e preciosos, como joias e palacetes ricamente ornamentados, “Tudo isso fazia sentido na sociedade sólido-moderna de produtores – uma sociedade que apostava na prudência, na durabilidade (…)”.

Mas o desejo humano de segurança e os sonhos de um ‘Estado estável’ definitivo não se ajustam a uma sociedade de consumidores, alerta Zygmunt Bauman: “(…) o consumismo, em aguda oposição às formas de vida precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades (…), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez, implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la”.

A insaciabilidade – maldição de Tântalo! –, permeia nosso ambiente líquido-moderno, inóspito ao que é estável, à placidez de um ‘Tempo Eterno’.

O pensador Stephen Bertman cunhou os termos ‘cultura agorista’ e ‘cultura apressada’ para denotar a maneira como vivemos atualmente: “O consumismo líquido-moderno é notável, mais do que por qualquer outra coisa, pela (até agora singular) renegociação do significado do tempo”. Ser feliz? Só se for para já!

Nem cíclico, tampouco linear, o tempo agora é pontilhista[1]: “(…) fragmentado, ou mesmo, pulverizado numa multiplicidade de ‘instantes eternos’ – eventos, incidentes, acidentes, aventuras, episódios –, mônadas contidas em si mesmas, parcelas distintas, cada qual reduzida a um ponto cada vez mais próximo de seu ideal geométrico de não-dimensionalidade”.

Agora, imediatamente. E o motivo da pressa é, em parte, o impulso de adquirir e juntar. Mas o motivo mais premente que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de descartar e substituir, aponta Bauman. Entediante, esse enfadonho ‘viciante círculo vicioso’ gera angústia, melancolia.

Mesmo os que encontram uma real necessidade de algo, “logo tendem a sucumbir às pressões de outros produtos ‘novos e aperfeiçoados’”. Vem-nos à mente a imagem do cão correndo em círculos, a perseguir o próprio rabo.

E, ao “sentir a infinidade da conexão, mas não estar engatado em coisa alguma”, sobrevém sorrateira melancolia, o que Bauman aponta como sendo a aflição genérica do consumidor.

Autora: Luciene Felix

Fonte: Blog Conhecimento Sem Fronteiras 

Nota

[1] – “Fazendo uma analogia com o movimento pontilhista de mestres como Sisley, Signac ou Seurrat, Pissaro ou Utrilo”.

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Zygmunt Bauman – Entrevista

Zygmunt Bauman - Fronteiras do Pensamento - YouTube

Bauman nos motivou a encarar um grande desafio contemporâneo: entender as mudanças que o advento da modernidade líquida produz na condição humana. E esse desafio orienta repensamos os velhos conceitos que costumavam cercar as narrativas de nossas vidas. Aprendemos com Bauman a tratar com rigor conceitual – reconhecendo a fluidez entre os laços, entre os conceitos e os saberes – temas que ainda não haviam conquistado um estatuto acadêmico claro, como o amor, o medo e a felicidade.

O Núcleo de Pesquisa em Estudos Culturais apresenta um depoimento exclusivo em vídeo do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, gravado em sua casa na cidade de Leeds, Inglaterra, no dia 23 de julho de 2011. Nele, o sociólogo polonês fala de expectativas para o século XXI, internet, a necessidade de construção de políticas globais, a construção de uma nova definição de democracia, entre outros temas.

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Discordou de mim? Se prepare para os xingamentos!

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Debater assuntos, tendo que lidar com opiniões contrárias virou estopim de revolta e palco de xingamentos desenfreados. Tempos de tolerância zero, palavrões e pontapés desgovernados.

Ao final de cada texto que a gente encontra hoje na internet, existe a coluna aberta para comentários, algo que poderia ser uma ótima oportunidade para debates e aprendizado mútuo. Por acaso já notaram que, na maioria esmagadora deles, o padrão é sempre o mesmo? O comentário que encabeça a lista é referente ao texto, geralmente muito pertinente. O comentário seguinte, refere-se ao comentário anterior, já num tom não muito amigável, meio que dizendo que o comentário anterior não tem nada a ver. Do terceiro em diante, parece que a terceira guerra mundial acabou de ser declarada. É um festival de incapacidades de lidar com opiniões contrárias sem ter que apelar para insultos de todos os tipos, tamanhos, cores e temperos. Entra no meio religião, origem, cor, orientação sexual, status social, peso, filiação partidária, sentimentos nada afáveis sobre a sogra, o cunhado… é uma coletânea de coisas sem pé nem cabeça que culmina numa sensação de que as pessoas não só estão com os nervos à flor da pele, mas também calibradas em tolerância zero. E é esta intolerância que é assustadora! Num instante uma discussão que poderia ser saudável e animada, vira campo de batalha, fogo cruzado, ódio disseminado! É como nas ruas da cidade, se duas pessoas estão vestindo camisas de clubes de futebol rivais, existe uma grande chance de atos violentos explodirem do nada.

Hoje em dia, ao que parece, grande parte das pessoas considera que a própria opinião tem que ser soberana em todas as situações e rodas de discussão, sem exceção. Se alguém discordar do gosto ou da linha de pensamento, pronto! Seja quem for que discordar: se mãe, irmã, namorado, melhor amiga da vida (BFF), já está na lista negra. Pode se preparar para ouvir “pérolas” e mais “pérolas”, palavras de baixo calão e, em seguida, indiferença implacável por dias, senão para sempre. Quão alarmante este tipo de comportamento se tornou! Como ele transparece egoísmo, imaturidade, falta de empatia, ignorância e nenhum senso de civilidade!

Todo mundo quer falar, se colocar, mas ouvir o outro nem pensar! Se for para ouvir, já é ouvir pensando em rebater toda e qualquer opinião. O importante é ter razão sempre e destronar a do outro à qualquer custo, mesmo que seja ofendendo ou dilacerando os laços de uma relação.

A verdade é que, ao invés de gritar, praguejar, dar socos e pontapés, a melhor estratégia é melhorar os argumentos e aprender a reconhecer que opiniões contrárias são apenas outros pontos-de-vista sobre o mesmo tema. Somos todos diferentes, vivemos em diferentes contextos, estamos expostos à experiências diversas, que nos afetam em diferentes formas.

Seria tudo tão mais fácil se usássemos mais o humor e menos o calor para reconhecer que nem sempre somos os donos da razão. Que outras pessoas também têm algo importante à dizer que pode servir, aliás e muito bem, como precioso aprendizado para nós.

Ao invés de tentar desqualificar e desmoralizar o outro, metralhando-o sem piedade com todas as ofensas possíveis e imaginárias, que tal treinar os olhos e a mente especialmente para observar as coisas num ângulo de 360 graus, de forma multidimensional, ao invés de só dentro de uma caixa ou só se valendo de um tipo de visão limitada chamada “tunnel vision”?

Vamos aproveitar a oportunidade de fazer parte destas discussões de um modo saudável, enriquecedor, eclético, divertido, inteligente, democrático, flexível, cordato. Paremos com os insultos em liquidação! Vamos sim celebrar a oportunidade que nos é dada de poder ver o mundo com óculos emprestados por outras pessoas. Nós não sabemos tudo e não somos perfeitos! O maior aprendizado de todos geralmente acontece nas trocas, na comunicação, na humildade de se colocar no lugar do outro e parar para pensar que além da nossa opinião, outras podem sim fazer todo o sentido e caminhar em paralelo. O mundo não vai acabar ou seremos menos respeitados ou queridos se abrirmos espaço para acomodar outras opiniões. Pode acabar sim se persistirmos nestas guerras intermináveis de “barracos cibernéticos” especialmente. Impor implacavelmente nossos pontos-de-vista pode até fazer bem para nosso ego momentaneamente, mas para nossas relações pode deflagrar um desastre de consequências emocionais muito dolorosas a longo prazo, por vezes irremediáveis!

