Alquimia

Alquimia: conceito, origem e história - Toda Matéria

O filósofo, santo e cientista Alberto o Grande louvou 8 Virtudes nos Alquimistas: eles são discretos e silenciosos; moram bem longe dos homens; escolhem o tempo do seu trabalho; são pacientes, assíduos e perseverantes; executam segundo as regras herméticas a trituração a fixação, a destilação e a coagulação; trazem cadinhos, vasos de vidro e potes de louça bem iluminados. Mas há os que as degradaram a começar pela essencial: evitar pessoas de temperamento sórdido. Para alguns, a falta de rigor empírico, o flerte com a magia, a busca do poder mundano pela transmutação de vis metais em ouro fazem da Alquimia a história de uma quimera senão uma fraude. Para outros é o supremo dom divino, a arte de integrar o mundo natural ao espiritual pela reflexão, ação e criação de um coração puro.

Do Egito, à China, à Índia até o mundo islâmico e a cristandade, a epopeia mais fabulosa da história das ciências mescla romance, superstição, medicina, piedade, tecnologia, trapaça, tragédia, poesia, humor. Forjados na fé do deus três vezes grande Hermes de que o que está no alto está em baixo, o grande no pequeno, o dentro fora, o Um em Todos e Todos no Um, ora cortejando Sofia a Divina Sabedoria ora barganhando com o Demônio como Fausto, para cada imperador ou papa que baniu a alquimia há um imperador ou papa alquimista. Estimada por filósofos como Maimônides ou Tomás de Aquino, praticada por pais da ciência como Boyle e Newton, tão cobiçada quanto ridicularizada por suas panaceias, a Pedra Filosofal ou o Elixir da Vida, quem dirá que a alquimia não tocou a volátil quintessência do pó, do poder e da felicidade?

Há milênios comungamos fermentados como cerveja ou vinho em rituais familiares e religiosos com amigos, mortos e deuses, mas só dos alambiques alquimistas veio a prata e o ouro líquidos dos destilados. Ela inspirou Monteverdi se instilando na forja da mais espetacular das artes, a ópera, e foi o crisol do cinema: um alquimista árabe inventou a câmara escura e um francês pode ter fixado imagens fotográficas em 1750, cem anos antes de Daguerre. Paracelsus foi precursor da homeopatia e da alopatia. Buscando ouro na urina, um alquimista de Nuremberg descobriu o fósforo que queima em nossos palitos e queimou nas bombas que aniquilaram Nuremberg. Rutherford, um pai da física nuclear, se dizia um “alquimista moderno”. Jung viu nos laboratórios alquímicos os elementos de sua psicologia profunda. Paulo Coelho forjou o chumbo de sua “Lenda Pessoal” pregando a “Mão que Tudo Escreveu” e a transmutou em ouro literário e literal na aventura do seu Alquimista na qual uma massa de leitores viveu seu sonho de descobrir o tesouro secreto que sempre possuiu no deserto de suas vidas.

A física hoje persegue o enigma da integração do macromundo da relatividade geral e do microuniverso quântico, afirma a mutação da matéria pela observação, e a interconexão de fenômenos distantes como o voo de uma borboleta e um maremoto ou uma partícula no Sol, outra na Lua e outra na Terra, e dá a qualquer um a chave para transmutar chumbo em ouro, basta bombardeá-lo num acelerador de partículas a custos astronômicos em troca de quantidades microscópicas. Em nossos tempos de fé dogmática na ciência, de nostalgia delirante por uma medicina holística e de profecias transumanistas, terão os alquimistas desaparecido para sempre ou estão chegando?

Nesse episódio do excelente podcast O Estado da Arte, Marcelo Consentino tem a companhia de Ana Maria Alfonso-Goldfarb, professora de história da ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Márcia Ferraz, professora de história da ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e, Paulo Porto, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, para, fundamentados no conhecimento acadêmico, apresentarem a história da Alquimia: o que era, o que buscava, suas ideias, etc.

Ouvir o que os professores nos trazem é de vital importância para que os iniciados possam compreender o simbolismo da Câmara de Reflexões e o porquê da presença de alguns itens naquele espaço. Sem achismos, invencionices ou ideias pirotécnicas.

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O símbolo perdido: o ponto dentro do círculo

Introdução

A Maçonaria anglo-saxônica adota um símbolo esquecido pela Maçonaria Brasileira. Trata-se do símbolo que os Maçons de língua inglesa denominam “O ponto dentro de um círculo”, e que é visto nos painéis das lojas.

Muitos estudantes consideram este símbolo como pertencente exclusivamente ao terceiro grau. Mas, se recorrermos a antigos catecismos maçônicos ou até a instruções mais recentes, encontramos este símbolo na explicação do primeiro painel. Ele figura em muitos dos antigos painéis do primeiro grau e as instruções dizem-nos que “em toda Loja regular e legalmente constituída há um ponto dentro de um círculo, cujos limites (a Virtude e o Amor ao Próximo) o Maçom não deve ultrapassar”.

Em muitos rituais do Primeiro Grau, editados no Brasil, existe o desenho de um Painel de Aprendiz, no qual são vistas as três colunas arquitetônicas, o Sol, a Lua, a Estrela Flamejante no alto da escada de Jacó e embaixo desta, um altar quadrado repousando sobre um pavimento mosaico. No meio deste altar nota-se um círculo. Comparando-se, entretanto este desenho com a pintura original, observam-se várias diferenças. O desenho original mostra o símbolo completo. O Círculo tem um ponto central e duas linhas verticais paralelas tangenciando a circunferência.

Sendo limitado ao Norte e ao Sul por duas linhas paralelas e perpendiculares, que representam Moisés e Salomão[1], este símbolo indica, dentre outras coisas, que o Maçom deve pautar as suas ações segundo as virtudes que estes dois grandes iniciados representam. O Círculo é também tangenciado no seu topo pelo Livro da Lei, indicando que a via ascensional para o G∴A∴D∴U∴ só existe pela obediência à sua vontade e aos misteriosos desígnios da sua sagrada palavra.

O Símbolo

O Círculo com um ponto central é, inegavelmente, um símbolo místico e remonta à mais alta antiguidade. Ele faz parte até das cerimônias e ritos de adoração ao Sol predominante entre os antigos. Este símbolo foi interpretado de várias maneiras. Simbolizou o Sol, o Universo, Deus e o Todo, a Unidade e o zero, o princípio (o ponto) no centro da eternidade (o círculo linha sem início e fim), porém sempre relacionados a Deus e à criação.

Figura 1 – O Símbolo Maçônico do Ponto dentro do Círculo. Em algumas versões deste símbolo o L∴ da L∴ figura acima do círculo.

Os corpos celestes foram a base sobre a qual se inspiraram os sábios da Antiguidade para definir as primeiras formas geométricas. Nos primórdios da Humanidade, o Ser Supremo, o Criador, não tinha nome nem símbolo algum que o representasse. O mesmo não acontecia em relação à sua obra, à criação, o Universo, cujo símbolo já era então o Círculo com o Ponto Central.

O Zohar, o Livro do Resplendor, ensina que o Ponto Original e Indivisível se dilatou e, por meio de um movimento constante, expandiu-se e deu vida e forma ao Universo. A Divindade expande-se de maneira ilimitada, e enche continuamente o Universo com as suas obras.

Meus Irmãos, chama-nos a atenção tal afirmativa, feita tantos séculos atrás pois, das modernas teorias sobre a origem do Universo, uma das mais aceitas pela comunidade científica é a do popularmente conhecido “Big Bang” onde, de um ponto de dimensões infinitamente pequenas (uma singularidade), toda a matéria e energia surgiu numa fantástica expansão. Esta ocorrência cósmica criou não só matéria e energia, mas o próprio tempo e toda a geometria do espaço. Não é por acaso que vemos o ponto dentro do círculo tangenciado também pelo Livro da Lei (o verbo)… “E no princípio era o verbo” (Bíblia Sagrada). Não só a intuição religiosa, mas também o formalismo matemático e as inferências experimentais da cosmologia moderna levam-nos a ideia de que, antes do “sopro inicial criador”, não existia nem espaço nem o tempo[2]. É surpreendente como, nos limites da ignorância humana, ciência e espiritualidade parecem tocar-se.

Na década de 20, observações realizadas por Edwin Hubble, no telescópio do Monte Wilson, revelaram que, quanto mais longe as galáxias estão do nosso planeta maior é a velocidade de afastamento. Isto diz-nos que o Universo está a expandir-se de forma acelerada. Se as galáxias se estão a afastar agora, significa que devem ter estado mais próximas umas das outras no passado. Há cerca de 15 bilhões de anos todas teriam estado “umas sobre as outras”, e a densidade teria sido enorme. Este estado foi denominado Átomo primordial pelo sacerdote católico Georges Lemaître, o primeiro a investigar a origem do universo que agora chamamos de  “Big Bang”.

Na Índia, os Vedas ensinam que Deus é um Círculo, cujo centro está em toda a parte e cuja circunferência não está em parte alguma. Outra interessante semelhança entre o pensamento antigo e moderno pois, voltando a falar da geometria do espaço-tempo e da expansão universal, não se concebe esta expansão de forma regular, melhor dizendo, não há, atualmente, um centro determinado desta expansão.

Meus queridos Irmãos, para visualizarmos a situação acima descrita, ainda que de forma rudimentar, imaginemos todas as galáxias do universo espalhadas sobre a superfície de uma gigantesca (e hipotética) “bexiga” de borracha. Se enchemos a bexiga, todas as galáxias se afastam umas das outras mas não há um centro determinado, pelo menos no plano físico. O Ponto no centro do círculo é o Criador dos Mundos, e organizador desta maravilhosa dança cósmica, desde o mais humilde átomo de carbono nos fios das barbas de Aarão até os fantásticos quasares[3] que fulgem dos confins do universo.

O Círculo com o Ponto no Centro também pode ser relacionado com a fórmula alquímica VITRIOL. Nesta acepção, retificar significa corrigir os erros inerentes à natureza humana. Com a descida ao interior da Terra e a morte do profano, o iniciado, pela meditação e auto-análise, busca as cristalinas fontes do Amor e da Sabedoria que o levarão à posse da Pedra Polida, a almejada Pedra Filosofal.

O Círculo

O Círculo, sem começo nem final, é um símbolo da divindade e eternidade e, portanto, o Compasso deve ser tomado como o meio pelo qual esta figura perfeita pode ser traçada. Em toda a parte e em todas as épocas, atribuiu-se ao Círculo propriedades mágicas e, particularmente, o poder de proteção contra o mal exterior de tudo que estivesse nele circunscrito. O folclore traz-nos inúmeros exemplos de pessoas, casas, lugares etc. sendo protegidos pelo simples traçado de um círculo em volta deles. As virtudes do Círculo foram também atribuídas aos anéis, braceletes tornozeleiras e colares usados desde épocas primitivas, não só como ornamentos, mas como meio de proteção contra influências malignas.

O Ponto dentro do Círculo foi herdado, conscientemente ou não, dos mais antigos ritos pagãos, nos quais ele representava os princípios masculino e feminino e tornou-se, como passar do tempo, o símbolo do Sol e do Universo. A adoração do falo, como símbolo de fertilidade, foi lugar comum em todo mundo antigo. Povos simples foram inocentemente levados a adotá-lo como base das suas religiões sob a veste de um grande mistério ou princípio gerador.

L.M Child declarou :

A reverência pelo mistério da organização da vida levou ao reconhecimento de um princípio masculino e feminino em todas as coisas espirituais ou materiais: a exemplo, o vento (ativo) era masculino, a atmosfera, passiva e inerte, era feminina”.

Podemos citar outras diversas leituras para este emblema, quais sejam:

  • Um antigo esquema do universo, o ponto representa o individuo, ou contemplador, e o círculo o horizonte;
  • A trajetória da Terra em volta do Sol e as linhas paralelas como os solstícios de inverso e Verão;
  • Um diagrama astrológico ou astronômico com as linhas verticais representando os Trópicos de Câncer e de Capricórnio.

Gostaria, no entanto de finalizar esta explanação com a sua interpretação geométrica, a qual tem íntima ligação com alguns dos mais bem guardados segredos dos antigos Maçons Operativos: a obtenção de um ângulo recto a partir do traçado do círculo.

Figura 2 – Construção de um ângulo recto com o auxílio do ponto e do círculo

A técnica consiste em traçar uma linha partindo de um ponto qualquer da circunferência (no nosso exemplo, ponto A da figura 2) passando pelo centro e interceptando-a novamente (figura 2, ponto B). Depois, traça-se uma outra linha partindo do mesmo ponto inicial e interceptando a circunferência num outro ponto qualquer (figura 2, ponto C). Agora ligamos este ponto com o ponto B. Obtemos, então, de acordo com o Teorema 12, do Livro III, do “Elementos de Geometria” de Euclides, um triângulo retângulo. Este teorema diz que “Um ângulo inscrito num semicírculo é um ângulo recto” (vide figura 3).

Figura 3 – Para qualquer ponto “C” escolhido teremos sempre um ângulo reto

Naturalmente, como um ofício secreto, esta técnica deve ter tido um extremo valor para os Antigos Maçons Operativos, e deve ter sido utilizada, dentre outras coisas, para verificar o trabalho dos obreiros e certificar que os mesmos estavam perfeitos. Outras operações gráficas podem ser executadas com base nesta rica figura. Até mesmo o Segmento Áureo[4] (F) pode dela ser obtido. Aos Irmãos que desejarem aprofundar o estudo geométrico do símbolo, sugiro a leitura do artigo citado na primeira referência bibliográfica deste texto.

Conclusão

Meditemos, meus caros Irmãos, sobre a profundidade e riqueza deste elemento “mágico” da nossa simbologia. Mais que isso, sobre a sua antiguidade e sobre o significado que ele nos traz de eras passadas. Quantos joelhos não se curvaram perante o símbolo do Eterno, do Criador, do Sol? Quantas expectativas não foram neste símbolo depositadas? Quantas magníficas obras arquitetônicas não se ergueram em direção aos céus com o auxílio deste magnífico emblema? Se este é o símbolo perdido não podemos reencontrá-lo? Se, atualmente, os nossos rituais não fazem jus à carga espiritual e histórica deste símbolo será que não nos cabe rendermos homenagem aos nossos ancestrais que observaram os limites do círculo e renderam graças ao “Ponto Primordial”?

Que o G∴A∴D∴U∴ nos ilumine na nossa jornada!

Autor: Mario Cristino Bandim Vasconcelos

Notas

[1] – Os nossos Irmãos do Rito de York dizem que “em toda Loja bem dirigida existe a representação de um certo ponto dentro de um círculo, e que representa um Irmão, individualmente; o Círculo, a linha divisória da sua conduta, além da qual ele nunca sofrerá danos ou paixões que o traiam”. Acrescentam ainda que “este círculo é limitado por duas linhas perpendiculares paralelas, que representam São João Batista e São João Evangelista, e no topo estão as Sagradas Escrituras” (um livro aberto). “Ao circundar esse círculo”, dizem eles, “tocamos, necessariamente, essas duas linhas, assim como as Sagradas Escrituras; e enquanto um Maçom se mantém circunscrito aos seus preceitos, torna-se impossível que possa errar”.

[2] – A “nova” teoria do espaço-tempo curvo foi denominada relatividade geral, para distinguir-se da teoria original que não falava sobre gravidade. Ela foi confirmada espetacularmente em 1919, quando uma expedição britânica à África Ocidental observou uma pequena deflexão da luz ao passar perto do sol, durante um eclipse. Foi uma evidencia direta de que o espaço e o tempo são deformáveis.

[3] – Os “quasares” – abreviatura de quase stelars objectus (objetos quase estelares) – são buracos negros de massa bilhões de vezes maiores que a do Sol. A voracidade com que devoram matéria é impressionante. A aceleração desta matéria “tragada” para o seu interior produz fortes emissões de ondas de rádio e uma colossal luminosidade tornando-os os objetos mais brilhantes do universo.

[4] – Segmento Áureo – também chamado “Número de Ouro” ou “Divina Proporção”, consiste em uma relação particular tal que a parte menor esteja em relação à maior assim como a maior em relação ao todo. Isso é o que a geometria clássica chama de divisão de uma recta em média e extrema razão. Esta relação é frequentemente encontrada da natureza: proporções do corpo humano, desenho de flores, traçado das conchas de muitos moluscos oceânicos e, por isso, muitas Lojas a observam na construção do quadrado oblongo dos seus Templos.

Referências

BURKE, Bro. William Steve, 32°. The point within a circle – More Than Just an Allusion? : Construction of a Right Triangle Using The “Point Within s Circle”. Sciotto Lodje Nº 6, Chillicote, Ohio. Disponível em: http://www.freemasons-freemasonry.com/point_within_circle.html

FADISTA, Antônio – O ponto dentro do círculo – Pesquisa: Ir:. Jaime Balbino – Disponível em: http://www.cavaleirosdaluz18.com.br/trabalhos/O%20Ponto%20Dentro%20do%20C%C3%ADrculo.pdf

HAWKING, Stephen – O Universo numa casca de noz– São Paulo, Arx, 2001, 3ª edição.

PIKE, Albert – Moral e Dogma – Graus Simbólicos – Livraria Maçônica Paulo Fuchs.

WATERMAN, S.L – A point within a circle – G.L of Sakatchewan – 1974. Disponível em: http://www.themasonictrowel.com/Articles/degrees/degree_1st_files/a_point_within_a_circle.htm

Alquimia e Maçonaria

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Podemos afirmar que o maçom tem contato com a Alquimia nos primeiros momentos em que, como candidato, tem contato com a Ordem. A Câmara de Reflexões indiscutivelmente é um legado alquimista, a sua “decoração” com os elementos água, enxofre e sal, que acrescida do mercúrio são substâncias que constituem a Prima Matéria da Alquimia. A Alquimia é estudada sob três aspectos diversos, suscetíveis de interpretações distintas, e que são: o cósmico, o humano e o terrestre. Elas são representadas pelas três propriedades alquímicas: enxofre, mercúrio e sal. Muitos autores afirmam que há três, sete, dez e doze procedimentos respectivamente, porém, todos concordam em que há apenas um único objetivo na Alquimia, que é a transmutação em ouro dos metais mais grosseiros. Porém, este é apenas um dos aspectos da Alquimia, o terrestre ou puramente material, pois, compreendemos logicamente que o mesmo processo seja executado nas entranhas da Terra. Contudo além desta interpretação, há na Alquimia um significado simbólico, psíquico e espiritual.

