A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte V

Capítulo 2

Uma nova clandestinidade e a Vigilância da Pátria

No ano de 1825 alguns maçons mais intrépidos reuniram-se em um quadro errante, que denominaram Vigilância da Pátria. A prudência dos operários soube iludir o Argos perseguidor, recatando de suas pesquisas os trabalhos maçônicos, que mesmo em retiro tomaram força e vigor191.

O fechamento da loja 6 de março de 1817, após a derrota da Confederação do Equador, aliado aos eventos do biênio de 1822/24, impôs à maçonaria brasileira uma nova realidade em que a articulação dos irmãos seria diferente das antigas fórmulas da fraternidade, mas contaria com estratégias diversas e únicas para sua sobrevivência. Influenciados pelas próprias tradições da ordem pelo mundo, articularam-se a partir de quadros de menor destaque, excluindo dos círculos aqueles irmãos pertencentes ao Oriente de 1822.

Como abordado no primeiro capítulo, o término da Confederação do Equador significou não apenas a desarticulação dos quadros da maçonaria de Pernambuco e demais províncias envolvidas no processo, com a morte ou exílio das principais lideranças da ordem envolvidas no movimento, mas também impactaram na capacidade de articulação dos irmãos, uma vez que as oficinas que ainda resistiam no país, ou bem perderam membros ou simplesmente desapareceram em razão da fiscalização do governo. Assim, a solução encontrada para garantir a manutenção das atividades da fraternidade, resultou na fundação de uma loja de caráter singular (considerando a breve história da maçonaria em terras brasileiras), cuja ação garantiu sua sobrevivência no país. Criada no Rio de Janeiro em junho de 1825, recebeu o significativo nome de “Vigilância da Pátria”.

Se o Rio de Janeiro representava uma opção arriscada, concomitantemente era ali que se encontrava um número significativo de maçons, cuja capacidade de articulação permitiu não só a continuidade dos trabalhos, mas seu espraiamento pelo território nos anos subsequentes.

A situação política do período impunha a necessidade de existir na clandestinidade, de maneira a eludir a ação do governo. Sem dúvida, lojas de funcionamento clandestino, ou de maior segredo, não eram uma novidade para os maçons do mundo luso-brasileiro. Como visto no capítulo anterior, parte das oficinas da primeira década do século XIX funcionaram burlando grande parte da fiscalização do poder régio. Ainda assim, as formas de organização e funcionamento da Vigilância trouxeram novidades em relação ao período anterior, tanto em relação às estratégias escolhidas para garantir a proteção dos membros, como no tangente às articulações que permitiram a construção de uma rede de sociabilidade que ligava a Corte a tantas outras cidades do país.

2.1 – A Vigilância se organiza

Aos 24 dias do 4º mez do anno da V⸫ L⸫ de 5825, nesta festa do dia de São João, reunidos em local seguro e coberto nesta cidade do Rio de Janeiro, iniciou-se os trabalhos desta augusta e respeitável loja, a qual o povo maçônico atribuiu o honrado título de Vigilância da Pátria.192

Em 24 de junho de 1825, em um local não identificado no Rio de Janeiro, reuniu- se um pequeno grupo de vinte e três maçons para tentar reorganizar os trabalhos da fraternidade na cidade, ainda profundamente impactada pela lei de proibição das Sociedades Secretas, pelos acontecimentos de 1824 e pelo controle imposto aos maçons pela Intendência Geral de Polícia. Para o período entre 1823 e 1825, quando da fundação da Vigilância, não foram encontrados registros, nem mesmo na memória maçônica, sendo assim é muito pouco provável que tenha existido alguma organização mais formal dos trabalhos maçônicos na cidade, embora a ausência de documentos não signifique o total adormecimento da ordem.

Os instaladores da loja Vigilância da Pátria são listados pelo secretário em dois grupos, sendo o primeiro formado por aqueles cujos nomes completos constam nas atas e um segundo grupo, listados apenas por parte de suas iniciais, como forma de proteção. Dentre os nomes de maçons existentes nesta primeira sessão, chama atenção o fato de que nenhum deles figurassem em qualquer das listas de membros das lojas existentes no país anteriormente.

O primeiro dos membros instaladores da Vigilância da Pátria identificado nas atas da sessão inaugural é o deputado eleito pela província de São Paulo, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Figura central da loja durante todo seu funcionamento, Vergueiro, nasceu em Portugal em 20 de dezembro de 1778, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1801, mudando-se para o Brasil logo em seguida.

Vergueiro era um político proeminente na província, foi advogado, juiz de sesmarias (1816), vereador em São Paulo (1813), membro do governo provisório da mesma província em 1821, deputado nas Cortes de Lisboa, onde exerceu importante papel junto à “bancada brasileira”. Retornando ao Brasil, foi eleito deputado pela província de São Paulo para a Assembleia Constituinte e depois como deputado geral em 1824, constando entre os nomes da lista tríplice para o Senado, não escolhido para a função. Além disso, Vergueiro era proprietário de várias fazendas nas cidades de Piracicaba, Sorocaba, Araraquara e Itu, algumas delas em sociedade com o sogro. Em 1828, foi eleito novamente para o Senado, ao qual foi empossado pela província de Minas Gerais. Exerceu diversas outras funções, em ministérios diversos, assim como foi um dos membros da Regência Provisória, em 1831193.

O segundo membro da Vigilância é o coronel José Joaquim de Lima e Silva, nascido no Rio de Janeiro em 26 de julho de 1787. Membro de uma tradicional família de militares, formou-se como militar no exército pelo Regimento de Infantaria da mesma cidade. Lima e Silva exerceu carreira dentro da infantaria do exército, sendo enviado como comandante de terra para as lutas da independência da Bahia em 1822, província da qual foi membro da junta de governo provisória e presidente de província em 1823. No mesmo ano foi escolhido como ajudante de armas do imperador e depois comandante de armas em 1831.

Também pertenciam à lista de membros originais identificados da loja Vigilância da Pátria dois de seus irmãos mais novos, os capitães João Manoel de Lima e Silva e Luiz Manuel, nascidos no Rio de Janeiro, respectivamente, em 2 de março de 1805 e 29 de agosto de 1806. Ambos formaram-se na Academia Real Militar do Rio de Janeiro e participaram das lutas na Guerra de Independência da Bahia sob o comando do irmão, ainda como soldados.

Após a independência, João Manoel foi designado para comandar o 28º Batalhão de Caçadores Alemães no Rio Grande do Sul, envolvendo-se em diversas atividades políticas ainda no Primeiro Reinado. Luiz Manuel, por sua vez, foi enviado como comandante para a Guerra da Cisplatina e posteriormente foi comandante da Guarda Nacional no Rio Grande do Sul, onde terminou a sua carreira.

Entre os fundadores da Vigilância também figuram “ilustres desconhecidos” como Epifânio Maria José Pedroso, nascido em Portugal por volta de 1797. Veio para o Brasil com sua família em 1808, durante a transferência da corte, pois seu pai era oficial da Secretaria do Reino, cargo ao qual Epifânio o substituiu por volta de 1816. Epifânio era, nas palavras de Joaquim Manuel de Macedo, um dos maiores agitadores políticos de seu tempo, sempre presente em qualquer associação política do Primeiro Reinado. Epifânio permaneceu como oficial da Secretaria dos negócios do Império até a sua aposentadoria em 1842, quando teria sofrido um derrame que o deixou incapacitado para tal função194.

Outro “anônimo” listado nas atas é João Machado Nunes, do qual apenas sabemos que durante o período de existência da Vigilância da Pátria foi oficial da contadoria da Intendência geral de Polícia na cidade do Rio de Janeiro, não constando qualquer outra informação.

Antonio Pedro da Costa Ferreira, nascido em Alcantara, no Maranhão, em 1778, formou-se em direito pela Universidade de Coimbra em 1803, sendo nomeado em 1805 como fiscal da junta da vila de Alcantara e depois superintendente da mesma, cargo em que permaneceu até 1821. Foi membro do Conselho da presidência da província entre 1826 e 1829, sendo eleito deputado pelo Maranhão na segunda legislatura.

José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, nascido em Minas Gerais em 1792, foi aluno da Academia Real Militar no Rio de Janeiro, tendo seguido carreira no exército até a patente de tenente-coronel. Foi membro da junta de governo da província de Minas Gerais em 1822 e eleito deputado pela mesma província em 1830. Foi professor visitante da Academia Militar no ensino de mineração, atividade a qual exercia em suas terras em parceria com companhias inglesas na exploração de ferro.

Francisco de Paula Souza e Mello, nascido em Itu, São Paulo, em 1791, rábula em direito e proprietário de terras, foi deputado na Assembleia constituinte de Portugal em 1823 pela província de São Paulo. Retornando ao Brasil, foi eleito deputado pela mesma província como deputado na Assembleia Constituinte de 1823 e depois como deputado geral em 1824, cargo que exerceu por mais duas legislaturas até 1833. Como deputado, foi presidente da Câmara entre maio e junho de 1827, além de membro do conselho de província por São Paulo. Em 1833, foi eleito senador pela província de São Paulo.

José Joaquim Vieira Souto, nascido no Rio de Janeiro por volta de 1797, foi militar formado na Academia Real Militar e professor na mesma instituição no curso de mineração, tendo o coronel Pinto Coelho como auxiliar em algumas aulas. Foi chefe da guarda e da cavalaria da freguesia do Santíssimo Sacramento, na cidade do Rio de Janeiro, entre 1827 e 1832, liderando parte das tropas na madrugada da Abdicação de dom Pedro I. Foi editor do jornal Ástrea do Rio de Janeiro e deputado pela província do Rio de Janeiro em 1830.

Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto, nascido em Salvador, Bahia, em 1800, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1820, e depois foi juiz na Bahia por volta de 1824. Foi eleito deputado pela província da Bahia em 1830. Outras informações sobre sua carreira são de difícil acesso, pois muitas delas se confundem com as de seus irmãos, cujos nomes são sempre muito semelhantes. Era filho do brigadeiro Domingos Alves Muniz Barreto, o vovô maçom de 1825 abordado no primeiro capítulo.

José Lino dos Santos Coutinho, nascido em Salvador, Bahia, em 1784, formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra em 1813, passando por um período de estudos na França e na Inglaterra. Foi membro da junta de governo da Bahia em 1821, onde atuou como secretário e depois deputado na Assembleia Constituinte de Portugal em 1822. Em 1824 foi eleito deputado geral pela Bahia, cargo em que permaneceu por mais uma legislatura. Foi professor do Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia na cátedra de patologia e, em 1832, com a elevação do Colégio à Faculdade de Medicina, foi o primeiro diretor da instituição.

Por fim, o último dos membros instaladores identificado nas atas da vigilância é Antonio José do Amaral, nascido no Rio de Janeiro por volta de 1782. Formou-se em matemática pela Universidade de Coimbra em 1807 e militar do corpo de engenheiros, sendo nomeado professor de aritmética, geometria e trigonometria na Academia Real Militar em 1811. Foi lente de geometria da mesma instituição. Foi eleito deputado em 1830 pela província do Rio de Janeiro.

Além dos referidos maçons identificados como instaladores da Vigilância da Pátria, existem outros nove membros presentes na sessão inicial designados apenas pelas suas iniciais: A.J.M.S., J.F.R.S., S.S.N, A.R.M. e F.J.S. (comerciantes), J.O.R, A.J.M.R, F.A.S e A.F.P.R (militares)195. Conforme informado pelo próprio secretário em 27 de maio de 1826, optava-se pelo uso de iniciais sempre que o irmão tivesse menor “proteção política”, uma vez que esses irmãos seriam muito mais vulneráveis às punições da lei das Sociedades Secretas caso fossem identificados pelas autoridades196. Tal postura fazia-se necessária uma vez que havia sempre o risco de um possível confisco do livro de atas da loja por parte da Intendência. Assim, o uso das iniciais dificultaria a identificação dos membros. Tal prática foi utilizada em quase todas as iniciações de maçons na Vigilância, com exceção das iniciações cujos indicados já possuíam tal proteção.

O objetivo principal desse grupo era o de em alguma medida, reinstalar os trabalhos maçônicos na cidade do Rio de Janeiro, sendo o núcleo responsável pela criação da maior loja maçônica do Brasil da década de 1820, ainda que suas atividades fossem proibidas por lei e os percalços para a manutenção dos trabalhos ao longo dos anos tenham sido os mais variados.

Analisando o quadro inicial da Vigilância, nota-se a pluralidade de origens e ocupações, mas mantendo-se a composição tradicional das oficinas, como visto no capítulo anterior. Porém, duas questões merecem destaque. Primeiramente, nenhum destes 23 homens faziam parte de qualquer das listas conhecidas de membros das lojas brasileiras anteriormente. Ainda assim, todos os fundadores da Vigilância já eram maçons iniciados, muitos deles já haviam alcançado o grau de Cavaleiros Rosa Cruz, o último grau do rito francês, o que indica que seu pertencimento à fraternidade não era recente197.

Em segundo lugar, como se pode constatar pelos nomes citados, não havia qualquer membro do antigo Grande Oriente Brasílico. Foram proibidas as filiações de “maçons notórios por sua atividade em lojas anteriores, sobretudo aqueles que tomaram participação nos acontecimentos do Oriente de 1822, pois estes irmãos são conhecidos por aqueles que nos combatem”, ainda que alguns deles, como Mendes Viana e Cipriano Barata sejam algumas vezes referidos nas atas, sem que participem de reuniões198. Tal proibição não possuía relação com os contextos políticos da época, mas pela identificação destes maçons em vários processos públicos, como a Bonifácia, e que por isso, estes seriam “os principais alvos de monitoramento das atividades por parte das autoridades”199.

Diferentemente do Oriente Brasílico, a Vigilância nunca se arrogou como representação única da maçonaria no país, ainda que a loja tenha congregado maçons dispersos por parte significativa do território. Não haveria como, nas palavras de Lino Coutinho, “possuir qualquer pretensão de unanimidade dos irmãos ou dos trabalhos de possíveis lojas”, ainda que mais protegidos dentro dos círculos da Vigilância200. Nota-se uma espécie de oposição às lideranças do antigo Grande Oriente e sua tentativa de uma centralização absoluta da condução dos trabalhos da maçonaria brasileira201.

A primeira sessão da Vigilância, seguindo a tradição, começou com a escolha dos principais cargos da loja, sendo aclamados pelos presentes como venerável mestre Nicolau Vergueiro, como 1º vigilante José Joaquim de Lima e Silva, Epifanio José Maria Pedroso e Antonio Pedro da Costa Ferreira para os cargos de 2º vigilantes, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha como andador e João Machado Nunes para o cargo de secretário.

Após o consenso dos presentes, ficou decidido que a loja trabalharia segundo o rito moderno, dada a familiaridade dos irmãos com tal rito, mas também em razão da recusa dos presentes em usar nomes simbólicos. Considerando como uma tradição ultrapassada, embora fosse comum entre as lojas que adotavam o rito francês ou o adonhiramita. O recém-eleito venerável pronunciou seu primeiro discurso, conclamando os irmãos a

[…] zelarem pelos trabalhos maçônicos com o mesmo ardor com que zelam por suas famílias, assim como devem sempre serem vigilantes da pátria, para que um dia possamos, como devem os homens de valor, construir a nação que almejamos202.

Nas primeiras sessões, a Vigilância pareceu se organizar como qualquer outra loja maçônica que teria funcionado no Brasil – contando com os mesmos cargos e seguindo o ritual comum às oficinas da época –, senão fosse pela adoção de algumas práticas que a tornariam única no país. Em várias das suas primeiras reuniões, seus membros debateram sobre quais seriam os mecanismos que seriam adotados para a proteção dos trabalhos e de seus membros. A primeira opção foi por não ser uma loja de local fixo, mas antes uma loja volante, itinerante, que se reuniria em variados locais e que não precisava obedecer às determinações sobre as características do salão ritual, mas apenas a necessidade de seus membros se reunirem para assim compor uma sessão da loja.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

191 MANIFESTO que a todos os Sapientíssimos Grandes Orientes, Augustas Lojas e Responsáveis Maçons dirige o Grande Oriente Brasileiro situado ao Valle do Passeio, p. 5.

192 Por uma facilidade ao leitor, dada a datação própria do calendário maçônico, as datas das sessões da Vigilância serão aqui apresentadas sempre em sua data comum ou profana, seguida pela identificação nas notas da respectiva data maçônica. LAVG, Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825 (24/4/5825).

193 Todas as informações das pessoas citadas nesta dissertação foram retiradas de BLAKE, Augusto Victorio Alves Sacramento. Diccionário bibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883-1902, 7 volumes; MACEDO, Manoel Joaquim. Anno biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1876, 4 volumes. As demais informações, como locais de nascimento e falecimento dos citados encontram-se no anexo deste documento.

194 As informações sobre Epifânio encontram-se citadas apenas no verbete de seu nome no 4º volume do Dicionário Biográfico de Joaquim Manoel de Macedo. Tais informações resistiram pela aparente ligação pessoal do autor com Epifânio, uma vez que Macedo era maçom, se encontrando filiado à loja Integridade Maçônica II, na cidade do Rio de Janeiro, em 1844.

195 LAVG, Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825 (24/4/5828)

196 “Dado o não uso de nomes simbólicos, alguns membros da loja serão identificados apenas por suas iniciais pelo secretário da loja, para a proteção dos mesmos”. LAVG, Sessão de 27 de maio de 1826 (27/3/5826).

197 A Vigilância só iniciou seu primeiro membro em 24 de junho de 1826, quando foi iniciado Francisco da Silva França (negociante). LAVG, Sessão de 24 de junho de 1826 (24/4/5826).

198 A regra de não filiação dos maçons de 1822 foi colocada na sessão de 01 de julho de 1825, ainda que alguns destes maçons, como Cipriano Barata, Domingos Alves Muniz Barreto e João Mendes Viana permanecessem próximos aos membros da Vigilância. LAVG, Sessão de 01 de julho de 1825 (01/5/1825). 199 LAVG, Sessão de 01 de julho de 1825 (01/5/1825).

200 LAVG, Sessão de 14 de outubro de 1827 (14/8/5827).

201 Fala de José Joaquim de Lima e Silva, na sessão de 09/11/1825. LAVG, Sessão de 09 de novembro de 1825 (09/9/5825).

202 LAVG, Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825 (24/4/5828).

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A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte IV

1.3 – A “clandestinidade” da maçonaria brasileira

Após a proibição das sociedades secretas, a resistência maçônica no Brasil da década de 1820 passou por ao menos dois momentos distintos, com mudanças nas formas de resistência e nos locais de centralidade dos irmãos, influenciadas pelas diferentes realidades políticas e pela capacidade de articulação dos membros frente às perseguições que sofriam.

O fechamento das lojas da cidade do Rio de Janeiro após a devassa instaurada contra as principais lideranças da corte, levaram a centralidade da organização maçônica de volta ao seu centro dispersor original, as províncias do Norte, que haviam perdido seu protagonismo após os desdobramentos da Revolução Pernambucana.

Ainda que o projeto do Grande Oriente Brasílico representasse uma tentativa de unificação, de articulação e de controle que garantisse a sua centralidade, tal projeto de funcionamento e de poder pouco atendiam à realidade da vida maçônica no Brasil, que se constituía de forma muito mais dinâmica e abrangente do que pretendia o projeto fluminense de centralização.

A pluralidade da maçonaria brasileira e as diferentes realidades e projetos políticos não se restringiam à forma de organização pretendida pelo Oriente fluminense. As lojas possuíam origens e tradições diversas daquelas do grupo fundador do Oriente Brasílico, e grande parte das lideranças das lojas fora do círculo da cidade do Rio de Janeiro tendiam a posições diversas daquelas lideranças do oriente fluminense.

No contexto entre o final de 1822 e 1824, as lojas de Pernambuco, em especial a loja 6 de Março de 1817, se tornaram o centro da articulação maçônica brasileira, impactada pelas prisões de parte significativa de suas lideranças e pelo fechamento da Assembleia Constituinte em novembro de 1823.

A maçonaria para além do Rio de Janeiro

Como vimos anteriormente, o Grande Oriente Brasílico, em suas primeiras sessões, enviou uma série de representantes às províncias de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará e Cisplatina com o objetivo de obter a adesão das lojas existentes nestas províncias ao novo oriente fluminense.

Entretanto, tal projeto enfrentou uma série de obstáculos, não apenas pelo encerramento das atividades da potência ao final de outubro de 1822, mas sobretudo pela não adesão das lojas das demais províncias ao projeto político representado pelo Rio de Janeiro e suas lideranças. Entre as províncias mencionadas, a única a solicitar filiação ao oriente fluminense foi a loja Mineiros Reunidos, de Ouro Preto170.

O emissário que visitou essa loja foi o Cônego Januário da Cunha, Grande Orador da obediência fluminense. O envio de Januário a Minas tinha não apenas o propósito de regular a loja mineira e mesmo de organizar as atividades maçônicas na província, mas principalmente conquistar o apoio dos principais grupos políticos da província. Algumas preocupações ficaram registradas no interrogatório de filiação do brigadeiro José Maria Pinto Peixoto, em que este expressou as desconfianças das lideranças da província sobre “as intenções do príncipe e qual o sistema de governo que adotaria”171. Assim, Januário tinha não apenas a missão de vincular as lojas ao oriente fluminense, mas principalmente atrair as lideranças mineiras ao projeto fluminense.

Diferente de Minas Gerais, de que se tem notícias sobre a chegada do representante e a regulamentação de sua filiação, as demais localidades ao não se manifestarem sobre os emissários, representam não apenas uma negativa ao projeto fluminense, mas principalmente as dificuldades encontradas pelos emissários fluminenses frente às diversas realidades locais.

Da Bahia esperava-se uma importante resposta positiva, não apenas pela longevidade das atividades maçônicas na província, mas buscava-se o apoio do local primordial de atuação da fraternidade, além da reconfiguração das alianças do proto-oriente de 1817. A reconfiguração da antiga aliança poderia ser vista como um facilitador nas negociações com Pernambuco e Ceará para obter a adesão destes à nova potência.

Um ponto favorável para a relação com os irmãos baianos era a presença do brigadeiro Moniz Barreto entre os quadros do oriente fluminense, uma vez que o brigadeiro, natural da Bahia, possuía laços com os maçons da província, sobretudo em Salvador. Além da presença de Moniz Barreto, foram enviados como representantes do Grande Oriente os brigadeiros Rodrigo DeLamare e Pierre Labatut, ambos pertencentes à loja Comércio e Artes, sendo o primeiro considerado o emissário oficial172.

O envio de DeLamare como emissário demonstra os usos políticos da ordem na demonstração de proximidade e respeito aos irmãos da Bahia. Filiado e enviado pelo Grande Oriente na sessão de 2 de julho como delegado para a Bahia, viajava naquela mesma data como comandante-em-chefe de armas para a Bahia, para liderar as forças locais na resistência às tropas de apoio a Portugal na guerra de independência.

Não há informação se o brigadeiro foi recebido por alguma loja ou mesmo uma autoridade maçônica na Bahia, que se encontrava em meio ao conflito que perdurou até julho de 1823. Mesmo que as lojas da província tenham permanecido em atividade durante a guerra de independência, estas não enviaram qualquer comunicação ao Oriente fluminense antes do encerramento das atividades deste.

Assim, o projeto de vinculação dos maçons da Bahia como forma de fortalecer o oriente fluminense, angariando apoio dos demais centros maçônicos, não pôde ser efetivado. Não apenas pelos acontecimentos vinculados à guerra na Bahia, mas ao não enviar qualquer missiva ao oriente do Rio de Janeiro, os maçons da Bahia demonstram que não apenas os momentos políticos e as necessidades locais estão em desalinho ao que pretendia o oriente fluminense, mas explicitam que os quadros baianos não possuíam interesse de vinculação a uma potência maçônica fundada apenas por quadros vinculados ao Rio de Janeiro, ainda que se afirmasse como nacional.

Da mesma forma que a Bahia recebeu como emissário um membro também enviado pelo governo central para a organização do novo governo pós-independência, Ceará, Cisplatina e Pernambuco receberam emissários nestes mesmos moldes. E por sua vez, não enviaram qualquer missiva de retorno ao oriente fluminense. Assim como no caso baiano, o silêncio destas lojas pode significar não apenas a falta de tempo hábil para uma resposta antes do fechamento do oriente fluminense, mas sobretudo implicam na não adesão a este projeto, não reconhecendo essa obediência.