Discordar é um direito, xingar é um defeito! Melhoremos nossos argumentos e destronemos nossos preconceitos. Vamos somar, não subtrair. Vamos nos completar, não nos dividir. Xingar só nos desqualifica, nos prova mentes estreitas e corações rancorosos. Ouvir o que o outro tem a dizer e respeitar sua opinião, mesmo que diferente da nossa, representa evolução e a verdadeira revolução na arte da comunicação!

Autora: Simone Bittencourt Shauy

Fonte: Obvious

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O medo de ser livre provoca o orgulho em ser escravo

O medo de ser livre, provoca o orgulho em ser escravo – NH News

“O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.” Os Irmãos Karamazov, Dostoiévski.

Há no homem um desejo imenso pela liberdade, mas um medo ainda maior de vivê-la. Algo parecido disse Dostoiévski, ou talvez eu esteja dizendo algo parecido com o dito pelo escritor russo. No entanto, como seres significantes que somos, analisamos as coisas sempre a partir de uma determinada perspectiva e, assim, passamos a atribuir-lhes valor. Dessa maneira, até conceitos completamente opostos, como liberdade e escravidão, podem se confundir ou de acordo com o prisma de quem analisa, tornarem-se expressões sinônimas, como acontece no mundo distópico de George Orwell, 1984, em que um dos lemas do partido – “Escravidão é Liberdade” – é repetido à exaustão.

Não à toa, as boas distopias têm como grande valor predizer o futuro. E em todas elas – 1984, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451, Laranja Mecânica – há um ponto em comum: a liberdade dos indivíduos é tolhida e, consequentemente, convertida em escravidão. No entanto, através de mecanismos sócio-políticos a escravidão é ressignificada como liberdade, de modo que mesmo tendo a sua liberdade cerceada, os indivíduos entendem gozarem plenamente desta.

Nas histórias supracitadas, embora a maior parte da população esteja acomodada e aceite com enorme facilidade absurdos, existem indivíduos que se permitem compreender as suas reais situações e ousam lutar contra a ordem estabelecida. Esse processo é, todavia, extremamente doloroso, uma vez que é muito mais fácil se acomodar a enfrentar a realidade e todas as consequências dolorosas que enfrentamos invariavelmente quando decidimos sair da caverna, para lembrar Platão.

Posto isso, há de se considerar que ser verdadeiramente livre requer a responsabilidade de encarar o mundo sem fantasias, ou seja, tal como ele é. Dessa forma, existe no homem grande suscetibilidade a aceitar o irreal como real, a fantasia como verdade, a Matrix como o mundo real. Sim, Matrix é um grande exemplo do medo que possuímos de encarar a realidade. No personagem de Cypher (Joe Pantoliano) encontramos o maior expoente desse comodismo, já que sendo a realidade um mundo destruído, um caos constante, é muito melhor viver na Matrix, onde ele “pode ser o que quiser”, ainda que não passe de uma grande mentira.

Em outras palavras, Cypher representa a ideia de que sendo a realidade algo tão assustador, a ignorância é uma benção, pois sendo ignorante, pode-se comprar mentiras como verdades facilmente, bem como, aceitar a Matrix como realidade e a escravidão como liberdade.

As realidades apresentadas no mundo das artes (ficções, que ironia), refletem a nossa própria realidade, em que, assim como Cypher, temos preferido viver vidas fantasiosas, cercadas de superficialidade e aparências, determinadas pelo hedonismo da sociedade de consumo e, consequentemente, o nosso egoísmo ganancioso buscando galopantemente realizar todos os desejos que impedem de acordarmos de um sonho ridículo.

Apesar de tudo isso, pode-se considerar que de fato é melhor ser um escravo feliz do que um ser livre, triste, inconformado e amedrontado. No entanto, a problemática ganha corpo na medida em que se entende que há coisas que só podem ser feitas sendo o sujeito livre, uma vez que a gaiola é sempre limitadora, sobretudo, aos desejos mais intrínsecos e, portanto, mais latentes e verdadeiros no ser. Assim, por mais que a escravidão seja ressignificada, fantasiada e “transformada” em liberdade, sempre haverá pontos em que o indivíduo sentirá necessidade de alçar voos mais altos, os quais, obviamente, não poderão ser realizados, haja vista a limitação das gaiolas, o que implica a insatisfação, ainda que tardia, da condição escrava em que o indivíduo se encontra.

Sendo assim, constatamos que “O medo de ser livre provoca o orgulho em ser escravo”, posto que para gozar a liberdade é preciso coragem para se arriscar no terreno das incertezas e da luta. E, assim, temos preferido permanecer na caverna, orgulhosos das nossas sombras, já que lembrando outra vez Dostoiévski – “As gaiolas são o lugar onde as certezas moram”. Entretanto, como disse, mais hora, menos hora, nos enxergamos e percebemos que o que nos circunda é falso, de tal maneira que desejamos sair, correr, voar, ser livres.

O grande problema nisso é que quando se acostuma a viver em uma gaiola, quando se é livre perde-se a capacidade de voar, pois as correntes que nos prendem são criadas pelas nossas mentes, de forma que mesmo fora da caverna, continuamos prisioneiros de uma mente que se acostumou a ser covarde e preferiu acreditar na contradição de que ser escravo era o maior ato de liberdade.

Autor: Erick Morais

Fonte: Obvious

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Precisa-se de escravos!

Uma definição bíblica de vícios - ABCB

Você é um escravo. Eu também sou. Todos somos servos dos nossos hábitos condicionados, sejam eles quais forem. A neurociência, com a teoria do “Cérebro Trino”, de Paul MacLean, contava na década de noventa que temos 03 cérebros: reptiliano, mamífero e racional. A parte mais primitiva visa nossa sobrevivência e perpetuação: comida, bebida, sono, abrigo, defesa, reprodução, repouso, associações estratégicas correlatas. Para isso, o cérebro primitivo é forte, predominante e extremamente simples, não classifica os hábitos como vícios ou virtudes. Isso é pauta para o cérebro racional ou neocortex.

Assim que se satisfaz do básico, o cérebro primitivo relaxa e se sente recompensado. Atribui essa recompensa ao evento estimulante que o levou à ação relaxante. Essa “deixa para agir” é cravada na mente como gatilho. Gatilho, Ação e Recompensa: Esse o triângulo do hábito, como explica Charles Duhigg em sua obra “O Poder do Hábito”. O gatilho gera um anseio, ou seja, o pensamento se adianta, obrigando o corpo a reagir antes do fato acontecer. Cheiro de comida gera salivação. Atração gera tesão.

Estimulado uma segunda vez pelo mesmo gatilho, o instinto busca apenas em repetir a ação que o levou à última sensação de recompensa. Esse automatismo é inconsciente e, quando em descontrole, sobrepõe-se aos nossos esforços por moderação, lealdade e honestidade. Impondo-se o primitivo, somos reféns desses motores comportamentais em todas as dimensões da vida. O triângulo do hábito parece inexpugnável. Gatilho, ação e recompensa formam os grilhões de nossa servidão.

A boa notícia: o escravo pode mudar de senhores. Um “gatilho” pode ser identificado e, dessa deixa, partir para novas ações. Todavia, não se empolgue demais. Podemos ter melhores hábitos, senhores menos destrutivos, mais saudáveis, mas teremos que lutar por eles.

A par de nossa dimensão primitiva, merece homenagem uma instituição corajosa nessa “troca de senhores”: Os Alcóolicos Anônimos. O AA enfrenta o terrível e destruidor alcoolismo com a mesma simplicidade e eficácia de sempre, desafiando a própria ciência e também a “pseudociência” e sua prateleira de produtos “milagrosos”.