Como vimos, o alquimista procura simbolicamente ouro. Isto nada mais é do que o maçom procura, através da sua opus, transformar a pedra bruta em pedra polida, e que é o aprimoramento moral e espiritual do maçom. Enquanto o alquimista cabalista muitas vezes procura a realização do ouro material, o alquimista ocultista, desdenhando o ouro das minas, volta toda a sua atenção e concentra todos os seus esforços na Divina Trindade do homem que, quando finalmente se fundem, formam apenas um.

Os planos espiritual, mental, psíquico e físico da existência humana são comparados, em Alquimia, aos quatro elementos: fogo, ar, água e terra, e cada um deles é suscetível de uma constituição tripla, a saber: fixa, variável e volúvel. Aqui temos também um outro elo entre a Maçonaria e a Alquimia, mais precisamente nas três viagens que o recipiendário é obrigado a fazer acrescido da prova da terra que, simbolicamente, é a Câmara de Reflexões, a que nos referimos anteriormente.

A Maçonaria vê na prova do ar (primeira viagem com seus ruídos e trovões) a representação do segundo elemento primordial que com seus meteoros e contínuas flutuações é o emblema da vida, sujeito as contraditórias variações. Na Alquimia o ar é trabalhado através da operação sublimatio. Ela transforma o material em ar por meio de sua elevação e volatilização. O termo “sublimatio” vem do latim Sublimis, que significa elevado. Isso indica que o aspecto essencial do Sublimatio é um processo de elevação por intermédio do qual uma substância inferior se traduz numa forma superior mediante um movimento ascendente.

Na Maçonaria a água é o oceano e este é um símbolo do povo, a cujos serviços dedicam-se os verdadeiros maçons. Os homens são as gotas do vasto oceano da humanidade, de que as nações são partes.

Na Alquimia a água é a Prima Matéria, ideia que os alquimistas herdaram dos pré-socráticos. Pensam os alquimistas que uma substância não poderia ser transformada sem antes ter sido reduzida à Prima Matéria. A água é trabalhada através da operação Solutio, esta provoca o desaparecimento de uma forma e o surgimento de uma nova forma regenerada. No poema abaixo, escrito por Lao Tse, a Maçonaria fala a mesma linguagem que a Alquimia, quando tratam de água:

“O menor dos homens é como a água.
A água a todas as coisas beneficia
E com elas não compete. Ocupa os (humildes) locais visto por todos com desdém
Nos quais se assemelha ao Tao
Em sua morada (o Sábio) ama a (humilde) terra
Em seu coração ama a profundidade
Em suas relações com os outros, ama a gentileza
Em suas palavras, ama a sinceridade
No governo ama a paz
No trabalho, ama a habilidade
Em suas ações ama a oportunidade
Porquanto não querê-la
Vê-se livre de reparos.”

O quarto elemento, o fogo, também une os propósitos dos dois colégios. Para a Maçonaria o fogo, cujas chamas sempre simbolizam aspiração, fervor e zelo, deve lembrar ao iniciado que este deve aspirar a excelência e a verdadeira glória e trabalhar com dedicação nas causas empenhadas, principalmente as do povo, da pátria e da ordem.

Para o alquimista o fogo é tratado na operação calcinatio. Eis porque toda imagem que contém o fogo Livre queimando ou afetando substâncias se relaciona com a calcinatio. O fogo da calcinatio é um fogo purgador, embranquecedor. Atua sobre a matéria negra, a nigredo, tomando-a branca. Diz Basil Valentine: “Deves saber que isso (a calcinatio) é o único meio correto e legítimo de purificar nossa substância.” Isso a vincula ao simbolismo do purgatório. A doutrina do purgatório é a versão teológica da calcinatio projetada na vida depois da morte.

Morte, um tema muito caro para os maçons e alquimistas. Na Maçonaria a morte é tratada de forma muito especial, na Lenda de Hiram que perpassa vários graus da Escada de Jacó. O maçom conhece muito bem estas palavras:… o pó volte a Terra e o espírito volte a Deus que o deu…

Para o alquimista a morte também é um processo, uma continuação que faz parte do trabalho da coagulatio. Esta pertence ao elemento Terra, e costuma ser seguida por outros processos, em geral pela mortificatio e pela putrefactio. Aquilo que se concretizou plenamente ora se acha sujeito à transformação. Tornou-se uma tribulação, que chama à transcendência. Eis como podemos entender as palavras do apóstolo Paulo ao vincular o corpo e a carne à morte:

“Quem me libertará do corpo desta morte?… Porque, se vivemos na carne, morreremos; mas se por meio do espírito, mortificarmos os feitos do corpo, viveremos… Porque aquele que vive segundo a carne inclina-se para as coisas da carne. A inclinação da carne é a morte; mas a inclinação do espírito é a vida e paz”.

A identificação do corpo e da carne com a morte deve-se ao fato de que tudo aquilo que nasce no plano espaço-temporal deve submeter-se às limitações dessa existência, que incluem um fim a morte. Esse é o preço do ser real. Uma vez plenamente coagulado ou encarnado, o conteúdo torna-se sem vida, sem maiores possibilidades de crescimento.

Emerson exprime essa ideia:

“Somente a vida é beneficio, e não a ter vivido. A força cessa no instante do repouso; ela reside no momento da transição de um estado passado para um novo, na voragem do abismo, no arremesso contra o alvo. Eis um fato que o mundo abomina. O fato de a alma vir a ser porquanto isso degrada o passado, tornando todos os bens em pobreza, toda reputação em vergonha, confundindo o santo com o velhaco, varrendo Jesus e Judas para longe, sem distinção.”

Realizada a plena coagulatio, vem a putrefactio. Porque o que semeia na sua carne da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no espírito do espírito ceifará a vida eterna. Um texto alquímico trata do mesmo tema: o leão, o sol inferior pela carne se corrompe… Assim, o leão tem corrompida a natureza por meio da sua carne, que segue os ritmos da Lua, e é eclipsada. Porque a Lua é a sombra do Sol, e com o corpo corruptíveis é consumida; e, por meio da destruição da Lua, o leão é eclipsado com auxílio da umidade de mercúrio; o eclipse não obstante, é transmutado tomando-se útil e de melhor natureza, e ainda mais perfeito do que o primeiro.

Em vários graus da Maçonaria o crânio é uma peça importante tanto na representação do grau como na ornamentação do templo para o ritual do grau. Pois bem, na alquimia o crânio como momento mori é um emblema da operação da mortificatio. Ele produz reflexões a respeito da mortalidade pessoal de cada um e serve como pedra de toque para os valores falsos e verdadeiros. Refletir sobre a morte pode nos levar a encarar a vida sob perspectiva da eternidade e, desse modo, a negra cabeça da morte pode transformar-se em ouro. Com efeito, a origem e o crescimento da consciência parecem estar vinculados de maneira peculiar à experiência da morte. Talvez o primeiro par de opostos a penetrar na consciência em vias de despertar dos seres humanos primitivos tenha sido o contraste entre o vivo e o morto. E provável que somente a criatura mortal seja capaz de ter consciência. Nossa mortalidade é nossa fraqueza mais importante e derradeira. E essa fraqueza, segundo C. G. Jung, foi o elemento que colocou Jó em vantagem diante de IAHWEH.

Esta palavra é muito significativa em alguns graus da Escola Filosófica da Maçonaria (REAA). IAHWEH é o nome da Divindade expressa no Antigo Testamento do Livro Sagrado. Para o alquimista IAHWEH redime e purifica pelo fogo sagrado, daqueles que passaram pela calcinatio:

“Não temas, porque eu te resgatei, eu te chamei pelo teu nome, és meu. Quando passares pelo mar, estarei contigo; quando passares pelos rios eles não te submergirão. Quando passares pelo fogo, a chama não te atingirá e não te queimarás. Pois eu sou IAHWEH, teu Deus, o Santo de Israel, teu Salvador.”

O Juízo final pelo fogo corresponde à provação pelo que testa a pureza dos metais e lhes retira todas as impurezas. Há inúmeras passagens do Antigo Testamento que usam metáforas para descrever os testes que IAHWEH submete seu povo eleito. Por exemplo, IAHWEH diz:

“Voltarei minha mão contra ti, purificarei as tuas escórias no cadinho, removerei todas as impurezas.” (Isa., 1:24,25)

“E eis que te pus na fogueira como a prata, testando-te no cadinho da aflição. Por causa de mim mesmo e só por mim mesmo, agi – deveria meu nome ser profanado? Jamais darei minha glória a outro.” (Isa.,48;10,11)

“Eu os levarei ao fogo, e os purificarei como se purifica a prata, e os testarei como se testa o ouro. Eles invocarão meu nome e eu escutarei, respondendo: Eis o meu povo; e todos dirão IAHWEH é meu Deus.” (Zacarias 13:9)

O fogo purifica e santifica a matéria bruta e corrompida, os maçons e alquimistas sabem disso, no entanto, o fogo da Senda Sinistra mata e regride a evolução que o ser procura na sua existência. Este fogo nada mais é do que a luxúria, a inveja e ira. Nesta categoria temos a ira que moveu Nabucodonosor, ao destruir o Templo de Salomão. Ele personifica o motivo do poder, a autoridade arbitrária do ego inflamado, que passa pela calcinatio quando suas pretensões irresistíveis são frustradas pela presença da autoridade transpessoal. Nabucodonosor corresponde ao rei alquímico, que serve de alimento ao lobo e depois é calcinado.

Conclusão

A Maçonaria e os maçons com as suas alegorias de construção, como ferramentas: trolha, esquadro, compasso, régua, maço, cinzel; materiais como tríplice argamassa, de forma alguma querem dar a entender que queiram construir algum prédio material – quando assim o querem contratam uma firma especializada – mas sim a construção de um Templo Espiritual à Divindade Maior, o Grande Arquiteto do Universo. É a procura do auto-conhecimento para purificar o ente de cada obreiro, e a partir daí construir a morada do Espírito Santo como falam os cristãos. Essa construção maçônica percorre vários patamares (Escada de Jacó) e à medida que o maçom vai galgando os seus degraus (os graus maçônicos) ele tem um compromisso com a Lei do Karma de estar mais santificado que no patamar anterior. Da mesma forma, o alquimista no seu trabalho de manipulação das substâncias não quer dizer que ele queira conseguir ouro material. Alquimia é a ciência pela qual as coisas podem não ser decompostas e recompostas (como se faz em química), mas também sua natureza essencial pode ser transformada e elevada ao mais alto grau ou ser transmutada em outra.

A química trata apenas da matéria morta, enquanto a Alquimia emprega a vida como fator. Todas as coisas têm natureza tríplice, da qual sua forma material e objetiva é sua manifestação inferior. Assim é que, por exemplo, há ouro espiritual, imaterial; ouro astral etéreo, fluído e invisível, e ouro terrestre, sólido, material e visível. Os dois primeiros são, digamos assim, o espírito e a alma do último e, empregando os poderes espirituais da alma, podemos produzir mudanças nele, a fim de que se, tornem visíveis no estado objetivo.

Certas manifestações exteriores podem ajudar aos poderes da alma em sua operação. Porém, sem os segundos, as manipulações serão totalmente inúteis. Portanto, os procedimentos alquímicos podem ser utilizados com êxito unicamente por aquele que é o alquimista nato ou por educação. Sendo todas as coisas de natureza tríplice, a Alquimia também apresenta um aspecto triplo. No aspecto superior, ensina a regeneração do homem espiritual, a purificação da mente e da vontade, o enobrecimento de todas as faculdades anímicas. No aspecto mais inferior trata das substâncias físicas e, abandonando o reino da alma viva e desvenda matéria morta. Termina na química de nossos dias. A Alquimia é um exercício do poder mágico da livre vontade espiritual do homem e, por esta razão, pode ser praticada apenas por aqueles que renascem espiritualmente.

Por último, passarei a palavra final aos alquimistas, ao citar, in toto, seu texto mais sagrado. A Tábua da Esmeralda de Hermes. Via-se esse texto “como uma espécie de revelação sobrenatural aos filhos de Hermes, feita pelo patrono e sua Divina Arte”. De acordo com a lenda, a Tábua da Esmeralda foi encontrada, no túmulo de Hermes Trismegistus, por Alexandre o Grande, ou, em outra versão, por Sara, a esposa de Abraão. A princípio, só se conhecia o texto em latim, mas, em 1923, Holmyard descobriu uma versão árabe. É provável que um texto anterior tenha sido escrito em grego e, segundo Jung tinha origem alexandrina. Os alquimistas o tratavam com veneração ímpar, gravando suas afirmativas nas paredes do laboratório e citando-o constantemente em seus trabalhos. Trata-se do epítome críptico da opus alquímica, uma receita para segunda criação do mundo, o unus mundus.

  • Verdadeiro, sem enganos, certo e digníssimo de crédito.
  • Aquilo que está embaixo é igual àquilo que está em cima, e àquilo que está em cima é igual àquilo que está em baixo, para realizar os milagres de uma só coisa.
  • E, assim como todas as coisas se originam de uma só, pela mediação dessa coisa, assim também todas as coisas vieram dessa coisa, por meio da adaptação.
  • Seu pai é o sol; sua mãe, a lua; o vento a carregou em seu ventre; sua ama é a terra.
  • Eis o pai de tudo, a complementação de todo o mundo.
  • Sua força é completa se for voltada para dentro (ou na direção) da terra.
  • Separa a terra do fogo, o sutil do denso, com delicadeza e com grande ingenuidade.
  • Ela ascendeu da terra para o céu, e desce outra vez para a terra, e recebe o poder do que está em cima e do que está embaixo. E, assim, terás a glória de todo o mundo. Desse modo, toda a treva fugirá de ti.
  • Eis o forte poder da força absoluta; porque ela vence toda coisa sutil e penetra todo sólido.
  • E assim o mundo foi criado.
  • Daqui as prodigiosas adaptações, à feição das quais ela é.
  • E assim sou chamado HERMES TRISMEGISTUS, tendo as três partes da filosofia de todo o mundo.
  • Aquilo que eu disse acerca da operação do sol está terminado.

Autor: Lucas Francisco Galdeano

Fonte: Pietre-Stones – Review of Freemasonry

Galdeano tem Pós-graduação Lato Sensu em História da Maçonaria pela Universidade Cruzeiro do Sul / UDF. Foi Grande Secretário Adjunto de Educação e Cultura do Grande Oriente do Brasil (1993-2001) e é Grão-Mestre Distrital Adjunto do Grande Oriente do Distrito Federal – GODF/GOB.

Referências Bibliográficas

1) Blavatsky, Helena P. Glossário Teosófico. São Paulo: Global Editora e Distribuidora
2) Edinger, Edward F. Anatomia da Psique: O Simbolismo Alquímico da Psicoterapia
3) Figueiredo, Joaquim Gervásio de Dicionário de Maçonaria. São paulo: Pensamento/1987
4) Rituais do Grande Oriente do Brasil e do Supremo Conselho do Brasil para o Rito Escocês Antigo e Aceito (R.·.E.·.A.·.A.·.).

O Simbolismo da Roda – Capítulo 4 (2ª Parte)

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O conhecimento de “outro tempo” na verdade está incluído na ordenação ou iniciação hermética, que supõe a vivência direta de uma cosmogonia e a iniciação em seus mistérios. E só o quis trazer aqui para mostrar o influxo espiritual da tradição hermética, sob distintas formas, até nossos dias, no Ocidente. Inclusive o cristianismo oferece uma iniciação virtual por intermédio do sacramento do batismo, ou regeneração pelas águas, motivo pelo qual as pessoas interessadas neste tipo de temas aos quais estamos nos referindo, não têm necessidade de ir a tradições estranhas a sua, embora de maneira nenhuma devam desprezá-las, face à dificuldade que, algumas vezes, se tem de se identificar com elas[64]. A obra hermética se produz na interioridade do athanor (analogicamente, do templo do homem). O certo é que esta tradição propõe o conhecimento mediante o estudo da cosmogonia. Estudar as leis cosmogônicas não supõe a erudição literal, ou o cômputo de detalhes banais, que para estas disciplinas são coisas secundárias, se não às vezes entorpecedoras. Conhecer a cosmogonia supõe ser uno com ela. Estar vivo ou ter nascido no verdadeiro estado humano. Este fato assombroso inclui uma perda e um achado de identidade, uma morte e uma ressurreição, que se realizam inumeráveis vezes em vários anos, no athanor do alquimista, sua interioridade. E lhe dá também a matéria com o que seguir trabalhando neste processo alquímico, chamado também de iniciação no caminho do conhecimento e da vida real.

O alquimista e o astrólogo trabalham sozinhos. Assim se os pode ver em numerosas gravuras da iconografia hermética. Ou estudando, meditando ou orando, quando não absortos na contemplação de seus achados[65].

Conhecer uma cosmogonia significa viver a mandala tridimensional do cosmos. Compreender a revelação de um universo e suas leis, absolutamente diferente do que foi ensinado. Onde os valores são tão outros, que unicamente podem ser recebidos por meio de uma total conversão psicológica. Este processo necessita de uma ordem e de um trabalho. Não só tem enormes riscos de separação de muitos tipos (os quais, geralmente, são parte do processo), mas sim pode resultar quase impossível de realizar, por indefinidos motivos. Diz-se que é difícil, mas não impossível. No caminho podem ficar, entre outras coisas, a saúde, a fama e a honra, quer dizer, toda segurança. Mas a recompensa é a identidade, o conhecimento, o ser. O aprendiz de alquimista está disposto à realização espiritual, que inclui o conhecimento vivo das leis do cosmos, em definitivo, o conhecimento de si mesmo, e da realidade, da ordem, da vida. Receberá, pois, o que desejou, sempre que seu trabalho for paciente e sacrificado[66] e passe pelas provas dos heróis mitológicos. Deve levar seu trabalho hermético a todo nível em sua vida e sua cotidianidade, pois se trata da recuperação da luz – a lucidez -, utilizando o emotivo fogo do sangue. O estudo das disciplinas herméticas e dos textos mágicos, alternar-se-á com a constante meditação e o trabalho interno, sagrado, e se surpreenderá então de ver-se cada vez mais estrangeiro no mundo das causas e efeitos[67]. Esse espaço interno poderá albergar as estruturas com as quais construir um novo cosmos, ou melhor, descobri-las-á em si mesmo e manifestando-se em qualquer parte. Poderá então viver de manhã até a noite – e em suas próprias horas de repouso – um novo mundo, cada vez mais assombroso, cuja característica é a riqueza e também o esplendor. Sendo tanto o que tem nas mãos, tem que tomar consciência então de sua responsabilidade com respeito a si, e advertir que não foi por seu mérito, nem um descobrimento próprio, o obtido, senão que simplesmente isso é assim, e que, além disso, não lhe pertence. E, mais ainda, reconhecerá que sua personalidade, tal qual imaginava, não existe. Deve então procurar dirigir-se com as estratégias próprias das artes marciais e equilibrar constantemente o percurso de seu caminho, o manejo de seu veículo. Esta arte requer uma manipulação delicada e é provável que se aprenda à força; ao menos se trata de uma ciência de fortes contrastes. Mas, perseverando até o fim, conseguirá viver em uma mandala viva, espelho do cosmos, onde toda coisa tem significado, nas tensões e matizes próprios da harmonia e da ordem do criado, e de seu sustento invisível e arquetípico. Terá conhecido a cosmogonia e, assim, o batismo lunar de João, de água (da ciência do esquadro), e terá recebido o batismo solar de Jesus, de fogo (da ciência do compasso), e quando tiver culminado este último processo, então se poderá dizer que compreendeu a essência da terra e do céu, o que é simultâneo com sua chegada ao centro e equivale a estar já preparado para começar sua ascensão vertical, pois finalizou com os mistérios menores.