A não aceitação do oriente fluminense como potência geral não apenas pode demonstrar uma não adesão ao seu projeto político, explicitado até mesmo pelas escolhas de seus quadros de liderança, como seu Grão Mestre e o 1º Vigilante, mas remetem a diversidade de tradições maçônicas nas diferentes localidades do Brasil, considerando inclusive a ideia de não ser necessária uma obediência geral para todo o território, em conformidade com o modelo adotado nos Estados Unidos, pressupondo a existência de diversos centros que se reconhecessem e se auxiliassem.

Ainda que parte da maçonaria brasileira aderisse a um projeto de Oriente geral para todo o país, este ainda assim presumiria uma certa autonomia de cada centro provincial, semelhante a um modelo federativo para a organização maçônica nacional, o que não atendia as pretensões do oriente fluminense de centralização de todas as atividades. Assim, os diversos modelos de organização maçônica encontravam-se em choque na pretensão da criação de uma obediência nacional.

O projeto de um oriente nacional encontrou obstáculos de diversas naturezas, sejam elas maçônicas ou da própria conjuntura política do processo de emancipação nacional. O encerramento das atividades do oriente fluminense impossibilitou a centralização maçônica por parte do Rio de Janeiro naquele momento.

Pernambuco e a 6 de março

Pernambuco era sem dúvidas uma das províncias, em conjunto à Bahia e ao próprio Rio de Janeiro, com a mais longeva atividade maçônica no Brasil. Ainda que suas principais lideranças tenham sido mortas ou exiladas após os acontecimentos da Revolução Pernambucana de 1817, após a anistia dos antigos revoltosos pernambucanos em 1821 pelas Cortes de Lisboa, houve uma rápida retomada das atividades maçônicas na província, sobretudo a partir da fundação da loja 6 de março de 1817.

A referida loja teve sua existência garantida pela sua vinculação a alguma potência dos Estados Unidos. Filiar-se à uma potência maçônica internacional não era uma experiência exclusiva dessa loja pernambucana, mas antes uma opção política, uma vez que as obediências estadunidenses, principalmente a Grande Loja de Nova Iorque, foram durante todo o século XIX um dos mais importantes centros difusores da maçonaria nas Américas, sendo também uma das mais antigas potencias maçônicas do continente. Com lojas filiadas em várias partes da América, a Grande Loja de Nova Iorque garantiu a construção de redes de articulação e circularidade de seus membros por todo o continente, para além das fronteiras nacionais173.

A maçonaria pernambucana era, diferentemente da tradição das demais formações luso-brasileiras da irmandade, profundamente ligada aos quadros maçônicos anglo-saxões. Porém, se a formação anterior a 1817 era vinculada aos quadros ingleses, desde a Revolução Pernambucana se vinculou aos quadros estadunidenses, com seus laços estreitados pela permanência do Cabugá e de outros revolucionários nos Estados Unidos, mesmo após a anistia aos revolucionários em 1821174.

O quadro de membros da 6 de Março era composto em sua maior parte por irmãos remanescentes de 1817, anistiados após 1821. Seu próprio fundador, Guimarães Peixoto, pertencia a esta lista de irmãos. Este optou por não utilizar o nome anterior da loja, Guatimozim, renomeando-a em homenagem ao levante pernambucano. Parte de seus membros tomaram parte nas juntas provisórias de Pernambuco, colocando-se em oposição ao governador Luis do Rego, enviado pela coroa portuguesa para sufocar os revolucionários pernambucanos, sendo expulso da província em 1821175.

Os quadros pernambucanos, ampliados após a independência, eram compostos sobretudo por brasileiros, seguindo a tradição das lojas pernambucanas de não permitir a filiação de portugueses. Além de brasileiros, as lojas, principalmente a 6 de março tinham entre os irmãos alguns americanos ligados ao grupo do cônsul Joseph Ray176. Dentre os membros brasileiros, recebeu destaque Frei Caneca177, maçom de 1817 e que em seu retorno à província teria composto os quadros da loja.do primeiro quarto do XIX, mas também por sua não identificação pública com a fraternidade, como em “Sobre as Sociedades Secretas em Pernambuco” de 1825178. A 6 de março estava vinculada às elites pernambucanas, cuja adesão era importante ao oriente fluminense, uma vez que para o grupo do Rio de Janeiro o apoio da principal loja pernambucana não apenas consolidaria seu projeto de potência nacional, mas representaria maior possibilidade de vinculação de outros locais ao pretenso oriente, soaria como uma espécie de aval para outras filiações.

Mas a filiação a uma potência dos Estados Unidos garantia uma proteção e respaldo muito maior a suas atividades do que a adesão ao oriente fluminense. Além disso, não pertencia as tradições das lideranças da loja, naquele momento, a preocupação com a construção de uma obediência nacional, mas sim a garantia das autonomias das maçonarias locais, em uma organização muito mais próxima ao modelo de Grandes Lojas estaduais dos Estados Unidos.

A escolha do emissário do Grande Oriente Brasílico para Pernambuco também resultou em outro obstáculo. O emissário era Felipe Nery Ferreira, então enviado pelo governo pernambucano como representante nas negociações entre o governo do Rio de Janeiro e a junta de governo liderada por Gervásio Pires. Ao enviar Nery como emissário, José Bonifácio teria o instruído não apenas como representante maçom, mas principalmente como encarregado de atrair os membros do governo pernambucano ao modelo de governo imperial defendido por ele179.

Nery encontraria dificuldades em suas atribuições como representante maçom, uma vez que as atividades do oriente fluminense foram encerradas antes de qualquer possibilidade de construção de simpatia por parte dos maçons pernambucanos, que viam com desconfianças o aceno de Bonifácio aos grupos políticos da província, sobretudo aos membros da junta de Gervásio.

As desconfianças mútuas entre Bonifácio e os pernambucanos se acirrou após a suspensão dos trabalhos do Grande Oriente Brasílico e da instauração da devassa contra as lideranças da maçonaria fluminense, principalmente pelo acolhimento em Pernambuco de João Soares Lisboa. Lisboa era um dos principais membros arrolados na devassa contra os maçons fluminenses e o único julgado culpado, à revelia, durante o processo180.

Mesmo com a adesão de Pernambuco à independência e o envio de seus representantes para a Assembleia Constituinte, as relações entre o centro e província não eram pacíficas. A deputação pernambucana entrou em choque por diversas vezes com as pretensões do grupo de Bonifácio nas discussões na assembleia, além de serem opositores ao projeto de lei sobre a proibição das sociedades secretas181.

A despeito da aprovação da lei das sociedades secretas, a loja pernambucana manteve-se ativa apesar das pressões da corte, congregando os irmãos do Norte. Esta articulação, todavia, não era de todo confortável aos irmãos da porção centro sul do país, tendo em vista os conflitos entre os quadros durante 1817, quando alguns irmãos ligados ao Rio de Janeiro foram excluídos dos planos do levante. Esta exclusão manteve a maçonaria pernambucana em permanente tensão com irmãos de outras províncias, principalmente do centro sul182.

Pernambuco, depois de uma fase de indecisão, acabou por aderir ao processo de independência brasileira183, assim como à convocação de eleições para a assembleia constituinte. Entretanto, após o fechamento da Assembleia, as críticas em Pernambuco aos desdobramentos políticos do final de 1823, além da outorga da Constituição em março de 1824 se fizeram mais violentas, perceptíveis nos textos escritos por Caneca184.

Os acontecimentos de fins de 1823 e princípios de 1824 acirraram os ânimos dos maçons da província, levando a loja, segundo a bibliografia maçônica, a opor-se ao governo: “a Seis de Março, uma das poucas lojas que funcionavam no Brasil, verificou que era preciso reencetar a propaganda das congêneres que a antecederam em 1817. Bateu-se pela forma republicana e abraçou a ideia de uma confederação do Equador”185. Nas formulações sobre os rumos do levante e da própria Confederação do Equador, diferentemente da revolução anterior, as lojas maçônicas, contudo, não teriam tido a mesma centralidade, embora grande parte dos seus membros tenha não apenas apoiado o movimento, mas composto os quadros centrais do governo instalado, sendo que os principais líderes eram membros da maçonaria pernambucana.

Não há uma referência completa sobre o número de maçons existentes em Pernambuco e nem mesmo no Ceará durante o período da Confederação do Equador. Ao não aderir ao antigo oriente fluminense as memórias sobre o funcionamento e extensão do papel das lojas não passou ao “cânone” da instituição, uma vez que esta foi elaborada e escrita pelos maçons fluminenses, preocupados desde a década de 1830 em construir uma memória institucional que reforçasse a importância e mesmo uma centralidade da maçonaria pelo Rio de Janeiro. Fabricando uma memória que homogeneizasse os discursos e ações em torno dos ideais fluminenses sobre a própria ordem maçônica.

Da mesma forma, pouco se conhece sobre os vínculos mantidos entre os maçons pernambucanos e os membros da fraternidade na Bahia, ainda que algumas indicações sobre estas apareçam como passagem de referência popular sobre os desdobramentos da Revolta dos Periquitos em Salvador, cuja adesão ao projeto da Confederação do Equador teria sido facilitada pelas relações maçônicas entre as duas províncias, ainda que a revolta tenha sido logo sufocada186.

O governo da Confederação do Equador contava, entre seus membros, com os irmãos Manoel de Carvalho Paes de Andrade, José da Natividade Saldanha, João Soares Lisboa e o próprio Frei Caneca. A composição da cúpula do governo por membros da maçonaria implicava menos um projeto de nação para Pernambuco moldado entre as colunas das lojas do que o papel da irmandade como local de circulação das elites pernambucanas e da construção de sociabilidades187.

Não apenas do lado dos Confederados estavam os maçons, dentre os quadros enviados por d. Pedro para a província, já em 1821, e depois para debelar o movimento havia senão iniciados, ao menos simpatizantes ou com laços próximos a estes. Exemplo disto é a nomeação para o governo da província de José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, homem próximo aos maçons pernambucanos por sua participação indireta na revolução de 1817. Além disso, o Imperador enviou tropas chefiadas pelo Almirante Cochrane, também maçom, iniciado na Inglaterra e membro da loja Bouclier D´Honnuer do Rio de Janeiro. As tropas também foram lideradas pelo Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, que embora não fosse membro da irmandade, era próximo a estes, sendo um de seus irmãos membro da extinta loja Comércio e Artes.

O desmonte do processo revolucionário de 1824 passou pela prisão e condenação por pena capital de boa parte de suas lideranças. Alguns de seus líderes acabaram fugindo para o exílio antes do confronto final, dentre eles o próprio Paes de Andrade e seu grupo. Aqueles cercados em Olinda, dentre eles Frei Caneca, foram executados após julgamento pela Comissão Militar para tal instituída.

Ao lado de Caneca, foi executado um cidadão estadunidense de nome James Heide Rodgers, de quem os dados e as motivações sobre sua presença em Pernambuco são quase inexistentes. Entretanto, sua execução representou um contratempo diplomático, uma vez que o Chargé d´Affaires brasileiro nos Estados Unidos, José Silvestre Rebello, foi chamado a dar explicações a um congressista americano sobre o ocorrido. Rebello, entretanto, teria alertado o governo estadunidense sobre a prisão de Rodgers, não sendo atendido sobre o fato188.

Ao final da Confederação do Equador, a maçonaria brasileira perdeu seu maior núcleo centralizador, o que resultou em novas articulações e formulações às ações da irmandade para não apenas garantir a existência dos maçons, mas também dar continuidade a articulações políticas de resistência ao governo imperial.

Para além do desmonte da maçonaria pernambucana, a supressão da Confederação do Equador significou um duro golpe a resistência da manutenção das atividades maçônicas no Brasil, uma vez que a desagregação da loja 6 de março significou não apenas o fim de um centro catalizador das ações da fraternidade, mas também a perda da proteção oferecida pelo pertencimento da loja aos Estados Unidos, inaugurando assim a real efetividade da aplicação da lei das Sociedades Secretas.

Após as vinculações entre o processo revolucionário no Norte e a maçonaria, a repressão a qualquer atividade da ordem se tornou mais efetiva, uma vez que a Confederação do Equador demonstrava, segundo o governo central, a necessidade da lei para coibir as ações de grupos contrários ao governo pedrino com base na atuação de sociedades secretas, cujo único fim seria o uso político para ameaça da unidade nacional.

Entre o fim da Confederação do Equador e o início de novas atividades maçônicas algum tempo depois, poucas vozes se pronunciaram sobre a defesa da fraternidade no Brasil. Assim como não há registros sobre atividades de lojas, ainda que estas possam ter funcionado à revelia da memória institucional ou de forma muito desordenada, dadas as dificuldades de vinculação dos irmãos e da própria organização de reuniões com o crescimento da fiscalização sobre estas atividades.

Durante o ano de 1825, porém, houve uma retomada da defesa da existência e da importância da maçonaria para a vida pública brasileira a partir da publicação de Moniz Barreto, antigo membro do antigo oriente fluminense, no Despertador Constitucional extraordinário número 3, em um artigo intitulado “Reflexões sobre a Maçonaria em geral, em particular do Oriente Brasílico”. Moniz Barreto tece uma longa defesa sobre a atuação da maçonaria no Brasil, buscando convencer o leitor de que a ordem não era um local de construção de conspirações contra o governo, relembrando a importância da maçonaria nas lutas pela independência e da defesa ao imperador189.

Moniz Barreto, ainda em 1823190 havia publicado um manifesto em sua defesa contra o processo arrolado da devassa de 1822. Sua estratégia, tanto na publicação de 1823 quanto na de 1825 era o reforço do argumento de que a maçonaria não era contrária ao governo ou ao próprio país, tendo ela exercido um papel fundamental como fiadora do processo de independência e na defesa do próprio imperador em 1822, desde a articulação do Dia do Fico até a consolidação da coroação e aclamação de dom Pedro.

O manifesto de Moniz Barreto suscitou uma forte resposta por parte dos grupos governistas, saindo da pena do Padre Luiz Gonçalves dos Santos, o padre Perereca, o qual se referiu a Moniz Barreto em seu O Vovô Maçom, ou o golpe de vista do Despertador Constitucional Extraordinário; referindo-se à idade de Moniz Barreto, então com 77 anos. Essa publicação tinha como objetivo não apenas desacreditar Moniz Barreto, mas principalmente manter o ataque dos grupos pedrinos a uma possível rearticulação das atividades maçônicas, principalmente no Rio de Janeiro. Dado que a fraternidade para estes grupos era propícia para a reunião e articulação de grupos contrários aos interesses do governo, sobretudo dos grupos oposicionistas que poderiam ganhar maior poder de voz a partir da inauguração do poder legislativo nacional em 1826.

Os ataques a Moniz Barreto e as respostas deste às publicações e a própria maçonaria ocupariam parte dos debates políticos na metade de 1825. Para os grupos governistas, era fundamental uma propaganda sobre a maçonaria como inimiga do Brasil, local de fomento de rebeliões e conspirações contra diversas instituições e contra o próprio imperador, imagem essa construída para a opinião pública à revelia das defesas de Moniz Barreto sobre as ações da maçonaria do Brasil durante a independência e sobre a necessidade da existência de instituições que congregassem grupos diversos para a construção dos debates nacionais.

Ao mesmo tempo em que os ataques a maçonaria cresciam no Rio de Janeiro, e mesmo em outros locais a partir da circulação de panfletos e jornais, a ordem buscava uma nova forma de articulação que passasse despercebida ou pouco detectável aos radares do governo central, fossem nas províncias ou na cidade do Rio de Janeiro, palco fundamental dos acontecimentos e debates políticos após a independência.

A forma encontrada para tal construção seria a de articulação de diversos núcleos, aliados à diversas tradições da fraternidade pelo mundo, formando a partir de 1825 uma nova forma de funcionamento da maçonaria no Brasil, cujo ineditismo estava relacionado à realidade política e institucional do período. O nome escolhido para tal novo núcleo é profundamente sugestivo quanto ao projeto político de seus membros: A Vigilância da Pátria.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

170 MENEZES, op. cit., p 28.

171 MENEZES, op. cit., p 41.

172 MENEZES, op. cit., p. 44.

173 DANTAS, Monica Duarte, “Uma irmandade entre hemisférios: Brasil e Estados Unidos e a expansão da maçonaria nas primeiras décadas do século XIX (de ideias, sujeitos e obediências)”, Projeto para Bolsa Produtividade do CNPq, 2018, inédito, gentilmente cedido pela autora.

174 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., pp. 69-71.

175 A composição completa dos membros da loja se localiza em MELO, Mário, op. cit., pp. 19-20.

176 Sobre a atuação de Joseph Ray no Brasil, cf. RABELO, op. cit., pp. 102-186.

177 Discute-se muito dentro da própria memória maçônica se de fato Caneca seria um maçom iniciado ou não. Ainda que para muitos Caneca demonstre um profundo conhecimento sobre a fraternidade, como demonstrados na série de cartas “De Pítia para Damião”, sobretudo na Carta V, outros duvidam de sua filiação não apenas pelo desconhecimento de seu local de iniciação, o que não é uma exclusividade de Caneca, mas quase uma constante dos maçons brasileiros.

178 Ver MELLO, Antonio Joaquim de. Obras políticas e Litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Recife: Typografia Mercantil, 1875.

179 MELO, op. cit., p. 126.

180 Sobre as ações de Silva Lisboa na maçonaria e posteriormente em Pernambuco ver FERREIRA, P. B. C. Negócios, impressos e política: a trajetória pública de João Soares Lisboa (1800-1824). Campinas, Tese de Doutorado, Unicamp, 2017.

181 Na sessão de 02 de setembro, durante a votação final da lei das Sociedades Secretas, Andrada Machado manda buscar os deputados fora do plenário para constituir quórum de votação dizendo que estes “devem estar todos reunidos em Pernambuco”. Sessão de 02 de setembro de 1823. Diários da Assembleia Geral Constituinte.

182 A opção pernambucana de isolar a maçonaria fluminense dos planos do levante de 1817 provocou um longo processo de desconfiança dos irmãos após o episódio. MELO, Evaldo, op. cit., p. 42.

183 Sobre a fase de indecisão pernambucana e sua adesão à independência ver BERNARDES, Denis, O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822, São Paulo, Hucitec/ FAPESP; Recife, UFPE, 2006.

184 Os escritos de Frei Caneca sobre o governo se concentram sobretudo em seu Typhis Pernambucano. Para uma biografia e análise das ações de Frei Caneca cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, 2001.

185 MELO, Mário, A maçonaria no Brasil. In: Livro maçônico do centenário. Rio de Janeiro: Grande Oriente do Brasil, 1922, pág.21.

186 Sobre a Revolta dos Periquitos e suas relações com a maçonaria ver TAVARES, Luis Henrique Dias. Da Sedição de 1798 à Revolta de 1824 na Bahia. São Paulo: Unesp, 2003, pp. 187-196.

187 MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência. O federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.

188 CRUZ, Abner Neemias da, As práticas políticas de Silvestre Rebello: um diplomata brasileiro nos Estados Unidos Da América (1824-1829). Franca, Dissertação de Mestrado, UNESP, 2015, pp 114-115.

189 BARATA, op. cit., p. 301.

190 BARATA, op. cit., p. 303.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte III

1.2 – A Loja “Comércio e Artes”

Entre os anos 1818 e 1821, existem poucas informações sobre a sobrevivência de reuniões maçônicas no Brasil, sobretudo aquelas acontecidas no Rio de Janeiro. Segundo Célia Azevedo108, a ausência de relatos sobre a permanência de articulações maçônicas diversas decorre da tentativa de construção de uma memória maçônica pelos irmãos do Rio de Janeiro, interessados em enaltecer a origem do Grande Oriente do Brasil como potência legítima e única regular da maçonaria do Brasil.

A supressão do Alvará de 1818 favoreceu a rearticulação das atividades maçônicas nos dois lados do Atlântico109. A criação de novas oficinas ou a reorganização de antigas lojas recolocou, em novos termos, as disputas que dividiam os irmãos brasileiros110. Esse processo de rearticulação da fraternidade foi especialmente significativo no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, mas também em Minas Gerais e no Ceará.

Um novo Oriente

A primeira oficina reaberta teria sido a antiga loja Comércio e Artes. Esta teria sido fundada em 12 de outubro de 1815, na casa do doutor João José Vahia, um sobrado na rua Pedreira da Glória111, tendo como venerável mestre o cônego Januário da Cunha Barbosa, e teria funcionado até a proibição imposta pelo alvará de 1818. Sendo refundada, em 24 de junho de 1821, passou a funcionar na casa do capitão de mar-e-guerra José Domingos de Ataíde Moncorvo, na esquina da Rua do Fogo com Rua das Violas112, tendo novamente como venerável o cônego Januário. À medida em que os quadros da Comércio se ampliaram, a loja foi transferida para um sobrado na Rua do Conde113.

Após a Comércio, houve a fundação de uma nova loja em Pernambuco, reagrupando os antigos quadros da loja Guatimozim do Recife, além dos remanescentes das demais oficinas pernambucanas. Esta nova loja recebeu o nome de 06 de março de 1817114, em homenagem ao movimento ocorrido anteriormente, sendo fundada por Guimarães Peixoto, que havia sido recém anistiado, e que possuía carta de filiação oriunda de alguma das potências dos Estados Unidos115.

A criação ou reorganização das lojas durante os anos de 1821 e 1822 trouxe novo fôlego para as atividades maçônicas no Brasil, ainda que norteada por projetos distintos tanto com relação a própria organização da ordem, como quanto às expectativas e pretensões de seus membros. A expansão das lojas não se deu de forma imediata uma vez que ainda sofria os efeitos da perseguição imposta pelo alvará, seus membros ainda se mostravam desconfiados com relação a aplicação de alguma pena. Apesar das notícias sobre a abertura de lojas, não há maiores informações sobre o número de oficinas efetivamente fundadas a partir de 1821116.

Na corte, o aumento do número de membros da Comércio e Artes acabou por possibilitar não só a ampliação de oficinas, mas também a criação de uma nova potência maçônica brasileira, o Grande Oriente Brasílico. A maçonaria do Rio de Janeiro via na fundação de uma nova potência a possibilidade de centralizar os quadros maçônicos no Brasil sob o comando da loja Comércio e Artes e de seu grupo majoritário liderado por Gonçalves Ledo, José Clemente e Januário Barboza117. Em 20 de junho de 1822, o venerável da loja Comércio e Artes, João Mendes Viana, instalou o Grande Oriente do Brasil, dividindo aquela loja em três outras, sendo estas a Comércio e Artes da Idade do Ouro, Esperança de Niterói, e União e Tranquilidade118. Nesta mesma sessão, foi aclamado como Grão Mestre José Bonifácio de Andrada e Silva119, o qual não estava presente na reunião, mas aceitou o cargo após ser comunicado. Chama a atenção que a escolha do Grão Mestre não tenha se dado entre os presentes ou mesmo recaído sobre o venerável da loja original. Para Colussi, tal escolha significava uma aproximação com o próprio príncipe regente e seu grupo mais próximo120.

Embora se arrogasse como uma potência maçônica para todo o país, o Grande Oriente Brasílico era formado originalmente apenas pelos quadros da loja Comércio e Artes121. Seus membros foram distribuídos por sorteio na sessão de 24 de junho, num sítio do Porto do Méier122, atendendo ao número mínimo exigido pelas regras da maçonaria à época, para a criação de uma potência seria necessárias ao menos três lojas. Para Colussi, a criação desse Oriente estava relacionada às pretensões de seus membros de conduzir o processo político que emergira com a Revolução do Porto e a convocação das Cortes de Lisboa123.

Assim, o grupo fundador do Grande Oriente Brasílico era formado, sobretudo, por irmãos da cidade do Rio de Janeiro, figuras ligadas à administração pública, militares e comerciantes. Eram indivíduos cuja vida pública se imbricava com o cotidiano da corte e da própria administração do então Reino Unido do Brasil. A construção da memória de que os maçons foram protagonistas do processo político do período foi elaborado por Manoel Menezes e teve grande adesão entre os maçons do século XIX e mesmo pela historiografia. Para Barata, “a maçonaria era assim um espaço privilegiado de discussão e de articulação política, mas também em espaço do confronto entre os diferentes projetos políticos que mobilizavam aqueles homens”124.

Embora se apresentasse como uma potência nacional, a real influência desse Grande Oriente não escapava muito à própria cidade do Rio de Janeiro, o que refletia não apenas nos projetos advogados por seus membros, mas também na conduta quanto à direção das lojas a ele filiadas. Buscou-se uma ampliação dos quadros por meio da atração de novos membros que declarassem semelhantes interesses políticos aos dos membros fundadores desse Grande Oriente125. Mas, ainda que tal projeto de potência possa ter sido centralizado sob os desejos desta elite da corte, não é possível afirmar que de fato assim fosse a formulação final de tal oriente, dado o curto prazo de vida desta potência126.