O Triângulo do vício do alcóolatra começa no gatilho mais comum: tentar mascarar dores e tristezas ou prolongar prazeres e alegrias o máximo possível. A ação de beber pode ficar involuntária, parte do cérebro primitivo. As recompensas, em geral, são a desinibição e um suposto companheirismo, geralmente o do primeiro que aparecer.

A “Iniciação” do AA são “noventa encontros em noventa dias”, uma prova do novato de enfrentamento constante do ego e do seu quadro de adoecimento. No Triângulo do “Iniciado no AA”, o gatilho segue como sendo o trato das emoções, principalmente nos momentos mais críticos: aquela noite mais escura da alma ou as infinitas fugas, nas quais a mente humana é tão profícua em criar. A ação a ser implementada e repetida incansavelmente é lembrar da sua impotência e procurar a escuta do padrinho ou quem lhe faça as vezes o mais rápido possível. As recompensas são a desinibição emocional e a companhia, agora do padrinho e/ou dos companheiros de luta.

Você não leu errado: havendo quase nada a se fazer na recompensa, resta focar no gatilho e, a partir da “deixa”, partir para novas ações, reforçadas pela rotina, até mitigar os antigos reflexos condicionados.

É nessa hora que entra a egrégora coletiva. Por ela se materializa nossa habilidade de formarmos associações estratégicas de longo prazo, traço marcante que nos conferiu nosso sobrenome “sapiens”, como escreveu Harari. É pela prática coletiva que se cultiva a solidariedade e força para se desiludir e desistir de tentar mascarar as dores/tristezas ou tentar prolongar os prazeres/alegrias indefinidamente. Um coletivo comprometido com a evolução cria o espaço e a escuta propícios para a entrega e o enfrentamento das emoções. Todavia, falta ainda algo quase inexplicável, que faz de certas instituições campeãs na geração de valor para uma sociedade cada dia mais adoecida.

Havendo confiança e entrega, consegue-se fechar um triângulo entre o Falante – a Palavra – o Ouvinte. Dentro dessa egrégora, algo quase mágico está em vias de acontecer.

A entrega pela “palavra” ao sistema de troca de experiências é seguida de uma confiança no padrinho e nos companheiros. É crucial primeiro reconhecer ser impotente perante as ações automatizadas, um escravo assumido. Os registros e relatos pessoais permitem, ao seu turno, identificar os avanços, por menores que sejam, mas capazes de gerar gratidão à jornada, aos Irmãos de luta, ao Invisível e Supremo. “Entrego, confio, aceito e agradeço”, etapas da real jornada de autoconhecimento e auto atualização.

Cria-se confiança primeiro no padrinho. É quem está mais próximo ao recém-iniciado. Depois surgem a fé no programa e nessa Força misteriosa que a tudo conduz. Ao fim, o que começou com uma rendição e morte simbólica da arrogância e do ego, culmina no renascimento de um “amor próprio” capaz de resistir aos velhos hábitos, mesmo nos momentos mais estressantes da vida. Nesse momento, afilhado vira padrinho; aprendiz vira mestre; iniciado vira iniciador. O ciclo de destruição do ego e construção de templos de Confiança, Fraternidade e Fé então se repete e se multiplica. Não é Pedagogia, pois não educa crianças, mas “Andragogia”, a educação da consciência dos Iniciados.

A eficiência do AA serve-nos como espelhamento para a missão sagrada de qualquer Escola Iniciática perante seus Iniciados: enfrentar com honestidade e coragem nossa mente primitiva. Cabe ao Iniciado reconhecer sua dimensão animal e irracional. Sem isso, não há êxito em transformar velhos hábitos, prevalecendo os impulsos egóicos, mesmo estando “de corpo presente na Oficina”.

A pedra que foge do cinzel resiste em permanecer bruta.

É por causa da humildade em assumir sua impotência que o Iniciado busca se transformar. Sua marca principal é não se cansar de buscar. É um escravo buscador de novos senhores, novos hábitos, novas posturas. Ele não o faz porque se acha evoluído, mas justamente porque se reconhece como primitivo e impotente.

É desse desbaste voluntário e contundente da pedra bruta interior que se lapidam os autênticos mestres, provados ao longo das grandes crises, da ignorância e da estupidez humana, tal como o momento crucial que a humanidade atravessa no início do século XXI. Reconhece-se a espada pela temperatura da forja a que foi submetida.

As Escolas Iniciáticas devem acolher esses servidores. São servos que buscam incansavelmente se transformarem por novos hábitos. Eles se equipam com humildade, confiança e fé para cavar masmorras aos vícios. Sem esses jardineiros da consciência, qualquer terra é seca e estéril. Sem eles, espaços que seriam de evolução e aperfeiçoamento humano se rendem a “igrejismos” ultrapassados, repetições inúteis e “jornadas vazias” de toda sorte, nas quais o ego e vaidade se esbaldam.

Sair dos velhos condicionamentos é difícil. Conhecer a si mesmo também é difícil. Escolher o seu difícil é o que vai determinar quais serão seus senhores, seus hábitos.

Certo é que a evolução planetária segue seu curso. Iludidos pelos nossos vieses de confirmação, acreditamos que até um relógio parado esteja certo, ao menos duas vezes ao dia. Logo, a realidade, por mais dura que seja, é melhor que qualquer fantasia e, com isso, é imperativo vencer a inércia e a mente primitiva, já que seguem em frente “as pedras que rolam”, como cantou Bob Dylan. Os novos tempos demandam Oficinas repletas de servidores de novos pensamentos, palavras e ações, enfim, de escravos de melhores hábitos.

Autor: Luciano Alves

* Luciano é professor, analista judiciário e Mestre Maçom da A.R.L.S. Jacques DeMolay nº 22 da GLMMG.

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Para que amanhã não seja um ontem com um novo nome¹

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Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas
Que vieram como gotas de silêncio tão furioso
Derrubando homens entre outros animais
Devastando a sede desses matagais

(Eternas ondas – Zé Ramalho)

No ano de 1986, li pela primeira vez o livro Admirável mundo novo. Escrito por Aldous Huxley em 1931, essa obra é considerada um dos clássicos da literatura do século XX. Recentemente, como parte das atividades de uma das disciplinas do curso de História da PUC-MG, revisitei a utopia distópica criada pelo escritor inglês e me chamou atenção algo que Huxley escreveu no prefácio da edição que está em minha biblioteca. Segundo ele, os totalitarismos antigos, baseados na repressão dos cassetetes e pelotões de fuzilamento, se mostraram ineficientes, sendo então um “estado totalitário verdadeiramente eficiente” aquele em que o líder máximo controlaria a população sem necessidade de coação, uma vez que seria formada por escravos amantes da servidão.

O “admirável mundo novo” narrado por Huxley, e os recentes acontecimentos observados em alguns países, me lembraram então do Discurso sobre a servidão voluntária escrito por Étienne de La Boétie e publicado após sua morte em 1563. Entre pontos importantes do Discurso destacamos dois: as crenças religiosas são frequentemente usadas para manter o povo sob dominação e obediência; e, o poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo. La Boétie também alerta que

“é o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios”.

Tal afirmativa me levou a alguns questionamentos: o que leva o povo a fazer tal escolha? O que pode proporcionar uma tal ilusão, capaz de entorpecer mentes que até então se acreditava serem livres?