Trata-se, pois, de um caminho mágico, onde os próprios veículos são reveladores[68]. E quando nos referimos ao termo magia, não estamos falando de nada de menor grau, onde os sempre mesquinhos interesses pessoais estão em jogo e a mera individualização fenomênica é valorizada de acordo a patrões modernos e materializados. Referimo-nos a algo muitíssimo mais sutil e poderoso: a autêntica estrutura invisível do espaço e do tempo, intuída diretamente, que não é já algo exterior ou alheio a nós mesmos e ao todo. Entre outras razões, diz-se que o pensamento analógico é mágico, porque as associações e correspondências que ele provoca nos ensinam a pensar, fazem-nos saber do que se trata a obscura lembrança do conhecimento. E nos transforma em verdadeiros seres inteligentes, ao nos fazer partícipes da natureza de nossa identidade. Esta transformação psicológica, e a fenomenologia que lhe corresponde, é mágico-teúrgica. Por outra parte, existem sistemas iniciáticos especialmente desenhados para transmitir estas verdades do pensamento analógico. Estes métodos estão carregados com o influxo espiritual de quem os tem trazido à luz e com a energia de todos aqueles que meditaram neles. Para isso foram construídos – assim como qualquer texto revelador ou sagrado, que sem este fim não teria sido escrito – e se confia em seu poder simbólico e sintético, que nos manifesta a cosmogonia através de uma mandala – ou jogo de estruturas – para nos fazer partícipes dela, utilizando códigos e símbolos como a árvore da vida sefirótica ou o jogo do Tarot.

Desta maneira, transmite-se a energia espiritual da revelação, e a pessoa que está em condições de compreender poderá ouvir as vozes e o chamado da Tradição e efetivar sua iniciação, quer dizer, começar o caminho do conhecimento. Para esse, então, certamente a maioria dos candidatos conheceram bastante o mundo que os rodeia, e de uma ou outra maneira, desiludiram-se dele; hão aprofundado com relação ao que a sociedade atual pode lhes oferecer como atrativo, sobretudo no que toca o plano da realização do autêntico ser. Ou seja, que efetuaram um trabalho de depuração e seleção com respeito a si mesmos, e essa busca os trouxe para os temas da tradição hermética, que quase nunca se encontram de forma casual. A partir de um momento determinado – para o qual terá que estar preparado internamente – produz-se o começo efetivo do processo de conhecimento. As provas iniciáticas são posteriores a esse ponto e as assimila ao passar pelo labirinto. As dificuldades que cada aspirante tenha encontrado até o momento da iniciação, devem ser tomadas apenas como circunstâncias preparatórias, por graves ou significativas que sejam.

Assim, articula-se um processo que, transposto ao plano do temporal, tem que ser visto necessariamente como sucessivo e gradual, e que compreende o conhecimento de sete, nove, ou mais estágios[69], segundo as diferentes tradições, e que se simbolizam em forma de pirâmide no espaço, ou, no plano, com a espiral – ou a dupla espiral – ou com um jogo de círculos concêntricos (uns dentro dos outros), que podem sintetizar-se em três grandes círculos ou níveis, correspondentes aos graus de aprendiz, companheiro e mestre, e aos subgraus que houver entre um e outro destes estágios.

Estas coisas são bem singelas de compreender, embora nem tanto de experimentar honestamente, motivo pelo qual [grande] quantidade de pessoas não têm feito senão confundir-se e confundir a respeito, amparando-se na ignorância de outros, constituindo-se em verdadeiros impedimentos da iniciação dos puros[70], fazendo-se desta maneira cúmplices de forças muito obscuras, que não nos atrevemos a qualificar, mas que podem formar parte deste processo e também truncá-lo definitivamente. Referimo-nos expressamente àqueles que negam a possibilidade da encarnação do conhecimento, através de um desenvolvimento, e repudiam desse modo a divindade do Cristo interno, contra a unânime opinião das tradições. São essas mesmas pessoas as que, ao não se sentirem qualificadas para essa empresa, permitem-se julgar os outros de acordo ao achatamento e mediocridade de seus padrões, motivo pelo qual se condenam a suas próprias limitações, sem que por isso seu desejo de danificar, e de fazer o mal, seja menos notório. Coisa curiosa, este tipo de seres é moralista e certas vezes pretende conhecer algo do processo iniciático. São inimigos tão embuçados como pueris, que pensam que a iniciação é uma cerimônia física, onde um extraterrestre impõe as mãos sobre um pobre ignorante e este se transforma imediatamente em superman. A iniciação seria, para estas pessoas, um diploma devidamente certificado e garantido por uma religião oficial, um prêmio por boa conduta e pontualidade, uma gratificação outorgada ao mérito. Tenhamos muito cuidado com os que “sabem” a respeito da doutrina, o mistério e a iniciação, falsos doutores da lei que condenam o processo de amor e paixão cristã. Esta gente está acostumada ser a mesma que aqueles outros obscuros sacristões de vocação, que pretendem ser “bons” e “piedosos”, pela bondade e a piedade mesm0[71] fazendo verdadeiras competições para medir quem é o melhor e o maior dentre eles, enchendo-se todos de uma satisfação soberba, úmida e perigosa. Estes personagens, insignificantes em si, podem fazer grave dano, repeti-lo-emos, legalizando-se depois de uma ortodoxia mentida e uma localização e um conhecimento falsos; e o aspirante deve saber que são inimigos de sua evolução espiritual, aos quais tem necessariamente que vencer, no plano das ideias, porque é provável que sejam parte das provas de seu percurso e não só pessoas inocentes e equivocadas.

Do mesmo modo, há outra espécie que pode encontrar-se com o passar do processo e que, junto com a anterior, constitui um bloco muito marcado, que tem em comum com ela o fingimento, embora o aprendiz tem que saber que inumeráveis perigos lhe aguardam em forma de muitos personagens, que não são senão a projeção externa e social de seus egos internos. Trata-se, neste caso, daqueles que entendem que dominar as paixões é as ocultar[72]. Além disso, sempre com segunda intenção, intimamente associada com o poder. E não se permitem a menor demonstração de suas emoções, procedendo com a “habilidade” dos jogadores de pôquer, de gente com “guelra”, que atuam com “sangue-frio”[73].

Com muitos conceitos acontece o mesmo que com estes personagens, ou egos, e são autênticos riscos. Sem ir mais longe, com toda a terminologia atualmente em uso, que corresponde a uma leitura literal e materializada das palavras e dos termos, com respeito ao sentido com que foram concebidos. Esta confusão, este impedimento, não é um fato isolado, mas sim, pelo contrário, constitui uma amostra da degradação cultural geral da sociedade moderna, cujo chefe, é necessário nomeá-lo, é o príncipe deste mundo, que, como tão bem já se disse, não só é um monstro do mal e da falsidade, mas também, por sobre todas as coisas, é um autêntico estúpido e um mentiroso. Personagem que todos levamos dentro e que nos faz nos vender constantemente por um prato de lentilhas.

Portanto, nada tem de irregular um processo iniciático que se realiza por meio dos ensinos, instrutores e mestres da tradição hermética – como tampouco outro que se efetue pela judaica, cristã, ou islâmica – e que se desenvolve de forma normal, face às dificuldades, insipidezes e paradoxos de todo tipo, próprias desta via mágico-teúrgica – em que se trabalha quase sempre solitariamente -, embora sua realização se produza em um meio tão irregular como o mundo moderno. E é necessário advertir as pessoas a quem lhes começa a acontecer certos fatos referentes à abertura de sua consciência e lhes dá vontade de compartilhá-los, que devem tomar cuidado, porque estas coisas são perigosas. Mas também, poderão sentir-se suficientemente seguras para vivê-los com outros, ou outro, entre os quais se encontrará o Espírito, conforme se diz nos evangelhos. Igualmente, afirma-se que: “procurem e encontrarão”, e, do mesmo modo, um adágio hermético assegura que: “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. Este último, se a atitude é adequada, surgirá de todas maneiras. É conveniente esclarecer, por um lado, que ninguém pode adicionar um só côvado a sua estatura, motivo pelo qual tem que chegar até onde pode e deve, no percurso da vida e o conhecimento. Por outro, que ao aspirante, apesar de seus múltiplos méritos, tudo lhe foi ou lhe será ensinado. Que nenhum homem pode nem poderá conhecer estes segredos, nem os descobrir por si mesmo, se não for por revelação e por sua participação em uma cadeia iniciática, com a qual se enlace. A via que aqui se propõe é a simbólica da tradição hermética e sua relação com a simbólica e com a mitologia universal. Onde um símbolo ou mito não resulta claro, em tal ou qual contexto, busca-se a analogia correspondente nesta ou naquela tradição. As transposições e relações que se efetuam com os símbolos constituem grande parte do trabalho hermético. Um símbolo chinês, ou pré-colombiano, pode iluminar imediatamente um símbolo europeu e desta maneira constituir-se em parte integrante de um jogo de relações, de ideias, que se não fosse por sua participação, não poderiam se efetuar. Deve se recordar, uma vez mais, a energia-força atribuída aos símbolos em geral e aos da tradição hermética – neste caso em particular – e a sua irradiação mágico-teúrgica. Também deve se prestar atenção completa aos textos dos sábios, hierofantes e magos, que atuam de uma maneira especial, entre quem é capaz de recebê-los, e os conduzem ao jardim do paraíso, ou estado adâmico, restituindo-os ao andrógino original. Em todo caso, devemos assinalar, para finalizar, que certamente é muito benéfico o transitar especificamente uma tradição religiosa determinada, e praticar o rito esotérico correspondente. Mas de maneira nenhuma é imprescindível, pois os mistérios da tradição hermética – que não é religiosa – e a iniciação nos mesmos, não só constituem o patrimônio vivo do Ocidente, mas também, acaso, sua razão de ser, como um gesto, ou uma cor, no espectro da história humana.

Autor: Federico González
Tradução: Igor Silva

Notas

[64] – Atualmente não é difícil conectar-se com membros ou representantes de tradições orientais, seja viajando para eles ou assistindo a cursos e ritos em distintas cidades europeias ou americanas. Especialmente mestres taoistas e zen budistas, assim como lamas do budismo mahayana. Igualmente existem no Ocidente tarîqahs islâmicas, entre as que podemos citar, em cidades de língua castelhana, a de Granada (Espanha) e Buenos Aires (Argentina) A tradição hindu é, desgraçadamente, a vítima mais notória de todo tipo de fraudes. Onde isto é mais evidente, é na própria a Índia, e até em cidades sagradas como Varanasi, Rischikesh e Harivard. Estes mesmos perigos existem dentro da Tradição Pré-colombiana, ou melhor, entre alguns que pretendem conhecê-la ou até representá-la, o que não é o caso, é obvio, de seus autênticos chefes, mestres, ou de seus curandeiros [NT: original “medicine men“].

[65] – A contemplação pode-se vincular, em maior grau, com a energia celeste, enquanto que a ação pode-se conectar, mais diretamente, com o terrestre.

[66] – No sentido de sacrum-facere.

[67] – Interessa destacar a força energética da oração, seu poder de concentração imediato, a necessidade da invocação incessante dos nomes divinos, sua repetida lembrança, sua memória trazida constantemente ao sempre Presente.

[68] – Recordar os numerosos cavalos mágicos, ou que falam, das distintas tradições e folclores.

[69] – Na tradição hermética soem tomar-se às vezes como dez a estes graus, sendo os sete primeiros os de construção do ser ou templo interno, o oitavo de passagem, o nono de conclusão da Obra, e o décimo, o de coroação da mesma ou virtual saída do cosmos ou da perspectiva espaço-temporal simplesmente humana, que se foi modificando pouco a pouco com o passar do processo.

[70] – Os puros, os não compostos nem duplos. Os valentes e generosos aspirantes ao conhecimento. Nenhuma relação com as piedosas “filhas da Maria”.

[71] – Como os que desejam ser ascéticos ou estoicos, pela ascética e o estoicismo como fins, e não como simples veículos ou meios, que aparecem no caminho. Uma vez mais se faz de algo relativo, algo absoluto.

[72] – Em lugar de utilizar esse fogo e domesticá-lo, de tal maneira que facilite a transmutação.

[73] – São os meninos maus do passeio, ou aqueles que já “sabem” ou que confundem sua megalomania com a verdade. Seu esporte é a constante manipulação.

A Simbologia da Franco-­Maçonaria (Parte II)

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Chegamos assim à primeira metade do século XVII, onde assistimos ao surgimento do movimento hermético-cristão ao qual se convencionou chamar de “iluminismo rosa-cruz”. Esse movimento, que concedia uma importância especial à invocação dos nomes divinos hebreus e cristãos, assim como às analogias e correspondências entre os três mundos ou planos da manifestação universal-corporal, anímico e espiritual – viria a ser decisivo para a gestação da Maçonaria especulativa. Os rosacrucianos, dentre os quais se encontravam autênticos homens de conhecimento do porte de Robert Fludd, Michel Maier e Juan Valentín Andreae (autor de As Bodas Químicas de Christian Rosenkreutz), eram, por assim dizer, o braço exterior e visível da enigmática “Ordem da Rosa-Cruz”, da qual tomaram o nome. Esta sociedade hermética era composta por doze membros (número primordial) que permaneceram sempre no mais completo anonimato, justificado pelas condições, cada mais vez mais adversas, provocadas pelo poder exercido de forma autoritária pela maior parte da nobreza e do dogmatismo inquisitorial. Esse “Colégio Invisível da Rosa-Cruz”, como igualmente se denominava, herdou, graças a organizações filo-templárias como a Fede Santa à qual pertenceu Dante, o essencial do simbolismo do Templo.

Durante os primeiros anos do século XVII o movimento rosacruciano estendeu as ideias herméticas por diversos Estados e Principados do Europa central, especialmente na Boemia e no Alto e Baixo Palatinado, fomentando um florescente, mas breve, período no qual se tentou perpetuar a cultura tradicional do Ocidente. Não obstante, tudo ficou truncado quando o movimento rosacruciano foi cruelmente dissolvido – como no caso dos templários – durante a “Guerra dos Trinta Anos”, acontecimento este que supôs que a “Ordem da Rosa-Cruz”, inspiradora desse movimento, desaparecera da Europa buscando refúgio na Ásia[1].

Cabe aqui destacar dois pontos: primeiro, o aspecto cruento que tomou a perseguição dos templários e dos rosacrucianos, aspecto esse que foi uma característica bastante frequente no Ocidente durante muito tempo, e que deve ser entendido, antes de mais nada, como a expressão de um gesto verdadeiramente sacrificial estreitamente ligado com os mitos solares, e que o próprio Cristo exemplificou com sua paixão e morte na cruz. Do mesmo modo, toda ação sacrificial sofre uma morte ritual seguida de um renascimento ou ressurreição (o sol repete este ato todo dia quando desaparece no Ocidente e volta a aparecer no Oriente), o que pode ser constatado em diversas histórias, incluindo as que se referem ao destino coletivo de todo um povo e das organizações iniciáticas e tradicionais. Segundo, o desaparecimento dos Rosa-Cruzes ocorreu exatamente 333 anos depois da destruição da Ordem do Templo (1314-1647).

Este número, 333, é um número cíclico, pois a soma de seus dígitos dá nove, que é o símbolo numérico da circunferência, que, por sua vez, simboliza um ciclo completo e fechado. Digamos, neste sentido, que o correto conhecimento da teoria dos ciclos é imprescindível para compreender o desenvolvimento histórico ao qual se circunscreve a vida dos povos e das civilizações, situando esse desenvolvimento em suas justas relações analógicas com os grandes ciclos cósmicos, relações que representam a expressão simbólica de tais ciclos no plano horizontal do mundo. Assim, pois, com a “Guerra dos Trinta Anos” finaliza-se um ciclo e começa outro: precisamente aquele que desembocaria na era de subversão dos valores tradicionais e sagrados que constitui o mundo moderno. De fato, com o desaparecimento dos Rosa-Cruzes acabaria de romper-se o laço que unia o Ocidente ao “Centro Supremo”, ou seja, à Tradição Primordial das origens.

Assim sendo, não obstante também se possa considerar as coisas de outro modo, e atendendo ao que neste sentido diz um autor maçom “… Ásia designa apenas o Oriente, onde está situada desde sempre a Loja do maçom”[2]. Sendo, desde logo, verdade que o “Colégio Invisível da Rosa-Cruz” se ocultou no Oriente físico, isso de forma nenhuma invalida que também o fizesse no Oriente simbólico e espiritual. Voltamos a repetir que os acontecimentos históricos, como todas as coisas, são sempre simbólicos, manifestando a nível sensível as realidades espirituais. A ordem metafísica e o natural não se negam – pelo contrário, se complementam – coadjuvando desta maneira à realização da harmonia universal, tendo sempre em conta, isso sim, uma preferência hierárquica do primeiro sobre o segundo, sem confundi-los.

Ao finalizar a Guerra dos Trinta Anos, e durante ela, muitos rosacrucianos abandonaram o continente instalando-se na Inglaterra e na Escócia, seguindo o caminho que três séculos antes haviam empreendido os templários, e buscando, como esses, refúgio nas lojas dos “irmãos franco-maçons”. Significa dizer que estas relações tiveram suas consequências no simbolismo e rituais maçônicos, sobretudo em alguns símbolos e ritos onde se vê claramente a inspiração hermética e rosa-cruz. Por aquela época (século XVII) o caráter operativo da Maçonaria praticamente havia desaparecido, e, com ele, a perda das técnicas ritualísticas próprias do ofício de construtor e os conhecimentos simbólicos a elas vinculados, os quais ficaram sob posse de reduzidos grupos maçônicos, que em vista das condições adversas que se estavam apresentando, optaram por passar ao anonimato. Não obstante, achamos que essa perda ficou compensada, em parte, pela influência revitalizadora que a Maçonaria estava recebendo das diversas sociedades herméticas e de algumas das ordens de cavalaria iniciática que perduravam, ou foram-se criando, desde o final do período Medieval. O simbolismo arquitetônico ligado aos mistérios da cosmogonia seguiria vigente, pois constitui a senha de identidade da tradição maçônica; mas, a partir de então, esse simbolismo já só se aplicaria na edificação do templo interior. Quer dizer que havia quase desaparecido a “forma”, mas não o espírito, o núcleo, a essência.