Para Barata e Colussi, a escolha de José Bonifácio por aclamação para o cargo de Grão-Mestre pode ser entendida como uma estratégia dos grupos da Comércio em atrair para seu núcleo não apenas o grupo de Bonifácio, mas sobretudo o próprio príncipe regente127. Entretanto, Bonifácio pouco frequentou as reuniões do Grande Oriente, alegando demandas de seu cargo político, o que significou na prática que a condução dos trabalhos da obediência esteve sempre sob o comando de Ledo, na figura de 1º vigilante128.

A existência de grupos com projetos distintos era bastante comum na fraternidade como um todo, em diferentes partes do globo, mas, no caso brasileiro o que desperta a curiosidade é que entre junho e outubro de 1822, havia o convívio entre supostamente grupos antagônicos no Grande Oriente129. Se de fato ocorreu um convívio tranquilo, tal relação, em meados de 1822, rapidamente se esfacelou no pós-independência.

Uma vez fundada a nova potência, seus membros decidiram enviar delegados a diversas partes onde já havia quadros ou lojas. Conforme as atas, os primeiros delegados foram enviados para a Bahia, seguida por Cisplatina, Pernambuco, Minas Gerais e Ceará130. Ao enviar representantes às lojas de outras províncias, o Oriente fluminense buscava adesão ao seu projeto político e de centralidade maçônica. Por esta razão era fundamental o envio de emissários às lojas do Norte, tanto para o Ceará quanto para Pernambuco, assim como para o extremo sul, na Cisplatina, uma vez que essas regiões correspondiam às preocupações no que se refere ao controle das atividades políticas e maçônicas locais, considerando a possibilidade de fragmentação territorial como as experimentadas na América espanhola.

Entretanto, não é possível afirmar que a totalidade dos locais onde houvesse a presença de maçons articulados tenham retomado suas atividades ou mesmo que estas estivessem mapeadas pela potência fluminense. Chama atenção não apenas a lista de locais para onde foram enviados os emissários, mas também as províncias que ficaram de fora desse movimento. Para além de Minas Gerais, na qual a loja Mineiros Reunidos não abrigava os principais nomes da política mineira do período, outros locais do centro-sul, como São Paulo e mesmo outras localidades da própria província do Rio de Janeiro, não foram incluídos na rota dos delegados131. Segundo Colussi, ao enviar representantes aos locais onde a presença maçônica organizada tinha alguma antiguidade ou locais onde o projeto de Bonifácio e Ledo poderia receber adesões, a nova potência maçônica buscava articular uma rede que garantisse sua primazia sobre as demais localidades, garantisse o controle sobre a própria fraternidade, e sobre os projetos políticos dos irmãos, sobretudo nas províncias do norte, em Pernambuco, onde as aspirações dos membros destoavam do projeto fluminense132.

Além de enviar delegados às províncias mencionadas, o Grande Oriente preocupou-se em solicitar para alguns brasileiros maçons em atuação no exterior que garantissem o reconhecimento das potências maçônicas estrangeiras mais importantes. Visando assegurar a regularidade de seus quadros, assim como garantir diversos direitos com o estabelecimento de tratados de reconhecimento mútuo e direitos de visitação dos maçons brasileiros às lojas de outros países.

Nas atas do Grande Oriente está registrado o envio de documentação a Hipólito da Costa para a negociação de reconhecimento junto à Grande Loja de Londres. Hipólito, que havia realizado o mesmo processo em nome do Grande Oriente Lusitano, em 1802, fora iniciado maçom, em 1799, pela Washington Lodge 59, pertencente à Grande Loja da Filadélfia133.

Os Annaes Fluminenses indicam que a patente de reconhecimento inglesa foi emitida, assim como obtiveram o reconhecimento por parte de Portugal, França e Estados Unidos, embora não identifique quais os emissários que participaram destas negociações134. Acredita-se, entretanto, que as negociações com a França foram realizadas por João Paulo dos Santos Barreto, que retornou ao Brasil, no final de 1822, como delegado do Grande Oriente de França junto à potência nacional, com carta delegada para fundação de lojas no país135.

A maçonaria brasileira mesmo contando com membros de destaque na administração régia, a iniciação mais significativa foi, sem dúvida, a do príncipe regente d. Pedro, em 5 de agosto, assumindo o nome de Guatimozim, e recebendo o grau de mestre na sessão de 8 de agosto. A partir de então, todas as candidaturas de iniciação passaram a ter como critério a adesão à independência do Brasil. A atração do príncipe para os quadros da maçonaria, por convite de Bonifácio, significava para a ordem a consolidação de seu projeto de independência e de centralidade da potência fluminense136.

É possível que a imposição da adesão à causa da independência seja a razão para a não filiação da loja Le Bouclier d’Honneur – fundada em 20 de maio de 1822 e que buscava se vincular ao Grande Oriente da França – à nova potência fluminense. Barata destacou que essa oficina tinha entre seus membros um contingente grande de estrangeiros, sobretudo franceses, ingleses e portugueses, sendo seu venerável François Manquoel, veterinário membro da Academia Real. Entretanto, na sessão de 20 de agosto, os irmãos da Bouclier recorreram ao Grande Oriente para solicitar a sua mediação em um conflito interno à loja, com trocas de acusações entre seus membros. Foram nomeados para investigação e reorganização da referida loja os maçons major Manoel dos Santos Portugal, o capitão João Mendes Viana e Joaquim Gonçalves Ledo137.

Assim como a Bouclier, a loja 6 de março não chegou a se filiar ao Grande Oriente Brasílico. Conforme Mário Melo a oficina pernambucana, , não teria tido tempo hábil para rever sua vinculação a uma das potências dos Estados Unidos e para ponderar sobre a sua filiação ao Grande Oriente de 1822, já que quando o delegado, Felippe Nery Ferreira, chegou a Pernambuco, o processo de fechamento da potência fluminense já vigorava138.

Diferentemente do ocorrido com a Bouclier e com a 6 de Março, a oficina Mineiros Reunidos, localizada em Ouro Preto – fundada em 1822 por Guido Tomaz Marliére, um militar de origem francesa à serviço da coroa portuguesa – enviou um delegado para efetivar sua filiação ao novo Oriente, sendo esta filiação aprovada, ainda que não constem maiores informações nos documentos do Grande Oriente139.

Apesar das mobilizações dos irmãos entre agosto e setembro de 1822, o Oriente Brasílico teve vida curta. A partir de outubro as disputas e tensões envolvendo as diferentes posições políticas dos irmãos se fizeram mais profundas, dividindo os quadros sob influência das principais lideranças, de um lado Ledo e Januário da Cunha Barbosa e, de outro, José Bonifácio140.

Como forma de articulação política após a independência, Pedro I foi escolhido como Grão-Mestre da maçonaria brasileira em 7 de outubro de 1822141, logo após a sua aclamação como Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil. Segundo Colussi, tal ação atendia aos interesses do grupo liderado por Ledo e Januário na medida em que buscava neutralizar as lideranças ligadas a José Bonifácio dentro do Oriente142. Após a independência esses conflitos trariam consequências funestas para a ordem maçônica no Brasil.

A suspensão oficial e novos centros

As disputas políticas entre os grupos de Ledo e Bonifácio levaram à multiplicação das sociedades secretas no Rio de Janeiro. Sendo o grupo de Ledo majoritário dentro da maçonaria brasileira naquele momento, aqueles que apoiavam os Andrada se vincularam a uma outra sociedade, a Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, tradicionalmente conhecida como Apostolado em função do nome de seu conselho central143.

O Apostolado tinha um caráter proto-maçônico ou, segundo Barata, poderia ser visto como uma potência concorrente com o Grande Oriente, s com características próprias que não necessariamente condiziam com as práticas da fraternidade. O Apostolado foi criado por José Bonifácio em 2 de junho de 1822, tendo em seus quadros diversos maçons. A ação dessa sociedade se concentrou sobretudo em reunir os grupos ligados a José Bonifácio e seu projeto político, ainda que não necessariamente contrários ao projeto do grupo forte da maçonaria brasileira144.

Assim como o Grande Oriente, o Apostolado discutiu em suas reuniões um projeto de constituição, assim como diversas proposições políticas, num esforço em “fundar e definir as regras do espaço público”145. Embora houvesse semelhantes posicionamentos com relação a defesa de uma monarquia constitucional e do processo de independência, em alguma medida estabeleceu-se uma disputa entre essas duas “facções” na política nacional. Alguns maçons atuantes na década de 1820 relacionaram essa disputa como um projeto da Santa Aliança no Brasil ou um clube de aristocratas146.

Essa oposição entre os grupos de Ledo (Grande Oriente) e de Bonifácio (Apostolado) acabou por desencadear um processo de devassa contra as principais lideranças maçônicas, por ordem do ministério Andradino e que ficou conhecido como a Bonifácia. Segundo Barata, ainda que o processo visasse os maçons do Grande Oriente, eles não foram acusados por sua participação na irmandade, mas sim por Carbonária147 e por conspirar contra o trono. Foram arrolados no processo os principais líderes da potência maçônica, com destaque para Joaquim Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira, dentre outros148.

Com a instauração da devassa, d. Pedro ordenou, por meio de um bilhete enviado a Gonçalves Ledo, a suspensão dos trabalhos maçônicos no Rio de Janeiro em 25 de outubro de 1822. Três dias depois, em 28 de outubro, ele voltaria atrás, autorizando as reuniões maçônicas, mas vários dos líderes estavam presos ou exilados149. Depois disso, o Imperador mandou recolher todo o mobiliário, livros e demais objetos das três lojas, enviando-as para a Quinta do Caju, onde, segundo relatos posteriores feitos por Manoel Joaquim de Menezes em seu Exposição Histórica da Maçonaria no Brasil, o monarca teria tentado instalar uma loja composta de parte dos quadros remanescentes, os quais, contudo, teriam rejeitado a oferta150.

Após o fechamento do Grande Oriente, o Apostolado teria vida curta, sendo fechado em junho de 1823, quando o próprio imperador interrompeu uma sessão, presidida por Antonio Carlos, enquanto José Bonifácio teria permanecido na Quinta da Boa Vista em companhia da imperatriz151.

Entretanto, apesar de encerrados os trabalhos do Grande Oriente, algumas lojas sobreviveram, levando a atuação maçônica de volta ao seu centro de dispersão original, o Norte.

A sobrevivência das lojas

As poucas lojas que sobreviveram nesse contexto foram, sobretudo, aquelas não filiadas (originalmente) ao Grande Oriente Brasílico ou que se localizavam distantes do Rio de Janeiro.

Das lojas da corte, a Bouclier teria sobrevivido ao fechamento ao menos até 1823, em razão de sua filiação ao Grande Oriente de França. Mas além desta, alguns membros da Comércio e Artes teriam resistido, mantendo os trabalhos mesmo após a proibição, com o cuidado de evitarem repetir os lugares de reunião e queimando as atas após as sessões152.

Distante do Rio de Janeiro, a Mineiros Reunidos também continuou em funcionamento. Os irmãos apresentaram uma petição ao presidente da província para a manutenção dos trabalhos, e continuaram em atividade ao menos até 1824. O grupo mineiro, mais distante da capital imperial, ficou longe das disputas da corte em 1822, mantendo-se como um corpo maçônico organizado, não sendo atingido pelo processo da Bonifácia153.

A oficina que apresentou um quadro mais estável em funcionamento, não tendo vinculação com o Oriente do Rio de Janeiro e contando com a garantia de proteção de alguma potência dos Estados Unidos, foi a loja 6 de Março, em Pernambuco. Composta não apenas pelos irmãos sobreviventes à Revolução Pernambucana, e tendo seus quadros ampliados após sua fundação em 1821, a oficina também contava com alguns membros vindos dos Estados Unidos, com destaque para Joseph Ray, cônsul dos Estados Unidos no Recife154.

Para além das mencionadas lojas em atividade em Minas Gerais e Pernambuco, Barata indica que algumas, em outras regiões, também teriam resistido ao fechamento do Grande Oriente. Por exemplo, havia uma oficina em Salvador que teria funcionado ao menos até julho de 1824155.

Assim que foram abertos os trabalhos na Assembleia Constituinte e Legislativa, em 3 de maio de 1823, a questão da perseguição às sociedades secretas voltou à discussão. Ainda na sessão do dia 7 de maio de 1823, o deputado João Antônio Rodrigues de Carvalho apresentou um projeto que não apenas suspendia o mencionado Alvará de 1818, mas visava tornar sem efeito todos os processos contra membros destas sociedades156.

O debate sobre o projeto foi considerado urgente pelos deputados, entrando em primeira discussão na sessão de 17 de maio. Dado que o texto pretendia abarcar todos os maçons processados na devassa do ano anterior, a Bonifácia, seguiram-se debates acalorados. Alguns representantes, dentre eles Antônio Carlos, alegavam que Rodrigues de Carvalho buscava tão somente atender os interesses da maçonaria e de seus amigos maçons presos na Ilha das Cobras. Ao que o deputado proponente respondeu que, apesar de um dia ter pertencido a uma dessas sociedades, este não consistia no seu interesse157. José Bonifácio, por sua vez, alegou que mesmo com a revogação do referido alvará, a legislação, se aprovada, não afetaria os processos da Bonifácia, uma vez que os implicados não haviam sido acusados com base no diploma de 1818, mas sim, como mencionado, por Carbonária e por conspiração contra o trono158.

Entretanto, apesar de tal argumentação, era notório aos deputados, fossem maçons vinculados ou não à potência de 1822, que embora a acusação remetesse ao crime de Carbonária, o real motivo para a instalação da devassa foram as disputas políticas entre o Grande Oriente e o Apostolado mencionadas anteriormente. Ao ordenar a devassa, José Bonifácio buscava desarticular as atividades da maçonaria fluminense, e fragilizar as ações políticas de opositores ao projeto político que defendia159.

Nos debates da Constituinte, os argumentos esgrimidos, contra e favoravelmente, acabaram por modificar o projeto com emendas apresentadas pelo deputado Andrada Machado160. Emendas essas que modificavam o projeto inicial em seu cerne, uma vez que ao invés de propor uma liberdade completa das sociedades, incluindo até a formulação de legislação própria, a emenda apresentada praticamente reeditava o Alvará de 1818 de forma mais branda, modificando a natureza das penas aplicadas, preservando a existência destes grupos mediante autorização e apresentação de listas de membros perante a Intendência Geral de Polícia.

A segunda sessão de discussão do projeto se pautou sobre as emendas161, sobretudo ao artigo 5º, que estabelecia como punição sobre pertencimento às ditas sociedades as mesmas penas referentes aos crimes de rebelião e conspiração, identificando as sociedades secretas como “conventículos”, o que no entendimento dos deputados, principalmente para o grupo apoiador da primeira versão do projeto, excediam em força, uma vez que as naturezas dos delitos seriam completamente diversas.

Entretanto, os deputados não apenas discutiram as punições referentes ao crime, mas antes sobre a natureza das sociedades secretas e a necessidade ou não de proibição destas. Para deputados como José Joaquim Carneiro de Campos, a liberação plena das sociedades secretas passava pelo risco que algumas delas ofereceriam, posição esta que acirrou os debates. Foram feitas acusações de alguns deputados como Francisco Montezuma e José de Souza Mello sobre parte dos deputados se valerem da proibição das sociedades secretas como forma de controle da liberdade de pensamento dos cidadãos, além de exercerem controle sobre as formas de associação nos mesmos moldes do Antigo Regime e do domínio colonial, argumento sustentado nas discussões principalmente pelos padres José Custódio Dias e José Martiniano de Alencar162.

Os debates acerca da proibição ou não das sociedades secretas e as várias emendas que o projeto recebeu acabaram por arrastar as discussões até a sessão de 7 de junho163, após quase um mês de debates, o projeto foi entregue à comissão de redação para finalmente ser apresentado à Assembleia Constituinte para votação final. Entretanto, o projeto permaneceu na comissão até a sessão de 30 de agosto, sendo cobrado pelos deputados para ser posto em votação final.

O adiamento dessa votação final da lei das sociedades secretas não se deve, apenas, as urgências de outros corpos de lei a serem aprovados pela Assembleia. Grande parte dos apoiadores do projeto de lei cuja redação englobava proibições às sociedades secretas e penas por conspiração aos processados, pertenciam ao Apostolado, que também havia sido fechado.

Se o fechamento do Grande Oriente e as emendas de Andrada Machado aparentemente mostravam uma vitória de Bonifácio e de seu grupo ligado ao projeto cortesão enquanto detentores dos rumos políticos do país recém-emancipado, o fechamento do Apostolado representava uma dura derrota a parte deste projeto, promovendo a desarticulação definitiva das principais associações políticas do Rio de Janeiro durante a independência164. Ao determinar o encerramento das atividades de ambas as fraternidades, dom Pedro tomou para si e seu grupo político mais próximo, ainda que muitos desses estivessem ligados à maçonaria ou ao Apostolado, os ditames da política.

Quando o projeto finalmente foi apresentado à assembleia na sessão de 1 de setembro, parte dos deputados questionaram se a lei já não havia sido sancionada, devido ao longo tempo de ausência do texto nas discussões da assembleia, o que abriu uma última rodada de discussões para a sanção final. Tais discussões perpassam as sessões de 3 e 4 de setembro, das quais o taquigrafo da assembleia não registrou os argumentos dos deputados, apenas listou aqueles que pediram a palavra sobre o tema165. Entre aqueles que discursaram destaca-se o nome de Nicolau Vergueiro. Ao fim das discussões, alguns deputados, cujos nomes não foram registrados, se retiraram da assembleia para não votarem o projeto, enquanto os deputados Vergueiro e Ferreira França solicitaram serem excluídos da votação por não terem acompanhado as discussões iniciais166.

Se o projeto original de Rodrigues de Carvalho continha tão somente três artigos, o decreto finalmente aprovado na Assembleia apresentava 10 artigos que alteravam por completo o sentido da proposição original.

Art. 1o Fica revogado e cassado o Alvará de 30 de março de 1818 contra as Sociedades Secretas.

Art. 2o Todos os Processos pendentes em virtude do mesmo Alvará ficam de nenhum efeito, e se porão em perpetuo silencio, como si não tivessem existido. Art. 3o Ficam, porém, proibidas todas as Sociedades Secretas.

Art. 4o Serão consideradas Sociedades Secretas as que não participarem ao Governo sua existência, os fins gerais da associação, com protesto de que se não opõem à Ordem Social, ao Sistema Constitucional estabelecido neste Império, à Moral, e à Religião Cristã; os lugares e tempos dos seus ajuntamentos, e o nome do indivíduo ou indivíduos, que compuserem o governo da Sociedade ou Ordem, e dos que depois se forem sucessivamente seguindo no mesmo governo.

Art. 5o A participação deve ser feita e assignada pelos declarantes encarregados desta obrigação no espaço de quinze dias depois da primeira

reunião, nesta Corte na Intendência Geral da Polícia, e nas outras partes do Império ás Autoridades Civis, e Policiais dos lugares, onde existirem as ditas Sociedades, a fim de receberem do Governo a permissão por escrito.

Art. 6o As Sociedades, porém que tiverem princípios, e fins subversivos da Ordem Social, e do Regime Constitucional deste Império, serão consideradas como Conventículos sediciosos, ou não tenham feito as participações ao Governo, ou as tenham feito falsas.

Art. 7o Os Membros de semelhantes Sociedades, que tiverem restado juramento de seguirem tais doutrinas, e persistirem em adotá-las, como regra de conduta, uma vez que tenham começado a reduzi-las a ato, serão punidos os Cabeças com a pena de morte natural, e os Sócios agentes com degredo perpetuo para galés; os que porém não tiverem mostrado ato algum subversivo, além dos primários, e remotos, serão degradados por toda a vida. Art. 8o Os Membros das Sociedades, que tiverem princípios tão somente opostos à Moral, e a Religião Cristã, si uma vez juramentados, persistindo na adopção de tais doutrinas, as tiverem reduzido a ato, serão degradados por dez anos; e si não tiverem praticado outro ato, além do juramento, e adopção dos princípios sobreditos, serão punidos com três anos de degredo para fora da Província.

Art. 9o Os que forem membros de Sociedades simplesmente Secretas, sem alguma circunstâncias agravantes acima mencionadas, serão degradados pela primeira vez por um mês para fora do Termo, pela Segunda por três meses para fora da Comarca, e pela terceira por um ano para fora da Província.

Art. 10o O processo começará por denuncia, na forma da Lei, tão somente contra certas e determinadas pessoas, no caso das Sociedades simplesmente Secretas; e por denuncia ou devassa especial nos casos dos arts. 6o, 7o e 8o Paço da Assembla, 4 de setembro de 1823.167

A aprovação final do texto se realizou com o quórum mínimo estabelecido no regimento (47), sendo 37 votos a favor e 13 contra168. O texto seguiu para a sanção imperial, sendo publicado em 20 de outubro de 1823.

O decreto da Assembleia Constituinte ensejou um novo, e deletério, momento para a maçonaria brasileira. Após o breve período de liberdade e legalidade, seguido pelo fechamento por ordem do monarca, e doravante por muitos anos uma nova lei proibia as sociedades secretas, ameaçando os maçons das várias partes do império, mas, especialmente, os fluminenses, dada a atuação da Intendência Geral de Polícia.

Esse novo decreto de proibição afetou significativamente as articulações dos irmãos das localidades mais próximas ao Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que impulsionou uma realocação das centralidades maçônicas no Brasil, retornando a região norte, com atuação mais significativa em Pernambuco. Ainda assim, é pouco provável que tenha ocorrido uma suspenção total das atividades da maçonaria no Rio de Janeiro, que contava com lojas não filiados ao Grande Oriente. A própria memória maçônica, ao menos, indica uma sobrevida das atividades de alguns grupos, ainda que estes relatos possivelmente sejam uma construção a posteriori sobre as resistências da fraternidade às perseguições169.

A lei de proibição das sociedades secretas se encontra entre os últimos diplomas aprovados pela Assembleia Constituinte. Com o fechamento da Assembleia e a outorga da Constituição de 1824, inaugura-se uma nova fase de articulação política, sobretudo a partir do processo eleitoral para o novo legislativo nacional, a Câmara e o Senado previstos na carta outorgada.

No que se refere a maçonaria, a partir de 1824 a pressão sobre os maçons se fez ainda mais forte em decorrência da eclosão do novo processo revolucionário no norte do território, implicando uma nova virada nas atividades da fraternidade no país.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

108 AZEVEDO, op. cit., p. 38.

109 Ainda que o Alvará de 1818 não tenha tido nenhuma aplicação após 1820, o diploma só foi de fato revogado pela Assembleia Constituinte de 1823.

110 BARATA, op. cit., p. 211.

111 Atual Rua Pedro Américo. Embora a memória maçônica fale sobre a rua da Pedreira da Glória como o local de reunião original, alguns maçons acreditam que na verdade as reuniões se localizassem na rua Pedreira da Conceição, localizada mais próxima ao atual centro do Rio de Janeiro que a Pedreira da Glória, então área rural, no que hoje é o bairro do Catete.

112 Respectivamente, atual rua dos Andradas e rua Teófilo Otoni.

113 Atual Rua Frei Caneca. CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., p. 85

114 MELO, Mário, op. cit., p. 17.

115 A bibliografia maçônica sempre afirmou que a patente da 06 de março teria sido emitida pela Grande Loja de Nova Iorque. Entretanto, esta não se encontra registrada na Grande Loja de Nova Iorque e tampouco nos Supremos Conselhos que então funcionavam na cidade (Agradeço a Professora Monica Dantas que gentilmente me cedeu as informações sobre os registros de Nova Iorque). Sobre a memória maçônica identificar a patente de origem como oriunda da Grande Loja de Nova Iorque, CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., p. 94.

116 A relação das lojas abertas no Brasil, à época, foi fornecida pelos maçons do Rio de Janeiro, o que implica uma eventual exclusão de lojas cujas lideranças não fossem próximas às lideranças fluminenses. AZEVEDO, op. cit., p. 38.

117 BARATA, op. cit., p. 275

118 Livro de Atas de Fundação do Grande Oriente Brasílico, primeira sessão, 28/03/5822 (20 de junho de 1822), apud MENEZES, Manoel Joaquim de. Exposição histórica da maçonaria no Brasil particularmente na província do Rio de Janeiro em relação com a Independência e a integridade do Império. Rio de Janeiro: Empreza Nacional do Diário, 1857, p. 9.