Talvez a resposta possa ser encontrada naquilo que o sociólogo  polonês  Zygmunt Bauman denominou como “modernidade líquida”, onde as instituições estão enfraquecidas, as relações são efêmeras e prevalece o individualismo. É possível que esse conjunto de características, somado à desilusão com instituições que, em certo ponto, falharam em cumprir o papel de garantidoras da estabilidade, tenham criado o ambiente ideal para essa nova onda de servidão voluntária. Nesse contexto ocorre o surgimento daqueles que apresentam-se como outsiders, e que, sabendo fazer uso do sentimento que toma conta de parcela significativa da população, utilizam-se de discursos carregados de ódio para incitar a divisão da sociedade entre “nós e eles”, através de uma rede estruturada que coloca em prática a estratégia de disseminação da desinformação, criação de pseudo-realidades, além do apoderamento de símbolos nacionais como forma de legitimar seu atos e suas falas aos olhos e ouvidos de cidadãos mais incautos .

Em 2016, o Dicionário Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano. De acordo com Siebert e Pereira (2020, p. 240), pós-verdade está “relacionado a circunstâncias em que os fatos influenciam menos a opinião pública do que apelos à emoção ou às crenças pessoais”. Portanto, se refere ao momento em que a verdade já não é mais importante como já foi.​ No mundo da pós-verdade valem mais as mentiras confortáveis do que as verdades inconvenientes. Se em Admirável Mundo Novo as crianças eram condicionadas durante o sono, hoje as pessoas, em suas redes sociais, passam por algo que poderíamos classificar como semelhante ao narrado na obra de Huxley, uma vez que, apesarem de estarem acordadas, são submetidas constantemente a processos de desconstrução dos fatos e de reinterpretação da realidade.

No cenário desconcertante em que grande parcela da sociedade permanece 24 horas por dia conectada em pelo menos uma das inúmeras redes sociais existentes, em que as informações – e a desinformação – são compartilhadas em segundos, passou a prevalecer a “verdade seletiva”. Vivemos tempos em que se leva em conta apenas o que convém; tempos em que o que é considerado verdade deve estar em sintonia com os interesses do que é pregado na bolha digital na qual o sujeito está inserido.

Fatos são distorcidos; provas são ignoradas; falas são reinterpretadas. Tudo pretensamente feito para o bem da família e da nação.

Nessas duas décadas iniciais do século XXI, um número considerável de atores políticos parece ter observado que Huxley provavelmente tinha razão quando escreveu como se poderia alcançar o “totalitarismo eficiente”. Assim, dedicam-se a implantar um novo modo de cooptar seguidores, desta feita sem se valerem do uso de cassetetes e pelotões de fuzilamento. Na retórica utilizada por estes personagens, o ontem trasveste-se de amanhã.

É imperativo, portanto, que as mentes livres, presentes nas forças e organizações progressistas, se levantem em defesa da Liberdade de escolhas, da Igualdade de direitos e da Fraternidade entre os homens. É nosso dever, uma vez que juramos respeitar a nossa Constituição e os Poderes constituídos, além do nosso comprometimento a trabalhar pelo bem da humanidade, nos posicionarmos contra pensamentos reacionários e negacionistas, que fazem uso daqueles que o filósofo árabe Al-Farabi chamou de servos por natureza, cooptados para desempenhar o ignóbil papel de multiplicadores de factoides, desinformação e ódio, produzidos pela máquina que sustenta os tresloucados em seus devaneios de poder. Para nós, o “novo normal” não pode se resumir a permanecer “sentado no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar” (SEIXAS, 1973).

Talvez o mundo não seja, nesses tempos atuais, tão admirável; com certeza o perigo que o ronda não é novo. Mas, continua sendo o nosso mundo, e seu futuro é nossa responsabilidade.

“Se o teu amigo vento não lhe procurar, é porque multidões ele foi arrastar.” (Eternas ondas – Zé Ramalho)

Autor: Luiz Marcelo Viegas

Texto apresentado na Academia Mineira Maçônica de Letras, em reunião realizada no dia 01/12/2020.

Nota

[1] – Trecho da letra de AmarElo, música composta por Emicida em 2019.

REFERÊNCIAS

AL-FARABI, O caminho da felicidade, 2002: p. 62-63.

AMARELO. Intérprete: Emicida; Pablo Vittar; Majur. Compositor: Emicida; Belchior. In: AMARELO. Intérprete: Emicida. Brasil: Laboratório Fantasma, 2019. CD, faixa 10.

COSTA, Ricardo. A crítica da crítica: algumas considerações sobre a resenha “Os nórdicos e a academia”, do Prof. Johnni Langer. Disponível em: https://www.ricardocosta.com/direito-de-resposta-ricardo. Acesso em: 27 nov. 2020.

CUNHA, Carolina. Zygmunt Bauman – o pensamento do sociólogo da “modernidade líquida”. 2017. Disponível em: https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/zygmunt-bauman-o-pensamento-do-sociologo-da-modernidade-liquida.htm. Acesso em: 23 nov. 2020.

ETERNAS ondas. Intérprete: Zé Ramalho. Compositor: Zé Ramalho. In: ANTOLOGIA Acústica. Intérprete: Zé Ramalho. Brasil: BMG, 1997. CD 1, faixa 7.

HANCOCK, Jaime Rubio. Dicionário Oxford dedica sua palavra do ano, ‘pós-verdade’, a Trump e Brexit. El País. 17 nov. 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/16/internacional/1479308638_931299.html?rel=mas%E2%80%8B. Acesso em: 23 nov. 2020.

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. São Paulo: Círculo do Livro, 1986.

LA BOÉTIE, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. Disponível em: https://opontodentrocirculo.com/2020/08/09/discurso-sobre-a-servidao-voluntaria/. Acesso em: 23 nov. 2020.

OURO de tolo. Intérprete: Raul Seixas. Compositor: Raul Seixas. In: KRIG-HA, Bandolo! Intérprete: Raul Seixas. Rio de Janeiro: Philips Records, 1973. Disco vinil, faixa 11.        

SIEBERT, Silvânia; PEREIRA, Israel Vieira. A pós-verdade como acontecimento discursivo. Ling. (dis)curso, Tubarão, v. 20, n. 2, p. 239-249, ago. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ld/v20n2/1982-4017-ld-20-02-239.pdf. Acesso em: 23 nov. 2020.

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Religião: uma compreensão sociológica (2ª Parte)

Dentro da Sociologia, tem-se uma vertente destinada aos estudos dos fenômenos religiosos, é a chamada de “Sociologia da Religião”. Seu objetivo é o de compreender os efeitos sociais do “pertencimento religioso”, ou seja, demonstrar como as crenças religiosas interferem no comportamento e nas tomadas de decisões dos indivíduos. Nossa proposta aqui é estudar a religiosidade de grupos sociais para entender como se deu esta formação, este sentimento religioso do brasileiro e como ele lida com isso para enfrentar seus problemas e dificuldades no cotidiano, tendo por tese que o povo brasileiro é considerado um dos mais religiosos do mundo.

Deve-se aqui mencionar entre muitas obras que tratam da religião com mais profundidade as obras: “O Ramo Dourado” de Frazer, de “Cultura Primitiva” de Tylor, no qual produz a teoria animista da religião primitiva, e de discípulos deste, Andrew Lang e Marret que investiram a noção de mana, alma e fantasmas. Estes estudos apontam o interesse científico acerca do fenômeno religioso, remarcando um espaço acadêmico para o estudo científico da religião, até então de cunho teológico e doutrinário.

Émile Durkheim, considerado um dos pais da Sociologia, escreveu no século XIX:

“Diz-se que a ciência, em princípio, nega a religião. Mas a religião existe. Constitui-se num sistema de fatos dados. Em uma palavra: como poderia a ciência negar tal realidade?” […] “Sente-se dominado e envolvido por algo que dele dispõe e sobre ele impõe normas de comportamentos que não podem ser transgredidas, mesmo que não apresentem utilidade alguma”. (DURKHEIM, apud OLIVEIRA, Luis F. e COSTA, Ricardo, 2007, p.169, 199).