É certo, por outro lado, que a admissão indiscriminada de pessoas que não tinham mínimos conhecimentos sobre o que era verdadeiramente o simbolismo e a iniciação, foi criando, paralelamente, as condições que levaram à gestação de uma Maçonaria privada de sua dimensão espiritual, que é certamente a que a grande maioria de nossos contemporâneos conhece. Assim, durante o século XVIII e princípios do XIX, todas aquelas influências tradicionais recebidas durante anos foram, realmente, decisivas para a estruturação definitiva dos “sistemas” ou Ritos mais importantes da Maçonaria especulativa, entre os quais destacam por seu caráter tradicional, o Rito Escocês Antigo e Aceito, o Rito Escocês Retificado e o Ritual de Emulação.

Este breve trajeto pelo tempo nos permitiu comprovar como a Maçonaria interveio nos feitos mais significativos da história de Ocidente, ajudando a tecer (muitas vezes de forma passiva e receptiva, é verdade, mas assim tinha que ser por razões que nos escapam) a trama sutil da mesma durante os últimos setecentos anos.

Símbolos e Ritos

Como tradição sagrada que é, a riqueza simbólica da Maçonaria promove no homem a busca do conhecimento de si mesmo, além de lhe oferecer os meios e os métodos para chegar a ele, os quais, fundamentalmente, se expressam como uma didática que facilita o despertar da consciência, que restitui a lembrança de sua dimensão universal. Esse ensinamento pode ser classificado em:

  • símbolos visuais e gráficos;
  • símbolos sonoros e vocais; e
  • símbolos gestuais ou ritos.

Entre os primeiros se encontram os de desenho geométrico, cuja diversificação é bem extensa, adequados à Maçonaria que costuma identificar-se com a própria geometria, palavra derivada de Gea (terra) e metrón (medida), ou seja “medida da terra”, o que, consequentemente, se relaciona com o ofício de construtor (e de agrimensor), na medida que este delimita um espaço com o fim de realizar uma obra arquitetônica. Entre os símbolos gráficos e visuais destacaremos o chamado “quadro da Loja” que já é, por si só, uma síntese simbólica da Loja, e que de alguma maneira resume os ensinamentos iniciáticos contidos em cada um dos três primeiros graus maçônicos. Como todo símbolo que se refere às ideias de “enquadramento” ou “marcação”, o quadro da Loja protege uma série de elementos de caráter sagrado destinados à meditação e contemplação. Nisto é semelhante aos mandalas ou yantras das tradições hindu e budista, modelos simbólicos que desenham uma imagem geométrica do universo. São, portanto, verdadeiros suportes de meditação, adequados para gerar no homem uma visão e um conhecimento de sua própria estrutura interior, refletida na estrutura do mundo. Dissemos que cada um dos quadros de Loja resume ou sintetiza o ensinamento do grau ao qual pertence, e isso é correto na medida em que nele se encontram os símbolos visuais e gráficos mais significativos e importantes. Trata-se das próprias ferramentas como o maço e o cinzel, o nível e o prumo, a régua de vinte e quatro polegadas, o compasso e o esquadro. Também achamos o símbolo do Delta, a estrela pentagramática, o Sol e a Lua, a pedra bruta, a pedra cúbica e a pedra cúbica em ponta, o pavimento mosaico, o frontispício do templo com as duas colunas (Jakin e Boaz ) destacadas de um e outro lado da porta de entrada da Loja, etc. Trataremos de algum destes símbolos.

Entre o segundo grupo de símbolos, os sonoros e vocais, encontramos as “palavras sagradas” e as “palavras de passe” (todas de origem hebraica e cristã) e as lendas dos distintos graus iniciáticos. As palavras sagradas se relacionam diretamente com o que, na Maçonaria se chama de “busca da Palavra perdida”, que constitui o verdadeiro Nome do Deus inefável, e cuja reconstituição equivale a “reunir o disperso”, quer dizer, harmonizar os distintos elementos do ser na unidade de seu princípio divino ou supra individual. Todas as “palavras sagradas” que se dão do primeiro até o último grau, poderiam ser vistas como uma escala ordenada e hierarquizada que conduz à “Palavra de Vida”, que não é outra senão o verbo interior luminoso e regenerativo propiciador do nascimento espiritual. Nesse sentido, a vocalização das palavras sagradas na Maçonaria recorda, em certos aspectos, as técnicas de vocalização dos mantras, em uso entre as tradições hindu e budista. Como se repetiu em diversas ocasiões, os mantras são sílabas e palavras de poder, geradoras de vibrações sutis que conferem a iluminação iniciática ao transmitir a potência do verbo divino imanente na própria realidade da vida cósmica e humana. As “palavras de passe” estão estreitamente vinculadas às “palavras sagradas”. Como sua própria definição indica, as “palavras de passe” aludem ao simbolismo de passagem ou de trânsito, ou seja, contém uma chave que abre a porta de um espaço e tempo interior sagrado e qualitativo. Devemos dizer que cada uma das palavras e letras das línguas sagradas tem seu próprio valor numérico, e tudo junto, palavras e números, formam a “ciência dos nomes”, em si mesma um código simbólico que expressa as diferentes leituras da realidade nos distintos níveis e planos em que se manifesta. Quanto às lendas dos graus, há que vê-las como uma espécie de história sagrada da Maçonaria que permanentemente restitui a lembrança e a memória do tempo mítico das origens. São relatos exemplares, modelos a seguir pelo iniciado e através dos quais este se identifica com as façanhas e vivências de seus antepassados, reatualizando-as no tempo presente, que desta maneira adquire sua verdadeira qualidade.

E o terceiro grupo de símbolos refere-se, como se disse, aos ritos. E esta palavra, “rito”, é idêntica, fonética e etimologicamente, ao sânscrito rita, que significa ordem. O rito seria, pois, a repetição de um gesto ou ato ordenado. Na realidade o rito iniciático (também religioso) é o próprio símbolo em ação executado conforme uma ideia ou arquétipo, e, por sua vez, o símbolo é a fixação de um rito primordial, tal qual o “gesto” do Grande Arquiteto criando o mundo. Se o trabalho com os símbolos gráficos e geométricos se baseia fundamentalmente na concentração e nos estudos de caráter intelectual, os ritos são uma série de gestos e posturas corporais que “fixam” no plano psicossomático do ser a energia-força que precisamente o símbolo geométrico veicula. Estes gestos rituais maçônicos são semelhantes aos mudras hindus e budistas, que através de certas posturas e gestos manuais descrevem uma linguagem sagrada articulada por uma cadência rítmica que é em si uma “música visual”. Essa mesma relação símbolo-rito se pode estender também aos propriamente sonoros e vocais; tudo isso expressa uma unidade de pensamento e ação que deve encarnar-se na realidade cotidiana e diária, pois obviamente de nada serviria meditar na energia salutar dos símbolos se depois não a levamos à prática de uma maneira ordenada e consciente. Da mesma forma, o rito se realiza e desenvolve tanto no tempo como no espaço; no tempo porque os trabalhos maçônicos se realizam do meio-dia em ponto (zênite solar) até meia-noite em ponto (zênite polar); e no espaço porque tais trabalhos são feitos seguindo a direção dos quatro pontos cardeais, ou seja, do Oriente ao Ocidente e do Meio-dia ao Setentrião. Em tudo isso se reconhece uma estrutura circular e cruciforme que abrange conjuntamente a ordem do macrocosmos e do microcosmos, religados ambos pela recriação de um gesto ou rito comum.

Pois bem, essas três categorias de símbolos maçônicos (que por certo se encontram em todas as tradições) estão ordenadas pela lei qualitativa do número, já que tanto quando se desenha uma figura geométrica, se vocaliza um nome divino, ou se executa um gesto ritual, não se está senão manifestando um ritmo interior que, ao exteriorizar-se e plasmar-se na realidade concreta das coisas, toma necessariamente uma estrutura numérica. A este respeito, disse José de Maistre em seu livro “As Noites de São Petersburgo“: “O Criador nos deu o número, e é pelo número que se manifesta para nós, assim como pelo número o homem se evidencia a seu semelhante; tire o número e tirareis as artes, as ciências, a palavra e, por conseguinte, a inteligência. Devolve-o, e reaparecerão com ele suas duas filhas celestiais, a harmonia e a formosura: o grito se converterá em canto; o estrépito, em música; o salto, em dança; a força se chamará dinâmica, e os traços, figuras”.

Continua…

Autor: Francisco Ariza
Tradução: Sérgio K. Jerez

Notas

[01] – A palavra “sacrifício” procede do latim sacrum facere, um ato ou um fazer sagrado.

[02] – Jean Tourniac, Vie et perspectives de la Franc-maçonnerie Traditionnelle.

Nota do Blog

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Anais do Colégio Invisível – XII – O Caminho Interior

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XII

O Caminho Interior

Os membros do Colégio Invisível não constituem uma ordem nem um tipo de círculo ou conciliábulo no sentido corrente, mas sua “colegialidade” existe em um plano mais elevado. Não se conhecem nem atuam de comum acordo, mas uma comunidade espiritual os une.

É um fato evidente que, nas esferas mais elevadas da mística, as experiências dos que provêm de diferentes religiões e grupos étnicos tendem a confluir, por exemplo, em uma auto identificação com a Divindade e em uma inexpressável certeza que transcende as imagens e palavras que aqui abaixo formam barreiras. Uma vez que tais experiências também transcendem a percepção de tempo, espaço e causalidade, talvez não importe quando e onde viveram essas pessoas. Não é um grupo que se reúne, mas um número de canais separados, abertos para a Vontade Divina, que desse modo realizam necessariamente seu labor na Terra.

Não há garantia de que a “Vontade Divina” seja única e uniforme para todas as pessoas e para todos os tempos. Aparentemente é muito mais provável que se regozije com a variedade e, nos atreveríamos dizer, com o conflito. Pois não há nada como o conflito para concentrar nossas intenções e fortalecer nossa determinação. É provável que os Sábios concordem de maneira sublime nas cortes celestiais, mas são tudo, menos uniformes, em suas personalidades terrenas. Tampouco parecem estar acostumados a se agrupar, como se fazê-lo fosse para eles quase uma perda de esforços. Ao contrário, semeiam grandes árvores solitárias, de distintas espécies, que protegem e hospedam individualmente inumeráveis criaturas menores, e provêm sementes que podem ou não chegar a ser tão grandes quanto eles.

Uma árvore dessas foi Jacob Boehme (1575-1624), o sapateiro de Görlitz, que criou o nexo histórico entre os místicos do Reno (Meister Eckhart, Suso, Tauler, etc.) e os teósofos dos séculos XVII, XVIII e XIX. Os escritos de Boehme são atualmente de muito difícil leitura, mas a sua existência brilhou como um farol através das obscuras épocas do “iluminismo” secular. Tratava-se de um artesão e pai de família – não de um pastor, um monge, um cardeal ou um aristocrata – que foi eleito para desentranhar mistérios muito profundos, e que não viveu apenas a crença que era conveniente para sua posição social, mas viveu a lúcida consciência de Deus. O exemplo de Boehme demonstrou que o Cristianismo poderia ser mais do que ética e Escrituras (ainda que ele fosse um grande conhecedor delas), e mais que ritos, estética e sacramentos. Poderia ser uma realidade interior mais real que tudo o que existe no mundo e mais preciosa que tudo o que o mundo podia ensinar. Tal como ele mesmo diz, referindo-se à sua grande experiência de 1600:

“Nesse quarto de hora vi e aprendi mais do que se tivesse estudado muitos anos em uma universidade… Pois percebi e reconheci o Ser de todos os seres”.

O que mais diferencia a teosofia cristã da tradição – principalmente católica – da mística é que, como caminho experimental, se dirige tanto ao intelecto como às emoções. Não precisa de aspecto emotivo e tampouco de seu próprio erotismo espiritual, mas também penetra nas atividades da metafísica e da cosmogonia. Talvez possa ser desnecessário saber como funcionam as partes da alma e do espírito humanos que fazem as diferentes hierarquias angelicais, ou quão complicado é o próprio ser de Deus. Não obstante, alguns são naturalmente inquisitivos e não se contentam quando lhes dizem “não te metas naquilo que não te diz respeito e deixa estas questões em mãos de quem as entendem”. A mensagem de Boehme é esta: “Eu as entendo porque as vi, as senti e as fui”. Se o homem é capaz disso, por que não utilizarmos nosso divino dom cognitivo em lugar de nos escondermos sob uma ignorância disfarçada de humildade?

A teosofia leva o princípio protestante à sua conclusão suprema. O “sacerdócio de todo crente” e o direito a indagar nas Escrituras se elevam do sermão e do estudo bíblico até transcendentais experiências e iluminações. Tampouco faltam teósofos católicos, como Louis-Claude de Saint-Martin ou Franz von Baader, que também cansados da complacência e negligência na qual sua religião se havia afundado, tomaram Boehme como seu mestre.

O aspecto intelectual da teosofia vai além de meramente satisfazer a curiosidade: é uma Gnose, ou seja, a integração consciente do ser humano com sua própria natureza transcendente. Fiel ao princípio hermético (“como é acima, é embaixo”), o Deus que Boehme descobre é também ele mesmo que se descobre como ser divino. Seu Deus é um processo angustioso e dinâmico no qual o Imanifesto dá a conhecer a si mesmo. As sete qualidades que este processo cria geram o cosmos com todas as suas variedades e sua evolução cíclica e igualmente agonística. Por conseguinte, as contradições e os conflitos que bem conhecemos têm suas raízes não só na rebelião de Lúcifer e na queda do Homem, mas também no próprio ser de Deus. Participamos no processo como indivíduos, como raça humana e como Natureza.

“Efetivamente, Deus se acha tão perto de ti que o nascimento da Sagrada Trindade se efetua ou opera inclusive em teu coração, sim, as três Pessoas foram geradas na plenitude em teu coração, inclusive Deus Pai, Filho e Espírito Santo” (Aurora 103).

“De maneira que cada um chega a ser um Cristo (ou um Ungido) a partir desta deificada raiz que se abre dentro de sua própria alma.” (Jane Leade)

A ortodoxia evita com razão estas expressões pelo dano que podem causar às almas débeis e sugestionáveis. Mas, assim como todos os Sábios se encontram no topo da montanha, essas expressões são o lugar no qual, como Boehme bem sabia, se encontram juntos o Cristianismo e a Kabbalah, o Hermetismo e a Alquimia, aos quais podemos somar o Sufismo, o Hinduísmo dos Upanishads e o Budismo Mahayana.

O físico Basarab Nicolescu também demonstrou o paralelismo que existe entre o sistema de Boehme e a física pós-quântica. Não lhe parece inconcebível que o olho espiritual possa revelar verdades fundamentais sobre a natureza das coisas, que os cientistas ainda estão descobrindo de maneira mais vagarosa e unidimensional. Nicolescu reclamou em voz alta e com clareza para que se reconheçam os valores metafísicos produzidos pela teosofia e pela física moderna, junto com uma ciência ética e uma nova Filosofia da Natureza. A Natureza dos teósofos não é um impulso automático nem cegamente evolutivo, mas um ser consciente e – o que resulta bastante estranho – uma parte do homem, pela qual ele é responsável.

Os princípios tratados na cosmologia de Boehme, da mesma forma que na física, são poucos e fixos, e apresentam números simples. Mas o modo com que operam aqui embaixo não foi determinado ainda, como também não o foi o destino deste particular experimento humano e natural. O fato é que a ciência acaba de pôr potenciais ferramentas de destruição e transmutação nas mãos de seres luciferinamente ignorantes. Há alguma possibilidade de iluminá-los ou essa será outra criação que fracassará? O cientista consciente tem que ser pessimista, mas o teósofo sabe que, qualquer que seja o destino deste planeta, o indivíduo ainda tem a possibilidade de conseguir nesta vida o que Boehme chama de “novo nascimento”.

Os seguidores de Boehme na Alemanha e Holanda, França, Inglaterra e Pensilvânia são um brilhante fio da Gnose que atravessa a desolado paisagem religioso de princípios da história moderna. Alguns deles são solitários, como Saint-Martin, enquanto outros formaram estreitos círculos, como o de John Pordage e Jane Leade em Londres. Johan Georg Gichtel, de Amsterdam, que foi um dos mais criativos exegetas de Boehme, criou uma “Sociedade dos Trinta”, dispersa em várias cidades. Todos os nomeados não foram meros estudantes, pois fizeram suas próprias experiências teosóficas através da qual confirmaram as de Boehme. Outra modalidade foi a da comunidade quase monástica de Conrad Beissel, que chegou ao Novo Mundo em 1720 e cujos belos e austeros edifícios ainda estão em pé em Ephrata, Pensilvânia.

Em princípio, o caminho do teósofo cristão é uma senda estritamente interior, sem necessidade de que outros o saibam. Não há relatos sobre quantas almas sinceras o percorreram com ou sem a ajuda de Jacob Boehme. Não obstante, é razoável perguntar-se até onde o outro tópico deste ensaio – a Alquimia – também é uma senda interior.

Em muitos aspectos, a Alquimia e a Teosofia são paralelas, se é que não idênticas em sua intenção; mas seu vocabulário imaginal é diferente. A teosofia cristã espera, e recebe experiências no mundo imaginal que se revestem de figuras bíblicas e símbolos: a Trindade, Lúcifer, Cristo, a Virgem Sophia, etc. Os dramatis personae da alquimia consistem mais de metais e minerais (Mercúrio, Enxofre, Sal, Magnésio, Antimônio, Prata, Ouro, etc.), uma coleção de animais e aves (Dragão, Leão, Sapo, Águia, Pelicano, Peru Real, etc.) e uma quantidade de figuras da mitologia clássica (os sete deuses e deusas planetários, mais Hércules, Atalanta, Osíris, etc.). Com segurança, na alquimia houve “roupagens” cristãs (e também judaicas e islâmicas), tal como a teosofia de Boehme tem uma “roupagem” alquímica, mas seus princípios e metas foram estabelecidos independentemente de Moisés e antes de Cristo.