119 A historiografia por muito tempo reafirmou uma divisão entre o chamado grupo Ledo e o grupo Bonifácio. Para Barata, entretanto, este é um debate construído apenas na metade do século XIX pelo próprio Manoel de Menezes, como forma de relativizar a importância de Bonifácio para a ordem, com o qual havia rompido anos antes. BARATA, op. cit., p. 217.

120 COLUSSI, op. cit., p. 90.

121 Não existe, na historiografia ou na produção maçônica, qualquer lista completa dos membros da Comércio e Artes de 1821. São conhecidos apenas os membros da loja que compareceram ao sorteio entre as três lojas na sessão de 24 de junho de 1822, BARATA, op. cit., pp. 270-271.

122 A lista completa de todos os membros sorteados em 1822 encontra-se em BARATA, op. cit., pp. 344- 352.

123 COLUSSI, op. cit., pp. 85-89.

124 BARATA, op. cit., p. 263.

125 BARATA, op. cit., p. 276.

126 Ainda que o Grande Oriente Brasílico tenha se organizado com base nos projetos e aspirações do grupo ligado a corte, não é possível afirmar que ele assim permanecesse, uma vez que a potência sobreviveu apenas até novembro de 1822.

127 Bonifácio tomou posse do cargo de Grão-mestre apenas na sessão de 19 de julho. Em seu discurso de posse, o Grão-mestre fala sobre sua iniciação maçônica ainda em Portugal, iniciação esta discutida pelos maçons após a década de 1850 como verdadeira ou não. BARATA, op. cit., p. 271.

128 BARATA, op. cit.,

129 Posições antagônicas ou disputas no interior de uma loja raras vezes aparecem em uma ata maçônica em qualquer período, salvas exceções de momentos pontuais ou de tensões extremas.

130 Livro de Atas de Fundação do Grande Oriente Brasílico, 3ª Sessão, 09/04/5822 (02/07/1822), apud MENEZES, op. cit., p.18. De acordo com as atas, o procurador encarregado de estabelecer laços como s irmãos da província Cisplatina foi d. Lucas José Obes. Já para Pernambuco primeiramente foram remetidas cartas a Manoel Ignácio, sendo depois enviado o irmão Felippe Nery Ferreira. No caso de Minas Gerais, diplomas foram mandados ao coronel Gomide, médico em Sabará. A loja Mineiros Reunidos enviou petição de filiação, sendo nomeado delegado da oficina, junto ao Grande Oriente, seu venerável Guido Tomas Marliere. Finalmente, foi nomeado delegado para a província do Ceará José Raymundo de Porben Barbosa, presidente da província.

131 COLUSSI, op. cit., p. 91.

132 COLUSSI, op. cit., pp. 91-93.

133 Sobre a iniciação de Hipólito da Costa, ver ARRUDA, Paulo H. de M., “Freemasonry and Cosmopolitanism: The Case of Hipólito José da Costa (1774–1823)”, in BETHENCOURT, Francisco (ed.), Cosmopolitanism in the Portuguese-Speaking World, Leiden, Brill, 2018, p. 149. Para a atuação de Hipólito da Costa e seu envolvimento com a maçonaria ver SANTOS, Bruna Melo dos. Correio Braziliense: um olhar sobre a sociabilidade maçônica (1808-1822), dissertação de mestrado, UERJ, 2012.

134 ANNAES, p. 21.

135 João Paulo Barreto, militar brasileiro, permaneceu na Europa entre 1819 e 1822, estudou engenharia e hidráulica na França, onde foi iniciado na irmandade. Retornou ao Brasil no final de 1822. A Carta Patente emitida em nome de João Paulo Barreto encontra-se nos arquivos da Biblioteca do Supremo Conselho do grau 33º do Rito Escocês Antigo e Aceito, na cidade do Rio de Janeiro. Sua reprodução pode ser encontrada em ASTREA 33: Órgão Official do Supremo Conselho do Brasil. Rio de Janeiro, ano 2, vols. 9 e 10, set. e out., 1923, pp. 333-334.

136 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 9ª Sessão, 13/05/5822 (05/08/1822); 10a sessão, 16/05/5822 (08/08/1822), apud MENEZES, op. cit., p. 29-30. BARATA, op. cit., p. 276.

137 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 8ª sessão, 11/05/5822 (03/08/1822), apud MENEZES, op. cit., p. 32. Pouco se sabe, porém, sobre o dia a dia da loja ou sua composição, apenas que em 01 de dezembro de 1823 ela recebeu do Grande Oriente da França sua Carta Constitutiva definitiva. BARATA, op. cit., p. 90.

138 Felippe Nery fora ao Rio de Janeiro, juntamente com outros comprovincianos, para protestar junto ao governo a deposição da Junta de Gervásio Pires, retornando a Pernambuco em outubro de 1822. MELO, op. cit., p. 125-127.

139 A tramitação sobre a loja Mineiros Reunidos e seu delegado ao Grande Oriente são referidos na 8ª Sessão do Grande Oriente Brasílico, de 03 de agosto de 1822. Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 8ª sessão, 11/05/5822 (03/08/1822), apud MENEZES, op. cit., p. 30.

140 BARATA, op. cit., p. 277.

141 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 17ª Sessão, 14/07/5822 (07/10/1822), MENEZES, op. cit., p..37

142 COLUSSI, op. cit., 97.

143 BARATA, op. cit., p. 277.

144 Sobre a ação do Apostolado ver BARATA, op. cit., pp. 276-288.

145 BARATA, op. cit., p. 288.

146 BARATA, op. cit., p. 281.

147 A acusação de Carbonaria, sociedade secreta ultrarepublicana é aparentemente comum como forma de processo contra maçons. Acusações do tipo também foram feitas contra maçons em processos na Espanha da década de 1820, por “ameaças ao trono e ao Reino”. Sobre as relações maçônicas com a sociedade Carbonária ver ZAVALA, Iris. Masones, comuneros y carbonarios. Espanha: Siglo XXI,1971, pp. 59-62.

148 Portaria de 02/11/1822. Reproduzida em PROCESSO dos cidadãos Domingos Alves Branco Muniz Barreto, João da Rocha Pinto, Luiz Manoel Alves de Azevedo, Thomas Jozé Tinoco d’Almeida, José Joaquim Gouveia, Joaquim Valério Tavares, João Soares Lisboa, Pedro Jozé da Costa Barros, João Fernandes Lopes, Joaquim Gonçalves Ledo, Luiz Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho, Jozé Clemente Pereira, Padre Januário da Cunha Barbosa, e o Padre Antonio João de Lessa. Pronunciados na Devassa a que mandou proceder Jozé Bonifácio d’Andrada e Silva para justificar os acontecimentos do famozo dia 30 de outubro de 1822. Julgados inoncentes por falta de provas (excepto João Soares Lisboa) no Tribunal Supremo da Supplicação da Corte do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de Silva Porto,1824, pp. 03-04.

149 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, Termo de Enceramento e Suspensão dos Trabalhos. O termo, embora anotado no livro, aparenta ter sido anotado posteriormente, pela diferença das caligrafias. MENEZES, op. cit., p. 62. BARATA, op. cit., p. 297.

150 MENEZES, op. cit., p 63.

151 BARATA, op. cit., p 287-288.

152 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., 112.

153 MOREL & SOUZA, op. cit., pp. 125-126.

154 MELO, op. cit., p. 21.

155 BARATA, op. cit., p 301.

156 1º Fica desde já cassado e revogado o alvará de 30 de março de 1818, pela barbaridade das penas impostas contra as sociedades secretas. 2º Todos os processos pendentes em virtude do mesmo alvará ficam de nenhum efeito, e se porão em perpetuo silencio, como se não tivessem existido, tendo para esse fim o presente decreto o efeito retroativo. 3º Não é, contudo, da intenção da assembla aprovar e confirmar pelo presente decreto as sociedades secretas, antes deixa para tempo competente a legislação sobre este objeto. Diários da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil (doravante DAGC), 1823. Brasília: Senado Federal 2003, v. 1, p. 63, Sessão de 7 de maio de 1823.

157 DAGC, op. cit., p. 64, Sessão de 7 de maio de 1823.

158 DAGC, op. cit., p. 97, Sessão de 17 de maio de 1823.

159 BARATA, op. cit., p. 298.

160 DAGC, op. cit., pp. 109-111, Sessão de 20 de maio de 1823.

161 DAGC, op. cit., pp. 190-195, Sessão de 30 de maio de 1823.

162 DAGC, op. cit., p. 193, Sessão de 30 de maio de 1823.

163 DAGC, op. cit., v. 2, p. 30, Sessão de 07 de julho de 1823.

164 BARATA, op. cit., p. 299.

165 O secretário da Constituinte anota que as falas dos deputados não puderam ser entendidas por este. DGAC, op. cit., v. 5, p. 40, Sessão de 03 de setembro de 1823.

166 DGAC, op. cit., v.5, p. 41, Sessão de 04 de setembro de 1823.

167 Lei de 20 de outubro de 1823. Revoga o Alvará de 30 de março de 1818 sobre Sociedades Secretas. Colecção das Leis do Império do Brasil, 1823, Parte 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p. 5 (doravante CLIB).

168 DGAC, op. cit., v.5, p. 41, Sessão de 04 de setembro de 1823.

169 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., 118. BUCHAUL, op. cit., p. 367.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte II

Capítulo 1

Das muitas clandestinidades aos impactos da Carta

Esta ordem, que apesar da incansável, e maligna vigilância do Governo Colonial, nasceu e medrou nas cidades principais do Brasil; e agora bafejada pela Liberdade Constitucional ressurge mais gloriosa de uma injusta e bárbara perseguição, que cobre de eterno opróbio seus autores, e merece ser bem conhecida por um povo, que faz rápidos progressos no caminho da civilização60

Quando os autores dos Annaes Maçônicos Fluminenses publicaram, em 1832, as primeiras memórias da atuação da maçonaria no Brasil61, a fraternidade a que pertenciam enfim saía de uma década de fechamentos e proibições de suas atividades, não muito diferente do que fora vivenciado em princípios do oitocentos, período de constituição das primeiras lojas no então território colonial português.

Gozando de períodos de maior ou menor liberdade, a maçonaria esteve sempre relacionada ao imaginário popular e a diversos episódios da história nacional, embora muitas vezes este engajamento maçônico estivesse mais relacionado a uma construção de identidade a posteriori feita própria instituição maçônica do que na realidade cotidiana dos irmãos. Embora a participação dos maçons brasileiros não tenha em todos os episódios reivindicados pela memória da irmandade62, isto não os exclui de outros tantos momentos em que a atuação da ordem se destacou como local de articulação de ideias e pessoas imbricadas em conjunturas e ações diretamente relacionadas à política da época.

No que se refere aos primórdios da ordem no Brasil, não se sabe ao certo quando as atividades maçônicas tiveram início. Mas, há indicativos da presença de maçons em território brasileiro a partir da década de 1780, com especial destaque para as capitanias de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Não é de se estranhar o apontamento destas localidades como focos iniciais das atividades maçônicas, uma vez que eram as capitanias de maior destaque na economia e na política colonial e, consequentemente, com maior circulação de pessoas. Embora a memória maçônica e mesmo uma historiografia mais antiga aponte a existência dos primeiros maçons brasileiros nestes locais, não é possível identificar a existência de lojas no Brasil no último quartel do século XVIII.

Os primeiros maçons brasileiros, como grande parte dos primeiros irmãos da América hispânica, não foram iniciados em seus locais de origem, mas sim em países europeus. Embora, haja referência constante ao papel das universidade como lócus prioritário de acesso à ordem maçônica – com destaque para as universidades de Coimbra, em Portugal, e Montpelier, na França -, Alexandre Mansur Barata, atenta para “outras trajetórias de expansão da maçonaria”, mais especificamente o “papel exercido pelos comerciantes, militares, funcionários públicos que no Brasil se estabeleceram, ou mesmo degredados que, a caminho da África e da Índia, desembarcavam em portos brasileiros e estabeleciam contato com os maçons locais”63.

No que tange a organização de lojas maçônicas na América portuguesa, a historiografia aponta a possível existência de uma loja em Salvador no final do século, segundo a memória maçônica, essa teria sido a primeira oficina no território colonial, fundada em 1797 e contando em seus quadros com alguns nomes ligados à Conjuração Baiana64. Entretanto, faltam estudos sobre essa loja intitulada Cavaleiros da Luz, e que muito provavelmente teria desaparecido ao fim da conjura, como resultado da repressão à revolta65.

Apesar da existência de maçons no território brasileiro e de possíveis articulações entre os irmãos ainda no século XVIII, tais ocorrências não configuram uma atividade coesa e regular que permita maiores considerações (inclusive pela inexistência de fontes sobre suas atividades). Assim, a articulação de maçons como um esforço de construção da fraternidade enquanto instituição no território colonial só se deu a partir da década de 1800, e com maior ou menor destaque, se manterá como força de articulação por todo o século XIX.

1.1 – A maçonaria entre Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia

Nos primeiros anos do século XIX, a formação de lojas maçônicas no território da América portuguesa tornou-se mais frequente apesar da proibição dessas atividades nos domínios ibéricos. Como uma herança da atuação do Santo Ofício, continuada em certas práticas através da Mesa de Consciência e Ordens e da Intendência Geral de Polícia, estabelecida na metrópole em meados do setecentos e no Brasil com a chegada da Família Real. Os processos contra os Pedreiros Livres cresceram em Portugal em fins do XVIII, com a perseguição dos estudantes de Coimbra, de membros de grupos ilustrados da elite portuguesa, além de comerciantes, cônegos, funcionários públicos e militares, atingindo assim, em alguma medida, todos os estratos sociais que compunham a maçonaria no território português66.

O processo de consolidação institucional da ordem maçônica em Portugal se deu no início do século XIX, embora a presença maçônica no reino fosse anterior. Oliveira Marques aponta a Ilha da Madeira como sendo o grande centro difusor maçônico, em parte devido à menor pressão da coroa portuguesa, e também porque contava com a circulação de maçons de diversas localidades, dado seu papel de porto intermediário das rotas atlânticas67.

Ressaltamos que ainda que os processos de consolidação da ordem em Portugal e Brasil sejam paralelos, estes se deram sob as influências de centros maçônicos diversos, o que caracterizou caminhos distintos de institucionalização nos dois lados do Atlântico. Considerando as realidades diversas dessas duas maçonarias e a tênue influência do Grande Oriente Lusitano nos quadros brasileiros, em poucos momentos seus caminhos se cruzaram, dado não apenas as dificuldades de organização da ordem maçônica em Portugal, assim como as aparentes resistências a influência lusa entre os maçons das áreas coloniais, sobretudo no Brasil68.

A formação de uma organização maçônica no Brasil atendia não apenas uma busca por congregar os quadros locais da ordem em um ou mais centros que articulassem atividades, proteção e pertencimento, mas respondia também a projetos políticos distintos surgidos em diferentes partes do território, com destaque para uma certa dualidade Norte- e Centro-Sul, especialmente depois da chegada da Família Real.

As primeiras lojas (1801-1820)

Parte da historiografia considera que a primeira loja maçônica do Brasil teria sido criada no Rio de Janeiro em 1801, com o nome de União e fora fundada por cinco maçons, expandindo seu quadro de membros de forma rápida, congregando irmãos já iniciados, mas também promovendo novas iniciações. Não há relatos sobre aqueles que pertenceram aos quadros originais da União, nem o número exato de membros, mas segundo o autor dos Annaes Fluminenses a loja teria crescido rapidamente, ganhando o reconhecimento de diversas localidades69. No que se refere a essas afirmações dos Annaes Fluminenses, precisam ser vistas a luz da própria construção de uma memória maçônica da década de 1830, que muitas vezes se valiam dos relatos orais de antigos maçons do Rio de Janeiro. Assim, ainda que a União seja a primeira loja formal da colônia, não há mais informações sobre ela além das registradas pelos autores dos Annaes70.

Segundo Colussi e os próprios Annaes, tal expansão teria levado a oficina a mudar seu nome, em 1803, passando a se chamar Reunião. Só depois da mudança de nome é que a loja ganhou sua “carta de reconhecimento e filiação”, emitida por irmãos franceses de passagem pelo Rio de Janeiro. Estes maçons seriam soldados franceses que iam da França para a Ilha de Bourbon na corveta de guerra Hydre, chefiados por um certo “Mr. Laurent”71.

A patente da loja Reunião foi contestada, anos depois, por alguns representantes da maçonaria portuguesa. Fundado o Grande Oriente Lusitano, em 1802, havia a pretensão de concentrar todas as lojas maçônicas em uma única potência que respondesse pelos quadros de ambos os lados do Atlântico. Esta disputa entre a obrigatoriedade de filiação ao Oriente Lusitano ou a permanência de filiação ao Oriente de França implicava não apenas no projeto de construção de um corpo maçônico unificado, mas também de formação de redes de circulação e fidelidades, dado que a potência portuguesa estava diretamente ligada à Grande Loja Unida de Londres. Tais disputas acabaram por fragilizar a Reunião, ao mesmo tempo em que favoreceram a fundação das lojas Philantropia e Constância, ambas ligadas ao Oriente Lusitano.

Contemporaneamente à fundação da Reunião no Rio de Janeiro, há relatos do estabelecimento de oficinas na Bahia, cuja primeira loja oficial teria sido a Virtude e Razão, em 1802, de breve funcionamento, seguida pela Virtude e Razão Restaurada, fundada cinco anos depois e de vida mais longa que sua antecessora72. Não há, contudo, maiores informações sobre a filiação destas lojas a potências estrangeiras, embora o autor dos Annaes aponte que, em 1804, quando um emissário da loja Reunião foi a Portugal negociar os termos dos regulamentos com o Grande Oriente Lusitano, ao parar na Bahia

[…] aí teve o prazer de achar os maçons daquela cidade nos mesmos sentimentos que os do Rio. E porque souberam qual era sua missão, prometeram esperar os resultados dela para decidirem, nunca abraçando o Código maçônico lusitano tal como se lhes apresentava, porque também o consideravam enfermo dos mesmos princípios onde se regia a metrópole para com o Brasil73.

As ligações com o Grande Oriente Lusitano teriam sido problemáticas também em Pernambuco, favorecendo a vinculação das primeiras lojas ou proto-lojas sobretudo à França, suposto local de iniciação dos primeiros irmãos da capitania74.

Embora considere-se que apenas em 1809 foram fundadas as primeiras lojas pernambucanas – Regeneração, em Olinda, e Restauração, no Recife, – há relatos de reuniões maçônicas em Pernambuco ainda nos fins do século XVIII, indicando a existência de uma proto-loja ou loja irregular denominada Areópago de Itambé, cujo fundador seria o padre Arruda Câmara, figura central da ilustração pernambucana em fins do setecentos. Segundo Colussi, tratava-se de uma sociedade política e de pensamento, que pela “perspectiva de organização maçônica, o Areópago se assemelhava ao funcionamento das lojas, devendo-se a isso, talvez, a razão de muitos autores relacionarem o surgimento da maçonaria à existência dessa sociedade”75.

Esta perspectiva de organização das sociedades de pensamento, sociedades patrióticas e outras associações políticas do período se assemelharam em alguma medida ao funcionamento de lojas maçônicas, podendo ser traduzida pela identificação da ação dos maçons como “agentes da revolução”. Para Barata, essa identificação foi iniciada pelos adversários destes grupos como forma de legitimar a repressão do Antigo Regime, mas que permaneceu em uso pela construção de uma memória maçônica como forma de valorização dos seus primeiros quadros76.

É no esteio do Areópago, uma vez que a memória difundida principalmente por Mário Mello, maçom pernambucano do início do século XX, que se encontram as afirmativas acerca da existência de uma outra “composição maçônica” liderada por membros da família Cavalcanti e Albuquerque, cujas ações estariam ligadas à Conspiração dos Suassuna77.

Embora existam genéricas referências à existência dessas lojas nos primeiros anos do oitocentos, elas carecem de fontes documentais que informem sobre suas atividades. Assim, estudos mais recentes remetem à institucionalização da ordem em Pernambuco apenas quando da fundação das lojas de Olinda e Recife. Estas não apenas reuniram os quadros dispersos pela capitania, como multiplicaram seus membros e formaram novas lojas, além de constituírem o eixo fundamental da Revolução Pernambucana em 181778.

O aumento do número de lojas e mesmo a manutenção daquelas já existentes em Pernambuco e outras partes da colônia se tornou mais problemática após a nomeação do último vice-rei do Brasil, dom Marcos de Noronha e Brito, o oitavo conde dos Arcos, em 1806. Contrário às ideias repercutidas pela Revolução Francesa, tal governante é retratado pela memória maçônica como seu maior perseguidor por ver na irmandade o grande vetor de ideias revolucionárias79. A identificação do conde de Arcos pela maçonaria como seu principal antagonista no período deve, entretanto, ser entendida pela própria identificação do conde como um agente do Antigo Regime, assim como a própria ideia de que a maçonaria fosse o grande agente político revolucionário no território colonial80.

Mas, apesar da pressão exercida pelo governo do vice-rei, é importante notar que a própria capacidade de articulação dos maçons luso-brasileiros ainda era muito frágil. A composição de novas lojas de forma regular tinha como obstáculo os próprios conflitos de filiação das lojas luso-brasileiras, divididas entre suas formações originais, com destaque principal ao Oriente de França, o recém-criado Oriente Lusitano e até mesmo a construção de uma potência maçônica proto-nacional81.

A expansão de novas lojas ganhou folego após a chegada da família real em 1808. Ao redor da corte teria funcionado uma loja chamada São João de Bragança82, cujo funcionamento, contudo, é registrado apenas na memória maçônica, que destaca seu fim por ordem do ministro Tomás António de Vila Nova Portugal. Apesar disso, é certo que novas lojas surgiram, em especial nas capitanias onde já havia quadros anteriores. Entre estas novas lojas, merece destaque a loja Distintiva, em Niterói, fundada em 1812, cujo primeiro venerável foi Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, além de diversos outros membros de destaque na corte e mesmo no paço83.

Foi em torno do grupo de Andrada Machado que se constituiu um primeiro ensaio de construção de uma potência maçônica proto-nacional, articulando os grupos de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, com sede em Salvador. Tal potência, fundada em 1813, teria se intitulado Grande Oriente Brasiliano. Mas, como destaca Barata, pouco se conhece, seja em relação ao número de lojas vinculadas ou a composição e número de seus membros84.

Há indicativo de que esse Grande Oriente teria funcionado ao menos até 1817, tendo um papel importante na articulação das pretensões dos irmãos luso-brasileiros quando da Revolução Pernambucana. Tal potência, segundo Oliveira Marques, teria tido maior conexão com as capitanias ao centro e ao norte85, especialmente frente à atuação Vila Nova Portugal no combate à fraternidade no Rio de Janeiro.

A divisão da maçonaria brasileira entre Rio e Pernambuco

Acerca do processo de fundação e refundação das primeiras lojas maçônicas no século XIX, se deu em locais diferentes conforme maior ou menor perseguição aos irmãos. A memória maçônica relaciona a escolha do rito Adonhiramita (ou Rito de 12 graus) pelas lojas da corte como fruto da perseguição86, cuja particularidade central estava na adoção de nomes simbólicos pelos seus membros, o que dificultaria a identificação dos irmãos, uma vez que estes adotavam nomes maçônicos. Outra parte das lojas aderiu ao Rito Moderno ou Francês, que embora não utilizasse a prática de nomes simbólicos, era bastante criteriosa quanto a escolha dos iniciados e a conduta dos irmãos em suas vidas profanas87. Os maçons brasileiros, em sua maioria foram iniciados em lojas de ritos franceses, fossem elas na Europa ou depois no Brasil88.

No que se refere a localização das lojas, nas duas primeiras décadas do oitocentos a maioria se localizava no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. No caso da Bahia, as oficinas se localizavam em Salvador e no Recôncavo, por onde as lojas se espalhavam em caso de perseguição. Entretanto, estas lojas – tal como no Rio de Janeiro – pouco expandiram seus quadros de membros para além dos números iniciais, tratando-se muitas vezes da refundação de lojas antigas ou mesmo da fusão de duas ou mais oficinas. Ainda que para a memória maçônica essa dificuldade se deva em grande parte à própria pressão que os irmãos sofriam por parte das autoridades89, é preciso considerar que neste primeiro momento, a pequena expansão no número de irmãos também se deveu às próprias dificuldades de organização dos maçons no território brasileiro90.

Já no caso de Pernambuco, a situação era diferente, o número de irmãos e de lojas se expandiu significativamente a partir de 1809, com a fundação das lojas Restauração e Regeneração, que deram origem a outras oficinas a partir do crescimento do número de irmãos. Entre as lojas criadas na segunda década do século XIX destacamos a fundação de quatro novas lojas em Recife: Patriotismo (1814), Guatimozim (1816), Pernambuco do Oriente e Pernambuco do Ocidente (1817); além da criação de uma nova loja em Olinda, Universidade Democrática (1815) e de uma loja em Igarassu, Oficina Igarassu91.