Como força motriz da formação da cultura, a religião para Durkheim vai promover a dicotomia entre o profano e o sagrado. As coisas profanas adquirem, segundo Durkheim, uma utilidade prática até poderem ser descartadas; já as coisas sagradas, os objetos, idéias assumem valor superior aos dos indivíduos, possui um valor de adoração que é superior ao próprio homem e é por este reverenciado. O homem ocupa desta forma um lugar secundário no universo. Pra ele, a religião possui características que a permite criar regras de comportamento e normas que visem gerar a harmonia entre os homens; desta forma é através da religião que as sociedades se estruturam e se organizam formando “uma imagem de si mesmas”.

Este interesse pronunciado pelo estudo das religiões se manterá no início do século XX com a publicação de “As formas elementares da vida religiosa” de Durkheim, entre outros, de autores como Levy-Bruhl com estudos sobre a mentalidade mística, agindo como estímulo à criação de formações acadêmicas nas universidades européias, como a de Religião Comparada na École des Hautes Études da Universidade Sorbonne. Esta veio a ser dirigida por Marcel Mauss e mais tarde por Lévi-Strauss. Na Grã-Bretanha destaca-se o King’s College, ligado à Universidade de Londres, que possui um dos departamentos mais antigos e renomados de Teologia e Estudos de Religião, cujo acesso recente a sua página eletrônica, permitiu retirar a seguinte explicação da motivação dos seus estudos na atualidade:

Para Max Weber, a religião é na compreensão dos comportamentos religiosos que chega-se ao entendimento sobre as atividades humanas, influenciando a maneira de viver de um povo ou de uma cultura de massa. A religião estaria assim ligada a outras atividades humanas, como por exemplo, a ética, a economia, a política. Com sua célebre obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber procurou demonstrar que ocorreu uma transformação do trabalho a partir da ética protestante. Segundo Weber, “essa concepção de trabalho, protestante e puritana, servirá perfeitamente para o aparecimento do capitalismo, que necessitava de trabalhadores para gerar capital e lucros para a burguesia.”

Para Durkheim (1912), a religião ordena o caos como também desordena. Neste último caso, cabe a organização religiosa coibir a desordem com seus meios coercitivos ou o aparelho de força da cultura de um povo. As Formas Elementares de Vida Religiosa“, considerada a mais importante de Durkheim, estuda notadamente a religião e seu relacionamento social:

A ação que a religião exerce sobre os homens é tão profunda que eles sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da organização religiosa. Por toda a parte onde o soberano passa por ser o representante da divindade, a liberdade não se pode estabelecer, porque o poder daquele que fala e obra em nome de Deus é necessariamente absoluto. As ordens do céu não se discutem. Simples mortais não podem deixar de inclinar-se e de obedecer. Não conheço exceção a esta regra. Nos antigos impérios da Ásia, e nos de hoje, nos Estados maometanos, como nos países católicos, onde os reis reinavam por direito divino, os povos foram completamente escravizados. (LAVELEYE: 1875, p.25).

Não se pode desvencilhar a participação da religião na construção cultural dos povos.

Conforme Durkheim (1998, p. 155),

A religião é uma coisa eminentemente social. As representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são as maneiras de agir que não nasceram senão no seio de grupos reunidos e que estão destinados a suscitar, a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos. Mas então, se as categorias têm origem religiosa, elas devem participar da natureza comum de todos os fatos religiosos: devem ser, elas próprias, coisas sociais, produtos do pensamento coletivo.

Mendonça (1988, p. 42) mostra que existe uma dificuldade em definir religiosidade e religião. Segundo ele, a religiosidade nem sempre está relacionada a uma religião organizada e instituída. Ele definiu religiosidade como “a sensação generalizada de que o mundo está sujeito a poderes ameaçadores da ordem […] sejam de amplitude universal ou simplesmente localizados no espaço e no tempo, estes quando se referem a grupos humanos isolados sócio e geograficamente”. No mesmo texto, Mendonça apresenta uma segunda definição de religiosidade, que seria “a existência na consciência daqueles traços culturais de crença em poderes benéficos e maléficos que, de alguma forma, regem a vida nos mínimos detalhes e que podem estar subjacentes na aceitação de qualquer religião organizada, introduzindo nelas modificações”. Na segunda definição, Mendonça relaciona a religiosidade com a crença culturalmente construída e que pode, inclusive, interferir nas religiões organizadas. Tal definição de religiosidade é a que empregamos aqui e que foi muito bem explorada por Bittencourt (2003).

A religião, sob a abordagem da sociologia clássica, aparece como um pretexto teórico, metodológico e epistemológico no estudo das causas sociais da grande mudança social, da transição da sociedade tradicional para a industrial, dos possíveis remédios para os problemas sociais e para as implicações no tecido social. Temáticas e questões como a divisão social do trabalho e desemprego, expansão e intensificação das desigualdades sociais, conflitos e lutas de classes, anomia, desvios, entre outras, aparecem como preocupações visíveis discutidas pelas teorias sociológicas durante o século XIX, em vista de uma resposta intelectual de intervenção sócio-política. Foi na perspectiva de considerar as situações sociais, coletivas, dotadas de uma dimensão ética, que os clássicos da sociologia propuseram o problema da religião, pelo fato de a terem considerado como um fator decisivo para se explicar as estruturas e os processos que promoviam e condicionavam a ordem e o controle social nas sociedades humanas (MARTELLI, 1995, p. 31).

A religiosidade serve para designar:

“[…] a forma e o sentimento com que cada indivíduo vive suas crenças e práticas religiosas, independente de ele estar filiado a uma instituição religiosa, mas também pode abonar auto-enquadramento que o indivíduo afirma, quando em grande parte não está ele efetivamente assentado em qualquer prática religiosa, outras vezes, ainda que inseguro, num exercício agnóstico ou, ateísta definitivamente, o que é corroborado pelo fato de já existir segmentos sociais que se aglomeram em torno de uma terapia grupal”. (Revista Veja de 12.07.2006, pp.77-85).

As palavras provocadoras de Filoramo em posfácio a seu livro em parceria com Carlo Prandi, “As Ciências das Religiões”, quanto às repercussões desse campo emergente ou ressurgente de saber no âmbito universitário (1999, p.290):

O estudo da religião em perspectiva científica, […] tem essa característica fundamental: ele é um convite ao estudo, não para que alguém se torne isso (ou menos) religioso – o fato de existirem conseqüências desse estudo é m efeito imprevisto, não fazendo parte das regras do jogo; estuda-se, segundo o ethos do conhecimento que anima e funda esse tipo de trabalho, para poder conhecer melhor essa complexa e cálida realidade, para poder melhor orientar-se dentro dela, e conforme o caso, para poder escolher e decidir com conhecimento de causa.

Estudar sociologicamente a religião é possível pelo fato de ser considerada como uma importante chave para se compreender as estruturas, os processos sociais e culturais de uma civilização. A tradição sociológica weberiana enfatizou e deu prioridade a uma particularidade do fenômeno religioso, ou seja, privilegiou-se o estudo da formação de uma ética protestante racionalista; Weber quis compreender qual a influência do comportamento religioso sobre as outras atividades, ética, econômica, política ou artística, e quis apreender os conflitos que pudessem surgir da heterogeneidade dos valores que cada uma delas pretendia servir (FREUND, 1987, p. 130).