A literatura alquímica se propõe a ensinar como devem ser trabalhadas as substâncias físicas, e um primeiro nível interpretativo de seus símbolos constitui um código pré-científico de procedimentos químicos. Os historiadores da ciência mostraram que os textos alquímicos ensinam como se deve fazer, por exemplo, para extrair ouro de minerais compostos valendo-se do antimônio. Mas, especialmente desde 1600, coincidindo com a teosofia de Boehme e movimentos afins, os textos alquímicos se tornaram, aparentemente, cada vez menos químicos. Autores como Heinrich Khunrath, Cessare della Riviera e Thomas Vaughan estão claramente menos interessados no trabalho de laboratório do que em uma alquimia espiritual.

O princípio da alquimia espiritual estabelece que as substâncias representem elementos existentes no homem e no mundo espiritual, e os procedimentos têm lugar dentro de sua alma. Eis aqui alguns exemplos: o alambique ou o crisol é o complexo psicofísico humano, e o laboratório é o mundus imaginalis, o universo real, mas que não é físico, no qual têm lugar as transmutações espirituais. O fogo é o esforço interior e deliberado que se efetua durante a meditação, o qual pode chegar a induzir uma sensação de calor, e sua regulação se realiza mediante controle da respiração, como na yoga. A purificação do material requer agora um controle além do normal da mente (= a “fixação do Mercúrio”), mas o trabalho real de transmutação ocorre só então. Corre-se um perigo verdadeiro: que o recipiente rache presumivelmente por esgotamento físico ou nervoso. O operador enfrenta em cada etapa forças opostas às quais deve dominar ou, caso contrário, deve retroceder, e tentar de novo. Como no cosmos de Boehme, estes são seres reais que procuram afastá-lo de sua meta; e, ao mesmo tempo, formam parte dele mesmo. É necessário fazer heroicos esforços e vencer múltiplos temores para manter “intacta” nossa matéria ao longo da obra, ou seja, persistir nesta busca interior que põe o buscador em situações absolutamente inimagináveis para um estranho. O ouro que finalmente fica no crisol é o Ser do herói totalmente transformado que liderou a batalha e ganhou. É também a Panaceia Universal porque é a cura de todos os males que são produto da mortalidade. Para quem em seu coração (para citar a Boehme) “operou a Sagrada Trindade”, a morte não pode ser nada mais que um acidente químico.

C. G. Jung contribuiu revitalizando a alquimia perante o público ilustrado e a livrou de ser uma nota de pé de página na história da química. Sem interessar-se na alquimia operativa, mostrou que os processos descritos podiam ser interpretados como tendo lugar – de maneira simultânea ou exclusiva – no psíquico ou na alma. Não obstante, a “integração da personalidade” segundo Jung, apenas parece equivaler à espantosa meta anteriormente descrita, ainda que pudesse se tratar de um sábio requisito prévio.

Quase simultaneamente com o estudo de Jung sobre a alquimia, houve um protesto contra a tendência muito “internalizante”. Os escritos do misterioso Fulcanelli foram a origem disso, ainda que ninguém saiba onde estava seu laboratório e que fez realmente ali, e nem sequer quem foi ele. Não obstante, a França se converteu no centro de um novo interesse pela alquimia operativa.

Depois da segunda guerra mundial, o Frater Albertus (Riedel) e Jean Dubuis, fundador dos Filósofos da Natureza, romperam com os centenários hábitos obscurantistas e secretos, e ensinaram os processos espagíricos em modernos laboratórios. Deixaram de lado o objetivo de transmutar “chumbo” em “ouro”, entendido isso tanto espiritual como materialmente, e estabeleceram metas mais acessíveis, especialmente a preparação de medicamentos. Os novos alquimistas trabalham com substâncias físicas, mas com conhecimento das forças sutis (planetárias, elementais e, inclusive, angelicais) e com o efeito do operador sobre o material. De modo reverso, o processo espagírico se reflete, ao estilo de Jung, na alma do operador.

Aqui não faz sentido o princípio científico universal de que o experimento deve ser reproduzível: as coisas não funcionarão se a pessoa carecer da “virtude” requerida. Tampouco existe uma rígida divisão entre o corpo e a alma, que se acham estreitamente vinculados pelo princípio de correspondência. É de suma importância uma atitude reverente para com a Natureza. Se existe uma vanguarda da ciência do futuro – a única classe de ciência que podemos sustentar – essa vanguarda está aqui.

Aqueles que propõem diferentes classes de alquimia são psicologicamente diferentes entre si e, como tais, é pouco provável que concordem em seus respectivos métodos. Os que trabalham com substâncias físicas o fazem porque isto lhes agrada, mas, igualmente, o processo de transmutação humana pode avançar sem o tempo, o espaço e os gastos de um laboratório bem equipado. Do contrário, o pobre Jacob Boehme não teria ido longe. Não obstante, se é que podemos dar crédito ao que lemos, não é extraordinário que as receitas químicas do Egito alexandrino, quando interpretadas de um modo funcionam no laboratório, e quando de outro, proporcionam uma guia confiável na senda teosófica?

Efetivamente, é extraordinário que a mente moderna, tão brilhante em física e química, seja tão ignorante enquanto ao mundo interno e imaginal. Quase enternece esta fé que as pessoas têm de que o mundo material é o único real, e todo o resto seus epifenômenos. Mas, o que ocorreria si invertêssemos as coisas e sugeríssemos que o mundo interno precede o externo? E que a imaginação, em lugar de vir após um acontecimento, o precede? E que vemos as estrelas pela única razão de que nesse momento compartilhamos de sua perpétua criação? Então, os estados mentais e imaginais seriam os que teriam precedência, seguidos pelos procedimentos químicos. Como pessoas normais sub-evoluídas só somos capazes de perceber e viver em um mundo normal e sub-evoluído, e este é o mundo que a ciência conhece. Mas, aparentemente, é provável que uma vez que dominássemos os estados conscientes sobrenormais, passaríamos a viver em um mundo sobrenormal com leis distintas das da física clássica. Isto explicaria as curas milagrosas atribuídas a Cristo e a outros, e até a transformação do chumbo em ouro.

Autor: Joscelyn Godwin
Tradução: S.K.Jerez

O Simbolismo Maçônico – Parte II

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O Símbolo e o Rito

Vamos ver, pois, alguns desses símbolos que constituem, junto aos ritos, o patrimônio vivo e o verdadeiro tesouro da Tradição Maçônica. Em altares de uma maior claridade, podemos classificá-los da seguinte maneira: em símbolos geométricos e visuais; em símbolos sonoros e vocais; e por último em símbolos em movimento, que não são outros que os ritos.

Sobre a importância dos símbolos geométricos e visuais na Maçonaria basta recordar que antigamente se identificava esta com a própria Geometria, o que é perfeitamente lógico pois esta última encontra sua aplicação natural na arquitetura. Efetivamente, a palavra geometria deriva de Geo (terra) e metron (medida), quer dizer “medida da terra”, o que certamente tem muito que ver com o ofício de construtor assim que este delimita um espaço com o fim de realizar sua obra.

Por outro lado, o simbolismo geométrico é, assim como o numérico, uma das heranças mais importantes que a Maçonaria recebeu da tradição pitagórica. Temos que recordar que as confrarias medievais de construtores procediam diretamente dos colégios artesanais da antiga Roma, e que estes tinham recebido grande parte de seus conhecimentos sobre geometria diretamente dos pitagóricos. O certo é que, nas lendas maçônicas, Pitágoras figura, junto ao deus Hermes, como um dos fundadores míticos da Ordem. Efetivamente, nessas lendas tanto Pitágoras como Hermes são os que encontram as duas colunas (assimiladas posteriormente às colunas J. e B. do templo maçônico) onde se gravou todo o saber que remontava às próprias origens da humanidade, e entre as que se encontravam as artes e ciências da Cosmogonia. Como diz a este respeito Federico González no artigo Tradição Hermética e Maçonaria, publicadono mesmo Nº 13-14 da Revista SYMBOLOS, essas duas colunas “configuram os dois grandes afluentes sapienciais que nutrirão a Ordem: o hermetismo que assegurará o amparo do deus através da Filosofia, quer dizer, do Conhecimento, e o pitagorismo que dará os elementos aritméticos e geométricos necessários que reclama o simbolismo construtivo; deve-se considerar que ambas as correntes são direta ou indiretamente de origem egípcia. Igualmente que essas duas colunas são as pernas da Mãe Loja maçônica, pelas quais é parido o Neófito, quer dizer, pela sabedoria de Hermes, o grande iniciador, e por Pitágoras, o instrutor gnóstico.” Poderíamos então dizer que a Maçonaria é a confluência natural dessas duas correntes constitutivas da Tradição Unânime, e que nela são só uma, conformando sua identidade e seu ser.

Voltando para simbolismo geométrico, devemos considerar dentro deste às próprias ferramentas ou utensílios. Concretamente falamos do nível, do prumo, do esquadro e do compasso. Todas elas estão relacionadas diretamente com as formas geométricas fundamentais. Por exemplo, o prumo é claramente um símbolo da vertical, e o nível da horizontal. No simbolismo construtivo ambas são indissociáveis e se necessitam mutuamente, pois a verticalidade do edifício, quer dizer, sua perpendicularidade, vem sendo dada pelo perfeito nivelamento do mesmo. E por sua vez esse nivelamento é a resultante de um equilíbrio que se consegue obrigado à presença constante de um eixo vertical, que assinala o “justo meio” que impede qualquer desnivelamento. O prumo e o nível representam então os dois eixos de coordenadas que tornam possível o levantamento harmonioso de toda a construção.

O mesmo ocorre com o esquadro, que se forma pela união de uma vertical e uma horizontal. Com esta ferramenta também construímos a figura do quadrado, e igualmente a cruz se unirmos dois esquadros por seus vértices respectivos. Ambas as figuras são inseparáveis da ideia de quaternário; assim: os quatro elementos, os quatro pontos cardeais, as quatro estações, os quatro períodos cíclicos da humanidade, as quatro fases da lua, os quatro períodos da vida humana, etc., quer dizer tudo que é relacionado com a terra e o terrestre. Em realidade o esquadro é um ângulo reto, e ele está destinado a “esquadrar” a pedra durante seu processo de polimento, depois de ter sido trabalhada pelo maço e pelo cinzel. Recordemos, enfim, que em latim esquadro se diz “norma”, indicando assim a ideia de ordem, ou de “enquadramento” que faz possível a ordem, especialmente a do pensamento, que se faz una com a Inteligência que reflete, que está simbolizada pelo compasso.

Quanto a esta última, é óbvia sua relação com o círculo e com todas as figuras que tendem à circularidade. Mas as formas circulares sempre são geradas a partir de um centro prévio, que é precisamente o que assinala um dos dois braços do compasso, aquele que permanece imóvel enquanto o outro gira a seu redor. O centro da circunferência seria, pois, uma imagem simbólica do Princípio, e a circunferência mesma, uma imagem por sua vez da multiplicidade, da manifestação, surgida ou gerada pela irradiação desse princípio, que permanece não obstante imutável enquanto tudo gira, troca e muda a seu redor. Por isso o compasso é um dos símbolos que se associam diretamente com a atividade criadora do Grande Arquiteto, como o testemunham numerosas gravuras onde lhe representa com um compasso na mão riscando o plano de sua obra, quer dizer do cosmo.

Outras duas figuras geométricas importantes são o Delta Luminoso (de forma triangular) e a Estrela de cinco pontas ou Estrela flamejante, símbolos respectivos do Grande Arquiteto e do homem plenamente regenerado que retornou ao centro de si mesmo. Dá-se a circunstância de que tanto o Delta como a Estrela flamejante são de origem pitagórica, pois estão intimamente relacionados com a Tetraktys (que tem também forma triangular), e com o Pentalfa ou Estrela pentagramática respectivamente, signo distintivo, este último, da confraria pitagórica.

Entre o segundo grupo de símbolos, os sonoros e vocais, encontramos as “palavras sagradas” e as “palavras de passe”, assim como as lendas relatadas nos distintos graus. Tudo isto forma parte do ensino oral da Maçonaria, que se complementa perfeitamente com o ensino visual próprio do simbolismo geométrico. As “palavras sagradas” se denominam assim porque representam diferentes nomes do Grande Arquiteto. Cada grau maçônico está simbolizado e tem sua própria palavra sagrada. O significado dessa palavra dá sentido e orienta os trabalhos rituais e simbólicos que se desenvolvem em cada um desses graus. Por isso é tão importante para o maçom conhecer esse significado, pois para ele será um ponto de referência axial constante e permanente que lhe guiará ao longo de todo seu processo iniciático.

Não menos importantes são as “palavras de passe”, assim chamadas porque elas permitem “passar” de um grau a outro, o que as relaciona diretamente com a simbólica de passagem ou de trânsito, comum a todas as tradições iniciáticas. A expressão “estar em posse da palavra de passe” quer dizer que o maçom culminou uma etapa dentro de seu processo de Conhecimento, que progrediu nas “vias que lhe foram riscadas” desde tempos antigos por sua tradição, e que portanto está preparado interiormente para receber o “aumento de seu salário”.

E por último estão os símbolos em movimento, que como dissemos não são outros que os ritos. O rito põe em prática a ideia que o símbolo expressa. Representa o desenvolvimento e a vivência dessa ideia, quer dizer, de fazê-la efetiva mediante sua permanente reiteração. De nada serviria compreender o que o símbolo manifesta se depois essa compreensão não se viver como uma realidade verdadeiramente transformadora. Por isso mesmo é tão importante o rito dentro da Maçonaria, pois sem essa constante vivificação dos símbolos os trabalhos que se fazem na loja maçônica careceriam de toda “força e vigor”, convertendo-se em meras alegorias quando não em atos puramente mecânicos. Neste sentido a meditação, a concentração e o trabalho sobre os símbolos constituem também uma forma do rito, pois o fim último deste é gerar um estado apto para a compreensão das realidades superiores veiculadas pelos símbolos. Diria-se, pois, que o rito, realizado nestas condições, é uma “meditação em ação”, e isto pode fazer-se tanto no interior da Loja maçônica, como no mundo, que é a loja universal.

Poderíamos então dizer que a Maçonaria é ela mesma um rito, daí que também se denomine “a Ordem”, como sinônimo da própria ordem cósmica. Por isso mesmo, na Loja maçônica  (imagem simbólica dessa ordem) tudo se cumpre segundo o rito, e todos os gestos e signos rituais realizados no interior da mesma têm que ser considerados como o que são: veículos transmissores do ensino simbólico e de sua influência regeneradora. Verdadeiramente não há maior rito que a busca do Conhecimento, pois nela o homem encontra o próprio fundamento de sua existência. Essa busca é um “ato consciente”, e tudo o que a partir de então é realizado, experimentado e vivido durante seu desenvolvimento passa a ser significativo, a ter um sentido que nos “orienta” no labirinto deste mundo perecível e nos impulsiona para o encontro de nosso verdadeiro ser e origem.

Continua…

Autor: Francisco Ariza

Fonte: Revista Symbolos

A Arquitetura do Espírito

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A Mística da Pedra

Aquilo que acontece no coração dos maçons que descobriram o verdadeiro significado da Arte Real é comparável ao que acontece no espírito dos alquimistas e dos modernos cientistas. Há uma transformação qualitativa de caráter e um desvelar de visões que lhe permitem ”ver” e sentir melhor o mundo em que vivem. É possível perceber o conjunto no qual se circunscrevem e qual é sua posição relativa em face á ele. Melhor ainda, é possível perceber qual a sua exata configuração nesse todo e sua função num domínio que ele agora sabe, também se compõe em razão das suas atitudes.

Quando ele tem essa visão de conjunto, e essa sensação de pertencialidade, ele então descobre o verdadeiro significado da palavra Fraternidade. E ai ele saberá porque está ali, e porque um dia ele quis ser um maçom. Mas esse é um processo que se cumpre no coração e não na razão.

O triunfo da máquina sobre a mão do homem, na confecção de obras materiais, eliminou da cultura humana a tradição de sacralizar os ofícios. Perdido o elo entre a mente e a matéria, o homem não soube mais como tirar dela obra de criação. Se antes, pelo lavor das mãos, ele podia sentir-se um deus, no sentido de que também criava, agora, suas criações eram apenas mentais e a execução se processava por meios mecânicos, sem aquela interação mente-matéria que possibilitava ao antigo artesão a realização espiritual através do trabalho. Assim, a sacralização do ofício, de operativa passou a ser meramente especulativa.

Milênios passam, as civilizações desaparecem; o tempo tudo devora, as próprias obras confeccionadas pelo homem são consumidas; mas das construções humanas, as que mais resistem são as habitações que ele faz para seus deuses e para seus próprios restos mortais. De todas as grandes civilizações do passado, o que resta são as ruínas de seus templos e de seus cemitérios. E são nessas edificações, erigidas para atender ao desejo de viver eternamente na memória dos homens, que transparece o sentido metafísico da Arte Real, já que nelas o que se imprime é uma imagem vinculada à ideia de imortalidade, só atribuída aos deuses e ao espírito do homem.

Com efeito, pouco resta dos grandes palácios erguidos para uso-fruto dos potentados humanos, e das casas onde residiram os seus construtores. Mas as ruínas dos grandes templos da antiguidade e as majestosas tumbas erigidas para o sepultamento dos seus restos mortais ainda testemunham a magnitude da inteligência dos maçons daqueles tempos.

As primeiras formas de construção produzidas pelos grupos humanos foram as palafitas, casas de madeira erguidas nas margens dos rios. Em seguida foram empregadas as pedras, primeiro em sua forma bruta, depois as trabalhadas. A edificação com pedras brutas marcou o inicio da estabilidade do homem sobre a terra, pois representou o despertar do seu sentimento gregário, sentimento esse marcado pela sua fixação a um certo meio ambiente. Já a construção com pedras trabalhadas lhe deu uma identificação no meio daquele ambiente, pois a partir daquele momento o mundo ficara impregnado de algo que ele criara pelo lavor das próprias mãos.

A pedra sempre foi para o homem um objeto de estranhas propriedades. Nela ele podia sentir um grande poder de resistência, durabilidade e maleabilidade, pois ela, além de poder assumir todas as formas fabricadas pela natureza, também parecia ser perene e resistir a todas as intempéries. Trabalhá-la, dando-lhe formas úteis e agradáveis à vista tornou-se um ritual onde a mente associava-se à matéria para criar o universo real. Nas pedras se cultuavam os deuses, nelas eram escritos seus mandamentos; nelas também se eternizava a memória dos entes queridos e a beleza das formas do gênero humano; com elas também se faziam as muralhas que serviam de defesa para as cidades e algumas espécies de pedras faziam a riqueza de muitos homens.