Sendo assim, Pernambuco apresenta uma realidade muito particular em relação às demais regiões brasileiras que, no mesmo período (1809-1816) tiveram a criação de apenas três novas lojas, a União (1813) em Salvador, e as lojas Comércio e Artes (1815) e Beneficência (1816), no Rio de Janeiro.

Neste período, Pernambuco concentrava metade das lojas maçônicas do território brasileiro, a porcentagem de iniciados em Pernambuco era similar ao restante da América portuguesa toda. Essa maior organização dos maçons dessa região estava relacionada a própria articulação de um Grande Oriente, e consequentemente de um Grão-Mestre de identificação local, em oposição às imposições e conflitos de interesse com o Grande Oriente Lusitano. O Grão-Mestre eleito para este Oriente teria sido Andrada Machado, maçom respeitado por sua trajetória de resistência na antiga loja Distintiva de Niterói, da qual foi venerável antes do fechamento desta por ordem de d. João92.

Entretanto, esta articulação em torno de Andrada Machado, não era uma unanimidade entre os quadros pernambucanos. Diferente das lojas das demais capitanias, que estavam ligadas a Portugal, França ou mesmo sem vinculações externas na tentativa de construir uma potência própria, a maçonaria pernambucana desde 1813, com a fundação da Restauração, tinha sua vinculação por carta patente à Grande Loja Unida de Londres. Esta potência maçônica havia emitido uma carta de reconhecimento e filiação em nome de Domingos José Martins, ao qual é atribuído o papel de emissário da maçonaria inglesa em Pernambuco93.

Para Colussi, embora a formação do Grande Oriente Brasiliano se apresentasse sob a liderança dos maçons da Bahia, agregando os quadros fluminenses, os primeiros aparentaram uma menor influência sobre os rumos desse Grande Oriente, que estaria mais alinhado principalmente aos interesses fluminenses ligados à corte94. A designação de Andrada Machado como Grão-Mestre atenderia aos desejos dos maçons fluminenses de controle dos quadros brasileiros, sobretudo dos maçons de Pernambuco e capitanias próximas, local de presença maçônica mais antiga e de maior vulto que outras localidades. Assim, relacionar a centralidade do Grande Oriente na Bahia se dava por uma preocupação mais discursiva, reconhecendo a existência da Cavaleiros da Luz como a primeira loja maçônica do Brasil, mas estava relacionado aos interesses dos maçons fluminenses.

Enquanto para Colussi o Grande Oriente Brasiliano representava os interesses dos maçons fluminenses, para Pablo Magalhães esse Oriente seria a materialização da força e do papel da maçonaria da Bahia como centro formador e irradiador da fraternidade pelo país. Magalhães, argumenta em seu artigo “A Cabala Maçônica”, que embora as lojas da Bahia, em especial de Salvador, não fossem tão numerosas, tais lojas possuíam um contingente significativo de irmãos filiados a elas em termos de representação da sociedade da capital baiana. Assim, o Grande Oriente Brasiliano seria uma composição igualitária de forças das três principais províncias do país, atraindo a repressão sobre a maçonaria na Bahia após a Revolução Pernambucana95, influenciando na brevidade dessa potência maçônica.

Domingos José Martins era membro do primeiro núcleo da maçonaria pernambucana, tributário do grupo em torno do naturalista Arruda Câmara e do padre João Ribeiro, e que contava com aliados como Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, e o médico Vicente Ferreira Guimarães Peixoto, além de alianças com outros maçons da localidade como o Coronel Suassuna. Este grupo, responsável pela fundação das lojas pernambucanas, embora mantivesse relações com outras partes da maçonaria brasileira, conservou uma política própria sobre a articulação das lojas da capitania.96

Esta articulação própria procurou isolar o grupo fluminense dos planos costurados entre as lojas, com especial destaque para as lojas Pernambuco do Oriente, Pernambuco do Ocidente, ambas fundadas por Cabugá, e a Guatimozim, ligada a Guimarães Peixoto. Estas lojas em conjunto compuseram a chamada Grande Loja de Pernambuco, centro articulador da Revolução de 1817. A formação dessa Grande Loja não apenas configurava uma organização centralizada dos quadros pernambucanos, mas os colocava em consonância com a tradição anglo-saxônica das Grandes Lojas locais. Para Colussi, a formação de uma Grande Loja para Pernambuco não apenas espelhava os modelos da Grande Loja da Inglaterra, mas politicamente se espelhava com o modelo federalista estadunidense de Grandes Lojas estaduais autônomas97, sem que houvesse uma pretensão ou a necessidade de formação de uma Grande Loja nacional, contrastando assim com o projeto fluminense de criação de uma única potência maçônica nacional.

Segundo Evaldo Cabral de Mello, este aparente isolamento dos grupos ligados ao Rio de Janeiro por parte da maçonaria pernambucana sob a liderança de Domingos Martins, se vinculava muito mais ao caráter republicano da Revolução de 181798. Assim, a linhagem maçônica pernambucana seria mais próxima ao modelo de organização do mundo maçônico anglo-saxão, enquanto a maçonaria fluminense era mais tributária do modelo francês. Tal diferença aparecia inclusive na defesa ou bem de uma monarquia constitucional ou de uma república aos moldes federativos.

Assim, a própria organização da Grande Loja pernambucana, se alinhava ao projeto federativo dos revolucionários pernambucanos, mais próximos ao modelo político estadunidense, oposto àquele pensado pela maçonaria do centro-sul brasileiro, mais centralizador. Estas disputas de tradições internas à maçonaria brasileira, aliadas à realidade política do reino do Brasil acabaram por criar uma profunda cisão entre os irmãos das diferentes regiões, consolidando a formação de dois centros organizadores da fraternidade. Sendo um primeiro núcleo ligado ao Rio de Janeiro e ao insipiente Oriente Brasílico e outro ligado às lojas centrais do Recife, ainda que houvesse irmãos com trânsito entre os dois grupos, como é o caso do próprio Andrada Machado.

Nesta perspectiva, a indicação de Andrada Machado para Grão-Mestre refletia uma tentativa de aproximação dos grupos fluminenses ao projeto pernambucano, ainda que possivelmente como uma forma de controlá-lo e frear interesses diversos daqueles estabelecidos no Rio de Janeiro. Andrada Machado teria circulação na Grande Loja pernambucana99, aproximando-a do Grande Oriente fluminense, buscando uma forma de unificação entre as duas potências em consonância com o projeto fluminense.

A existência de duas obediências maçônicas não é uma exclusividade brasileira do período, mas antes uma constante na história da maçonaria em todo mundo. Não há, ainda hoje, qualquer exigência sobre a quantidade de obediências em determinado local, sendo comum a existência de uma pluralidade de potências maçônicas em um mesmo país, como também a existência de lojas ligadas a diferentes potências maçônicas internacionais100.

Assim, a existência de mais de uma obediência maçônica no Brasil das primeiras décadas do século XIX obedece a uma busca de uma organização própria pelos grupos locais, cujos interesses eram distintos de outros grupos nacionais ou internacionais101. Desta maneira, os grupos formadores do Grande Oriente brasiliano ou da Grande Loja Pernambuco estavam relacionados aos projetos políticos que seus respectivos grupos defendiam.

O processo revolucionário pernambucano apresentou diversos desdobramentos para a realidade maçônica. Em virtude da eclosão da Revolução, Cabugá foi enviado aos Estados Unidos para negociar apoio à nova república, além da compra de armamento para os revolucionários. A missão Cabugá e sua posterior permanência nos Estados Unidos (impossibilitado de voltar em razão da perseguição imposta aos rebeldes) acabou criando mais um vínculo de reconhecimento da maçonaria brasileira102. Algumas obras maçônicas destacam o vínculo brasileiro com a Grande Loja de Nova Iorque e um corpo maçônico de Altos Graus existente na mesma cidade, ainda que Cabugá tenha se estabelecido na Filadélfia103.

Finda a Revolução, seus membros foram presos e processados. Embora a memória maçônica relacione como maçons todos os processados da revolução, é certo que ao menos os grandes quadros de liderança pertenciam à fraternidade. O resultado imediato de 1817 para a maçonaria brasileira foi a prisão, morte ou exílio de seus principais líderes

– Manoel Carvalho Paes de Andrade, por exemplo, se juntou a Cabugá nos Estados Unidos –, assim como estabeleceu-se um novo período de proibição e perseguição à ordem, após a promulgação do Alvará de Proibição das Sociedades Secretas por d. João VI em 1818, cujo maior alvo era certamente a maçonaria, vista como ameaça104.

O projeto de centralização da maçonaria brasileira sob a liderança fluminense seria então adiado pela publicação do Alvará, uma vez que as dificuldades impostas pela repressão à fraternidade, sob o comando do conde de Arcos, foram significativas105. Ainda que nunca tenha de fato significado uma interrupção completa das atividades da fraternidade, a fase de repressão inaugurada em 1818 teria dificultado, dado que não apenas as atividades do núcleo pernambucano e seu grande número de lojas foram dispersas, quanto a própria repressão na corte aumentou significativamente106.

Este quadro só sofreu alterações após a eclosão da Revolução do Porto em 1820, que favoreceu a rearticulação dos maçons brasileiros. Entretanto, se até 1817 a maçonaria luso-brasileira se dividia sob a influência de diversos outros centros maçônicos, o quadro político de 1821 e 1822 favoreceu a formação de uma centralidade que se propunha nacional, buscando concentrar parte significativa dos quadros maçônicos do Brasil, sob a liderança de um núcleo de maçons no Rio de Janeiro107.

Dentre as primeiras ações dos revolucionários lusitanos se localizam a anistia dos revolucionários de 1817, tanto do Brasil como de Portugal (dos implicados na Revolta de Gomes Freire), e a supressão do Alvará de 1818. Ambas as medidas tiveram efeitos não apenas na configuração dos diversos grupos atuantes na política lusa de ambos os lados do Atlântico, como no significativo número de maçons nas Cortes Gerais Constitucionais em Lisboa, e na rearticulação das atividades maçônicas de Portugal e Brasil, destacando-se a refundação da loja Comércio e Artes, do Rio de Janeiro.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

60 ANNAES Maçônicos Fluminenses. Rio de Janeiro: Na Typ. dos IIrm⸫ Seignot Placher e Ca, 1832, pág iii.

61 Embora os Annaes não evidenciem informações sobre sua autoria, alguns acreditam que estes tenham sido escritos por membros da loja Comércio e Artes, apontado sobretudo para dois de seus maçons de maior destaque, o Padre Januário da Cunha Barbosa, seu orador à época, ou Evaristo da Veiga, seu então secretário eleito.

62 Dadas as poucas pesquisas sobre o tema na historiografia brasileira, como visto na Introdução deste trabalho, se faz necessário muitas vezes a utilização da produção bibliográfica da própria maçonaria brasileira. Entretanto, a maior parte destes trabalhos, realizados por pesquisadores sem formação na área, não informam fontes das informações ou os documentos originais. Por isso, quando forem citados trabalhos desta bibliografia sem a informação das fontes, estes serão sempre identificados nesta pesquisa como “memória maçônica”, apenas para uma distinção formal sobre a comprovação ou não das fontes.

63 Cf. MARQUES, op. cit.; BARATA, Alexandre Mansur, Maçonaria, sociabilidade ilustrada, op. cit., p. 64-65.

64 Sobre a Conjuração Baiana e as possíveis identificações da maçonaria na Bahia do fim do século XVIII ver JANCSÓ, István, Na Bahia, contra o Império. História do Ensaio de Sedição de 1798. Salvador, Hucitec-Edufba, 1995.

65 A fundação da Loja “Cavaleiros da Luz” teria ocorrido a bordo da fragata francesa La Preneuse, ancorada na Barra (em Salvador) no início de julho de 1797. Sobre a “Cavaleiros da Luz”, ver CASTELLANI & CARVALHO, op. cit, Capítulo III, p. 103-154.; BUCHAUL, op. cit., p. 357-364. Alexandre Barata discute também a possibilidade da existência desta loja, ainda que para o autor, a Cavaleiros não tenha outros indícios além das listadas. BARATA, op. cit., p. 51.

66 Sobre as perseguições e processos contra os maçons portugueses ver BARATA, op. cit., Cap. 3, pp. 141- 207.

67 BARATA, op. cit., pp. 59-61.

68 COLUSSI, op. cit., p. 80.

69 ANNAES Maçônicos Fluminenses, p. 3

70 COLUSSI, op. cit., p. 79.

71 ANNAES Maçônicos Fluminenses, p. 4.; COLUSSI, op. cit., p. 80.

72 COLUSSI, op. cit., pp. 80-81.

73 ANNAES Maçônicos Fluminenses, p. 5.

74 COLUSSI, op. cit., p. 81.

75 COLUSSI, op. cit., p. 73.

76 BARATA, op. cit., pp. 47-48.

77 Sobre a possível articulação da conspiração ver ANDRADE, Manuel Correia de. A Revolução Pernambucana de 1817. São Paulo: Editora Ática, 1995. ANDRADE, Breno. Os filhos pagam pelos pais: (In)Fiéis, vassalos e outros termos utilizados na devassa sobre a suposta Conspiração dos Suassuna em 1801. OPSIS, Catalão, v.11, n.2, p. 239-252, Jul-Dez 2011.

78 A Revolução Pernambucana teria sido organizada desde 1816 no interior das lojas pernambucanas Patriotismo, Restauração, Pernambuco do Oriente e Pernambuco do Ocidente. COLUSSI, op. cit., p. 80.

79 COLUSSI, op. cit., pp. 80-82.

80 BARATA, op. cit., pp. 47-49.

81 COLUSSI, op. cit., p. 80.

82 A loja de São João de Bragança teria funcionado sob os auspícios de dom Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, contando em seus quadros diversos membros da alta corte portuguesa. ANNAES Maçônicos Fluminenses, p. 8.

83 Além de Andrada Machado, é apontado pela memória maçônica como secretário da loja o Padre Belchior Pinheiro de Oliveira. BUCHAUL, op. cit., p. 392; BARATA, op. cit., p. 81.

84 No Manifesto atribuído à José Bonifácio, a informação sobre o oriente de 1817 não informa a composição de lojas e membros. Outras fontes, entretanto, afirmam que o oriente de 1817 teria sido composto por ao menos quatro lojas, sendo três da Bahia e uma do Rio de Janeiro. MANIFESTO do Grande Oriente do Brasil, em seu reerguimento, p. 2. BARATA, op. cit., p. 88.

85 MARQUES, A. H. de Oliveira, op. cit., v.1, p. 109.

86 ANNAES Maçônicos Fluminenses, p. 3.

87 Sobre as condutas dos ritos e as particularidades do rito Adonhiramita ver JONES, op. cit., pp. 188-191.

88 Tanto o rito Adonhiramita quanto o rito Moderno possuem origem francesa. Sobre as escolhas dos ritos nas lojas, ver COLUSSI, op. cit., pp. 105-107.

89 ANNAES Maçônicos Fluminenses, pp. 7-8.

90 Ao mesmo tempo que se encontram relatos da presença de maçons em locais como a vila de Óbidos, no Pará, ao mesmo tempo não há uma memória de outras lojas organizadas além das muitas já listadas, ainda que estas mesmas listas tenham sido elaboradas em sua maioria apenas na década de 1830. BARATA, op. cit., pp. 80-85.

91 MELO, Mário. A Loja Maçônica Seis de Março de 1817 ao Oriente do Recife. Recife: Typ. Recife- Graphico, 1923, p. 13.

92 A loja Distintiva teria sido fechada após denúncia formulada ao intendente-geral de polícia Paulo Fernandes Viana e teria seus pertences, objetos, alfaias e livros, lançados ao mar na altura da Ilha dos Ratos, atual Ilha fiscal, por ordem do então príncipe regente Dom João. BUCHAUL, op. cit., p. 392

93 MELO, op. cit., pág. 9.

94 COLUSSI, op. cit., p. 105.

95 MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. A Cabala Maçônica no Brasil: O primeiro Grande Oriente Brasileiro (Bahia e Pernambuco, 1802-1820). Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, v. 70, p. 73-138, 2017.

96 MELO, op. cit., pp. 9-10

97 COLUSSI, op. cit., p. 82. A tradição maçônica não hierarquiza Grandes Lojas e Grandes Orientes, mas antes os compreende como uma forma de organização de obediência maçônica, decorrente de tradições de distintas nomenclaturas, oriundas da França no final do século XVIII. Até 1773, a designação Grande Oriente referia-se apenas a reunião de Grandes Lojas. Na fundação da Grande Loja Nacional da França, esta designação foi substituída por Grande Oriente da França. BEAUREPAIRE, op. cit., p. 53.

98 MELLO, Evaldo Cabral de. “Dezessete: a maçonaria dividida”. Topoi, Rio de Janeiro, março de 2002, p. 13.

99 A indicação de Andrada Machado como ouvidor de Olinda teria sido manobrada pelos maçons do Rio de Janeiro, para ampliar sua influência sobre os quadros pernambucanos. MELLO, op. cit., p. 12.

100 AZEVEDO, op. cit., pp. 38-39.

101 AZEVEDO, op. cit., p. 44.

102 Sobre a missão de Cabugá e seu período nos Estados Unidos cf. RABELO, Pedro Henrique de Mello, Amizade, comércio e navegação: o tratado de 1829 e as relações político-mercantis entre o Brasil e os Estados Unidos na formação do Império brasileiro (1808-1831), Ouro Preto, Dissertação de mestrado, UFOP, 2017, pp. 88-90.

103 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., pp. 69-71. RABELO, op. cit., p. 58.

104 Alvará de 30 de março de 1818, Declarando Criminosas e Proibidas as Sociedades Secretas. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518750

105 BARATA, op. cit., p. 210.

106 COLUSSI, op. cit., p. 81.

107 BARATA, op. cit., p. 212.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte I

Resumo

A maçonaria brasileira, presente no país de forma mais ou menos frequente ao longo das primeiras décadas do século XIX, passou por muitas fases de clandestinidade, passando por um hiato de publicidade durante o ano de 1822, até sua proibição por lei em 1823.

A presente dissertação apresenta o estudo sobre a década de 1820, período de clandestinidade da ordem e fundação da loja maçônica mais excepcional do país, a Vigilância da Pátria, que funcionou como uma loja clandestina que articulava em seu interior outras lojas, em um funcionamento muito particular dentro das múltiplas tradições maçônicas aprendidas por estes homens durante seu processo formativo.

Esta loja, a que pertenceram muitos dos principais atores políticos do primeiro reinado, nos fornece uma possibilidade de compreensão das articulações políticas e sociais do período, assim como um lócus privilegiado de circulação para a construção de sociabilidades e relações pessoais próprias do século XIX, até sua saída da clandestinidade em 1830, quando fundou as bases da maçonaria nas décadas subsequentes.

Introdução

A Maçonaria neste país só podia ter existência desafrontada quando a Liberdade e a Independência lhe dessem força e proteção. Esta época chegou, e então ela soube prestar importantes serviços à Pátria que feliz e gloriosamente se emancipava. Mas ou alheadas pelo júbilo de haver concorrido em grande parte a essa obra ou inexperiente a respeito de uma política refalsada que não havia dúvida, para não reconhecer o benefício, destruir o benfeitor, não viu a cilada que lhe armava a ingratidão e teve que chorar sobre a mais injusta e bárbara perseguição, maquinada por aqueles mesmos que por decência e juramento deveriam proteger os maçons1.

O relato feito pelo senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro no Manifesto do Grande Oriente Nacional Brasileiro aos maçons do mundo Atlântico, publicado em 1835, resgata a memória maçônica sobre a problemática década de 1820 para os membros da irmandade.

Depois de um breve período de liberdade das atividades maçônicas entre os anos de 1821 e 1822, da participação de seus membros nos processos que culminaram na independência do Brasil e na cena política imediatamente posterior, a maçonaria teve suas atividades proibidas por aqueles que chegaram a constituir os quadros da principal liderança da irmandade, como José Bonifácio de Andrada e Silva e o próprio imperador dom Pedro I, ambos eleitos Grão-Mestres da maçonaria brasileira em 18222.

A maçonaria talvez seja a mais notória das sociedades iniciáticas do mundo ocidental contemporâneo. Alvo das mais variadas especulações por seu caráter constitutivo central, o segredo iniciático, a irmandade é sempre relacionada a diversos acontecimentos e situações mais ou menos permeados por teorias da conspiração3. Entretanto, se o senso comum explora a temática com maior ou menor propriedade, a historiografia trata a fraternidade, sobretudo a brasileira, como um tema de menor ou pouca importância para o debate da construção de redes de sociabilidade e

de articulações das elites brasileiras. Este quadro tem se alterado pouco a pouco no espaço das últimas duas décadas, com o surgimento de novos estudos a partir dos trabalhos de Alexandre Mansur Barata4, Eliane Colussi5, Marco Morel6 e Célia Marino Azevedo7 que deram novo fôlego a esta temática, embora muitas pesquisas ainda se detenha em momentos específicos de atuação dos irmãos. Compreender a atuação da maçonaria passa antes de tudo pelo entendimento do que é a irmandade, mas principalmente daquilo que ela não é. Ao buscarmos uma definição sobre a maçonaria, a melhor formulação é dada por Manuel Sanchez, historiador espanhol, para o qual a maçonaria

[…] não é um partido, nem uma seita nem, por isso, uma religião. Poderíamos defini-la, em termos gerais, como uma fraternidade liberal, iniciática e especulativa que surge na Europa (Inglaterra e França) nos princípios do século XVIII e se estende, com grande rapidez, para o resto do continente e pela América8.

Esta definição, por mais genérica que possa parecer, nos oferece um primeiro prisma sobre o que a maçonaria se dispõe a ser, ou seja, um local de construção de sociabilidades garantidas pela iniciação e o segredo ritualístico, elementos herdados de sua formação original, as guildas medievais dos construtores, conhecidos pelo termo original de Freemasons ou Pedreiros Livres, e que passou por profundas transformações ao longo do século XVIII, quando sua atuação “operativa” transmutou-se em “especulativa”, originando a irmandade tal qual como a conhecemos hoje9.

A existência da maçonaria na América portuguesa e depois no Reino do Brasil passou, nas primeiras décadas do século XIX, por períodos de maior ou menor liberdade, segundo a permissão ou auxílio dos governantes das regiões onde os irmãos se concentravam e após um breve período em que de fato a irmandade se articulou em torno de um núcleo central, as atividades dos irmãos foram novamente relegadas à clandestinidade.

Entretanto, o banimento da irmandade por força da lei de proibição das chamadas Sociedades Secretas não resultou na suspensão completa das atividades maçônicas, antes os irmãos desenvolveram novas maneiras de manter suas lojas de forma que fosse possível continuar com as suas práticas sem que estas oferecessem riscos de processos e de prisão a seus membros.

A fórmula encontrada, decorrente de uma longa tradição maçônica de períodos de maior risco ou em situações de grande circulação terrestre e marítima dos irmãos, foi a de criação de uma loja que não necessitasse de um salão cerimonial ou de regras engessadas de filiação. A estas lojas se dava o nome de errantes ou volantes. A grande loja errante do Brasil entre os anos de 1825 e 1830 foi intitulada “Vigilância da Pátria”.

A “Vigilância da Pátria”, fundada em 1825 no Rio de Janeiro, congregou grande parte dos membros da irmandade na corte, além de construir espaços de articulação e de defesa dos irmãos ao longo do território nacional, contando para isso com membros cuja circulação por diversas áreas não levantasse suspeitas ao governo imperial.

Ao longo dos anos, a “Vigilância” não apenas expandiu seus quadros, congregando os irmãos iniciados antes da lei de proibição das Sociedades Secretas, assim como contou com novos iniciados, construindo redes de circulação de homens, ideias e textos, não apenas entre seus quadros nacionais, mas também entre os irmãos no exterior, por exílio ou à serviço da nação.

As origens da maçonaria na Europa

A maçonaria passou por uma mudança essencial em suas formulações entre o final do século XVII e o início do século XVIII. Esta passagem, feita entre a Escócia e a Inglaterra, teve seu auge com a formação da Grande Loja Unida de Londres, cuja fundação remete às festas de São João Batista em 1717, a partir da reunião dos quadros de filiados das primeiras lojas da capital inglesa, The Goose and Gridiron (O Ganso e a Grelha), The Crown (A Coroa), The Apple Tree (A Macieira) e The Rummer and Grapes (O Copázio e as Uvas)10. Ainda que a memória maçônica aponte a fundação da Grande Loja de Londres a partir destas primeiras lojas, é difícil afirmar a data precisa de tal criação. As novas pesquisas sobre o tema consideram que o processo de fundação da Grande Loja tenha se dado entre 1717 e 1723, baseando-se na memória de um dos principais atores do período, James Anderson, o formulador dos primeiros documentos sobre a ordem11.