A grande hipótese de investigação de Weber é de que a vivência espiritual da doutrina e da conduta religiosa, exigida pelo protestantismo, teria organizado uma maneira de agir religiosa com afinidade à maneira de agir econômica, necessária para a realização de um lucro sistemático e racional, daí o esforço em provar a hipótese e a concepção de que havia estreitas relações existentes entre os fundamentos religiosos do calvinismo e as estruturas mundanas do capitalismo. É então possível sugerir que a corrente culturalista weberiana buscou compreender e explicar o capitalismo através dos fatores externos à economia. O capitalismo, sob este olhar metodológico e epistemológico, constitui-se a partir do legado de um modo de pensar as relações sociais herdado pelas manifestações da Reforma na Europa (de Lutero, mas principalmente mais ainda do calvinismo).

Weber não estava preocupado em estudar a essência do fenômeno religioso, porém interessou–se pela investigação do comportamento e da conduta significativa do ser religioso, uma vez que está baseado e orientado significativamente de acordo com determinadas experiências singulares, sobre representações significativas e objetivos ordinários. É por isso que Weber quis demonstrar que a conduta dos homens nas diversas sociedades só pode ser compreendida dentro do quadro da concepção geral que esses homens têm da existência: é preciso entender os dogmas religiosos e sua interpretação como partes integrantes dessa visão de mundo para que se possa compreender a conduta dos indivíduos e dos grupos (prioritariamente seu comportamento econômico). Esta é que se constitui a área da sociologia religiosa weberiana.

Compreendendo a religião como um constituinte da cultura, concorda-se que a sociologia das religiões mundiais delineadas e constituídas por Weber é rigorosa e fundamentalmente uma sociologia da cultura, pelo fato de provocar e efetuar um estudo de estilos de vida e visões de mundo elaborado culturalmente, materializado e cristalizado nas religiões.

O estudo sociológico delineado em “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1905), propôs o exame das implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando constatar a contribuição, a relevância e a intervenção da ética protestante, essencialmente a calvinista, na promoção e consolidação do moderno sistema econômico. A ética da acumulação e da poupança proporcionaram o desenvolvimento do capitalismo. Weber compreendeu o capitalismo como civilização, como um empreendimento significativo da civilização do moderno mundo ocidental. O fio condutor que fundamentou o pensamento weberiano foi a idéia da formação de um espírito racional e sua concretização com a emergência e consolidação dos processos e das relações capitalistas. Uma outra tese é a de que em nenhum outro lugar os movimentos religiosos tiveram conseqüências tão amplas como teve no desenvolvimento do mundo interior do Ocidente. Esta abordagem sugeriu que se explorasse a

a relação entre as imagens religiosas do mundo e a possibilidade de inovação e de mutação social; interroga-se sobre o futuro da sociedade ocidental, caracterizada por um persuasivo e incontido processo de racionalização, que se traduz no plano religioso em “desencanto do mundo” (Martelli, 1995, p. 75).

Na sociologia da sociologia weberiana que empreende, Ianni acredita que, quando Weber se refere à religião, o que está em causa é tanto a religião como a cultura; cultura esta da qual a religião é uma dimensão privilegiada, mas não única. A religião pode ser compreendida como um elemento nuclear da cultura. O estilo de vida e a visão de mundo envolvido sinteticamente na religião em geral correspondem às dimensões essenciais da cultura (Ianni, 1995, p. 118). Os fenômenos sociais, dentre os quais o religioso, são essencialmente históricos. Acredita–se, dessa forma, que historicamente se individualizam; os fenômenos sociais devem ser tratados como individualidades históricas. Os fenômenos religiosos se particularizam, individualizam-se na história por intermédio do estabelecimento concreto e real de determinados valores em conjunturas e contextos históricos particulares. Daí, também, dizer que não é coerente defender a propositura de que há elementos religiosos permanentes e universais em tais fenômenos.

Na compreensão de Martelli, a religião aparece, na abordagem simbólico-cultural weberiana como

depositária de fundamentais significados culturais, pelos quais indivíduos e coletividade são capazes de interpretar a própria condição de vida, construir para si uma identidade e dominar o próprio ambiente” (1995, p. 34).

A teoria weberiana compreende que a religião é um relevante e importante recurso simbólico para a sociedade, tendo em vista ter ela uma particularidade em relação aos outros códigos culturais, fornecendo, assim, uma legitimação dos significados sociais.

A questão perseguida por Weber é se a religião tem um peso significativo ou se interfere na organização social, na sua transformação, não pela inculcação de idéias ou crenças, mas através das imagens que inculca em seus adeptos; estas imagens do mundo não são puras representações essenciais do mundo à maneira de um espelho que reproduz objetos ou pessoas que estão diante dele, mas elas têm um potencial de racionalidade, ou seja, têm uma exigência de se entender o mundo com leis próprias. Do contrário, seria inculcação de ilusão (Rolim, 1996, p. 18).

Aparece aqui um problema sociológico de grande relevância, o da influência das concepções de mundo nas organizações societárias e nas atitudes individuais. Isto quer dizer que a visão de mundo orienta e comanda a direção e o destino dos interesses de cada ator social.

Weber nos ensina a pensar religião e ética associadas à imagem do mundo, uma vez que não são as idéias (morais e materiais) que comandam a ação humana, mas é a visão de mundo que aguça o agir dos homens nas trilhas e nos percursos construídos pelos interesses. Ensina-nos mais ainda quando prova a concepção de que há estreitas relações existentes entre as aspirações religiosas do calvinismo e as aspirações mundanas do capitalismo (Weber, 1994); não queria afirmar com isso que o capitalismo seria, simplesmente, um produto da religiosidade protestante e que o moderno capitalismo poderia ser explicado suficientemente com essa tese.

A sociedade brasileira experimenta, diferentemente de outras épocas, uma liberdade religiosa sem igual; já somos um país de diversidade religiosa; um país de uma religiosidade no plural. Novas religiões e filosofias de vida despontam e progridem aceleradamente, transformando o Brasil num país da pluralidade, mais tolerante e cada vez mais desenraizado em matéria religiosa e em termos culturais (Mariano, 1999, p. 119).

A ética dos vários grupos religiosos tem reforçado os valores da cultura moderna, explicitamente visualizados na capacidade dos atores religiosos de fazerem as suas escolhas e opções e tomar decisões no âmbito privado de suas vidas.

A religião faz parte da cultura, é um fenômeno cultural que reflete a cultura. A religião é constituída por mitos, rituais e comportamento moral; ela interpreta o processo da cultura e pode interpretar também a união ou a comunhão humana; ela nos diz algo sobre o significado de comunidade. A religião expressa aquilo que é importante no processo cultural. Dessa ênfase na “importância”, podem emergir idéias sobre “deve” e “não deve”, “certo” e “errado”. Pode-se argumentar que esse processo que vai do ritual à práxis, que identifica o que é importante para o “dever” ser, representa a entrada da religião na ética, seja ela mais ampla ou particular.

O indivíduo e a comunidade cristã estão inseridos dentro de um contexto social bem maior, a cultura, o mundo. O que eles têm a dizer ao mundo? Que responsabilidades eles tem com a sociedade? O que a religião pode fazer para que haja um controle social? Como ela interfere na cultura?

A comunidade cristã não pode viver à parte da sociedade porque está inserida nela, por isso a sua presença na sociedade não só reflete no caráter individual de seus membros, como também no caráter coletivo da comunidade. Através de sua práxis, a moral cristã dialoga e causa impactos no meio social e na cultura. Para que haja mudança e transformação social tem que haver comprometimento com as normas, ou seja, os meios tem que estar de acordo com os fins da própria ação.

Todo código tem a pretensão de ser pleno, de ser suficiente para explicar todas as hipóteses da vida. Mas o hábito de viver vai aos poucos influindo sobre as normas, desgastando-as, por força do processo vital dos usos e costumes. Cabe então aos agentes morais de tal código evitar o divórcio entre a realidade social e certas normas.