O culto à pedra sempre esteve presente nas tradições dos povos desde o inicio dos tempos. Nada estranho, portanto, que ela tenha sido escolhida para simbolizar a metafísica fundamental da prática maçônica. O Aprendiz, por um trabalho de conscientização interior, transforma-se numa pedra lavrada. Desbastado de suas asperezas, aparecerá como uma obra de lavor que estará em condições de integrar-se ao edifício universal que é a Maçonaria, aquela Maçonaria, que segundo Ramsay, “é uma grande República, da qual cada Nação é uma família e cada individuo, um filho”.

Da mesma forma que o Aprendiz é essa pedra bruta que precisa ser lavrada para adquirir a personalidade desejada, o Companheiro é a pedra cúbica. Ele representa o material que foi trabalhado e transformado pela iniciação nos Mistérios Maçônicos. Simboliza, na evolução da sociedade humana, uma segunda fase de transição, quando ela passa da mera aglomeração de indivíduos por razões de sobrevivência, para uma organização social que já pode ostentar as primeiras conquistas de um processo civilizatório. Esse processo está registrado na história humana através da construção de edifícios com materiais já mais elaborados, como a pedra lavrada e os tijolos queimados[1].

A pedra, sendo um produto em que a natureza concentra um grande potencial de forças telúricas, é o que mais se presta ao trabalho de arte sacra. Por isso é que a ela se associa, geralmente, um ritual, uma prática de sentido esotérico. Assim faziam, por exemplo, os antigos cortadores de pedra medievais, que no decurso de seus trabalhos diários, recitavam preces e executavam batidas rituais com seus instrumentos de trabalho, para atrair os bons influxos para o individuo e para a comunidade. Para muitos místicos, a pedra é um ser vivo, cheio de energia, a energia que eles chamam lapitus. Essa energia estaria na origem da vida, já que, segundo eles, a vida orgânica teria se originado a partir das transformações sofridas pela matéria bruta. Daí o imenso simbolismo contido nas diversas espécies de pedras. O mármore, como representativo da morte, o granito como símbolo da força, nas pedras dos rios a ideia de evolução, no quartzo e nos cristais a inspiração artística e o êxtase divino, etc.

Não é sem razão também que os alquimistas simbolizavam numa pedra a essência da sua “Obra”. A pedra filosofal era um preparado químico que conteria a alma da natureza, capaz de transmutar metais simples em ouro. De alguma forma, também a mística oriental se vale do simbolismo da pedra para representar a busca da quietude, do equilíbrio e da serenidade, que está na postura do iogue “petrificado”.

Um dos mais marcantes exemplos de trabalho na pedra nos foi dado por Antonio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, o maior escultor brasileiro do período colonial. Suas estátuas, suas figuras de pedra sabão, que enfeitam as igrejas mineiras, mostram bem a excelência do maçom operativo que atingiu a plenitude espiritual através da técnica operativa. No trabalho daquele genial artista se pode “ler” a mensagem maçônica expressa nos gestos, nas feições, na forma e nas medidas com que a sua obra foi composta.

J. Palou, citando P.Sébillot (Légendes et Curiosités dês Métiers)[2], diz que “é interessante observar que ‘machados de pedra polida (são) colocados debaixo das fundações em várias regiões da França’ (…) mormente quando se sabe que na Maçonaria a pedra cúbica em ponta, que representa o companheiro, é muitas vezes feita na forma de um machado, sendo este instrumento próprio da Maçonaria Florestal, simbolizando o fogo purificador e sendo um dos atributos de São João, sob cujo patrocínio são colocadas as Lojas maçônicas”.

Esse é um bom exemplo da mística da pedra, e sua implicações no simbolismo da Maçonaria. Tudo começa na pedra, como na natureza. A partir daí há um longo trabalho iniciático que envolve iniciação, preparação, aperfeiçoamento e acabamento. É preciso não perder de vista esse processo, se quisermos, realmente, entender a Arte Real.

O sentido mítico-hermético da Arte Real

Nesse sentido é interessante observar também a associação que se faz entre a pedra bruta e a Terra-Mãe, princípio substancial da manifestação universal, que faz o iniciado fortalecer-se unicamente em contato com ela, como o herói Anteu, filho de Gea, a Mãe-Terra, que só foi derrotado por Hércules quando este o privou de seu contato com a terra. Esse simbolismo nos diz que a nossa força vem da terra. Privados dela perdemos o elo com a  substancialidade que vem do Grande Arquiteto. Por isso não podemos perseguir apenas a ideia de uma espiritualidade ascética, sem participação nos assuntos do mundo. O espírito, como a matéria, se constrói num processo de complementariedade, onde um substrato alimenta o outro, como representado pela serpente cósmica Uraeus, dos egípcios, ou na Ouroboros dos gnósticos e dos hermetistas.

Na forma cúbica encontramos a ideia de estabilidade. Com essa constatação fecha-se o circulo da simbologia expressa nos graus de Aprendiz e Companheiro, no sentido de que é na evolução feita nesses dois graus que se completa a essência da iniciação de um neófito, que tendo superado essas duas fases, estará, finalmente, preparado para ser a pedra angular do edifício maçônico, que é o Mestre.

É importante notar que na antiga Maçonaria operativa não existia o grau de Mestre mas apenas os de Companheiro (fellow) e Aprendizes. O titulo de Mestre era dado apenas ao presidente da Loja, o qual era eleito entre os Companheiros. A extensão desse título a todos os companheiros que são elevados ao terceiro grau é uma criação da Maçonaria especulativa. Por isso é fundamental entender esse simbolismo. O Mestre, na simbologia da Arte Real, é aquele que passou à Câmara do Meio, após ter presenciado e vivido, no espírito, o Drama de Hiram. É uma visão meramente especulativa, que não tem correspondência na prática operativa. Na verdade, nas antigas Lojas dos maçons operativos, o Mestre era um Companheiro escolhido entre os membros desse grau, que assumia a função de supervisor. Era, portanto, uma função e não um título ou uma graduação.

A passagem do operativo para o especulativo exigiu a adaptação dos títulos maçônicos para fins de adequá-los a uma estrutura que, doravante, deveria funcionar como uma espécie de escola. Assim sendo, foi preciso que entre os Companheiros fossem escolhidos alguns Mestres e entre estes um que lhes fosse acima, para administrar e conduzir os trabalhos do grupo. Assim é que Anderson estipula em suas Constituições que “nenhum irmão pode ser supervisor (entenda-se Vigilante), sem antes ter passado pelo grau de Companheiro; nem Mestre (entenda-se Venerável) antes de ter exercido as funções de supervisor (Vigilante).”

No sistema inaugurado pela Maçonaria moderna, portanto, o título de Mestre deve ser visto em sua dimensão simbólica e nunca em termos de hierarquia. O Mestre não é aquele que mais sabe, ou que ensina, mas sim aquele que conhece a acácia, ou seja, aquele que presenciou o Drama de Hiram, e teve seu psiquismo recomposto a partir de sua iniciação nos Mistérios que aquele drama representa. Para tanto é preciso que ele não só “conheça a acácia”, mas saiba, principalmente, qual o verdadeiro significado das alegorias representadas no templo que ele frequenta, e o porque delas serem utilizadas.

Fulcanelli diz que o plano do edifício cristão revela as qualidades da matéria prima e a sua preparação através do sinal da cruz, que resulta na obtenção da primeira pedra , que é a pedra angular da grande obra filosofal[3]. Sobre essa pedra Jesus construiu sua igreja, e os maçons operativos aproveitaram esse simbolismo para seguir o exemplo de Cristo. Mas, na mente supersticiosa daqueles mestres artesãos de antigamente, a pedra bruta, impura, não trabalhada pelas mãos do artista, antes de ser talhada para servir para servir de base á arte gótica, era tida como sendo a imagem do diabo. Por isso, na igreja de Notre Dame de Paris existia um hieróglifo representando a figura de diabo, em cuja boca se apagavam os círios. Essa imagem era chamada pelos fiéis de Maistre Pierre du Coinegt, (pedra mestra angular), sobre a qual repousava toda a estrutura da construção.

Outra comparação interessante que se pode fazer entre o simbolismo maçônico e a antiga arte dos construtores medievais é o sentido mítico-hermético que aqueles irmãos operativos colocavam em suas construções. As catedrais góticas eram construídas de forma a imitar um labirinto, muitas vezes chamado de Labirinto de Salomão. Nele se colocavam as imagens e os mosaicos do piso, sempre com um sentido místico-esotérico, a lembrar que ali se realizava obra iniciática de transmutação espiritual. A orientação do piso representava o caminho que o devoto devia seguir para atingir o coração do templo, onde se realizava o embate final das duas naturezas do homem – a material e a espiritual.

Lembremo-nos que o piso da Loja maçônica é construído com essa mesma intenção. Seu mosaico é disposto no sentido de orientar os irmãos num trajeto que muito tem de bizarro e muitas vezes ininteligível, porque tem que ser trilhado com uma certa rigidez ritualística, cujo objetivo muitas vezes não se alcança sem se pensar no seu significado mítico-hermético. E da mesma forma que as antigas igrejas góticas, os templos maçônicos também têm suas estruturas erguidas de forma a orientar os irmãos a caminhar numa certa direção, de modo tal que sempre entrem pelo ocidente e caminhem em direção ao oriente, local onde a luz se origina.

Nas igrejas de antigamente essa orientação era dada pelo fato de que a Palestina, lugar onde viveu e morreu o Cristo, se situava exatamente no oriente. Assim, toda a orientação da jornada do devoto dentro da igreja gótica era, como na Loja, uma jornada em direção á luz.

Do Ocidente para o Oriente

Eis uma vez mais estabelecida a profunda correlação entre a antiga arte dos construtores medievais e o simbolismo da prática maçônica. Cada profano é uma pedra bruta que deve ser desbastada e a Maçonaria é a arte de desbastar essa pedra. Mas esse não é um trabalho que possa ser feito sem o apoio de uma certa mística. Da mesma forma que na Arte de Hermes, é preciso que o obreiro da Arte Real siga uma orientação adequada para que não se perca no labirinto de símbolos e alegorias que constituem a prática maçônica. É preciso entender essa mística pois senão o irmão correrá o risco de ficar eternamente repetindo gestos, passos, invocações e palavras de passe, sem contudo jamais penetrar-lhes no verdadeiro significado. Isso será mero condicionamento e nunca aquisição de Gnose, ou verdadeiro conhecimento.

A marcha do maçom em busca da luz é sempre uma marcha do Ocidente para o Oriente. Do Ocidente , que é o mundo materializado do homem que vive somente para a satisfação dos sentidos, para o Oriente que é o território espiritualizado daqueles que já superaram essa fase. Isso porque toda manifestação de espiritualidade vem do Oriente. Lá nasceram todas as religiões, todos os grandes profetas, os fundadores de seitas, os criadores de doutrinas espiritualistas, os mais famosos taumaturgos. No plano mais sutil do psiquismo, a marcha do espírito humano é também uma jornada que vai do Ocidente para o Oriente, sendo esse o sentido que pode ser comparado a uma caminhada de fora para dentro de si mesmo. Dessa forma, o templo de Deus, que é o próprio homem, é construído segundo uma orientação que é, ao mesmo tempo, metodológica e geográfica.

Pelo trabalho das mãos se faz a obra do espírito. Daí o porquê ser a Maçonaria uma eterna obra de construção, e o maçom um eterno peregrino em busca da sua Caaba[4]. Essa é a arquitetura que o maçom deve aprender. Uma arquitetura do espírito.

Autor: João Anatalino

Fonte: Recanto das Letras

Notas

[1] – Se, de um lado, nas construções feitas pelos antigos povos do Egito e da Palestina eram utilizadas principalmente pedras, nas construções feitas pelos povos que habitaram os vales do Tigre e do Eufrates, região conhecida como Mesopotâmia, o material utilizado foi o tijolo cozido. Veja-se, por exemplo, a descrição feita na Bíblia sobre a construção da Torre de Babel No Egito utilizava-se, e muito, o tijolo feito de barro misturado com palha de trigo, porém, na maioria das grandes construções, o material empregado era a pedra, uma vez que esse material era, e ainda é, muito abundante naquela região.

[2] – J.Palou op citado, pg. 216/217

[3] –  Fulcanelli- O Mistério das Catedrais, pg. 64

[4] – A Caaba é a pedra preta preservada em Meca, reverenciada pelos muçulmanos como proveniente do próprio Deus (Alá) . É considerada a primeira manifestação física de Deus no mundo da matéria. Maomé a consagrou como sendo o símbolo do mistério eterno, emblema da duração perpétua da verdade, representativa da unidade do homem com Deus. A Caaba é a pedra divina, o símbolo de toda perfectibilidade, que o espírito humano deve almejar. Nesse sentido ela é como a Pedra Filosofal, capaz de revelar àquele que a contempla com os olhos do espírito todos os segredos da natureza. Na religião islâmica, uma das obrigações do devoto é ir á Meca pelo menos uma vez na vida para contemplar a Caaba. Essa crença islâmica também pode ser evocada para justificar o simbolismo da viagem do espírito de Ocidente para o Oriente. Meca é uma das cidades localizadas no Oriente com maior densidade psíquica pelo seu significado na religião do Islã. Nesse sentido, ela equivale á Jerusalém para os cristãos. No sentido metafísico, a Caaba é a pedra perfeita, símbolo da majestade e do equilíbrio de formas, características que o espírito humano deve adquirir no final da sua jornada para o oriente, após contemplar a sua Caaba. Na tradição hermética, a pedra perfeita significava a aquisição, pelo adepto, da verdadeira filosofia. Como se vê, esse simbolismo está ligado intimamente ás tradições da construção e tudo passa a ser uma verdadeira alquimia de espírito para se realizar um objetivo que é todo espiritual.

O Simbolismo Maçônico – Parte I

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A Maçonaria é uma instituição iniciática e esotérica que revela seu ensino através de determinados códigos baseados fundamentalmente no simbolismo construtivo. Isto é devido a Maçonaria atual ser em grande parte herdeira dos antigos grêmios de construtores, e embora hoje em dia os maçons já não construam edifícios, entretanto esse simbolismo segue estando vigente, entre outras razões porque é consubstancial à Ordem Maçônica e constitui seus gestos de identidade e sua razão mesma de ser, como veremos a seguir.

Acima de tudo os símbolos maçônicos se referem a um conjunto de ideias relacionadas diretamente com o conhecimento da Cosmogonia, e portanto do homem, pois este é um cosmos em miniatura, um microcosmos, por dizê-lo em linguagem hermética. Precisamente os antigos construtores consideravam o Cosmos como seu modelo simbólico por excelência, e para levantar seus edifícios imitavam as estruturas desse modelo, reveladas sobretudo através das formas geométricas, entre as que destacam o círculo e o quadrado, símbolos respectivos do céu e a terra. Essas formas e estruturas simbólicas sempre respondem a uns arquétipos universais, a uns princípios que são coetâneos com qualquer tempo ou circunstância histórica ou pessoal.

Não importa, como dizíamos, que os maçons de hoje não levantem edifícios. O realmente importante é que esses mesmos princípios ou ideias os podemos conhecer através dos símbolos que decoram nossos templos, o mais importante dos quais é justamente o que se refere a quem é verdadeiramente o Autor de cujo Pensamento surge a Grande Obra da Criação, conhecido na Maçonaria com o nome de Grande Arquiteto do Universo, e em outras tradições, como por exemplo a hindu, como o “Espírito da Construção Universal”. O Grande Arquiteto do Universo é o Princípio Supremo, a verdadeira chave da abóbada ou pedra angular do Templo maçônico. É sob a influência d’Esse princípio que os maçons realizam seus trabalhos dentro da Loja maçônica, trabalhos em que junto ao estudo dos símbolos está a prática do rito, tornando a própria Loja maçônica um espaço significativo análogo à mesma estrutura do Cosmos. Como mais tarde veremos, o simbolismo da Loja maçônica também é um dos temas de meditação aos que nossa Ordem concede uma importância muito relevante.

E já que falamos do Grande Arquiteto, acreditamos que é conveniente assinalar que na Maçonaria este não tem nenhum tipo de conotação religiosa. E não pode tê-la porque a Maçonaria não é uma religião, como pode ser a católica ou qualquer outra, mas sim uma organização iniciática que entrega ao homem os meios e os conhecimentos necessários para seu aperfeiçoamento como ser humano. Não esqueçamos que a Maçonaria é uma Ciência e uma Arte, e seu Princípio Supremo se manifesta como a Inteligência que organiza o Cosmos, o Templo Universal, de acordo ao plano ideal concebido em sua Sabedoria, que como está escrito no Livro da Lei Sagrada “tudo o fez em número, peso e medida”. Não se trata de “acreditar” no símbolo, mas sim de compreendê-lo, pois na medida em que o compreendemos e nos penetramos de seu significado profundo seremos um com a ideia que o conforma. O maçom toma ao símbolo como veículo de Conhecimento e não como um objeto de “culto”, pois sabe que não terá que confundir o símbolo com o que este simboliza.

Mas o fato da Maçonaria não ser uma religião não impede que existam maçons que em sua vida privada, e no exercício de sua liberdade, pratiquem um credo religioso determinado, ou que não pratiquem nenhum. Isto à Maçonaria não tem que se lhe importar, pois essas crenças, sejam religiosas ou de qualquer outro tipo (filosóficas, científicas, políticas, etc.) têm que deixar-se, junto com os metais, na porta do Templo. Como diz o próprio Guénon em outro artigo titulado “A Gnose e a Franco-Maçonaria”, esta “deve ser pura e simplesmente a Maçonaria. Cada um de seus membros ao entrar no Templo, deve despojar-se de sua personalidade profana e fazer abstração de quanto seja estranho aos princípios fundamentais da Maçonaria, princípios ao redor dos quais todos deveriam unir-se para trabalhar em comum na Grande Obra da Construção universal”.

Por dizê-lo de algum jeito, o único que a Maçonaria “exige” de seus membros é uma vontade firme no “desbastado” e “polimento” da pedra bruta, que como dizem alguns rituais “é um produto grosseiro da Natureza, que a Arte da Maçonaria deve polir e transformar”. Esse desbastado e polimento é justamente o símbolo do trabalho do maçom consigo mesmo, o qual leva a cabo com as primeiras ferramentas que a Ordem lhe oferece depois de receber o influxo espiritual no rito de iniciação: o maço e o cinzel, símbolos respectivos da vontade e a reta intenção. A obra de regeneração não pode levar-se a cabo sem uma vontade firme e perseverante que a deseje, quer dizer, sem uma força interior que influa e transmita seu poder criativo à “matéria relatório” da psique desordenada e caótica, simbolizada pela pedra bruta. Mas essa força interior precisa ser dirigida e orientada pela inteligência, ou melhor, pelo “rigor intelectual”, que “distingue” aquilo que no ser é conforme à realidade essencial de sua natureza (o que esse ser é em si mesmo), pelo que são apenas seus adornos supérfluos e ilusórios. Assim, como o cinzel da inteligência, impulsionado pelo maço da vontade, o aprendiz vai limando e corrigindo as arestas e asperezas de sua pedra bruta, separando o “espesso do sutil”, o “caos” do “ordem”, o “profano” do “sagrado”, operação alquímica que tem que converter-se em um rito cotidiano, em um exercício de cada momento, pois tal separação constitui a premissa fundamental a cumprir nas primeiras etapas do processo iniciático, até que com paciência e perseverança alcance esse aperfeiçoamento de que falávamos anteriormente, exemplificado na pedra cúbica e esculpida.