A partir da fundação da Grande Loja de Londres, tiveram início as primeiras elaborações formais sobre a irmandade, estabelecendo suas principais características, sintetizadas em dois documentos: as Constituições de Anderson e as chamadas Landmarks. Tais documentos foram as bases para toda a formalização de uma unidade de funcionamento da maçonaria, pensada por estes “legisladores” como uma fraternidade universal que reuniria em uma grande instituição homens de todos os lugares, norteados por uma noção de pertencimento a esta grande fraternidade12.

Embora se pretendesse universal, a maçonaria adquiriu características e peculiaridades próprias de cada lugar onde se estabeleceu. Estas modificações, iniciadas desde o princípio da dispersão da irmandade para além das ilhas britânicas, remetem não apenas às funções ritualísticas da ordem, mas às próprias formas de iniciação e pertencimento, com maior ou menor abertura em relação aos critérios exigidos dos iniciados, ao próprio funcionamento das lojas e à organização de instituições centralizadas regionalmente e/ou nacionalmente.

São modificações essenciais ao funcionamento da irmandade, das quais a maçonaria brasileira é tributária, aquelas originadas na França e na América, com especial destaque às formulações das antigas 13 Colônias Britânicas, formadoras dos Estados Unidos. A tradição da maçonaria francesa, com a simplificação dos ritos e graus, permitiu, por um lado, um maior controle dos iniciados e, por outro, a abertura para manifestações políticas de seus membros no espaço interno da irmandade, assim como a participação dos irmãos na vida pública. Sua organização pressupunha uma unidade central que englobasse todo o território, com um quadro de lideranças pertencentes a diversas lojas e não a uma especificamente13.

Da mesma forma que a tradição francesa, a tradição da América do Norte, sobretudo aquela pertencente às 13 colônias que viriam a formar originalmente os Estados Unidos, simplificaram graus e ritos, embora em menor número do que fizeram os franceses, abrindo seus salões às discussões políticas entre seus membros, criando redes de sociabilidades por todo o território, além do estabelecimento de padrões de organização por divisões regionais, em princípio respeitando as fronteiras das colônias, posteriormente de seus estados, sem que houvesse uma entidade centralizadora nacional14.

Estas divisões internas à irmandade se referem particularmente às várias formulações que a ritualística recebeu em cada um dos lugares em que a irmandade se fixou. As fórmulas dos rituais mais antigos vieram do Reino Unido. Neste, o rito maçom recebeu sua primeira formulação vinda da antiga maçonaria operativa, em que os três primeiros graus remetiam às antigas práticas profissionais das guildas: os graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre. Depois vinham os graus simbólicos; isto é, a maçonaria especulativa elaborou outros graus que não apenas explicitassem a vivência dos membros na irmandade, mas também indicassem o tempo de permanência do irmão na ordem e estabelecesse alguma conduta na hierarquia, uma vez que as chefias de lojas (venerável) ou da obediência pressupunha a iniciação acima do quarto grau, que entronizava o irmão nos chamados graus filosóficos15.

O Reino Unido forneceu o primeiro modelo ritual dos graus do mundo contemporâneo, formado por 33 graus, intitulado Rito Escocês Antigo e Aceito, uma vez que sua formulação inicial proveio das lojas escocesas. Com a dispersão da irmandade pelo continente, novas formas de rito ganharam forma, simplificando o modelo anglo-saxão, ao mesmo tempo em que garantiam um controle maior dos iniciados na irmandade16.

Ponto central da irmandade na Europa continental, a França estabeleceu o grande rito desta nova fase. Mantendo os três graus simbólicos originais, o rito francês diminuiu o número de graus simbólicos, mantendo apenas quatro deles, dando origem ao chamado Rito Francês ou Moderno, com 7 graus. Ao mesmo tempo, a tradição francesa criou uma outra formulação de rito com 12 graus17, com a particularidade da adoção de nomes simbólicos como forma de proteção dos irmãos em momentos de maior perseguição, ampliando as implicações do segredo ritualístico. Ao mesmo tempo, ambos os rituais de origem francesa permitiram a seus membros a publicização de seus posicionamentos.

A última grande vertente de formulação ritualística é originária da América, nas antigas 13 Colônias Britânicas que, após sua independência, deram origem aos Estados Unidos. A presença da maçonaria nos territórios coloniais é contemporânea ao processo de dispersão da irmandade na Europa continental, mas sua ritualística ganhou contornos próprios que abriram um longo conflito com a irmandade de vertente europeia. A primeira grande diferenciação criada pelos colonos ingleses foi a de um quarto grau simbólico, o Mestre da Marca. Ademais, o rito americano também restringiu o número de graus filosóficos para nove18.

Os novos ritos colocaram em xeque a autoridade da Grande Loja de Londres como centro dispersor da irmandade, levando esta a não reconhecer os novos ritos como legítimos, o que implicava também no não reconhecimento oficial das lojas que os praticassem. Este conflito só pode ser resolvido em 1813 com a União de Antigos e Modernos. A partir dessa união, houve, por um lado, o reconhecimento de diversos ritos originados após a dispersão, como o Francês, mas, por outro, criou-se uma nova forma de organização ao rito Americano, conhecido como Rito de York, criando-se um novo Rito de York, conhecido como York de emulação19. A partir da União, a Grande Loja da Inglaterra passou a ser formado por lojas organizadas por Antigos20 e Modernos21, doravante reconhecidos todos como legítimos.

Embora organizados de formas diferentes conforme a localidade e tradição, todas essas maçonarias compartilham dos mesmos elementos centrais, as Constituições de Anderson, as Landmarks e o segredo ritualístico de pertencimento à irmandade22.

Sendo no segredo, para além de outros elementos distintivos da irmandade, que reside sua particularidade como elemento construtor de sociabilidades políticas. Para Reinhardt Koselleck, aqueles que se reuniam nas lojas, formavam uma nova camada social que não tinha espaço político. Ao se congregarem em uma instituição cujas tarefas eram “sociais”, a maçonaria permitia a “formação típica de um poder indireto, no Estado absolutista, exercido pela nova burguesia. Funcionavam cobertas por um véu que elas próprias haviam tecido: o segredo”.23

Para Koselleck, o segredo, mantinha uma função social, que protegia a instituição e seus membros. A suposta separação da moral e da política era mantida pelo segredo, que garantia o traço político mais importante, a liberdade em relação ao Estado.

Aparentemente sem afetar o Estado, os burgueses criam nas lojas, nesse foro interior secreto dentro do Estado, um lugar em que já se realiza – sob proteção do segredo – a liberdade civil. A liberdade em segredo torna-se o segredo da liberdade.24

Este foro de convivência e sociabilidade privilegiado, aliado a um senso de pertencimento, proteção e auxílio mútuo, onde a prática da liberdade civil, mas sobretudo, da articulação de interesses políticos entre seus membros, fez com que a fraternidade se espalhasse por toda a Europa. Destacando-se seu papel central entre os membros das elites atlânticas, onde a fraternidade, apesar de muitas vezes clandestina, apresentava-se como local de reunião e articulação política por excelência, sobretudo nos diversos processos de lutas anticoloniais e de independências americanas.

Porém, apenas o segredo não explica as fidelidades maçônicas. Para isto, é importante entender o processo de iniciação dos membros na ordem e sua fidelidade de pertença, não apenas à sua loja de origem, mas ao corpo maçônico como um todo, garantindo assim uma rede de sociabilidade e proteção onde quer que este maçom se encontrasse25.

Para Maurice Agulhon, a maçonaria não apenas seria um local de sociabilidade e de circulação das Luzes, mas também um espaço fundamental para a criação e manutenção da ideia de esfera pública. As lojas maçônicas constituiriam um local favorável para o exercício de novas formas de sociabilidade; protegidos pelo segredo os irmãos poderiam debater ideias nascidas da Ilustração, além de vivenciarem o processo de eleição de seus líderes, em todos os cargos26.

As lojas maçônicas se constituíram, tanto na Europa quanto na América, como espaços de circulação de ideias e instância de aprendizado das práticas modernas, como a escolha de associados e o livre debate entre seus pares. Sendo assim, a fraternidade pode ser vista como portadora de práticas inovadoras de cultura política e seus membros como construtores e sujeitos do espaço público moderno, contribuindo para a inauguração de uma nova forma de comportamento político27.

Entretanto, todos esses elementos também são responsáveis pelo risco em se pensar a maçonaria como a responsável por todos os fatos, numa espécie de grande teoria da conspiração, uma vez que o próprio elemento do segredo – ao menos em algumas localidades – isolou a fraternidade, além de permitir a associação entre segredo e conspiração28.

Embora a historiografia tradicional do princípio do século XX tenha dado destaque à atuação da maçonaria e seus membros, a produção acadêmica sobre o tema foi relativamente escassa até o início da década de 1970, quando dois trabalhos pioneiros abriram novas frentes de investigação.

Margareth C. Jacob inaugurou uma nova frente de estudos no mundo anglo-saxão com seu livro The Radical Enlightenment: Pantheist, Freemasons and Republicans29, em que aborda a relação entre a cultura secular e as sociedades secretas como a maçonaria para a hegemonia do capitalismo na mentalidade do século XVIII. Iris Zavala por sua vez, em seu trabalho Masones, comuneros y carbonários30 estudou as chamadas sociedades secretas na construção de uma nova realidade política nos domínios espanhóis do final do século XVIII ao reinado de Fernando VII.

A partir destes trabalhos, uma nova abordagem sobre a atuação da maçonaria, sobretudo em seu aspecto político e social, influenciou a produção acadêmica mundial, com duas principais temáticas: a organização e o funcionamento da fraternidade nas diversas localidades onde se instalou e o seu papel como núcleo articulador de grupos políticos atuantes em processos históricos fundamentais entre o setecentos e o oitocentos.

Ao dividirmos os estudos sobre maçonaria em duas grandes frentes, há um destaque para a produção anglo-saxã e francesa no que se refere à primeira temática, das origens e do funcionamento da fraternidade. Este destaque se dá sobretudo por serem estes os locais onde a maçonaria passou de seu estado operativo para o seu formato especulativo31.

É nesta “mudança de natureza”, operada entre a Escócia e depois Londres que a fraternidade recebeu seus dois principais elementos reguladores, os Landmarks e as Constituições. Estes dois documentos, elaborados pela maçonaria inglesa e alterados ao longo do tempo, estabeleceram as formas de funcionamento da fraternidade, direitos e deveres de seus membros, além de elementos de reconhecimento e distinção entre eles fora dos espaços das lojas32.

É ainda no século XVIII que a maçonaria ganha uma primeira diferenciação. Por um lado, haviam as lojas de tradição anglo-saxônica, não permitindo posicionamentos políticos no interior das lojas e vetos ao posicionamento externo da irmandade, bem como a exigência de profissão de crenças cristãs aos seus iniciados; e, por outro, as lojas afiliadas à tradição francesa, em que não só se permitiam o posicionamento político dos irmãos dentro da ordem e declarações políticas vinculadas à própria instituição, além da permissão da profissão de qualquer fé por parte de seus iniciados ou apenas a crença em um ser superior, mesmo sem uma prática religiosa definida33.

Para além dos campos de investigação sobre as origens da maçonaria, a historiografia europeia, destacando-se as produções do Reino Unido e da França, buscou compreender sua origem e a sistematização de seus elementos formativos, com vistas a desmistificar a irmandade e romper com as lendas e interpretações equivocadas sobre ela34. Mapeando os processos de consolidação e expansão da maçonaria, não apenas na Europa, mas também para os domínios americanos, observando a formação de redes de sociabilidade entre estes vários espaços, a construção de mentalidades e de novos comportamentos políticos35, além da atuação dos membros da fraternidade nas esferas públicas, atuando na elaboração de novos comportamentos políticos e o seu envolvimento em processos históricos singulares, como as Revoluções Atlânticas36.

Os irmãos na América

Uma segunda frente dos trabalhos sobre a maçonaria se concentra na expansão e posterior atuação da fraternidade na América, com destaque para os trabalhos sobre os Estados Unidos e o crescimento de pesquisas sobre o Caribe (Cuba, Porto Rico e um insipiente grupo sobre o Haiti), além dos trabalhos sobre a América espanhola, especialmente a produção mexicana, e um novo fôlego para as pesquisas sobre o Brasil.

No que se refere aos importantes trabalhos sobre a maçonaria nos Estados Unidos, não apenas pelo destaque que a ordem teve no país, como também por ser o primeiro território americano onde a fraternidade se instalou. Além disso, a maçonaria estadunidense, ainda no século XVIII, implicou em uma terceira divisão no corpo maçônico, mesclando elementos ingleses e franceses, constituindo comportamentos próprios da fraternidade naquele território37.

Esta particularidade da conformação da fraternidade no país não apenas se refere a práticas rituais e a atuação pública de seus membros, mas também a uma subdivisão particular desta, nascida ainda no século XVIII nas lojas do estado de Massachusetts e depois expandida para os outros estados da federação, as chamadas lojas negras, nascidas dentro das potências tradicionais, mas que no século XIX constituíram potências próprias, os chamados Prince Halls38.

Os trabalhos nos Estados Unidos se concentram principalmente na atuação da fraternidade a partir dos processos da Revolução Americana, buscando compreender a constituição de redes de sociabilidades entre as elites, assim como suas articulações para além das divisões entre norte e sul. Trabalho fundamental sobre a atuação da maçonaria nos Estados Unidos é o livro de Steven C. Bullock, Revolutionary Brotherhoood: Freemasonry and the transformation of the American Social Order (1730-1840)39, em que o autor mapeia a atuação dos maçons americanos desde sua implementação no território e engajamento no processo de emancipação, como a atuação na construção do novo Estado nacional até o aparente enfraquecimento da fraternidade na década de 1840, em razão do surgimento do movimento e posterior partido Antimaçônico.

O trabalho de Bullock renovou as pesquisas na área, se expandindo para além do processo de independência, passando pela construção do novo país e seu processo de expansão40, destacando o período da Guerra Civil, principalmente no Sul41. Uma última frente de novos trabalhos busca interligar diferentes regiões, examinando, por exemplo, as influências da maçonaria estadunidense sobre outros locais da América, com destaque para a Grande Loja da Luisiana e Grande Loja de Nova York. Ambas as obediências atuaram no sentido de expansão da ordem e de seu reconhecimento em outros locais do continente, como as primeiras lojas do Caribe e, especialmente para o Brasil, da loja 06 de Março de 1817 em Pernambuco, que articulou parte das elites pernambucanas na Confederação do Equador42. É nesta intersecção entre a maçonaria de Nova York, Luisiana e demais locais da América que localizamos uma outra frente de trabalhos, as pesquisas sobre a maçonaria caribenha, como a produção de Cuba e Porto Rico. Estas não apenas se cruzam com a historiografia estadunidense, como se interligam principalmente com os trabalhos da Espanha sobre o tema.

Os trabalhos sobre a maçonaria no Caribe destacam a atuação da fraternidade sistematicamente a partir da década de 1850, com o engajamento da elite criolla entre as lojas ligadas ao Grande Oriente da Espanha e a Grande Loja de Nova York. Jossianna Arroyo em seu Writing Secrecy in Caribbean Freemasonry43, examina as filiações, redes de apoio e fidelidade no Caribe, se preocupando sobretudo com as elites cubanas e porto-riquenhas, e com os processos inaugurados no Caribe pela própria Revolução Haitiana, para qual Arroyo aponta uma nova historiografia sobre o tema. Para além desse trabalho, os historiadores caribenhos têm dado destaque para a atuação da maçonaria cubana no século XIX, sobretudo no que se refere a suas alianças políticas com a Inglaterra, Estados Unidos e Espanha, tecendo assim não apenas relações políticas de sociabilidade, mas também circulações imperiais no Atlântico44.

As mesmas ligações tecidas pelas maçonarias caribenhas foram formadas pelas demais maçonarias da América Espanhola, embora muito mais fiéis à maçonaria francesa e belga. Se a historiografia caribenha analisa a atuação da maçonaria nas manutenções e questionamentos dos poderios imperiais, a produção latino-americana continental concentrou seus estudos nas discussões sobre os processos de emancipação e consolidação dos novos estados nacionais45.

Uma irmandade entre Portugal e Brasil

Os poucos estudos sobre essa temática não se devem ao desinteresse dos historiadores sobre o tema, mas a uma dupla problemática que se apresenta sobre os estudos da maçonaria nas Américas. A irmandade em Portugal e Espanha passou por um longo processo de perseguição, muito mais severo que na Inglaterra e na França, fosse pela longa atuação da Inquisição ou das autoridades governamentais. Aliado a este quadro, a maçonaria latino-americana passou as primeiras três primeiras décadas do século XIX quase toda na clandestinidade, proibida por antigas leis coloniais ainda em vigor e pela proibição dos chefes nacionais, apesar de sua participação nos processos de emancipação.

Não bastassem tais perseguições, os pesquisadores, por muito tempo, tiveram que lidar com a restrição de acesso à documentação, permitida somente aos iniciados. Por isto, a produção sobre a história da maçonaria, principalmente na América Latina, esteve vinculada aos escritores memorialistas pertencentes a própria fraternidade. Apesar desta produção apresentar algumas interessantes perspectivas de análise, falta a ela maior isenção sobre os temas analisados, por diversas vezes colocando a maçonaria como a grande protagonista dos principais acontecimentos.

Em se tratando do Brasil, por muito tempo os trabalhos sobre a maçonaria ficaram restritos às publicações de caráter memorialista da própria fraternidade46. Os ensaios produzidos pela historiadora Célia Marinho47 sobre as sociedades secretas no Brasil do início do século XIX, podem ser considerados uma exceção na produção sobre a fraternidade.

Influenciando a virada historiográfica brasileira no final da década de 1990, com os trabalhos de Alexandre Mansur Barata sobre a maçonaria brasileira nas últimas décadas do século XIX48 até o período da independência49, apresentando uma análise sistemática sobre a atuação da ordem no Brasil no período em questão.

Contemporâneo aos trabalhos de Barata, estão os estudos de Eliane Lucia Colussi, Plantando as ramas de Acácia: a maçonaria gaúcha na segunda metade do século XIX50, em que analisa a expansão da maçonaria no Rio Grande do Sul e suas articulações com a irmandade no país, além das interligações entre a maçonaria gaúcha e as maçonarias dos países vizinhos, como Argentina e Uruguai.

Após estes trabalhos, observamos um crescimento nas pesquisas sobre a maçonaria no Brasil em dissertações e teses pelas diferentes regiões do país. Entretanto, boa parte destes trabalhos se referem a atuação maçônica no período da Independência e a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo relacionados ao momento da Questão Religiosa, quando os maçons estiveram no cerne da discussão sobre as relações entre religião e Estado51.

Toda esta produção historiográfica sobre o tema pode ser analisada em termos de seus respectivos Estados nacionais, mas também podem ser analisadas a partir das relações tecidas entre os diversos Orientes, em negociações de reconhecimento, auxílio e proteção mútua.

A maçonaria, apesar de não ser centralizada em um único grande poder, possui uma articulação que lhe caracteriza não como uma instituição internacional e sim transnacional. Uma vez que suas redes de filiação e apoio ultrapassam as fronteiras nacionais, interligando Grandes Lojas e Orientes por meio de tratados de mútuo auxílio e proteção, além de redes de reconhecimento que inserem ou não determinado corpo maçônico nesta rede internacional.

As articulações entre as maçonarias pelo mundo, ainda no século XVIII, garantiu não apenas sua difusão pelo mundo Atlântico, mas, sobretudo, a proteção de seus membros frente a perseguições e abrigo em outras localidades. É a partir destas articulações que os estudos sobre a maçonaria analisam as relações entre as elites, tecendo redes de circularidade de ideias e de pessoas que envolvem espaços geográficos diversos. Para a maçonaria brasileira, esta circulação é perceptível não apenas pelo seu processo de regulamentação no século XIX, mas pelo processo iniciático de seus membros52.

Embora a historiografia do início do século XX tenha identificado o local de iniciação dos primeiros maçons brasileiros em Coimbra, em uma loja ligada à Universidade, estudos mais recentes apontam que iniciações também ocorreram em Montpelier, na França. A historiografia portuguesa aponta que o grande ponto de sustentação da maçonaria no país não se localizava no território continental, mas sim na Ilha da Madeira, mais distante do controle régio sobre as atividades da fraternidade53.

Esta iniciação dos maçons luso-brasileiros fora do território português já é um primeiro indicador da circulação destes homens, uma vez que iniciados na França, estes se tornariam mais próximos às ideias da Ilustração do que quando iniciados nas lojas de Coimbra. Muitos dos maçons portugueses também aproveitaram a mobilidade dos estudantes para levar a Portugal ideias e livros de ilustrados, que tinham restrição de entrada54.

Exemplo desta integração entre as maçonarias europeias pode ser exemplificada no processo de regularização da maçonaria portuguesa, quando esta busca o reconhecimento pelo Grande Oriente da Bélgica, mas principalmente pela Grande Loja de Londres. Interessante notar que o maçom enviado a Londres tenha sido Hipólito da Costa, que antes de ir a Londres foi enviado pelo governo português para a Filadélfia, onde possivelmente tenha recebido o grau de mestre55.

A maçonaria luso-brasileira, embora formada a princípio pelos membros desta elite ilustrada formada na Europa, no século XVIII, quando de seu retorno para a América começou não apenas a implantar as primeiras lojas como também a iniciar seus primeiros membros no território. Embora a primeira loja possa ter sido fundada sob a tutela do Grande Oriente da França, as lojas brasileiras desde o início do século XIX funcionaram em aparente autonomia com relação às potências estrangeiras, com tentativas de implementação de um Oriente próprio que se consolida apenas em 182256.

Essa aparente autonomia perante outras potências não significa um isolamento da maçonaria brasileira em relação às outras. A própria regularização do Oriente brasileiro passou pelo reconhecimento da França, Inglaterra e dos Estados Unidos57, garantindo aos maçons brasileiros o auxílio de irmãos de várias partes.

Além de reconhecer o Grande Oriente em 1822, uma potência estadunidense não identificada teria sido responsável por manter em funcionamento a loja Seis de Março de 1817, no Recife. Esta loja foi fundada em 1821 e articulou as elites pernambucanas e das províncias vizinhas em torno da Confederação do Equador58.

A maçonaria brasileira em seus períodos de clandestinidade contou diversas vezes com o auxílio dos corpos maçônicos de outras localidades, assim como após a reinstalação regular da fraternidade no país, em 1831, garantiu o reconhecimento não apenas das potências que já haviam reconhecido sua existência em 1822, mas também patentes de outras localidades como Bélgica e Peru.

Assim, ao analisarmos a construção e o funcionamento da maçonaria em determinado país, é necessário um olhar mais amplo a fim de atentar para as redes de circulação as quais ela se integrava, possibilitando a elaboração de um panorama composto pelo conjunto das maçonarias no mundo Atlântico.

Portanto, a maçonaria longe de ser uma fraternidade fechada em si, ao integrar seus quadros transnacionais construiu imensas redes de sociabilidade, não apenas entre determinadas elites nacionais (ou proto-nacionais), como também uma circularidade cultural e geográfica entre seus quadros.

Ao analisarmos a maçonaria de determinado local podemos compreender as ligações entre as elites, como também as relações entre estas e as elites de outras nações, auxiliando muitas vezes na percepção das relações culturais e políticas que não se explicam por si só, apontando para relações de cunho mais amplo, em processo de troca e de circulação não lineares.

Para entendermos o que de fato era a maçonaria no Brasil e sua ação ao longo das décadas de 1820 e 1830 precisamos recuar no tempo e analisar as formações originais da irmandade. Para isso, estabelecemos como baliza inicial desta pesquisa o ano de 1801, com a fundação da primeira loja maçônica oficial no Brasil, passando pelas tentativas de fundação de uma obediência nacional, o ano de 1822 (de maior publicidade da irmandade), o período proibido que lhe seguiu e, finalmente, o reestabelecimento público da ordem.

O objetivo principal deste trabalho é o de identificar os membros da loja Vigilância da Pátria após a sua fundação e ao longo de seus anos de existência, os locais por onde esta loja passou em sua errância, e em que medida ela se constituiu como um local de circulação e organização de ideias e de projetos, atuando na construção de resistências ao governo de dom Pedro I e seu grupo mais próximo, sobretudo após o acirramento das disputas dos grupos políticos nacionais e a ascensão de novas lojas.