Uma sociedade quando na sua fase dita civilizada, construiu-se sempre, de algum modo, com o auxílio mais ou menos carregado pelo ato de fé, que originalmente ou provinha da religião,i concebida como “… um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos.” (Silva & Karnal 2002:13-14), ou da maturidade intelectual, explicável como uma ideia nascida no âmbito da ciência e ou da poesia.

Desde o momento em que a religião deixou de ser algo visto como divinamente criada na razão direta do avanço da ciência, deísmos e ateísmos interpretaram “Deus” fora da esfera pública; após Descartes e Kant a ‘ciência dos deuses’ perdeu a legitimidade que consuetudinariamente conquistara, passando a ocupar o espaço religioso unicamente, com o discurso próprio do território.

O esvaziamento das instituições culturais faz com que um país, uma nação, vergue seus ímpetos julgados mais saudáveis, ainda que se releve o fato de que a “(…) necessidade da ruptura se torna, em conseqüência, imperiosa, para restituir a dinamicidade ao que parecia ´sem vida´.”(BORNHEIM: 1987:15), mesmo quando decline a qualidade do atributo moral e intelectual, que se instaura incontinenti, como fato inegável:

As culturas nacionais são compostas não somente de instituições culturais, mas de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – uma maneira de construir significados que influencia e organiza tanto nossas ações quanto nossas concepções sobre nós mesmos (Hall 1998: 39).

Ora, assim afirmamos, porque, pelo viés da análise sociológica, a religião está inserida na cultura, faz parte dela e interage com outras produções culturais. A expressão religiosa não pode se manifestar a não ser por meios culturalmente aceitáveis e comunicáveis, ou seja, há um fenômeno social em todo ato religioso. Em outras palavras, a sociologia da religião parte da premissa que toda forma de expressão religiosa, tanto a teórica (doutrinária) quanto a prática (cultual), realiza-se por meio de convenções humanas e não sagradas. Aqui, não entramos na discussão sobre a “verdade’, o divino ou a fé”. À parte das considerações a respeito do fenômeno religioso, a expressão é vivenciadamente construída entre e por seres humanos. Estamos, assim, analisando o que objetivamente é produzido a partir da experiência religiosa, formas concretas, culturais e sociais. Na essência é a própria religião que assume uma forma socialmente construída, ideia que tomamos de Otto Maduro (1983, p. 31), que entende por religião:

…uma estrutura de discurso e práticas comuns a um grupo social referentes a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou unificadas) tidas pelos crentes como anteriores e superiores ao seu ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados etc.) e diante das quais se consideram obrigados a um certo comportamento em sociedade com seus ‘semelhantes’.

A definição que tomamos de Maduro é parcial e não tem intenções de englobar todo o fenômeno religioso. Ela é metodologicamente operacional e “procura recolher e expressar um aspecto das religiões: o aspecto de fenômeno social presente em todo fato religioso” (Maduro, 1983, p. 41). Isso quer dizer, que não há como uma religião não se expressar a partir de produções sociais e culturais. Por isso é que afirmamos que o protestantismo negou um tipo de cultura e não a cultura.

Autor: Mauro Ferreira

Mauro é Teólogo, Filósofo, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Filosofia Contemporânea e Historia pela UMESP, e também um colaborador do blog.

Clique AQUI para ler a primeira parte do texto.

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Religião: uma compreensão sociológica (1ª Parte)

Religião: conjunto de crenças e práticas sociais - Brasil Escola

Religião deriva do termo latino “Re-Ligare“, que significa “religação” com o divino. Essa definição engloba necessariamente qualquer forma de aspecto místico e religioso, abrangendo seitas, mitologias e quaisquer outras doutrinas ou formas de pensamento que tenham como característica fundamental um conteúdo Metafísico, ou seja, de além do mundo físico.

As religiões são então um fenômeno inerente a cultura humana, assim como as artes e técnicas. Grande parte de todos os movimentos humanos significativos tiveram a religião como impulsor, diversas guerras, geralmente as mais terríveis, tiveram legitimação religiosa, estruturas sociais foram definidas com base em religiões e grande parte do conhecimento científico, “filosófico” e artístico tiveram como vetores os grupos religiosos, que durante a maior parte da história da humanidade estiveram vinculados ao poder político e social.

Apesar de todo o avanço científico, o fenômeno religioso sobrevive e cresce, desafiando os poderes constituídos, o que em certa medida são produtos das próprias religiões. A grande maioria da humanidade, cerca de noventa por cento, professa alguma crença religiosa direta ou indiretamente. Assim, a Religião continua a promover diversos movimentos humanos, e mantendo estatutos políticos e sociais. Tal como a Ciência, a Arte e a Filosofia, a Religião é parte integrante e inseparável da cultura humana, é muito provavelmente sempre continuará sendo.

A religião faz parte da cultura, em outras palavras, é um fenômeno cultural que reflete a cultura. A religião é constituída por mitos, rituais e comportamento moral; ela interpreta o processo da cultura e pode interpretar também a união ou a comunhão humana; ela nos diz algo sobre o significado de comunidade. A religião expressa aquilo que é importante no processo cultural. Dessa ênfase na “importância”, podem emergir ideias sobre “deve” e “não deve”, “certo” e “errado”. Pode-se argumentar que esse processo que vai do ritual à práxis, que identifica o que é importante para o “dever” ser, representa a entrada da religião na ética, seja ela mais ampla ou particular.

Todas as sociedades conhecem alguma forma de religião, pois esta é um fato social universal encontrado em todas as partes desde os tempos mais remotos. Ao longo da história da humanidade surgiram muitas formas de manifestação religiosa, religiões surgem e desaparecem mais algumas resistem se transformam e estão presentes até hoje. A crença em algum tipo de divindade ou ainda, o sentimento religioso, são fenômenos generalizados em toda sociedade e são inerentes ao ser humano. Como meio de controle social, a religião é um dos mais eficientes e:

Dentro das mais variadas culturas, o culto ao sobrenatural apresenta-se como fator de estabilidade social e de obediência às normas sociais. As religiões e as liturgias variam, mas o aspecto religioso é bem evidente. As pessoas procuram no misticismo e no sobrenatural algo que lhes transmita paz de espírito e segurança. Por isso a religião sempre desempenhou uma função social indispensável.  (OLIVEIRA, 2002, p.169).

Sobre a gênese das religiões há muitas explicações.  Uma delas parte da ideia de que o homem primitivo pensava a natureza como animada, isto é, os animais, as plantas, astros e montanhas continham espíritos.  Essa teoria foi denominada animista pelo antropólogo Sir Edward Burnett Tylor ( 1832-1917). Ele partiu da teoria evolucionista de Darwin e sustentava que junto à evolução cultural e tecnológica verificava-se uma revolução religiosa que tendia do politeísmo ao monoteísmo. Tylor pensava que as populações tribais não progrediram da Idade da Pedra e, portanto praticavam esta mesma forma de animismo.  Hoje essa tese não é mais aceita e o termo animismo não é acolhido para tipificar as religiões tribais.

Há estudiosos que consideram as religiões como produto de fatores sociais e psicológicos. Trata-se de uma ideia reducionista que limita a religião a um elemento de relações sociais ou resultado da vida espiritual humana. Para Karl Marx, a religião, como a arte, a filosofia, a moral e as ideias, é apenas uma superestrutura edificada sobre a base do sistema econômico. O progresso histórico é regulado pelo modo no qual está organizada a produção e por quem possui os meios, as fábricas e as máquinas. A religião refletiria apenas estas relações fundamentais.