A iniciação, ou via no Conhecimento, desperta no homem suas qualidades inatas, que permanecem “adormecidas” ou “quietas” em seu estado ordinário, semelhante por isso ao “sonho” e ao potencial. A influência da iniciação não acrescenta nada que o homem não possua já e não forme parte de sua própria essência. Neste sentido, estamos totalmente de acordo com Arturo Reghini quando diz que esse aperfeiçoamento “está ligado ao conhecimento e ao reconhecimento da natureza humana e suas possibilidades inerentes. É necessário realizar o antigo preceito do oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”. É necessário procurar em si mesmo o mistério do ser, considerar a vida humana, suas funções, seus limites e a possibilidade de ultrapassá-los, de intervir ativamente em seu curso, não abandoná-lo à deriva, em descobrir e em despertar os germens latentes, os sentidos e os poderes ainda desconhecidos, adormecidos e ocultos. É necessário, enfim, realizar uma obra de edificação espiritual, uma transmutação, alcançar a virtude e o conhecimento para que o miserável verme que repta pela terra se transforme em gloriosa mariposa voando livremente para a justiça”. Para obter esse fim, o mesmo Reghini nos diz que não existe outro meio que “o trabalho maçônico baseado e sustentado pela iniciação simbólica, quer dizer, conferida e obtida através da inteligência dos símbolos maçônicos familiares, a imagem da obra de arte que se realiza com os instrumentos do ofício”.

A expressão “conhece-te ti mesmo” deveria figurar também no frontispício dos templos maçônicos. Na verdade, nada há mais importante para o homem que conhecer sua verdadeira identidade, saber quem há detrás dessa máscara à que chamamos “personalidade”, e que a Maçonaria identifica com os metais do homem velho, “submerso, como dizem os rituais, nas mais profundas trevas”.

Como estamos vendo, a ideia de transmutação tem muito que ver com o processo alquímico, e de fato a “Arte Real” maçônica, desenvolvida através dos três graus de aprendiz, companheiro e mestre, é idêntica à “Grande Obra” da Alquimia, pelo que pode fazer uma transposição totalmente coerente entre o simbolismo alquímico e o simbolismo construtivo e arquitetônico. A pedra bruta da Maçonaria é, neste sentido, quão mesmo a “matéria prima” da Alquimia: tanto em uma como em outra estão contidas de maneira potencial ou virtual todas as possibilidades que conduzem ao homem para sua regeneração, possibilidades que, no caso do aprendiz maçom, começarão a desenvolver-se e a crescer abrigadas à influência espiritual ou intelectual (pois ambos os conceitos expressam o mesmo) transmitida através dos símbolos e ritos da Ordem.

Continua…

Autor: Francisco Ariza

Fonte: Revista Symbolos

Maçonaria e Alquimia

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Em sua importante obra Hermetismo e Maçonaria, e mais concretamente no capítulo II e intitulado “Tradição Hermética e Maçonaria”, Federico González afirma que entre os amigos da Filosofia Hermético-Alquímica se costuma dizer

“Que o último grande Alquimista (e escritor sobre estes temas) foi Ireneo Filaleto no século XVII. Isto é bastante exato de uma perspectiva, só que não se toma em conta com toda claridade que a partir dessa data não se interrompe esta Tradição até o presente, mas sim se transforma, e muitíssimos de seus ensinos e símbolos passam à Maçonaria, como transmissora da Arte Real e da Ciência Sagrada, tanto nos três graus básicos como na hierarquia dos altos graus.”

Estas palavras assinalam com toda claridade que a antiga Maçonaria foi a receptora, ao longo de todo esse período chamado de “transição”, entre os séculos XVI e XVII, de um importante simbolismo hermético-alquímico, que vai ser decisivo para o surgimento da Maçonaria especulativa, que se concretiza em começo do século XVIII. A partir desse momento, pode se falar de um Hermetismo maçônico que, de algum jeito, constitui o eixo doutrinal que vertebra essa nova Maçonaria, e que se conjuga perfeitamente com a herança da antiga Maçonaria medieval, que continua estando presente através do importante simbolismo construtivo e das ferramentas que lhe são inerentes, conservando também sua forma e sua estrutura institucional através de seus antigos usos e costumes.

Fazendo um parêntese, devemos dizer que as relações entre a Maçonaria e a Alquimia, ou melhor a Tradição Hermético-Alquímica, vêm de tempo muito antigo, antes inclusive da Idade Média, época em que os maçons construtores realizam suas grandes obras em pedra, tanto igrejas românicas como catedrais góticas, mas também obra civis, como castelos, palácios, etc., e é obvio começam a construir os grandes centros urbanos de acordo a uma estrutura que tinham herdado dos Collegia fabrorum romanos, e que se continuaria durante o Renascimento, estrutura que obedecia em seus traços essenciais a uma imitação do modelo cósmico, que também estava refletido na catedral e na planta românica, e que se conjugava com outras tradições muito mais antigas que se remontavam inclusive à pré-história, aos construtores megalíticos, e é claro, principalmente, à outra grande herança vinda do Oriente: a dos construtores do Templo de Salomão, ou Templo de Jerusalém, mostrando-se assim o vínculo com a tradição judaica, e mais especialmente com seu esoterismo, quer dizer com a Cabala. Acrescentaremos neste sentido que o desenho do Templo de Salomão, ou melhor sua estrutura interior, e a Ideia que a configurou, plasmar-se-á também na catedral cristã, e certamente formará parte da arquitetura ocidental ao longo de todo o Renascimento como uma imagem da Cidade Celeste, sendo a partir do século XVIII que essa estrutura, e essa Ideia, passará a formar parte da Loja maçônica.

Tanto na herança vinda dos Collegia fabrorum, como na que procedia do Templo de Salomão, estava presente a Tradição Hermética, que é propriamente falando a Tradição do Ocidente, pois reúne em seu corpo simbólico e doutrinal o legado sapiencial grego-egípcio e romano, que se concentrou especialmente na Alexandria dos primeiros séculos de nossa era, dando como fruto, entre outras obras importantes, o Corpus Hermeticum, conjunto de livros e textos inspirados diretamente pela deidade que dá nome a esta Tradição: Hermes Trismegisto, o Thot egípcio. Esse legado se nutriu também das correntes gnósticas, tão cristãs como judaicas, e de todo esse conjunto de ensinos sustentados na Magia Natural, na Astrologia e na Alquimia próprias das tradições milenares vindas tanto do Oriente Próximo como de toda a planície mediterrânea, herdeiras em realidade de uma Ciência Sagrada e de uma Tradição Unânime que esteve presente em todos os povos, culturas e civilizações do mundo inteiro desde tempo imemorial.

Não deve, pois, resultar estranho que em muitas dessas edificações, tanto medievais quanto renascentistas e outras posteriores, que manifestavam de maneira evidente a “Harmonia Mundi” através de uma verdadeira Geometria filosofal, apareçam gravados na pedra e outros materiais um sem fim de símbolos que fazem alusão à Alquimia e às distintas fases da Grande Obra da transmutação interior, e é obvio a presença em qualquer parte de um simbolismo astrológico-astronômico que denotava claramente o fato de que os maçons construtores e os alquimistas, astrólogos, magos e teurgos realizavam seu trabalho conjuntamente, pois em realidade todos eles pertenciam a uma mesma “cadeia áurea” que tem em Hermes Trismegisto, Pitágoras e seus Platão “pais fundadores”.

Precisamente neste artigo queremos falar de como efetivamente existe uma clara correspondência entre o simbolismo alquímico e o simbolismo maçônico, sem entrar em desenvolver tudo o que o tema dá de si, que é certamente muitíssimo, mas tão só apontar algumas ideias básicas que vêm dadas de forma natural com tão somente meditar com certa atenção no rico simbolismo alquímico e maçônico. Evidentemente tampouco careceria de interesse investigar como se gerou essa mutação que deu nascimento à Maçonaria moderna, quais foram as influências que, por exemplo, serviram para que aquele ou aqueles desconhecidos autores maçônicos do século XVIII elaborassem a lenda de Hiram e do ritual do terceiro grau, tal qual chegou até nossos dias, que é essencial em toda a Maçonaria, pois não existe Rito que não tenha essa lenda e esse ritual, até com os matizes e pequenas diferenças que se queira, formando parte de seus ensinos mais elevados e profundos.

Neste sentido se assinalou que o autor, ou autores, da lenda de Hiram, tal qual se psicodramatiza no ritual do terceiro grau, é muito provável que se inspirou em uma obra hermética do século XVII intitulada Septimana Philosophica, do médico alquimista e rosa-cruz Michel Maier (autor deste modo da Atalanta Fugitiva, entre outras obras importantes), escrita em forma de diálogo e cujos interlocutores são o rei Salomão, Hiram e a rainha de Sabá. Neste contexto surge também a figura do Tubalcain, que segundo as Old Charges, ou Antigos Deveres, foi o inventor da metalurgia e um dos fundadores míticos da Maçonaria junto a sua irmã Noemá (inventora da arte do tecido), e seus irmãos Jabal (inventor da Geometria) e Jubal (inventor da Música). Tubalcain, que tem também um papel relevante no ritual do terceiro grau, aparece como um antepassado de Hiram e pertencente, como ele, a uma tradição antiquíssima relacionada com a Arte metalúrgica, e portanto com evidentes vinculações com a Alquimia, que utiliza justamente o simbolismo metalúrgico, e o fogo a ele inerente como elemento ativo e transformador da matéria, para exemplificar os processos de transmutação e purificação interior. E não deixa de ser interessante, além disso, que este antepassado de Hiram, Tubalcain, apareça em certos textos alquímicos também do século XVII tendo em suas mãos o esquadro e o compasso, ferramentas maçônicas por excelência, recordando assim ao Rebis hermético de Basilio Valentino e João Daniel Mylius, que sustenta também em suas mãos estas duas ferramentas.

Enfim, como dissemos é este um tema extremamente interessante e que aos maçons brinda a excelente oportunidade de conhecer mais em profundidade sua Venerável Tradição, herdeira dos Antigos Mistérios, e cujo lema mais importante é aquela sentença que já figurava no frontispício do templo de Apolo em Delfos: “conhece-te a ti mesmo”. Diremos que esse Conhecimento é gradual e necessita de uma didática e de um ensino que vem dado efetivamente através do percurso pelos três graus maçônicos: aprendiz, companheiro e mestre, que sintetizam na realidade todos os graus iniciáticos, chamados altos graus, que recolhem também numerosos ensinos herméticos e alquímicos, e nos fazem ver que na realidade, e como deixávamos vislumbrar anteriormente, a Maçonaria atual forma parte integrante da Tradição Hermética, e reproduz através do desenvolvimento de todos seus graus as etapas da Grande Obra Alquímica, análoga igualmente ao processo de criação do Cosmo, como mais adiante veremos.

Por outro lado esta expressão, “conhece-te a ti mesmo”, encerra todo o sentido da Maçonaria como via Iniciática, palavra que como todos vocês sabem indica a aspiração no homem de empreender ou iniciar o caminho para a busca de sua verdadeira identidade, de seu autêntico “Eu”, ou como se diz na tradição hindu, de seu autêntico Si Mesmo. Para a Maçonaria, o ser humano, em seu estado ordinário, ou “profano”, não se conhece apenas, não sabe quem é em realidade, de tal maneira que nesse estado vive uma existência completamente “exterior” ao que é sua verdadeira Essência, aquela que na Maçonaria recebe o nome de Grande Arquiteto do Universo. Recordemos que a palavra “profano” quer dizer “fora do templo”, aludindo o templo à “casa do Pai”, quer dizer o lugar de nossa origem, a terra nutriz espiritual, a pátria celeste, ou a Loja maçônica “do Alto” de que se fala na Maçonaria, que um dia abandonamos porque sobreveio em nós o esquecimento, essa terrível enfermidade da alma que se cura invocando à Memória, a Mnemósyne, que os gregos consideravam uma deusa.

Aos que empreendiam esse caminho, o caminho do autoconhecimento, antigamente se chamavam “peregrinos”, ou “estrangeiros” que deve ser o mesmo, e percorriam as sendas do mundo e da vida como um símbolo de sua viagem interior para a “casa do Pai”, sendo precisamente as etapas dessa viagem o processo que ia assinalando a recuperação de sua memória arquetípica. Isto que dissemos não é uma licença mais ou menos poética, mas uma realidade recorrente na vida do homem sempre e que se pode expressar como queremos, mas que tem que ver com o encargo de um fato incontestável: a fragilidade da existência humana, a percepção clara de que verdadeiramente nosso passo pela vida é justamente isso: uma passagem, um trânsito entre nosso nascimento e nossa morte, e é sob a denominação de “estagiários” como também se denominavam antigamente aos construtores que viajavam de cidade em cidade deixando na pedra os rastros de sua Arte Real.

De fato, e se repararmos nisso com certa atenção, a própria existência de qualquer coisa ou ser tem algo de ilusório e de evanescente, que lhe vem de sua própria “provisoriedade”, de “estar de passagem”, e assim no-lo fazem ver os ensinos iniciáticos e esotéricos de qualquer tradição. Mas precisamente o dar-se conta deste fato, com tudo o que significa, empurra-nos a procurar o sentido de nossa própria existência, quer dizer sua razão de ser, o princípio do que ela depende e que evidentemente não tem que estar fora de nós, pois se fosse assim, sequer nos formularíamos a pergunta fundamental e com a que em realidade dá começo a busca para a verdadeira identidade: quem sou?

“Ouvi-me, poderosos liberadores! (Exclama o neoplatônico Proclo aos deuses em seu Hino IV). Concedei-me, pela compreensão dos livros divinos e dissipando a trevas que me rodeia, uma luz pura e Santa a fim de que possa compreender com claridade o Deus incorruptível e também o homem que eu sou.”

É inegável que a resposta a essa pergunta sobre nossa identidade tem que vir através do que Platão denomina a anamnesis, a “reminiscência”, ou seja “a lembrança de si”, que pode ir-se dando pouco a pouco, ou de uma vez por todas, ou combinando ambas as experiências, pois de fato é assim como ocorre na realidade, já que a “revelação é coetânea com o tempo”, e essa possibilidade sempre vem dada pela graça de Mnemósyne, e de suas filhas, as Musas, que inspiram no “peregrino” seu canto liberador e lhe fazem partícipe do mistério e da harmonia do Cosmos. Conta Platão que a alma humana ao vir a este mundo “esquece” qual é sua verdadeira origem, e como consequência disso fica encerrada na “esfera sublunar”, ou mundo inferior, onde vive como em um sonho com os olhos vendados à verdadeira realidade. A isto precisamente se refere também Platão com o famoso mito da caverna: tudo o que nela acontece é um reflexo de uma realidade mais alta, de onde procede a luz que ilumina essa caverna, a qual é evidentemente uma imagem simbólica de nosso mundo, e em consequência da existência que levamos dentro dele.

Pois bem, a despertar desse sonho, a escapar desse mundo e dessa existência que não tem em si mesmo sua realidade e sua razão de ser, vem a nos socorrer a Filosofia, a autêntica Filosofia, a que faz honra ao significado verdadeiro de seu nome: “Amor à Sabedoria”. Esse amor, ou essa filiação, é um estado da consciência próprio do ser humano, e está em todos nós, só que como estamos completamente voltados para o exterior, para “fora de nós mesmos”, não o percebemos como algo próprio e que nos pertence pelo fato de termos nascido humanos, como o único, enfim, que pode nos arrancar essa atadura que nos cobre os olhos, e que é como um encantamento enraizado no mundo dos sentidos, o “véu de Maia”, a ilusão do relativo, do impermanente e do condicionado.

Amar a Sabedoria implica pois uma aspiração impetuosa e sem trégua alguma para o Conhecimento, para a Gnose, o que supõe acontecer do exterior, ou do mundo das aparências, para o interior, ao mundo da realidade. Da periferia da roda para seu centro, que é precisamente o que dá todo seu sentido à roda e a seu movimento, vale dizer a nossa existência neste mundo, que sem esse centro, sem sua Essência, não existiria. Ir do exterior para o interior, da representação à realidade, supõe efetivamente seguir um caminho, uma via, um raio, e isso não é outra coisa que nossa “reta intenção”, nosso querer “ser”, que é o mesmo que nos orientar “na direção que assinala a luz”, como se diz em linguagem maçônica. Trata-se em definitivo de passar de uma leitura exterior das coisas, do mundo e de nós mesmos, a uma leitura interior, mais acorde com o que constitui a razão de ser dessas mesmas coisas, do mundo e de nós. “Ler interiormente” é o que quer dizer precisamente a palavra inteligência, que é, ao igual que Mnemósyne (a Memória), ou a própria Sabedoria, o nome de uma deusa: a deusa Inteligência, aquela que como diz Federico González em vários lugares de sua obra, e mais concretamente em Simbolismo e Arte, é

“Uma energia capaz de selecionar os valores e pô-los em seu lugar, criando uma ordem mental em oposição ao caos da ignorância. Daí a importância do modelo do Universo e de sua Ordem Arquetípica, ou seja, da doutrina e de sua encarnação, posto que é capaz de ativar e gerar o auxílio desta deidade, a que sempre se manifesta no microcosmo como a compreensão imediata, efetivada no coração.”

Esse Amor à Sabedoria é o que se pratica nas oficinas maçônicas, e faz dos irmãos maçons verdadeiros filósofos cuja aprendizagem na “lembrança de si”, ou seja no reconhecimento de sua identidade mais verdadeira e profunda, é constante e permanente, e vem dando uma dimensão cada vez mais ampla e universal de nós mesmos, que é inversamente proporcional ao abandono de nossas superficialidades, que são aqueles metais impuros, ou arestas da “pedra bruta” que com paciência e perseverança, duas virtudes muito elogiadas pelos alquimistas e maçons de todos os tempos, têm que ser polidas pelas ferramentas do maço e o cinzel, símbolos respectivos da vontade e da reta intenção que a dirige e com a qual se conjuga.

Na linguagem dos símbolos (que os trovadores medievais chamavam “a língua de oc” –languedoc– ou o “linguagem dos pássaros”) o coração é precisamente a sede da inteligência, não da inteligência racional, que segundo a mesma linguagem simbólica estaria localizada no cérebro, e que é dual por natureza, mas sim da inteligência superior, ou da intuição intelectual, aquela que tende para a síntese pela reunião dos contrários, e que é como um sexto sentido que tem o homem, o microcosmo, para “descobrir” esses outros estados mais sutis que estão em nosso interior, e que, tal como os raios da roda ou da circunferência, põem-nos em comunicação direta (ou seja a “compreensão imediata” de que fala Federico González) com nosso verdadeiro “Eu”, ou Si mesmo.

Mas no “descobrimento” dessa faculdade superior inerente à natureza humana é muito importante, com efeito, conhecer o modelo do Universo, que nos fala de uma Ordem Arquetípica, de uma Cosmogonia; e não só isso, mas também dito conhecimento, para ser compreendido em toda sua integridade, tem que “encarnar-se” e viver-se como tal, quer dizer que tem que ser realmente transformador e operativo, e não uma mera especulação teórica que por muitos “saberes” que acumule nunca poderá nos levar mais à frente da soleira ou da periferia da roda, nesse ponto onde realmente começa a viagem para o centro de nosso ser, o qual se vive, tornamos a repetir, como um retorno à “casa do Pai”.

Esse retorno tão somente é possível através de uma Arte que a Maçonaria chama “Arte Real”, idêntico a Grande Obra alquímica, Obra que é a que o homem pode realizar consigo mesmo em seu interior, e cujo processo criativo como dissemos ao princípio é análogo à própria criação do Cosmo, já que há uma identidade entre o homem e o Universo, entre o microcosmo e o macrocosmo, de tal maneira que existe uma relação constante e permanente entre um e outro, quer dizer que o conhecimento de si se inter-relaciona com o conhecimento do mundo, conformando ambos um todo unitário, “uma só e única coisa maravilhosa”, verdadeiro objetivo da Grande Obra, como dizem os textos herméticos segundo a fórmula da Tábua de Esmeralda: “O que está acima é como o que está abaixo, e o que está abaixo é como o que está acima, para fazer a maravilha de uma coisa única”. A isto alude sem dúvida alguma o conhecido selo de Salomão, que como sabemos são dois triângulos entrelaçados, sendo um o reflexo do outro.

Tu te acreditas um nada, e é em ti em quem reside o mundo,

Recorda-nos neste sentido René Guénon citando o filósofo Avicena.

E assim como a ordem cósmica, o Mundo, segundo os relatos mitológicos de todas as tradições da humanidade, surgiu do caos das trevas primitivas, também esse processo interior que o homem realiza consigo mesmo surge a partir do “caos de nossa ignorância”, como dizia Federico González na nota citada. Segundo a Alquimia, nesse “caos” estão em potência e sem desenvolver todas nossas virtudes e qualidades, e é graças à Arte da transmutação que esse “caos” começa pouco a pouco a ordenar-se, quer dizer, a atualizar-se, recebendo a luz da Inteligência, análoga ao Fiat Lux (“Faça-se a Luz”) que iluminou as trevas pré-cósmicas.

Por isso justamente a iniciação se concebe como uma “iluminação” interior, e a expressão “dar a luz”, que se refere ao nascimento carnal, é exatamente o mesmo que “dar a luz”, tal qual se realiza durante o rito da iniciação maçônica, e em qualquer iniciação ao Conhecimento pois se trata de um arquétipo universal, com o qual se estabelece uma correspondência entre o nascimento físico e o nascimento espiritual. A própria palavra “neófito” com que se designava ao recém iniciado nos antigos Mistérios do Elêusis, e também na Alquimia e na Maçonaria, quer dizer tanto “nova planta” como “novo nascido”. E tudo isto está vinculado com a própria palavra Conhecimento, que é realmente um “CO-nascimento” [N.T.: em espanhol, “conhecimento” é “conocimiento“; o autor faz logo atrás, então, uma correlação entre as duas palavras e ideias], um voltar a nascer novamente. Neste sentido qualquer conhecimento relacionado com estas ideias é sem dúvida alguma um nascimento a uma outra realidade, com o que o campo de nossa visão do mundo e de nós mesmos se amplia e se faz mais verdadeiramente universal.

Por isso mesmo não se ilumina, não se desperta ou não se nasce, a não ser a aquilo que o ser já possui dentro de si, pois como diz também Platão: “Tudo o que o homem aprende já está nele”. Daí que a via alquímica e maçônica seja um processo de estrita realização pessoal, e todos os meios ou ajudas que vêm do exterior contribuem de fato a facilitar esse despertar e esse nascimento, mas tendo sempre em conta que são só ajudas, ou suportes, ou veículos, para iniciar e começar esse processo, e que inclusive podem nos servir durante um comprido trajeto do caminho, mas finalmente, e como se diz nos textos alquímicos, a “quem não compreende por si mesmo, nunca ninguém poderá fazê-lo o compreender, faça-se o que se fizer”.

Os suportes mais importantes, e poderíamos dizer virtualmente os únicos, são os símbolos e o alto Ensino que se deriva deles, tendo em conta que os símbolos iniciáticos foram especialmente desenhados para cumprir essa função didática, e estão “carregados”, se nos permitem a expressão, de influxos espirituais ou, se preferirem, de ideias-força, que eles mesmos transmitem sob suas formas e modos respectivos, e que convenientemente estimulados por nosso estudo, meditação e concentração, comunicam-nos e nos fazem partícipes de seu conteúdo, que assim que seja compreendido, incorporamo-lo e fazemos plenamente nosso, quer dizer, que nos identificamos com a ideia que revelam, ou dito de outra maneira: devimos essa própria ideia, pois como diz Aristóteles, e confirmam as experiências de todos os que o viveram, e o vivem, “o ser é o que conhece”, quer dizer que há uma identidade entre ser e conhecer: a gente é o que conhece. Por isso mesmo é tão importante o conhecimento dessa Ordem Arquetípica, que é a Cosmogonia, pois na medida em que dito conhecimento se faz em nós por sua compreensão, e tendo sempre presente as correspondências e analogias entre o macrocosmos e o microcosmos, nossa consciência se universaliza ao aflorar nela outros estados de uma natureza muito mais sutil, e que até esse momento eram completamente desconhecidos, até formando parte de nós mesmos. Essa “floração” é o que no tantrismo hindu se denomina o “despertar dos chakras“, palavra que quer dizer “rodas”, e que são efetivamente estados de nossa consciência que jazem adormecidos até que são despertados pela energia espiritual (uma de cujas expressões é a paixão pelo Conhecimento), a que podemos relacionar com o enxofre alquímico, força divina que jaz no centro de nosso ser, ou também com o maço e o cinzel maçônicos, cuja ação conjunta sobre a “pedra bruta” fazem possível a transformação desta em pedra cúbica.

Esse despertar dos centros sutis nos permite ir ascendendo degrau a degrau, degrau após degrau, pela “escada filosófica” que une a terra com o céu, até chegar a conceber, e em consequência viver, a ideia da Unidade, do Si mesmo, que constitui a “chave de abóbada” ou “pedra angular”, idêntica à “pedra filosofal” da Alquimia, de todo o Edifício Cósmico – e é obvio do ser humano, que vive assim a plenitude de uma existência não circunscrita somente a sua individualidade, pois esta foi transmutada pela gradual identificação com o universal por meio de seu conhecimento e da identidade com ele.

Então aquela existência que estava sujeita ao ilusório e evanescente de que falávamos mais acima, cobra aqui todo seu sentido e passa a ser o suporte permanente dessa transmutação, que é uma sucessão constante de mortes e nascimentos, ou dito em linguagem alquímica, de dissoluções e coagulações, que vão “afinando” o “composto” humano até fazê-lo “simples”, ou seja “não composto nem duplo”, semelhante a uma semente ou um germe, que evoca claramente a parábola evangélica do “grão de mostarda” (Mateus XIII, 31-32): “Semelhante é o Reino dos Céus a um grão de mostarda, que tomando-o um homem o semeou em seu campo; que é a menor de todas as sementes, mas quando se desenvolve é maior que as hortaliças, e se faz uma árvore, de modo que vêm as aves do céu e aninham em seus ramos”. Ou este outro texto dos livros sagrados da Índia, que diz o seguinte: “Este Âtmâ (o Grande Espírito), que reside no coração, é menor que um grão de arroz, menor que um grão de cevada, menor que um grão de mostarda, menor que um grão de millium, menor que o germe que está em um grão de millium; este Âtmâ, que reside no coração, é também maior que a terra, maior que a atmosfera, maior que o céu, maior que todos os mundos em conjunto”.

O grão de mostarda, como outros exemplos semelhantes, é evidentemente uma imagem simbólica da própria Unidade, que não tem composto nem duplo, por isso é a Unidade, e que em nosso mundo aparece como o menor, mas que em si mesmo é o maior, pois a tudo contém, e ao mesmo tempo está contida em tudo. Daí o exemplo da semente ou germe, que é precisamente no que tem que converter o candidato para receber a “luz” da Inteligência, para o qual precisa purificar-se de tudo que não é ele mesmo, quer dizer precisa passar pela prova dos elementos, que é outra herança que a Maçonaria recebe da Alquimia, e cujo fim não é outro que levá-lo a um estado completamente receptivo à luz da Inteligência.

Neste sentido, é interessante assinalar que os quatro elementos alquímicos, mais o quinto que é o éter ou “quintessência”, têm sua correspondência com o simbolismo construtivo, em concreto com as quatro pedras de fundação situadas nas quatro esquinas ou ângulos de base de um edifício, mais a quinta pedra, que não está no mesmo plano ou nível das outras quatro mas sim propriamente constitui o “quinto ângulo”, ou “pedra angular”, situada na sumidade do edifício, e da qual toda a construção aparece como a “projeção” ou “emanação” dessa mesma pedra, quer dizer, que a construção em si tem realidade a partir dela, pelo que realmente esta significa como representação da Unidade metafísica. E se isto é assim no simbolismo construtivo próprio da Maçonaria também o é no alquímico, no qual dita construção não é outra coisa que a que se realiza na alma humana a base de transmutações e purificações constantes e permanentes, até obter sua total identificação com a Unidade que reside no centro ou “quintessência” dela mesma, e que é ela mesma: “Quem se conhece si mesmo conhece seu Senhor”, é também uma máxima da Tradição Unânime.

A “viagem” pelos elementos que realiza o postulante a receber a iniciação maçônica se vive inumeráveis vezes ao longo de sua vida. Poderíamos dizer que é toda a vida a qual está envolta nisso, pois ditas viagens se vivem em distintos níveis de compreensão, sendo os elementos, do ponto de vista alquímico, estados do Ser Universal, e portanto do ser individual. Se tomarmos o exemplo da Árvore da Vida cabalística, vemos que em cada um de seus quatro planos: AsiahYetsirah, Beriah e Atsiluth (relacionados também com os quatro elementos) existe uma Árvore inteira, ao que se terá que percorrer do começo até o final, o que forma um ciclo, acabado o qual começa outro na escala evolutiva de nossa consciência, que vai assim da periferia ao centro, quer dizer a quintessência, à Unidade, em si mesmo e além da qual qualquer ideia de “viagem” ou de “busca” tal e como se considerava até então carece já de todo sentido.

Aqui tão somente falaremos da primeira dessas viagens, e sem a qual não seria possível as restantes. Esta se realiza visitando o interior da terra, o que na Maçonaria se simboliza com a “Câmara de Reflexão”, que é em tudo semelhante ao atanor, um espaço “hermeticamente fechado” onde é introduzido o aspirante para “despojar-se dos metais impuros”, linguagem claramente alquímica que alude a essas “escórias” e superficialidades (os “egos” em linguagem corrente) que impedem precisamente a “recepção da luz”. Ali, encerrado em seu atanor, na solidão mais completa, o aspirante tem que encontrar sua “pedra bruta”, ou seja, sua “matéria prima”, pois sem esta é impossível a Grande Obra. Ou dito de outra maneira: tem que dar-se conta de que a tudo tem que aprender de novo, e que em consequência tem que morrer para seu estado anterior, ou seja a não se identificar com o mais denso de si mesmo, aprendendo a “separar o espesso do sutil”, pois existe a promessa de uma vida nova, e que se tiver chegado até aí, até essa “Câmara de Reflexão” que é sua própria alma recolhida em uma extrema concentração, é porque secretamente, sem o saber, está cumprindo com seu destino. Neste ponto dizem novamente os textos alquímicos:

“Meu apelido é Dragão. Sou o servo fugitivo, e me encerraram em uma fossa para que logo me recompense com a coroa real e possa enriquecer a minha família… Minha alma e meu espírito me abandonam… Que eles não me deixem nunca logo, para que veja de novo a Luz do Dia, e que este Herói da Paz que o mundo espera possa sair de mim.”

A tudo isto aludem sem dúvida alguma os símbolos que se encontram na Câmara de Reflexão, todos destinados a nos fazer precisamente “refletir” sobre seu sentido profundo. Aí encontramos, por exemplo, ao galo, pássaro solar e de Hermes que anuncia a luz; aos três princípios alquímicos: enxofre, mercúrio e sal, quer dizer ao princípio ativo, ao passivo, e a síntese de ambos respectivamente; à caveira que nos indica o estado em que nos encontramos e ao mesmo tempo nos permite entender que no impermanente e no fugitivo, como a própria vida que nos escapa dentre as mãos, existe uma imagem do imutável, pelo que permanece, quer dizer que esses ossos nos evocam uma primordialidade e uma origem incorruptível. Por isso mesmo, nas correspondências entre o cosmo e o homem, os ossos estão regidos pelo planeta Saturno, o rei da Idade de Ouro, que é também o chumbo, o mais vil e denso de todos os metais mas no qual, entretanto, está encerrado o ouro, o mais precioso e sutil de todos eles. E ali, enfim, encontramos as siglas alquímicas VITRIOL, ou VITRIOLUM, que dão pleno sentido à Câmara de Reflexão: “Visita o Interior da Terra e Retificando Encontrará a Pedra Oculta. Verdadeiro Remédio”.

Visitar o interior da terra é fazê-lo em si mesmo, procurar em nossa memória os sinais que nos levem ao país dos antepassados, a nossa linhagem espiritual, como faz o mestre Hiram, quando vai procurar no interior da terra, no mundo subterrâneo, a seu antepassado Tubalcain, segundo se relata em outras lendas que revestem Hiram com os características de um herói civilizador. Ressoam aqui as palavras de todos os iniciados de todos os tempos: para ascender ao mais alto tens de descer ao mais baixo, e este fato se cumpre indefinidas vezes no processo iniciático, pois o percurso pelo eixo que comunica os diferentes planos do Ser universal, e do ser individual, faz-se sempre nas duas direções: ascendente-descendente:

Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os poderes das coisas de cima e das de baixo,

Podemos ler na “Tábua de Esmeralda” hermética, fundamento doutrinal e síntese magistral de todos os trabalhos alquímicos.

Na realidade, a Pedra Oculta, o verdadeiro remédio ou elixir da imortalidade de que se fala nas siglas VITRIOL, não é outra coisa que a obtenção do Conhecimento, já que como antes recordávamos, também se disse que “Quem se conhece si mesmo conhece seu Senhor”, quer dizer à Unidade. O “prêmio”, se é que houvesse algum neste caminho de enormes contrastes que realiza o peregrino para sua pátria de origem, não é outro que esse Conhecimento, ao que alguns preferem pôr o nome de Tradição Primitiva, que é a Fonte da qual emana a Ciência Sagrada ou Filosofia Perene de todos os tempos e lugares. Neste sentido, em um momento determinado dessa viagem, a Câmara de Reflexão passa a ser outra Câmara: a Câmara do Meio, situada na base do Eixo do Mundo durante o rito de recepção ao terceiro grau, ali onde têm lugar outros mistérios que fazem referência também a uma morte e a um novo nascimento.

Isto nos faz recordar indevidamente que quando Dante, em sua viagem ao centro da terra, desce ao ponto mais baixo desta, “retifica” imediatamente o sentido dessa direção e começa a subir pelo eixo do mundo, que é seu próprio eixo interior, para a saída à “Luz do Dia”, à Realidade, abandonando o “reino das sombras” ao encontro com sua dama Beatriz, personificação da Sabedoria.

E não queríamos terminar estas reflexões que quis compartilhar com todos vós sem citar novamente o livro Simbolismo e Arte, concretamente o capítulo titulado “Arte Alquímica”, onde se diz o seguinte:

E de igual forma que todo nascimento se transforma em morte e esta é continuada por um renascimento – qualquer seja o ponto de vista que se adote, posto que a criação é perene –, assim estes estados se sucedem no ser, sujeito ao espaço, ao tempo e à memória. Pelo que o xamã vive em seu processo alquímico indefinidos falecimentos e ressurreições. (…) Entretanto também devemos observar que de modo acorde em Alquimia se destacam diversas etapas significativas no processo geral, que se realiza escalonadamente na projeção temporal, que estão vinculadas com os ciclos que, embora universalmente se sucedem sem solução de continuidade, têm um sentido claro no subciclo de uma existência particular, onde a dimensão de uma vida humana reconhece os tênues e sutis sinais de uma transformação, que por leve e esfumada que pareça, faz-se de repente transparente e se arraiga profundamente no coração do atanor, ou o que é o mesmo, da alma humana, permitindo-lhe assim ao operário seguir desenvolvendo-se para enfrentar novos trabalhos de sua ciência evolutiva, graças à intuição intelectual, direta, que não admite dúvidas nem demonstrações pois, de face à certeza, resultam completamente desnecessárias.

Pode-se compreender, então, que este processo do adepto – ou o xamã, que recebeu sucessivas iniciações, ou compreendido distintos estados do Ser Universal – que vai obtendo para si paulatinamente as cores da Obra, é uma verdadeira imersão no tempo, já que adverte a simultaneidade de todo o possível (que se dá mercê à projeção temporal, ou seja, gradualmente), e reconhece estados não humanos de uma perspectiva distinta, onde vê girar a roda dos sucessos e fenômenos sem apego, tal qual o alquimista metálico observa de uma maneira imparcial as substâncias que combustam – coagulam e se dissolvem – em seu atanor. Em tudo isto tem um papel decisivo a memória, matéria com que está tecido o tempo e portanto o homem, já que este é tanto o que conhece como o que recorda, e em todo caso se for algo em si, é por sua memória: imprecisa e frágil substância que troca com os momentos e os dias e constantemente se atualiza.

Autor: Francisco Ariza

Tradução: Igor Silva

Fonte: Hermetismo y Masoneria

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