Para tal, foram utilizadas como fontes para esta pesquisa os documentos publicados pelos próprios maçons nas primeiras décadas do século XIX no Brasil, numa espécie de elaboração da história da fraternidade durante o período; e como fonte principal o único livro de atas da loja Vigilância da Pátria, encontrado nos arquivos da maçonaria brasileira, na Biblioteca Histórica do Palácio Maçônico da rua do Lavradio, no Rio de Janeiro. Tal livro de atas contempla as sessões entre 24 de junho de 1825 e 30 de outubro de 182859.

O livro de atas, tradição da maçonaria em qualquer parte do mundo desde seus primórdios, apresenta um breve resumo de cada sessão de uma loja, contendo aspectos mais gerais, como dia, horário e local, além dos membros presentes em cada uma das sessões, e apresenta um resumo dos acontecimentos naquela sessão. Em sessões ordinárias, as informações registradas costumam ser mais esparsas, apresentando apenas um resumo geral do dia. Em sessões festivas ou de maior cerimônia, como por exemplo uma sessão que em que ocorra uma iniciação ou solenidade de grau maçônico, as informações registradas na ata costumam ser mais completas, por vezes relatando até mesmo partes de discursos proferidos na solenidade.

As atas da Vigilância da Pátria, entretanto, possuem algumas particularidades em relação aos livros de atas de outras lojas, até mesmo entre as suas contemporâneas. Dada a excepcionalidade da Vigilância, grande parte das atas, mesmo as das sessões solenes, apresentam invariavelmente, com algumas raras exceções no primeiro ano da loja, apenas as versões simplificadas das sessões. Assim, são raros os discursos completos, assim como em grande parte das sessões os membros presentes dificilmente são inteiramente identificados. Além disso, há uma variação da quantidade de informações de uma sessão ou outra, visto que o secretário da loja não esteva presente em grande parte delas. Tais questões serão abordadas no capítulo 2, em que tratamos da Vigilância da Pátria e das particularidades de seu funcionamento.

Para além das atas da Vigilância, buscando preencher muitas das lacunas, além de tentar compreender os acontecimentos da loja entre a sua última sessão de 1828 e a fundação da potência maçônica dela originada, o Grande Oriente Nacional Brasileiro, utilizamos os relatos de outros maçons contemporâneos, além da produção bibliográfica maçônica.

Esta produção bibliográfica, entretanto, não foi produzida por historiadores profissionais, mas por maçons de diversos períodos e perfis de formação. Por esta razão, estes trabalhos majoritariamente não indicam as fontes de origens de suas afirmações, bem como quais foram os documentos utilizados. Dado o grau de imprecisão da origem dessas informações, quando utilizadas serão indicadas como “memória maçônica”, para distinguir tais trabalhos da pesquisa acadêmica sobre o tema.

A baliza final deste trabalho de pesquisa será o ano de 1831, marcado pela abdicação do imperador em favor de seu filho, inaugurando um novo quadro de disputas políticas no Brasil, e também pela fundação oficial das duas potências maçônicas brasileiras, que congregaram os irmãos segundo identidades de filiação e de outras disputas internas a irmandade, para além das disputas nacionais.

A partir disto, no primeiro capítulo recuperamos a história da maçonaria na América portuguesa e depois no Brasil das primeiras décadas do século XIX, a partir da fundação da primeira loja regular no território, a União do Rio de Janeiro, em 1801, passando por todas as tentativas de organização até a fundação do primeiro Oriente nacional de fato em 1822, marcado por sua atuação nas articulações do processo de independência e pelos conflitos dos diversos grupos políticos do período, que culminou no processo de perseguição de seus membros e a efetiva proibição da fraternidade.

O segundo capítulo busca analisar os caminhos percorridos pela irmandade após o fechamento do Grande Oriente de 1822 e a proibição da ordem, passando pelas tentativas de rearticulações dos irmãos em torno das lojas pernambucanas, afetadas pela Confederação do Equador, levando a uma nova composição de quadros em torno da loja Vigilância da Pátria. A partir da atividade desta loja analisar as ações, mais ou menos orquestradas, dos maçons brasileiros do período e compreender em que medida os espaços internos da maçonaria brasileira foram utilizados na integração e articulação de políticos anti-pedristas, seus discursos, ações e projetos para a resistência ao governo, não apenas no exercício do poder Legislativo, mas também nos espaços da imprensa e outros.

Por fim, o último capítulo reflete sobre a situação maçônica no Brasil após 1829, quando não apenas observamos um crescente das disputas políticas entre os grupos governistas e de oposição, alimentados pelas eleições da segunda legislatura nacional, vencida por ampla maioria pela oposição, como um novo florescimento público da maçonaria brasileira, com a abertura de novas lojas, sobretudo após a aprovação do Código Criminal em 1830, que descriminalizava reuniões como as da fraternidade. Finalmente, após a abdicação de dom Pedro I, uma nova conformação política se deu no país e a maçonaria passou por algumas disputas, explicitadas pela abertura de duas obediências nacionais, que dividiram a irmandade até o fim do século.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

1 MANIFESTO que a todos os Sapientíssimos Grandes Orientes, Augustas Lojas e Responsáveis Maçons dirige O Grande Oriente Brasileiro situado ao Valle do Passeio. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1835, pág. 4.

2 Sobre o Grande Oriente Brasílico, ver BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade Ilustrada e Independência (Brasil, 1790-1822). Campinas, Tese de Doutorado, UNICAMP, 2002, Capítulo 4.

3 JACOBS, Margareth C. The origins of Freemasonry: Facts and Fictios. University of Pennyslvania Press, 2005.

4 BARATA, op. cit.; BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870- 1910). São Paulo: Editora da Unicamp, 1999.

5 COLUSSI, Eliane Lucia. Plantando Ramas de Acácia. A maçonaria gaúcha na segunda metade do século

XIX. Porto Alegre, Tese de Doutorado, PUC-RS, 1998.

6 MOREL, Marco.” Sociabilidades entre Luzes e Sombras: Apontamentos para o Estudo Histórico das Maçonarias da Primeira Metade do Século XIX”. Estudos Históricos, n.28, Rio de Janeiro, 2001/2.; MOREL, Marco & SOUZA, Françoise de Oliveira. O Poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

7 AZEVEDO, Célia Maria Marinho. “Maçonaria: História e Historiografia”. Revista USP nº 32. 1996- 97.; AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Maçonaria, Anti-racismo e Cidadania. Uma história de Luzes e debates transnacionais. São Paulo: Annablume, 2010.

8 DE PAZ SÁNCHEZ, Manuel. Masones em el Alántico. Ediciones Idea, Las Palmas de Gran Canaria, 2010, p. 7.

9 FERRER BENIMELI, José Antônio. Masonería, Iglesia y Ilustracíos:um conflito ideológico-político- religioso. Madri: Fundacíon Universitaria Española, 1977.

10 STEVENSON, David. The origins of Freemasonry: Scotland’s century (1590-1710). Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

11 PRESCOTT, Andrew & SOMMERS, Susan Mitchell. Em busca del Apple Tree: uma revisón de los primeros años de la masoneria inglesa, in Revista de Estudios Históricos de la Masoneria Latinoamericana y Caribeña, n.9, janeiro 2018, p. 19-46.

12 Ver JACOBS, op. cit.

13 LOISELLE, Kenneth. Brotherly Love: Freemasonry and Male Friendship in Enlightenment France. Ithaca: Cornell University Press, 2014.

14 BULLOCK, Steven C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonary and the transformation of the America Social Order,1730-1840. Chapel Hill (NC), University of North Carolina Press, 1996.

15 JONES, Bernard E., The Freemason’s Guide and Compendium (versão digital), Jersey (Channel Islands), The Lintel Trust, 1999 (publicado pela primeira vez em 1950), pp. 123- 141.

16 JONES, op. cit., pp. 117-122.

17 O rito de 12 graus é conhecido como Rito Adonhiramita, numa alusão a Adoniram, construtor do templo de Salomão na mitologia maçônica.

18 JONES, op. cit., pp. 193-212.

19 O York de emulação manteve o número de graus, passando o quarto grau (o Mestre da Marca) para o primeiro grau filosófico, mantendo assim as formulações originais da Landmark de Mackey.

20 As lojas dos “Antigos” eram chefiadas pelo Duque de Sussex.

21 As lojas dos “Modernos” eram chefiadas pelo Duque de Kent. JONES, op. cit., pp. 217- 229.

22 Ver JACOBS, op. cit.

23 KOSELLECK, Reihart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Trad. Luciana Villas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 1999, p.63.

24 Ibidem, ibdem, p. 68.

25 AGULHON, Maurice. Pénitents et francs-maçons de l’ancienne Provence: essai sur la sociabilité mériodionale. 3 ed. Paris: Fayand, 1984.

26 AGULHON, Maurice. As sociedades de pensamento. In: VOVELLE, Michel (org.). França revolucionária (1789-1799). São Paulo: Brasiliense, 1989.

27AGULHON, op. cit., p. 58.

28 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

29 JACOBS, Margareth C. The Radical Enlightenment: Pantheists, Freemasons and Republicans. Londres: George Allen & Unwin, 1981.

30 ZAVALA, Iris. Masones, comuneros y carbonarios. Espanha: Siglo XXI,1971.

31 Sobre as mudanças de natureza e organização da maçonaria no século XVIII cf. FERRER BENIMELI, José Antonio. La masonería actual. Sandanyola (Barcelona): Editora AHR, 1977.

32 COLUSSI, op. cit., p. 26.

33 Como consequência desta liberdade religiosa, as lojas de tradição francesa fazem seus juramentos sobre o livro Constitucional do país em que se encontra. COLUSSI, op. cit., p. 29.

34 Sobre os trabalhos sobre a sistematização da maçonaria, cf. JACOBS, Margareth C. The origins of Freemasonry: Facts and Fictios. University of Pennyslvania Press, 2005; FERRER BENIMELI, José Antonio. La masonería actual. Sandanyola (Barcelona): Editora AHR, 1977; STEVENSON, David. The origins of Freemasonry: Scotland’s century (1590-1710). Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

35 Sobre a expansão da maçonaria cf. JACOB, Margaret C., Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in Eighteenth Century Europe, Oxford University Press, New York, 1991; BEAUREPAIRE, Pierre-Yves, La République Universelle des Francs-maçons. De Newton à Metternich, Rennes, Ouest- France, De Mémoire d´Homme, 1999; MARQUES, A. H. de Oliveira. História da Maçonaria em Portugal. Lisboa: Presença, 1990-1997. 3 vols.; FERRER BENIMELI, J. A. (coord.), La Masoneria en la España del Siglo XIX, 2t., Junta de Castilla y Leon – Consejeria de Educación y Cultura, Leon, 1987.

36 Sobre a participação maçônica na Revolução Francesa cf. LOISELLE, Kenneth. Brotherly Love: Freemasonry and Male Friendship in Enlightenment France. Ithaca: Cornell Uneversity Press, 2014; HACKETT, David G. That religion in which all men agree: Freemasonryin american culture. Los Angeles: University of California Press, 2014.

37 Sobre as particularidades de rito para os Estados Unidos cf. JACOBS, Margareth C. The Origins of Freemasonry: Facts and Fictions. Pennsylvania: University of Pennsylvania P, 2005; LESTER, Ralph P. Look to the East! A Ritual of the First Three Degrees of Free masonry. Whitefish, MT: Kessinger Publishing, 2004.

38 O Prince Hall nasceu em 1783 como uma loja africana em Boston, ligada a Grande Loja de Massachusetts e se torna uma potência própria em1815. Sobre o Prince Hall cf. ABRON, James PM (PHA). “History of Prince Hall Masonry” The Most Worshipful Prince Hall Grand Lodge State of New York. http://www.jabron.net/yhist.htm; BROOKS, Joanna. “Prince Hall, Freemasonry, Genealogy” African American Review 34.2 (2000): 197–216; WALKER, Corey D. B. A Noble Fight: African American Freemasonry and the Struggle for Democracy in America. Chicago: University of Illinois P, 2008; WALLACE, Maurice O. “Are We Men? Prince Hall, Martin Delaney and the Masculine Ideal in Black Freemasonry 1775–1865” American Literary History 9.3 (1997): 396–424.

39 BULLOCK, Steven C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonary and the transformation of the America Social Orde,1730-1840. Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1996.

40 Sobre a participação da maçonaria para além da independência nos Estados Unidos cf. DUMENIL, Lynn. Freemasonry and American Culture, 1880–1930, Princeton, NJ: Princeton University Press, 1984; LIPSON, Dorothy A. Freemasonry in Federalist Connecticut. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1977.

41 Sobre a Guerra Civil e a maçonaria nos Estados Unidos cf. CARNES, Mark C. Secret Ritual and Manhood in Victorian America. New Haven, CT: Yale University Press, 1989; HALLERAN, Michael A. The Better Angels of Our Nature: Freemasonry in the American Civil War. Tuscaloosa: The University Of Alabama Press, 2010.

42 Sobre a loja pernambucana de filiação à potência americana cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência. O federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.

43 ARROYO, Jossianna. Writing Secrecy in Caribbean Freemasonry. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013.

44 Sobre a produção caribenha cf. AYALA, José A. La masonería de obediencia española en Puerto Rico en el siglo XIX. Murcia: Universidad de Murcia, 1991; ESTRADE, Paul. “Betances, mas nón inconforme” La masonería española en la época de Sagasta Vol. 1. Universidad de Alicante: 2007. 559–570.

45 Sobre a América Espanhola cf. BASTIAN, Jean P. Protestantes, liberales y francmasones. Sociedades de ideas y modernidad en América Latina, s. XIX. México: Fondo de Cultura Económica, 1993; FERRER BENIMELLI, José A. La masonería española. Entre Europa y América. Tomos I-II. VI Symposium Internacional de Historia de la masonería española. Zaragoza. (1–3 de julio, 1993) Aragón: Dpto. de Educación y Cultura, 1995.

46 Sobre os principais trabalhos dos memorialistas maçons no Brasil cf. MELO, Mário, A maçonaria no Brasil. In: Livro maçônico do centenário. Rio de Janeiro: Grande Oriente do Brasil, 1922; BUCHAUL, Ricardo B., Gênese da Maçonaria no Brasil, São José dos Campos, Clube dos Autores, 2011; CASTELLANI, José e CARVALHO, William Almeida. História do Grande Oriente do Brasil. A maçonaria na História do Brasil. Brasília: Grande Oriente do Brasil, 1993.

47 AZEVEDO, op. cit.

48 BARATA, op. cit.

49 BARATA, op. cit.

50 COLUSSI, op. cit.

51 Sobre os trabalhos acerca da maçonaria brasileira cf. BARRETO, Célia de Barros. “Ação das sociedades secretas”, in: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo, Ed. Difel, 1985, t. II, vol.I.; CARNEIRO. Luaê Carregari. Uma América em São Paulo: a maçonaria e o partido republicano paulista (1868-1889). São Paulo, Dissertação de mestrado, FFLCH-USP, 2011; COSTA, Frederico Guilherme. A Maçonaria e a Emancipação do Escravo. Ed. Trolha, Londrina, 1999; GONÇALVES, Ricardo Mário, A influência da Maçonaria nas Independências LatinoAmericanas, in COGGIOLA, Osvaldo (org), A Revolução Francesa e seu Impacto na América Latina, ed. Nova Stella-ed. USP, São Paulo, 1990; MOREL, op. cit.; NEVES, Berenice Abreu de Castro, Intrépidos Romeiros do Progresso: Maçons Cearenses no Império. Fortaleza, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, 1998; SOUZA, Patrícia Inês Garcia, Buscadores do Sagrado: As Transformações da Maçonaria em Belém do Pará. Campinas, Tese de Doutorado, UNICAMP, 2006. TELLES, Marcus Vinicius, A Influência da Maçonaria na Independência do Prata (as Relações da Maçonaria Platina com a Brasileira). Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1977.

52 COLUSSI, op. cit., p. 35.

53 Ibidem, ibidem, p. 28.

54 MARQUES, op. cit., p. 154.

55 Sobre Hipólito da Costa e a maçonaria ver SANTOS, Bruna Melo dos. Correio Brasiliense: um olhar sobre a sociabilidade maçônica (1808-1822). Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2012.

56 BARATA, op. cit., Cap. II.

57 Embora o autor do Annaes Maçônicos indique o reconhecimento do Grande Oriente por uma potência dos Estados Unidos, não há identificação sobre qual potência teria emitido tal reconhecimento.

58 Esta loja aparentemente também manteve a integração do corpo maçônico brasileiro após o fechamento do Grande Oriente e posterior proibição da fraternidade em 1823. MELLO, op. cit., p. 89.

59 Durante a elaboração desta dissertação de mestrado, foi encontrado apenas o Livro de Atas da loja Vigilância da Pátria com as sessões entre 24 de junho de 1825 e 30 de outubro de 1828. Não há ainda informações sobre se o livro de atas das sessões posteriores sobreviveu ao tempo, ou se chegou a ser preservado.

O tempo de Companheiro

O tempo de Companheiro é um tempo difícil. O obreiro já não é um Aprendiz rodeado, apoiado, apetece até dizer mimado, por todos os Mestres da Loja. Alcançado o seu aumento de salário, afinal o prémio que obtém é apenas uma mudança do seu lugar na Loja, um pouco de cor no seu avental e… uma sensação de menor apoio.

Após uma Cerimónia de Passagem que é um verdadeiro anticlímax em relação à sua recordação do que experimentou quando foi iniciado, depara-se com um par de símbolos novos, metem-lhe uns regulamentos e um ritual e catecismo na mão e… parece que se desinteressaram dele, ele que se oriente…

Não é assim, embora pareça que seja assim. E é assim que deve ser.

A Iniciação foi o nascimento para a vida maçónica. O tempo de Aprendiz é a sua infância, em que se é guiado, educado, amparado, mimado. O tempo de Companheiro, esse, é o da adolescência. Já não se admite ser tratado como criança – como Aprendiz – pois já se cresceu – já se evoluiu – mas… sente-se a falta do apoio que se recebia em criança. Já não se quer, mas ainda afinal se tem a nostalgia do apoio do tempo de Aprendiz. O Companheiro, tal como o adolescente, sofre a sua crise de crescimento. É o preço que tem a pagar pelo seu trajeto em direção à idade adulta maçónica, em que será reconhecido como Mestre.

No entanto, só aparentemente o Companheiro é deixado só. Os Mestres permanecem atentos a ele e, de entre eles, em especial o Primeiro Vigilante, responsável pelos Companheiros. Simplesmente já não tomam a iniciativa de sugerir caminhos, orientar trabalhos, avançar explicações, dar opiniões. Porque o Companheiro já não é Aprendiz, tal como o adolescente já não é criança. O tempo é de aprendizagem por si próprio, de exploração segundo os seus interesses. E só se houver grande desorientação no caminho se deve intervir. Tal como em relação ao adolescente é contraproducente pretender-se guiá-lo, impor-lhe caminhos, pois ele ou não aceitará o que considerará indesejável intromissão ou tornar-se-á dependente de uma superproteção que muito dificultará a sua vida adulta, também os Mestres não devem abafar o Companheiro com recomendações, intromissões, solicitudes a destempo. O tempo é de o deixar explorar, ele próprio, o que tiver a explorar. Se errar, aprenderá com o erro. Mas, no final, crescerá até à responsável maturidade da Mestria. É o que se pretende.

No início é – sabemo-lo bem! – confuso. Mas afinal as ferramentas foram fornecidas ao Companheiro logo no primeiro dia, tal como o guia de trabalho lhe foi apresentado. O Companheiro só tem de perceber isso, pegar nas ferramentas e seguir o trilho que, desde o início, lhe foi mostrado. Só não foi levado, empurrado, carregado, até ao seu início. Afinal, já não é criança…

A prancha de proficiência culmina o percurso do Companheiro. Mostra que ele entendeu o que escolheu entender, que trabalhou no que optou por trabalhar. A idade adulta está ao virar da esquina. O que implica virar essa esquina já é outra história…

Autor: Rui Bandeira

Fonte: Blog A Partir Pedra

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Proporção áurea na Maçonaria

Proporção áurea, em termos matemáticos, menciona ser uma constante real algébrica utilizada nas artes e na arquitetura.

Representada pela letra grega Phi, segundo alguns tratadistas a escolha desse nome se deu em razão de que o arquiteto e matemático grego Phidias muito provavelmente tenha, no século V a. C., empregado essa proporção no projeto arquitetônico do Parthenon.

Ainda segundo alguns historiadores, consta que Platão foi um grande admirador da proporção áurea, enquanto Euclides a descreveu na sua obra “Os Elementos”.

Mais tarde, por volta do primeiro quartel do século XIII, Leonardo Fibonacci descobriu propriedades sequenciais únicas relativas aos seus números: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13 … (1 + 0 = 1; 1 + 1 = 2; 2 + 1 = 3; 3 + 2 = 5; 5 + 3 = 8; 8 + 5 = 13; …).

Quando esses números são utilizados proporcionalmente na construção de um retângulo, em geometria esse retângulo fica então conhecido como “retângulo de ouro”, tornando-se, segundo os experts, uma das formas geométricas mais agradáveis à contemplação dos olhos humanos.

Graças a isso é que essa forma, junto ao “espiral áureo”, comumente aparece aplicada nas artes e na arquitetura. Nessa conjuntura, vale lembrar que o espiral áureo é obtido em se seguindo o fluxo de quadrados formados e dispostos no interior do “retângulo de ouro”.

Muitos estudiosos relatam que a proporção áurea deve ter sido aplicada na construção das Pirâmides de Gizé, assim como também os gregos a utilizaram para projetar muitos dos seus mais importantes monumentos.

Especula-se também que a relação entre a proporção áurea e as artes se deve ao monge italiano Luca Pacilli que no século XVI a mencionava em um livro de sua autoria intitulado “De Divina Poroportione”. No seu histórico de amizade com Leonardo Da Vinci, comenta-se que o próprio Da Vinci teria se utilizado desse conceito áureo para definir as proporções das suas obras a exemplo da Última Ceia, assim como na criação da Mona Lisa e do Homem Vitruviano.

No intuito de alcançar equilíbrio, sobriedade e beleza, relata-se que além de Leonardo Da Vinci, muitos quadros e esculturas da Renascença, desenvolvidas por artistas como Michelangelo, Rafael, Rembrandt, dentre outros, foram desenvolvidas com base na proporção áurea.

Dado a essas impressões, nada mais natural que a Maçonaria de Ofício (canteiros medievais), então construtora de igrejas, catedrais, abadias e mosteiros da Idade Média, também tenha se valido da proporção áurea como um dos elementos necessários para projetar essas enormes construções a partir do século X.

A despeito desses comentários, é sempre bom lembrar que os ancestrais das Guildas dos Franco-maçons foram as Associações Monásticas e as Confrarias Leigas, destacando que o segredo da arte de construir era inquestionavelmente guardado pela Igreja Católica, já que a partir do ano 1000 d. C. ela (igreja) obteve um enorme progresso e alcance territorial – afinal, na virada do milênio o mundo não havia acabado e a humanidade agradecida elevava louvores erigindo com pedras grandes catedrais.

Essa expansão também atingiu à Franco-Maçonaria que com isso obteve elevado progresso, sobretudo pela premente necessidade de mão de obra para atender às necessidades das construções da época. Além da ascensão e progresso, essas associações organizadas de pedreiros passaram a ter, por um bom tempo, proteção do clero.

Sabe-se, contudo, que com o declínio das construções causado pela evolução político-social da Europa da época e o abandono do estilo gótico pelo advento do Renascimento, a Franco-Maçonaria sofreu uma paulatina transformação, passando do trabalho operativo (do ofício) para o especulativo, perdendo, inclusive, a proteção de outrora.

Com isso, no intuito de sobreviver e com a admissão de elementos estranhos à arte de cortar a pedra e elevar paredes, muitos conceitos tradicionais do ofício, especulativamente passaram a ser utilizados simbolicamente pelos Maçons Aceitos, ou seja, era construído um sistema iniciático de aperfeiçoamento humano utilizando símbolos e ferramentas dos maçons de ofício (o advento da Maçonaria Simbólica).

Desse modo, a construção – agora não mais operativa – passou a ser simbólica, tendo o homem como elemento primário e central em substituição à pedra bruta. Assim, com o advento dos ritos maçônicos a partir do século XVIII, a Maçonaria dos Aceitos saía dos adros das construções, das tabernas e cervejarias e começava a se acomodar em recintos próprios decorados emblematicamente conforme os trabalhos iniciáticos.