Hoje o estudo da ciência das religiões propõe o conceito de religião como um elemento independente na existência humana, vinculado aos fatores psicológicos e sociais, mas também dotado de estrutura própria. É difícil, entretanto,  encontrar um conceito de religião que se adapte a todos os grupos humanos que professam uma fé e realizam seus cultos. As diversas religiões não são todas comparáveis entre si e torna-se difícil colocá-las sob um único referencial. Justamente porque há adeptos religiosos que afirmam ser a sua forma de fé a única religião verdadeira, o que exclui valores e sentido em todas as outras, uns denominam as outras de ilusórias ou, no melhor dos casos, incompletas. Há cientistas das religiões que preferem estudá-las singularmente, individuando-as no seu contexto cultural e histórico. O problema aparece quando se pretende fazer analogias ou aproximações que resultam de interpretações com critérios diversos: alguns as consideram como produto de encontros e influências entre grupos populacionais, assim, as ideias de fé e culto seriam transmitidas como os conhecimentos culturais. Outros procuram, através de confrontos, descobrir o que distingue o conceito de religião em si.

A religião reflete questões referentes ao transcendente: quem sou? De onde vim? Para onde vou? Por que vivo? O que devo fazer? O vocábulo religião tem várias interpretações. Alguns entendem como re-ligare, dando o sentido de reatar.  Ela tem a função de aproximar pessoas que alimentam crenças comuns. Ela, neste sentido, é simbólica, enquanto une, dá sentido e significado comum a um grupo.

“Nossa palavra “religião” vem do latim re-ligare, que quer dizer “ligar de novo”. O homem de fato mereceu seu nome quando procurou ligar-se a seus mortos e, portanto, a um além da morte.

Outros entendem religião como relegere, isto é, reler, observar conscienciosamente. Cícero dirá que a palavra religião vem do verbo legere: ler. E os sacerdotes antigos eram considerados intelectuais que detinham vários saberes: os ritos, as leis divinas e a moral que delas derivava.

A definição de religião, contudo, precisa partir de um pressuposto fundamental: a noção de sagrado: “Religioso ou pio é aquele para o qual algo é sagrado”, sentenciou o estudioso das religiões e arcebispo sueco, Nathan Söderblom ( 1866-1931). O conceito chave para estudar as religiões é a ideia de sagrado presente em todas e em cada tradição religiosa. Este conceito foi introduzido no livro de psicologia da religião: O Sagrado, publicado em 1917 por Rudolf Otto. Para quem a palavra sacro expressa a ideia daquilo que é absolutamente diverso de todo resto e por isso não pode ser descrito através de conceitos usados comumente. Refere-se a uma especial dimensão do ser que Otto descreve como mysterium tremendum et fascinosum, isto é, uma capacidade que, de um lado, faz temer e, por outro, tem uma força atraente, difícil de resistir.

Apesar de sofrer críticas, Otto foi copiado e suas ideias se desenvolveram no pensamento de outros estudiosos da religião. É o caso do romeno Mircea Eliade que trouxe uma nova contribuição para a ciência das religiões, através de sua análise das diversas formas de experiência religiosa nos indivíduos. Mais do que trabalhar conceitos de Deus e religiões, ele postula que o sagrado é o oposto ao profano, justamente porque a etimologia da palavra sagrado remete à ideia de separado, consagrado, enquanto profano é aquilo que está fora da sacralidade. O ser humano reconhece o sagrado quando ele se manifesta (revelação) de uma forma bem diversa do profano.

Essa manifestação sacra, Eliade denomina de hierofania, palavra grega que significa literalmente “algo sagrado está se revelando a nós”. Esta revelação pode ser uma planta, uma pedra, uma pessoa, um livro ou um deus. O livro, a pedra, ou a pessoa são venerados justamente porque, através deles, o sagrado se manifesta.

Se o Mundo lhe fala através de suas estrelas, suas plantas e seus animais, seus rios e suas pedras, suas estações e suas noites, o homem lhe responde por meio de seus sonhos e de sua vida imaginativa. (ELIADE, 2002, p.126).

A religião pode ser definida como o elo entre o ser humano e o sagrado. Ela estabelece o vínculo do homem com o transcendente. O termo “sagrado” é básico para entender uma tradição religiosa. É necessário, portanto, defini-lo, diferenciá-lo de outros conceitos e caracterizá-lo. Em sua estrutura fundamental o sagrado é sempre um ato misterioso, é a manifestação de algo totalmente Outro que não pertence à ordem natural. O sagrado se mostra e, ao se revelar no espaço e no tempo, deixa-se descrever. Essas manifestações do sagrado, contudo, são mediadas por outras coisas. A mediação evita que o Mistério seja objetivado, pois tudo permanece em forma de linguagem, representação e símbolo, sem esgotar a alteridade do divino.

A busca pela transcendência pode se manifestar na vivência das tradições religiosas ou por meio da religiosidade. Toda tradição religiosa pretende responder às grandes questões que povoam a inquietude humana. As respostas são dadas pelas tradições de forma oral ou escritas, em seus livros sagrados, ou ainda, nas suas formas celebrativas ou mesmo  através de condutas éticas. Essas respostas partem de uma cosmovisão, ou seja, de uma visão do ser humano, de mundo e de Deus.

Barros (2000), afirma que a religião é uma das dimensões mais importantes da vida humana, na medida em que esta influencia no sentido da vida e da morte, o modo como se encara o mundo e os homens, as alegrias e o sofrimento, o modo como se vive a vida familiar, a maneira como se interpreta e vive a sexualidade, a tolerância e o racismo, a política, a profissão e entre outras situações da vida cotidiana.

William James, um dos mais significativos representantes da Psicologia da Religião, enfatiza que a religiosidade é a maior das forças psicológicas do homem. Esta religiosidade deve ser vista a partir de seu componente emocional e não desde seu lado intelectivo e sócio-institucional. O interesse deve ser concentrando na experiência direta e imediata do religioso, o qual chamou de experiência religiosa. Assim, entende a religião como sendo .sentimentos, atos e experiências do individuo humano, em sua solidão enquanto se situa em uma relação com seja o que for por ele considerado divino. (VALLE, 1998, p. 258).

Carl Gustav Jung (1990, p. 09) fundador da psicologia analítica observou no decorrer de seu trabalho, principalmente na prática com seus pacientes, que a religião possui uma inegável importância na vida do ser humano. Notou a possibilidade de uma relação da psicologia prática com a religião, apontando a existência de uma função religiosa no inconsciente.

[…] a religião é como. diz o vocábulo latino religere. uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolfo Otto acertadamente chamou de numinoso, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causado por um ato arbitrário da vontade. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vitima do que seu criador […] o numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência.

A centralidade da religião na sociologia clássica é evidente. O fenômeno religioso tem uma importância na compreensão da lógica interna da sociedade. Os clássicos da Sociologia dialogaram com a religião na tentativa mais ampla de individuar as características da nova sociedade, industrial, burguesa, capitalista, moderna que estava se delineando no começo do século XIX. Durkheim e Weber referendaram suas ideias nas mudanças sociais vigentes nas sociedades europeias, principalmente na crise e na decadência da autoridade das estruturas religiosas. Esta propositura deu condições, sob ângulos precisamente originais, para que Durkheim e Weber redescobrissem a relação entre a experiência religiosa (as ideias e as práticas) e a sociedade moderna, ressaltando e tornando inteligível o complexo papel da religião no desenvolvimento da consciência humana (MACHADO, 1996, p. 13-14).

Continua…

Autor: Mauro Ferreira

Mauro é Teólogo, Filósofo, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Filosofia Contemporânea e Historia pela UMESP, e também um colaborador do blog.

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