Apareço, logo existo: o mundo das aparências por Bauman, Nietzsche e Shakespeare

Resultado de imagem para mundo de aparencias

O mundo contemporâneo é regido pelo estratagema da comunicação, provavelmente este seja o maior pilar erguido pela era da informação. Bauman, contextualizando Descartes, versa que para que haja existência – neste mundo tenebroso – é preciso, sobretudo, aparecer; propagandear-se, por assim dizer. Apareço, logo existo”. Quem não está presente nas Redes Sociais é como uma esponja, um sujeito paupérrimo, possivelmente um eremita. É preciso que se diga: o Facebook, muito mais do que refletir a nossa imagem, cria outro ser, indiferente ao que somos geralmente na vida tangível. A internet é um paraíso digital no qual podemos selecionar um mundo só nosso: somos mais bonitos, mais pacientes e mais inteligentes. Para fugir do inferno dantesco que é a realidade, basta uma espaçonave para o mundo digital. Quem topa a viagem?

Hamlet talvez seja o personagem que mais ojerizaria o mundo contemporâneo das aparências”, afinal, como asseverou o historiador Leandro Karnal, Hamlet é o anti-facebook.  O personagem de Shakespeare odeia o mundo dos seres falastrões, indivíduos que se regozijam com o personagem que eles mesmo criam e chamam de eu”; a prova disso era o seu desprezo ao personagem mais falso da peça: Polônio. Nietzsche, também um assíduo leitor de Shakespeare, chama atenção para o descaso que nós temos conosco mesmos, a recusa que temos em conhecer o nosso interior, de tal maneira que não suportamos mais ficar sozinhos e erigimos, dessa forma, um cárcere sobre nós mesmos.

O falso amor de si mesmo transforma a solidão em prisão. Friedrich Nietzsche

O filósofo Esloveno Slavoj Zizek entende que cada vez mais a modernidade alimenta o mundo das aparências, de tal maneira que hoje não basta irmos a casa da vizinha que odiamos e dizer bom dia, é preciso pairar uma aparência de jubilo e felicidade. Não basta sorrirmos para uma foto em um dia em que preferimos ter uma corda pra nos enforcarmos, é indubitavelmente importante que seja um sorriso sincero. A vida nos prepara para sermos atores em um mundo sem roteiro, em que tudo que sabemos é que precisamos comprar e sorrir. A frase trágica de Macbeth, personagem mais trágico de Shakespeare, traduz essa inconstância:

“A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico que se empavona e agita por uma hora no palco, sem que seja, após, ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muita barulheira, que nada significa.”

Faríamos qualquer coisa para conseguir a aceitação dos outros? Um pacto com o demônio, um eu te amo” dissimulado, uma foto mostrando uma vida totalmente diversa da nossa? As perguntas são flechas certeiras que acertam o nosso peito. E se a psicanálise estiver certa e formos mesmo seres da falta”, então, porventura estamos perdidos? Não podemos viver sem ter que penhorar as nossas vidas à igreja, às drogas, à hipocrisia. Precisamos mesmo de um mecanismo de fuga, para que não lembremos de nossa limitação e da morte que nos persegue a cada dia? Cada um com a sua caverna escura e sombria.

Viver é ter de carregar nas costas os cadáveres de nosso passado: as inúmeras pessoas que já fomos e que hoje se perderam em uma memória cada vez mais escassa, aqueles amigos que foram e nunca mais voltaram, os que morreram biologicamente e os que morreram pra dar lugar a outro ser completamente diferente. Ficar sozinho é acender uma vela a cada um destes seres moribundos, que balbuciam em nossas costas, pedindo misericórdia e rezando para que tudo volte a ser como era antes. Não há mais volta, e nós dois sabemos disso, caro leitor.  Mesmo que você remarque encontros com os amigos de infância, ao encontrá-los, você perceberá que não são mais os mesmos que brincavam com seus brinquedos no Jardim de Infância. Os desenhos não têm a mesma graça de quando éramos crianças. Talvez isso revele o porquê de querermos ficar sempre em multidões, temos medo do que podemos encontrar dentro de nós, medo desses cadáveres do passado. E, assim, nos tornamos uma presa fácil a um mundo de fingimento.

Falar muito de si mesmo também pode ser uma forma de ocultar-se, a frase é do Filósofo Bigodudo (Nietzsche), e ela revela a mais profunda ideia de manipulação, pois, quando falamos de nós mesmos, também estamos selecionando o que falar, portanto, escondendo as margens diabólicas de nossas vidas para evitar qualquer possível apedrejamento físico ou mental. Desconfie de pessoas que passam muito tempo falando de suas próprias vidas e de suas virtudes, elas provavelmente fazem isso por medo de que descubram a faca que as suas mãos seguram por detrás de suas costas. E voltando à peça de Shakespeare, Macbech, uma frase proferida por um de seus personagens é bastante elucidativa para concatenar os pontos:

“Não existe arte que ensine a ler no rosto as feições da alma.”