Assim, o Templo Maçônico, construído sob fundamentos hauridos da disposição das Igrejas e do Parlamento Britânico, figuradamente passava a representar um canteiro de obras estilizado. Em primeira análise o templo é também o próprio homem, moldado e aperfeiçoado no canteiro conforme as exigências da Arte.

Nesse particular a proporção áurea é um dos elementos simbólicos que deu estrutura à alegoria iniciática, ou seja, é um elemento construtivo de proporções ideais utilizada emblematicamente para reconstruir o novo homem.

Esse conceito iniciático dá ao iniciado o entendimento de que o templo é o próprio homem e é ele o habitat do Divino – a morada do sagrado. O seu caráter de beleza e perfeição plástica é comparado às dimensões áureas. Dir-se-ia ser essa uma conotação filosófica de aplicação embasada na proporção.

Vale mencionar que na proporção áurea, o retângulo de ouro, e outros conceitos do gênero, segundo muitos estudiosos, também se apresenta na construção da Natureza, cujo seu arquiteto criador é denominado como Grande Geômetra, ou “Aquele” que instituiu a Ordem, o Equilíbrio e a Harmonia do Universo.

Penso que esses são conceitos históricos, filosóficos e iniciáticos, portanto são simbólicos no contexto da Maçonaria, não cabendo sua aplicação como regra para construir os ambientes de trabalho maçônico (Lojas). Não tem o porquê de literalmente se construir obrigatoriamente um templo maçônico em se adotando a regra da proporção áurea. Lembro que essa é somente uma questão simbólica e assim deve ser tratada, não cabendo esse tipo de exigências construtivas numa época em que a arquitetura disciplina a utilização dos espaços de acordo com a necessidade de ocupação, assim como pelo caráter econômico.

Ao concluir, penso que muito mais importante do que o ambiente material está o do ambiente espiritual aonde de fato se concentram e concretizam os verdadeiros valores morais e éticos do ser humano. Longe de qualquer interpretação licenciosa, mais importante do que a suntuosidade de um ambiente está a matéria prima humana propícia ao aperfeiçoamento.

Autor: Pedro Juk

Fonte: Blog do Pedro Juk

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A Maçonaria é um caminho Espiritual? (Parte II)

A Maçonaria tem sido chamada de muitas coisas em sua vida: um grupo fraterno, uma organização esotérica, um culto, uma organização de caridade e uma religião, clube social, entre outras coisas. O que quer que as massas chamem de maçons ou os maçons se chamem, sua missão tem sido a mesma desde o início: criar um mundo melhor começando com a melhoria da humanidade no nível individual.

“Lembre-se sempre de que toda a Maçonaria é trabalho”, diz Albert Pike, um proeminente maçom do século 19. O “trabalho” maçônico, na minha opinião, é o trabalho ritualístico interno e oblíquo pelo qual os maçons são feitos e educados para o trabalho exotérico, que consiste em atividades para o bem-estar da humanidade de acordo com os princípios maçônicos. É neste misterioso e oculto trabalho ritualístico onde grande parte da especulação sobre o que a Maçonaria faz e não faz começa. De fato, às vezes os próprios maçons podem ter dificuldade em entender o que são as coisas “secretas” da Maçonaria.

Em pelo menos uma Ordem Maçônica, e provavelmente muitas outras, afirma-se especificamente que os maçons têm uma carta especial para inserir conhecimento esotérico nos membros maçônicos. Por esotérico, vamos usar a forma básica da palavra, que significa “conhecimento destinado apenas a alguns”. A Maçonaria, sendo uma organização selecionada, é “esotérica” dessa maneira. Ou seja, de um modo geral, a porcentagem da população humana geral que pertence à Maçonaria é extremamente baixa. O esotérico, em sua forma descomplicada, não conota nada espiritual, religioso ou oculto. Embora alguns aspectos dessas formas de estudo possam ser “esotéricos”, a palavra “esotérico” não significa espiritual, religioso ou oculto.

Seja como for, muitas pessoas acham que a Maçonaria se presta à “espiritualidade”. “Espiritual” significa, muito simplesmente, “pertencente ao espírito”. Isso levanta a questão, então: o que é espírito?

Para ser simples e claro, para isso usarei a definição wikipedia.org, que é:

“A palavra espírito apresenta diferentes significados e conotações diferentes, a maioria deles relativos à energia vital que se manifesta no corpo físico. A palavra espírito é muitas vezes usada metafisicamente para se referir à consciência e a personalidade. As noções de espírito e alma de uma pessoa muitas vezes também se sobrepõem, como tanto contraste com o corpo e ambos são entendidos como sobreviver à morte do corpo na religião e pensamentos espiritualistas.”

Sim, absolutamente; no entanto, quando se fala em relação a discussões filosóficas, a primeira definição é aquela a que a maioria das pessoas parece se referir. É aquela que para os propósitos desta exposição que aceitaremos e usaremos:

energia vital que se manifesta no corpo físico.

O que é espírito? Por que as pessoas, culturas e religiões o veem de forma diferente? O espírito da humanidade é divino? Por que isso é tão importante? E quanto ao espírito dos animais, árvores e rochas? De onde emana esse espírito? Qual é o seu local de nascimento? A fonte da ideia de “espírito” de muitas pessoas parece ser o que muitos chamariam de Deus, ou deuses e deusas, e as qualidades ou virtudes que lhes atribuímos de acordo. Se formos animados por esse “espírito”, e atribuímos isso a “Deus” e dizemos que essa parte do nosso ser tem “atributos piedosos” ou é “divina”. ?

No entanto, como é definido acima, o termo “espírito” não é demarcado por algum tipo de fonte divina ou piedosa. É simplesmente uma animação ou “princípio vital em humanos”. É quando atribuímos a existência desse espírito a uma entidade externa específica – seja Deus, Alá, o Tao, Jeová ou Zeus – que nos deparamos com o conflito humano. Se alguém está certo e verdadeiro, todos os outros devem estar errados e falsos. Guerras foram e continuam a ser travadas sobre questões como a origem do “espírito”. No entanto, os seres humanos lutam por “espíritos”, ou eles lutam por “almas”?

É aqui que o sujeito do espírito se torna confuso e talvez complicado; é quando a palavra “alma” é trocada por “espírito”. Guerras têm sido travadas por “almas”, não por “espíritos”. Quando discutimos a alma, sinto que devemos continuar a ser muito claros sobre os termos que estamos usando, e que o significado da palavra deve ser o mais neutro possível.

“Alma” para um católico é muito diferente de uma “alma” para um wiccano, neoplatônico ou ateu. Recorrendo ao Wikipedia para um terreno comum, e olhando para isso a partir de um sentido literário e linguístico puramente etimológico, tanto “alma” quanto “espírito” se originam de um significado central de “respiração, vida”.

A principal diferença entre os dois parece ser que um é imortal (alma) e um é pura animação e vida (espírito) com um evento específico de início e fim. A ideia, a partir dessas definições, é que a alma dura para sempre, enquanto o espírito vem à existência no nascimento e expira com a morte de seu hospedeiro humano. No significado básico da palavra “alma”, há também a inferência de qualidades “vivificantes”. Dado que ambos se preocupam com a essência da vida e parecem habitar o mesmo espaço físico, é fácil ver que estes poderiam ser confundidos e confusos na discussão, debate e teologia. Ouço muitos maçons se referirem ao Espírito e à Alma de forma intercambiável, mas não estou claro se eles significam ou não a mesma coisa ou algo diferente. Eu acredito que a Maçonaria nos ajuda a fornecer um caminho para uma resposta.

Normalmente não dizemos que realizamos uma “prática da alma”; o que nos preocupa aqui é a ideia de uma prática espiritual, como a maioria dos ocidentais usa o termo. Como verbo, praticar é fazer algo de novo e de novo até que sejamos melhores nisso.

Curiosamente, a palavra “prática” não é um substantivo, é em todos os casos um verbo. É um princípio ativo; como observamos acima, o mesmo acontece com a Maçonaria. Uma prática espiritual, usando os termos que descrevemos aqui, realmente indicaria “trabalhar

regularmente ou constantemente para melhorar o princípio vital da vida consciente”. O termo “prática espiritual” é algo que poderíamos dizer que desenvolve, por esforços repetidos, esse princípio vital que anima os seres humanos, “animando o corpo ou mediando entre corpo e alma”.

Como a alma é o “sopro” vital dos seres humanos, é preciso perguntar de onde ela vem, a fim de entender se ela pode ser desenvolvida. No entanto, se esse princípio é apenas isso, um princípio, ele pode ser “treinado”? Já não é perfeito como é? Houve muitos filósofos, Aristóteles, Platão, Plotino e Sócrates que debateram essa mesma questão, a natureza imortal e, portanto, incorruptível da “alma”. Pode algo que é, em sua essência, incorruptível e puro, ser “treinado”?

Novamente, se examinarmos a palavra alma, como um princípio vital e imortal que emana de uma fonte divina, então deve-se assumir que é algo que é puro e intocado como é. Se o Divino é infalível, a alma não é então também infalível? No entanto, se o espírito, sendo esse canal ou mediador do corpo e da alma, é verdadeiramente um sopro que pode expirar na morte, então talvez seja essa parte para a qual estamos buscando refinamento. Seria a lavagem do filme de emoções e desejos que escureceram o canal que seria a província de uma prática espiritual. Isso é muito claramente delineado em algumas viagens alegóricas dos Ritos Ingleses, particularmente os graus mais elevados. Na verdade, vemos isso em todas as jornadas alegóricas, e estágios, que o maçom leva ao longo de toda a sua carreira maçônica.

Talvez, o que chamamos de prática espiritual seja algo que não seja para melhorar ou melhorar o próprio espírito, mas para encontrar uma maneira de lembrar nosso mundo corporal do que o espírito e a alma, se alguém acredita nisso, realmente é. Talvez não seja para desenvolver o espírito ou mesmo um relacionamento com o espírito, mas para estar consciente e consciente dele, para estar ciente do que nubla, esconde, obstrui ou prejudica esse caminho claro de informação entre corpo e alma.

Se o nosso eu Divino, como a alma, deve falar no mundo material, o espírito deve ser claro para permitir que isso aconteça. Talvez esta seja a razão pela qual a Maçonaria não se preocupa com uma única religião, mas com a Religião como um todo, se alguém deve saber que existe uma alma, então deve haver uma razão para sua existência. Talvez esta seja também a razão pela qual é preciso ter uma crença em uma divindade para até mesmo ser um maçom. Por que você iria querer melhorar o canal entre corpo e alma se você não acreditava que uma dessas peças não existia?

Desenvolver o espírito significa primeiro remover as coisas que prejudicam o canal e apoiar o que ajuda o espírito em seus deveres. Essa prática não se preocupa com a razão da existência da alma, apenas que ela seria capaz de se comunicar claramente com os outros membros do mundo humano.

É aqui que a Maçonaria se interessa, especificamente. À medida que progredimos através dos graus, diferentes histórias e símbolos falam conosco, com base em nossa experiência, pode-se encontrar ressonância mais em um do que no outro. Eles trazem ideias e descobertas que melhoram o canal entre corpo e alma, ao trazer à tona gatilhos que ilustram nossos próprios bloqueios, podemos identificar as razões e limpar o caminho.

Ser autoconsciente é o primeiro passo. À medida que nos elevamos nos graus maçônicos, a percepção e a compreensão do que barra nossos caminhos se tornam mais sutis e refinadas, e a prática de limpar o caminho se torna mais sedimentada. A Maçonaria ensina seus adeptos, com muitas mensagens e profundidades variadas, como limpar e manter claro o canal, ensina-nos a agir segundo a “Grande Lei” que permeia a ideia de existência humana.

Uma razão pela qual a Maçonaria se baseia em si mesma, é que você deve ser capaz de remover as obstruções comuns e mais grosseiras na comunicação antes de poder trabalhar nas sutilezas. No entanto, se escorregamos, precisamos começar de novo. Prática. Daí a razão pela qual os maçons se consideram “estar sempre no primeiro grau”.

Além disso, a Maçonaria parece preocupar-se com todos os aspectos do ser humano, refinando e aprimorando à medida que avançamos mais profundamente em seus ensinamentos. Ou seja, preocupa-se com o nosso bem-estar e ações mentais, físicas e emocionais. É preciso aprender os fundamentos do mundo físico, através de rituais e memorização, antes de navegar para o mundo emocional: subjugar paixões, por exemplo. Então, somente compreendendo e dominando esses mundos ele pode esperar alcançar qualquer senso de estabilidade e crescimento nos reinos do mental.

A maioria, senão todos nós, lutamos em qualquer um desses níveis e temos que nos recuperar de um revés, trabalhando em sua natureza áspera de novo e de novo. Isso não é prática?

Talvez, então, todo esse trabalho que fazemos em todos esses graus seja o aspecto da Maçonaria que procura refinar o espírito. Se alguém vê os graus como uma espiral de vida, então pode ver a prática embutida em cada um deles, culminando em um nascimento / morte. A Maçonaria não só nos ensina como melhorar o espírito, mas também nos diz o porquê.

A Maçonaria não atribui uma fonte religiosa ou teológica específica à alma, ao corpo ou ao espírito, ela credencia a manifestação suprema e soberana com as lições dos graus – uma fonte divina. Ela nos ajuda a entender como deixar a mensagem única de nossas centelhas Divinas individuais ser ouvida e nos permite, através das lentes da Maçonaria, entender por que ela existe em primeiro lugar.

Há muitas maneiras de entender a alma, as religiões fornecem múltiplas razões para sua existência e propósito de ser. Embora algumas religiões também nos ensinem através de seu ritual como acessar a alma, elas podem ou não permitir a rica diversidade da cultura humana e os múltiplos modos de compreensão.

Eu acredito, em sua maneira dogmática e rudimentar, que eles procuram remover os obstáculos morais que impedem o espírito (conduto) de alcançar seu objetivo, que é o livre fluxo da essência Divina da alma para a expressão dentro deste reino físico, emocional e mental chamado Terra. Onde eles podem ficar aquém é a falta de mensagens culturais que procuram abraçar a todos, com mensagens diferentes adaptadas às diferentes histórias humanas que chegam à sua porta.

A Maçonaria parece fornecer suporte não apenas para uma diversidade de “origens da alma”, mas também encontra esse caminho do meio, o terreno neutro, a fim de desenvolver esse caminho que se conecta entre o mundo em que vivemos e o mundo em que o Divino reside. As repetidas jornadas do sistema de graduação procuram nos ensinar, de várias maneiras, quais podem ser os blocos e como removê-los, em linguagem direta, não conflituosa e não segregada.

A Maçonaria nos permite, como indivíduos, encontrar nosso próprio caminho para a Voz de qualquer Divindade que nos fale, e nos encoraja a expressá-la como quem realmente somos, sem pretensão, ilusões ou corrupção. A Obra da Maçonaria é a Obra em nosso eu, repetidas provações e aprovações, desenvolvendo, limpando, e reconhecendo o caminho que conecta a Alma Divina à nossa hoste humana. Desta forma, para mim, nada mais poderia ser mais espiritual.

Autor: Geovanne Pereira

*Geovanne é professor de Filosofia, Psicanalista, Psiconauta, Yogue, Facilitador de estados holotrópicos de consciência no Instituto de Desenvolvimento Humano Céu na Terra e Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay, n°22 – GLMMG. @ceunaterra.autoconhecimento.

Nota do Blog

Clique AQUI para ler a primeira parte do artigo.

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A Maçonaria é um caminho Espiritual? (Parte I)

“O que é uma alma? O que é o Espírito? O que é Energia?” Começamos a nos envolver em conversas sobre termos metafísicos como alma, energia e espírito sem estar cientes de que não estamos falando a mesma língua. As palavras podem ser as mesmas, mas os significados mudam, devido ao sistema de crenças de quem lê. Podemos debater essas questões a noite toda, durante todo o mês e pelo resto de nossas vidas e nunca chegar a um entendimento. As pessoas realmente sabem o que querem dizer quando falam sobre energia, alma ou espírito? Embora estas sejam discussões comuns entre os maçons iniciados e espiritualistas, elas às vezes são os assuntos mais difíceis sobre os quais permanecemos imparciais e justos.

Os seres humanos parecem ter investido muito na ideia de suas almas, e nas almas de outras pessoas também.

Muitas pessoas se juntam a grupos maçônicos para que possam “ter uma experiência energética” ou “tocar algo místico”. Alguns falam sobre experimentar algo que toca sua alma ou fornece um significado espiritual para suas vidas. Alguns maçons mencionam como eles “amaram a energia da Loja” ou como é nosso trabalho “elevar a vibração do nosso mundo material”. Muitas pessoas começam sua carreira maçônica procurando algo místico, algo secreto. Como a Maçonaria lida com as questões da vida e da morte, o neófito pode estar procurando a Maçonaria para desvendar todos esses segredos especiais e ter as respostas. Eles usam termos como alma, espírito e energia sem defini-los para si mesmos e em suas comunicações com os outros.

Parece que, muitas vezes, as conversas são sobre o que as pessoas querem acreditar, em vez de conclusões fundamentadas. Discussão e debate são a maneira como nós educamos e crescemos. A transformação requer pensamento.

Para aqueles que deixam de lado desejos e vontades preconcebidos, a Maçonaria é transformadora de muitas maneiras. Ele discute essas questões de vida e morte. Deixa o aspirante refletir sobre símbolos e significado e, sim, talvez chegar a insights pessoais sobre alma, espírito e energia. A Maçonaria nos oferece a oportunidade de nos convertermos de uma natureza limitada humana polarizada, para uma natureza espiritual ilimitada e equilibrada. Precisamos aprender a lidar com todos os aspectos do nosso temperamento, a fim de entender    todas   as características desta vida, material, emocional, mental e espiritual. É este último reino espiritual, que tropeça muitos.

A maioria dos maçons aceita a presença de um poder maior, algo indefinido que nos conecta a um único propósito. A maioria concordaria com a ideia da natureza multifacetada da existência humana, lutando com o equilíbrio do cérebro, mente, corpo e essa ideia de “conexão”. Muitos experimentaram coisas que não conseguem explicar, os empurrões da intuição e os repentinos lampejos de insight que parecem “profundos”. Todas essas são experiências válidas. É levá-los da experiência para uma comunicação significativa que os seres humanos lutam. Jogamos fora uma palavra como “alma” ou “espírito” ou “energia” e assumimos que as pessoas com quem nos comunicamos entendem o que elas significam. Os maçons são filósofos, e qualquer bom filósofo não suportará uma discussão com termos aleatórios e indefinidos. Quando perguntado sobre almas, há alusões vagas a algo energético, místico, único e conectado a alguma forma de deus / deusa / força / Tao. Uma alma é o que nos torna indivíduos. Uma alma é algo que faz parte da Divindade. A alma é o nosso eu energético. “Quando nossos olhos se encontraram, nossas almas se tocaram.”

O que isso realmente significa? Para cada indivíduo que fala sobre esses assuntos, há uma resposta diferente, conversar com as pessoas sobre almas e espíritos e tal pode ser bastante polêmico. Algumas pessoas ficam totalmente perdidas com estes termos abstratos e metafísicos.

Podemos definir algum deles? Talvez. E talvez possamos começar com a energia.

A menos que você descarte de todo o coração a ciência, não pode haver dúvida por um segundo de que somos seres energéticos. Os neurônios usam impulsos elétricos e neurotransmissores (componentes químicos) para permitir que nossos corpos funcionem em sua totalidade: pensar, sentir, curar, sentir, respirar, tudo. Sem energia, nossos corações não bombeariam, deixaremos de ser capazes de pensar e processar informações, e morreríamos. As mitocôndrias, em uma estranha relação simbiótica conosco, nos permitem viver, ajudando-nos a processar o mundo material ao nosso redor em energia. Cada célula tem mitocôndrias e cada célula é capaz de produzir energia de algum tipo. Vida é energia.

Ok, nós estabelecemos que somos seres energéticos, e pela natureza do mundo material, os seres energéticos estão em toda parte. Nós nos comunicamos com nossos sentidos e recebemos comunicação com nossos sentidos. Abraham Hicks disse: “Falamos com palavras, mas nos comunicamos com energia”. Cyndi Dale, autora de “Enciclopédia de Anatomia do Corpo Sutil”, afirma que “energia é informação que vibra”. Esta última definição é um pouco mais confiável, ao que parece, do que a primeira. Podemos testá-la. Podemos testá-la novamente. Podemos brincar com ela e trabalhar para definir exemplos. No entanto, é também aqui que fica complicado, certo? Vamos pegar um pequeno parágrafo da Wikipédia:

“Em física, a energia é a propriedade que deve ser transferida para um objeto, a fim de realizar o trabalho ou aquecer o objeto. Ela pode ser convertida na forma, mas não criada ou destruída.”

Então, vamos a uma pergunta simples: de onde veio a energia que nos compõe? Em uma conversa recente, eu coloquei essa questão a um colega maçom. Ele respondeu: “das estrelas”. Eu disse ok, me leve de B para A. Ele disse: “As estrelas criaram os elementos que aprisionaram a energia que nos permeia”. Respondi que concordava, mas então, o que compõe as estrelas? Ele disse que deve ser “o Big Bang”. Os seres humanos são a energia presa do material criado durante o Big Bang. Para ele, todos nós derivamos do único momento que criou o tempo, a matéria e a energia. Físico ou filosófico, o tema da energia é para onde convergem. Podemos concluir disso que os elementos que compõem o mundo material são energia aprisionada. Este espírito de “energia” aprisionado? Essa é a nossa alma?

Se estamos presos à energia das estrelas, como é tudo ao nosso redor, então temos muito mais em comum com outras matérias do que pensamos que temos. Se todos nós somos feitos da mesma matéria, devemos ser capazes de reconhecer uns aos outros por meio da transferência de energia. Ou, assim se poderia pensar. O que é interessante notar é que muitos psicólogos e filósofos consideravam o amor como uma transferência de energia. Freud se debruçou sobre os aspectos físicos do amor, enquanto Platão fala sobre o amor espiritual ou altruísta, mas um no mesmo, o que chamamos de amor é, para eles, uma transferência de energia. Quando amamos algo, colocamos energia nele, e ele em nós. Talvez esta seja a ideia de espírito. Espírito, disse Platão, dessa forma nos comunicamos emocionalmente com outros seres humanos. Também podemos dizer que o amor é energia.

Então, se o amor, a vida e os elementos são todos energia, podemos tirar alguma conclusão sobre a alma?

Muitos filósofos tentaram explicar a “alma”. Apenas um exemplo, Plotino, o primeiro neoplatônico, fez o seu melhor para nos ajudar a entender que a alma não precisa necessariamente de um corpo, no entanto, sem um corpo, ele não pode existir nos “reinos inteligíveis e se expressar nos reinos visíveis”. Este conceito nos diz como ele pensava que a alma se expressava, mas não o que ela é. Em um sentido muito básico, os neoplatônicos chamavam a alma de “consciência” ou “psique”. Ainda assim, não está claro, mesmo em termos modernos, o que é a consciência. Se pensávamos que definir “alma” na religião é difícil, tente a inclinação filosófica …Verdadeiramente angustiado.

Parece que Plotino e Platão já estão de acordo que existe uma alma, mesmo que não possam concordar com sua definição. Talvez seja algo que todos nós temos que debater até que possamos aprender com certeza. Talvez nunca aprendamos com certeza, pelo menos não nesta dimensão.

Uma conclusão sólida é que o significado de uma alma não parece ser o significado de uma alma para todos, e o espírito também não é algo com o qual possamos concordar. Senão a incalculável quantidade de religiões do mundo concordaria nisso. A frase “nossas almas falam umas com as outras” não significa muito se você não puder realmente explicar a outra pessoa o que isso significa. “Nós nos comunicamos ‘energeticamente’ é realmente inútil, a menos que você possa realmente entender claramente o que você pretende. Nem importa se você pode explicar isso para outra pessoa, será que nos entendemos mesmo? Um maçom sábio disse uma vez que se você pode explicar algo para uma criança de cinco anos, e a criança de cinco anos entende, então você realmente entende o conceito disso. Termos simples, claramente definidos. Definitivamente, precisamos de mais crianças de cinco anos ao nosso redor para nos manter honestos e claros.

Maçom, cientista, filósofo ou físico: independentemente do que você acredita sobre alma, espírito, energia ou qualquer outra coisa metafísica, as definições são importantes e a compreensão pessoal ainda mais. A exploração do significado da vida é, quer concordemos em termos ou não, algo que todos compartilhamos.

Continua…

Autor: Geovanne Pereira

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