A menos que tenhamos habilidades similares às do Professor Xavier, não poderemos entender o que se passa na cabeça das pessoas. O que os olhares e sorrisos escondem por dentro – às vezes lágrimas, às vezes ódio – qualquer disfarce que nos furta o entendimento do que há por dentro das cascas sorridentes. Eu sugiro uma visita ao Oráculo de Delfos e uma leitura da frase pleonástica esculpida em sua entrada: “Conhece-te a ti mesmo”, frase socrática que nos convida a embarcar em um mundo perigoso, todavia, necessário – o mundo que há dentro de nós. E só depois tentar entender o significado dos sorrisos vazios.

Fonte: Pensador Anônimo

Screenshot_20200502-144642_2

Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

Publicidade

Somos pó e em pó nos tornaremos

Resultado de imagem para Somos Pó e em Pó nos Tornaremos

Faz parte de nosso comportamento humano o apego, quase irracional, aos bens materiais, principalmente àqueles que envidamos maiores esforços e para os quais sofremos um longo período de espera entre o desejo e a conquista.

Não é raro o mesmo comportamento nosso em relação às conquistas pessoais, seja no campo profissional, social e até mesmo financeiro; quando somos erigidos a qualquer condição que desnivela-nos para cima em relação a outros, por alguma distinção que nos coloque em patamares de “superioridade” tendemos ao mesmo apego que sempre nos norteou desde a infância, com relação às coisas materiais. Somos impulsionados, por forças quase imperceptíveis, a renegar pessoas e atitudes que outrora convivíamos e comungávamos na mais perfeita coerência e harmonia.

O quase “complexo” de ascensão que as efêmeras bajulações e as ilusórias vantagens nos oferecem ofuscam a nossa verdadeira personalidade levando-nos, de forma vertiginosa, à prática de atitudes incoerentes com aquilo que a nossa verdadeira força humana gostaria de ver realizado.

Quando Santo Agostinho inspirou-se para deixar-nos o célebre legado na sentença: “Eu prefiro os que me criticam porque me elevam aos que me elogiam, porque me corrompem”, certamente ele estava entrementes buscando explicação para este conflito existencial frente a nossa irracionalidade e incoerência como seres intitulados de humanos.

No tenso, atribulado e confuso dia de nossa iniciação na ordem, nas preparações exordiais levam-nos à sala de reflexões de nosso intra mundo, a qual de forma propositada e estratégica situa-se um nível abaixo do prédio onde a beleza e os adornos do luxo mundano nos serão apresentados horas após. Desvendados, atônitos e isolados, por mais que a ocasião e o tumulto da data festiva nos tenham excitado a mente e a vaidade por termos sido aceitos na grande ordem, naquele momento somos concitados interiormente pelas reais forças que deviam nos impulsionar invariavelmente; os símbolos e as descrições que não só nos alertam e nos advertem para a responsabilidade da missão que nos propusemos aceitar, mas também nos fazem despertar a consciência de nossa existência humana no contexto em que fomos inseridos na jornada da vida.

“Tu és pó e em pó te tornarás”; embora esta frase não seja recente e nem teve como signatário nenhum filósofo ou pensador carente de perdão Divina, nós a renegamos ou pelo menos não a abstraímos além de sua magnífica força expressiva. Esta frase milenar está grafada e é exposta na Sala de Reflexões, antes que façamos o nosso juramento de aceitação e ingresso na Ordem Maçônica, exatamente pela força que ela representa no ciclo nascimento vida e morte.

A expressão de que nós viemos do pó e a ele retornaremos não pode ser interpretada como desvalorização do ser humano, titular e ou detentor provisório daquela matéria, ao contrário, tal assertiva tem o condão de nos alertar para que não confundamos as glórias, as lisonjas, os cargos, as posições sociais e financeiras e nem as eventuais belezas que esta matéria esteja usufruindo ou exibindo, com a verdadeira missão que temos como verbos animadores desta personagem, no efêmero espetáculo de nossa representação no teatro da vida.

Quando foi instituída a prática de inumar os restos materiais daquele que teve a vida perecida, tal ato não foi em vão, pois devemos ter alerta sempre a consciência de que a morte terrena não representa o fim da vida e sim o renascimento, razão que inspirou, na integração do homem com a natureza, a inumação dos restos mortais como força simbólica de que a semente, originária da planta que secou e sucumbiu renascerá para nova vida.

Cabe-nos como maçons, rememorarmos sempre àquela advertência escrita e por nós vislumbrada nos momentos que antecederam nossa iniciação, para que tenhamos sempre alerta a nossa consciência de que nos policiemos diuturnamente em nossos atos e omissões e não nos deixemos nos embriagar com a vaidade das insígnias e distinções que a própria ordem nos oferece, nos desviando do propósito maior que é a nossa construção interior para que possamos verdadeiramente ser pedras uniformes na edificação do grande templo da humanidade.

Autor: Fernando Alves Viali
Loja Ciência e Trabalho, nº 30, oriente de Ituiutaba – MG

Fonte: GLMMG

 

%d blogueiros gostam disto: