Integração e tolerância

Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram na gênese da maçonaria especulativa, é natural que os maçons tenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, se perguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância, receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quais contraditórias – e é bom que assim seja. A tolerância decorre da diversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: só faz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.

É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nos identificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastar dos que não se nos assemelham. A própria origem das espécies decorrerá dessa tendência de agremiação de seres mais semelhantes entre si, mas um pouco diferentes de outros, mesmo quando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimento de seres diferentes – porventura portadores de uma mutação genética, ou doentes – e o afastamento deles poderá servir de mecanismo de preservação das populações.

Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismo de defesa, de repulsão de um ataque – tenha este de fato decorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Neste sentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que pode destruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão a própria diferença independentemente dos atos cometidos é um comportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bem que inaceitável em um ser humano.

Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemos consciência da dualidade da nossa natureza – animais por um lado, racionais pelo outro – e saibamos tirar o melhor partido de ambas as facetas dela. Pois que se, por um lado, o “instinto animal” nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só uma mente racional nos pode levar até à plenitude da nossa humanidade.

Tolerar a intolerância sob o argumento de que “é natural” só é aceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quanto desenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todos diferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, é uma atitude tão mais importante quanto mais populado está o nosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmente miscigenado este se vai inexoravelmente tornando.

Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo de qual…) de que retive uma frase: 

“Um homem sábio não pode ser insultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não merece atenção.” 

Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinho que guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça no meu escritório durante anos. 

Curiosamente, o presidente Obama disse certa vez uma coisa parecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade de expressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nas nossas sociedades – nos chamados “Estados de Direito” – a lei estabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguais perante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado a fazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as “regras da casa” de uma sociedade, estipulando o que é e não é aceitável. 

Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir a diferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somos todos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História, quer o fato de que mesmo na população mais homogênea há diferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitar a diferença – e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agir sobre os outros – tornando-os iguais a nós mesmos ou suprimindo-os – ou pretender agir sobre nós mesmos – aceitando os outros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo a tolerância tal como a maçonaria no-la transmite: como uma deliberada indiferença perante a diferença. Não, não é instintivo – mas aprende-se.

Autor: Paulo M.

Fonte: Blog A Partir Pedra

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Fraternidade maçônica

No mundo profano, talvez um dos mais conhecidos lemas atribuídos à Maçonaria é a tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Tal tríade restou conhecida pelo lema da Revolução Francesa: Liberté, Egalité e Fraternité.

O que pouca gente sabe é que tal tríptico não advém da Maçonaria à Revolução Francesa (talvez uma das maiores fake News que cerca o universo maçônico), mas exatamente o contrário. Como se sabe, a Revolução Francesa ocorreu no chamado “Século das Luzes”, dentro do movimento que passou a ser chamado de Iluminismo.

Grandes teóricos iluministas tiverem em seus estudos a base para a invocação de movimentos revolucionários. Aliás, tal lema consta inclusive de prédios públicos e da própria constituição da França.

Liberdade e Igualdade advêm puramente do movimento iluminista. Já a Fraternidade advém também de um preceito cristão, tanto que encampado pela Igreja Católica até os dias atuais e com forte trabalho sobre tal virtude por teóricos como Santo Agostinho (a Igreja reúne os homens em fraternidade, que os religiosos vivem a igualdade por não terem propriedades, que os fiéis “vivem na caridade, na santidade e na liberdade cristã”).

Pois bem, a própria maçonaria nasce no século das luzes e, como não poderia deixar de ser, é fortemente influenciada pelo movimento iluminista. Assim, boa parte das lojas maçônicas tomaram para si o tríptico da Revolução Francesa.

Contudo, merece especial atenção à maçonaria o lema “Fraternidade”, mas analisando-o a partir da Fraternidade Maçônica.

O termo “fráter” (irmão, em latim) faz parte do dia a dia das lojas maçônicas. No REAA é absolutamente invocado, sendo, inclusive, utilizado até na abertura das sessões maçônicas quando da leitura do Salmo 133 que invoca, especialmente, a convivência fraterna.

Não é demais dizer que a fraternidade é a base do pensamento maçônico, sendo ele invocado em várias situações quando, por exemplo, o amparo ao irmão necessitado e sua família, a caridade maçônica e em uma série de compromissos assumidos pelo maçom quando é iniciado.

Ocorre que, no mundo moderno, o termo “irmão”, utilizado exatamente para demonstrar a fraternidade parece ter seu uso relativizado. Não é incomum nos depararmos com situações de ativa beligerância entre irmãos, em total inobservância ao preceito de não usar um avental enquanto mantiver algum tipo de nódoa com outro irmão.

O termo acaba sendo desvalorizado. Muito comum se referir a maçom como “é um irmão nosso”, mas sem se atentar se realmente nutre sentimento fraterno pelo irmão e seus familiares.

Pior, com o individualismo crescente em nossa sociedade, intensificado pela grave pandemia do COVID-19, o amparo assistencial ao irmão necessitado parece estar senso extirpado das lojas maçônicas. E tal sentimento não se resume à amparo financeiro, mas também amparo emocional, muito necessário nos dias de hoje.

Ao que parece, o problema assola as lojas, que, não raramente, buscam mais se tornar em verdadeiros tribunais de julgamento de conduta de irmãos, do que amparar o irmão que esteja em dificuldade. Busca-se “cobrar” do irmão inadimplente sem, antes, buscar o amparo fraterno ao irmão em dificuldade. Fosse verdadeiro irmão assim o faríamos?

Não é incomum que irmãos manifestem sinais que precisam de ajuda. Contudo, muitos tentando evitar “assumir problemas de outro” preferem se omitir, até que o irmão se afaste ou seja afastado da vida maçônica. Contudo, repisa-se, seria este um verdadeiro comportamento fraterno?

Penso que talvez um dos maiores problemas da evasão maçônica seja exatamente a ausência de fraternidade. Os irmãos não mais se sentem amparados por sua loja! O pedido de “quite placet” de um irmão, hoje em dia, parece ser recebido mais com alívio do que com pesar.

São apenas divagações sobre tão importante tema, que jamais poderá ser exaurido neste breve trabalho.

E você, tem praticado a FRATERNIDADE?

Autor: Fernando Ramos Bernardes Dias

*Fernando é ex-Venerável Mestre da ARLS Renovação e Progresso, nº 250, do oriente de Patrocínio, jurisdicionada à GLMMG.

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Aprendendo com Aprendizes e Companheiros

Afinal, vamos para a Loja é para aprender ou não? E os irmãos estão satisfeitos?

Creio já estarmos um tanto ou quanto enfastiados de ouvir de parcela de nossos Mestres como tiveram uma brilhante trajetória na Ordem ao falarem reiteradamente sobre si mesmos e suas realizações, expondo opiniões em desordenados falatórios acacianos e dizendo que é assim e assado que pensam (Magister dixit), muitos demonstrando desdém pelas demandas dos Aprendizes e Companheiros ou o que estes também têm a ensinar-lhes. Graças ao Grande Arquiteto do Universo prevalece a tolerância, o carinho, o respeito e o bom humor, em especial.

Alguns apenas abrem a boca para ufanar-se de ter atingido o ápice dos Graus Superiores, de ocupar tais e tais cargos na Potência e para exaltar relacionamentos estreitos com autoridades da Ordem. Por vezes, com o maior caradurismo, insinuam-se para comendas e homenagens. Normalmente esses “monstros sagrados” encontram-se aboletados no Oriente das Lojas e declinam de convocações para ocupar cargos para compor as sessões de trabalho por ausência dos titulares. Esse “Oriente” deveria ser apenas um caminho a ser percorrido, não um status.

Constata-se, com certa regularidade, uma dissonância cognitiva entre o que pregam e o que fazem alguns desses Mestres. Em resumo, respeitado o mérito, onde couber, por uma questão de justiça, o que se constata em determinadas situações são demonstrações de muita arrogância travestida de sabedoria e um vazio de conhecimentos. Segundo um calejado mestre pai d‘égua da Ordem, “quem exalta os próprios méritos, menos créditos tem”.

Isso pode ser facilmente constatado em Loja, nas oportunidades em que são ministradas as Instruções Maçônicas, ao reinar o mais absoluto silêncio por parte dos Mestres quando a palavra circula para que sejam agregados comentários que possam enriquecer os conteúdos apresentados. Essa ambiguidade gera comprometimento da credibilidade nos Valores da Ordem e desânimo junto aos principiantes, redundando, por vezes, na baixa do número de obreiros da Oficina.

Um aviso aos novéis Mestres: não caiam na lorota de acreditar que ao atingir a Plenitude Maçônica[1] está tudo dominado. Afinal, o mestrado maçônico está apenas começando. Torna-se indispensável manter o interesse pelos estudos. Por outro lado, alguns com mais tempo de caminhada se perguntam: voltar a interessar-me pelos estudos depois de “velho”? Atenção! Segundo Mário Sérgio Cortella, idoso é diferente de velho.

“Idoso é quem tem bastante idade, velho é o que acha que já sabe, que já está pronto”.

E mais, o idoso moderno tem projetos e se renova a cada dia; o velho rabugento[2] vive de recordações, e, no nosso métier, apenas exulta-se das glórias do passado para as quais não contribuiu e recebeu graciosamente como legado dos denodados irmãos que nos precederam. Por vezes julga-se um “guru” com direito a criticar tudo e a todos, dizer o que é certo e errado e adora ser exageradamente reverenciado. Qualquer paralelo com os chamados gases raros que compõem os elementos do grupo 18 (família 8A) da tabela periódica e o número 7 é pura maldade! Castigat ridendo mores.

Em algumas oportunidades, integrantes dessa nobreza articulam a concepção de grupos de massa crítica propositiva que logo descambam para futricas e olhar de desapreço em relação a trabalhos apresentados, emitindo comentários ditos abalizados, mas que na realidade tendem a deslustrar a imagem de obreiros esforçados e dedicados à Sublime Ordem, em flagrante atitude de soberba ou mesmo de inveja, na tentativa de esmorecer lídimas iniciativas ou ensejar um autoatribuído poder de censura. Em comum elogiam-se mutuamente, mas demonstram que a Pedra Bruta ainda precisa de muita lapidação e polimento.

De uma forma desrespeitosa, segmento dessa elite tenta influenciar Aprendizes e Companheiros ao difamar reputação de escritores maçônicos brasileiros do passado que construíram os alicerces onde esses críticos se formaram, desaconselhando a leitura de obras desses baluartes. Já chegamos ao absurdo de ver postadas figurinhas depreciativas de troféus com o nome desses autores de referência (Troféu XYZ de viagem na maionese, e.g.). Outro péssimo exemplo para os Aprendizes e Companheiros é a postagem de figurinhas com sinais maçônicos, em flagrante descumprimento de juramento prestado. Isso a Maçonaria não ensina, mas reitera que não impõe nenhum limite à livre investigação da Verdade e para garantir a todos essa liberdade, ela exige de todos os seus membros a maior tolerância.

Têm-se notícias de que inoportunos grupos críticos exclusivistas, em sistemáticas trocas simultâneas de mensagens em tons desdenhosos durante apresentação de palestras por videoconferência, conspiram para colocar os apresentadores em saia justa por meio de perguntas desestabilizadoras. Esse formato de associação precisa ser desincentivado e eventuais convidados devem declinar de plano desse tipo de assédio e os atuais componentes desses grupos radicais deveriam desligar-se de imediato, sob pena de terem a imagem conspurcada. Nesse imbróglio, permitimo-nos destacar um aforismo não se sabe de autoria ou atribuído a Steve Jobs:

“Você nunca será criticado por alguém que esteja fazendo mais do que você, você só será criticado por alguém que esteja fazendo menos.”

Por sua vez, os valorosos Mestres idosos e experimentados, que já acumularam relevante bagagem na senda do conhecimento e sabedoria, devem despertar nos mais jovens a motivação para seguirem seus passos e aprenderem juntos, mantendo o brilho nos olhos, nunca encarando desafios como problemas e demandas como sacrifícios, tendo como meta o aprimoramento e conquista de realizações, de sempre ir além e crescer na Ordem. A vivência e generosidade desses Mestres, que felizmente são a maioria, reconhecidos e queridos por todos, tornam mais suave e estimulante a marcha dos Aprendizes e Companheiros. A essência deve estar nos exemplos e nas mensagens que passam a esses irmãos em formação.

Argumenta-se que haveria na Maçonaria um conflito geracional, com o desgastado discurso de que os mais jovens naturalmente rejeitam as tradições e o que é antigo, desejando o novo e a promoção de mudanças, transformações por vezes geradoras de conflitos. Mesmo dentro das faixas etárias verificam-se necessidades e interpretações distintas, dada a própria diversidade e formação dos obreiros, levando pessoas de uma mesma geração em qualquer tempo a não compartilhar os mesmos valores e atitudes. Há que se focar no equilíbrio e conciliação, tendo como escopo os princípios fundamentais da Maçonaria.

Como sabemos, tradição é aquilo que vem do passado, que deve ser protegido, guardado e difundido. Na Maçonaria, além da sua declaração de princípios e o propósito definido para cada Grau, os símbolos e alegorias são exemplos e carecem ser conservados, por auxiliarem seus membros a reter os ensinamentos pela impressão que causam aos sentimentos, ao espírito e à razão. Com o suporte dos cobridores dos respectivos Graus e os critérios de reconhecimento, forma-se a sua base como uma instituição de sucesso, já tendo ultrapassado a marca de mais de três séculos de sólida existência, na sua vertente moderna.

O modernismo a que refere os tempos atuais deve ser avaliado com cautela, para que sejam absorvidos os instrumentos que incrementam o sucesso até então alcançado, inclusive tecnológicos, fazendo as devidas adaptações, de forma refletida, dentro do conceito de modernidade, sem abandonar as tradições, deixando de lado discursos de desconstrução e reconstrução que levariam a Maçonaria a seu enfraquecimento.

A resposta para o Mestre Maçom de como enfrentar e superar esses novos tempos deveria ser óbvia, ou seja, dar um gás, saber o que ainda não se sabe, aprender com os irmãos mais experientes, com aqueles que são verdadeiras lições ambulantes, e com a nova geração de Aprendizes e Companheiros, uma espécie de mentoria reversa, do tipo colaborativa, facilitando o intercâmbio de conhecimentos e percepções. Indubitavelmente, a Loja é dos Mestres e é composta exclusivamente por eles; os Aprendizes e Companheiros a complementam e estão em processo de transição e lapidação, de aprendizado de vida e para a vida, em busca da luz ao interpretar os elementos fundamentais do simbolismo e realizar, em atividades construtivas, os conhecimentos adquiridos e assim atingirem o mestrado maçônico. Vale elucubrar sobre a máxima de que “maçonaria é aquilo que você faz quando a sessão acaba”.

Esse contexto merece uma reflexão mais profunda, pois são esses Mestres que recrutam os novos membros e, como bem destaca Napoleon Hill, no seu livro “Mais Esperto que o Diabo”:

“Quando você fala de líderes que são bem-sucedidos porque ‘sabem escolher homens’, você pode mais corretamente dizer que eles são bem-sucedidos porque sabem como associar mentes que se harmonizam naturalmente. Saber como escolher pessoas de forma bem-sucedida, para qualquer objetivo definido na vida, é uma habilidade desenvolvida para reconhecer os tipos de pessoas cujas mentes naturalmente se harmonizam.”

Com base na afirmação acima, a pergunta que não quer calar é: como está a qualidade de nossas escolhas dos novos Aprendizes, a formação e o preparo de quem os recruta junto à sociedade e, na sequência, ministram-lhes os fundamentos da Ordem? A resposta está com os gestores das respectivas Lojas e não deve circunscrever-se à busca de culpados por eventuais erros do passado, mas na construção de futuros possíveis e alvissareiros, cultivando o orgulho de ser Maçom. Aí reside o busílis.

…Há que se cuidar da vida…Há que se cuidar do mundo…Tomar conta da amizade…” (Coração de Estudante: Milton Nascimento / Wagner Tiso)

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.


Notas

[1] Vide artigo Plenitude Maçônica, em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2018/12/13/plenitude-maconica/

[2] Vide artigo “O irmão rabugento”, em:  https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2018/11/01/o-irmao-rabugento/

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A Simbologia da Capela dos Ossos e a Câmara de Reflexão

“Pensar que as coisas desta vida hão-de durar sempre, é escusado. Até parece que anda tudo à roda: à Primavera segue-se o Verão, ao Verão o Outono, ao Outono o Inverno, ao Inverno a Primavera, e assim o tempo gira nesta roda contínua. Somente a vida humana corre para o seu fim mais ligeira do que o tempo, sem esperar renovar-se, a não ser na outra, que não tem fins que a limitem. ”

Trecho do Capítulo LIII do Livro O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Edição Especial 400 anos, Lisboa, Portugal

Na cidade mais antiga de Portugal e uma das mais remota da Europa, Évora, pouco mais de 100 km de Lisboa, cuja fundação dá-se à época do domínio romano, encontramos alguns monumentos erguidos por mestres construtores, como o Templo a Diana, e a Igreja de São Francisco.

Nesta, em um anexo, está erguida a Capela dos Ossos construída no século XVII por frades franciscanos, estes teriam chegado a Évora em 1224, oriundos da Galiza e quando Francisco de Assis ainda era vivo.

Certamente, o que chama e atrai atenção de todos os turistas que visitam a cidade de Évora é a Capela dos Ossos. Sua construção teve um único objetivo, chamar a atenção dos visitantes, pois, sendo uma construção muito peculiar, suas paredes e pilares foram revestidos por milhares de ossos e crânios humanos.

Toda a ossada fora retirada dos mais de 40 cemitérios abandonados que existiam na região de Évora e que ocupavam muito espaço na cidade.

Desta forma, os monges em um trabalho hercúleo, requisitaram as ossadas e como dito, querendo chamar os olhares de todos, sobre a brevidade da vida humana e sua transitoriedade, encontraram uma forma única e tocante, revestir a Capela com ossos e crânios, criando um espaço de reflexão sobre a vida.

É certo que se tornou um local turístico, alguns destes, com olhar de pura curiosidade histórica, outros tem uma visão mais espiritualista, mas, a Capela dos Ossos, cumpriu fielmente o objetivo inicial dos frades, um espaço para meditação e estímulo à humildade e mais ainda, queriam mostrar a todos os visitantes que tudo na Terra é impermanente.

Cabe ainda destacar o aviso, que está no frontispício da Capela, “Nos ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, ou seja, mais uma mensagem de que a vida é transitória e breve.

Saindo de Évora, deixando a Capela dos Ossos, vamos ao encontro de outra construção, se assim podemos dizer, que não está aberta à visitação, e a qual só pode ser adentrada, por pessoas que passaram por um processo de seleção criterioso.

Naquela, o espaço é preparado sob luz tênue onde estão expostos símbolos e frases de impacto e reflexão, na qual, o candidato a iniciação, o profano, tem o primeiro contato com a simbologia maçônica, tais como: o pão e a água, o enxofre e o sal, a ampulheta, o testamento, o galo, a foice, os símbolos da morte (esqueleto e um crânio humano).

Importante destacar que cada objeto ou frases (nem mais, nem menos) que estão nesta sala tem o seu significado maçônico, e que o iniciado uma vez recebendo a Luz da Verdade, isto é, tornando-se um Aprendiz Maçom, seguirá os estudos deles nos Graus seguintes.

Frise-se nenhuma pessoa é admitida na Maçonaria se não passar um tempo na Câmara de Reflexão. A Câmara, nas palavras de Sérgio Couto:

É definida como um recinto com paredes e teto pintados de negro, com uma mesa e um banco toscos. Na mesa são encontrados uma ampulheta, um tinteiro com uma caneta, um crânio humano, um vaso com sal, velas e papéis que devem estar preenchidos. Quando a porta de tal lugar é fechada, não é possível ouvir nenhum ruído externo. A pessoa que lá está deve ler algumas instruções que estão nos cartazes e papéis da mesa. O silêncio incita a meditação, e o cheiro de mofo mais os símbolos mortuários impressos nas paredes servem para lembrar que a morte chega para todos os vivos. Dessa maneira, o maçom terá certeza de que retornou ao “ventre materno” da Terra e que deve “renascer” para novas compreensões. (COUTO, 2009, pág. 58 grifos nosso)

Simbolicamente um dos objetivos dessa passagem pela Câmara é exatamente a que os monges Franciscanos da Capela dos Ossos tinham em mente, isto é, a reflexão sobre a brevidade da vida e que a morte é inevitável e ainda que devemos viver com humildade.

Findando essas breves reflexões, deixando a Capela dos Ossos e a Câmara de Reflexão, retorno novamente a Portugal, agora não em Évora, mas sim, no ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998, José Saramago.

A certa altura da narrativa, temos a preocupação de um padre que diz “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”.

Mais à frente: “As religiões, todas elas, por mais voltas que lhe dermos, não têm outra justificativa para existir que não seja a morte, precisam dela como do pão para a boca. ” A grande mensagem que fica da obra de Saramago é: “a morte é necessária para todos”.

Meus queridos II∴ todos nós já passamos pela Câmara de Reflexão, talvez poucos conheçam a Capela dos Ossos e reduzido leitores conheceram a obra citada, e, nas palavras de Saramago, “Se não voltarmos a morrer não temos futuro”, cabe a seguinte reflexão: nós maçons já experimentamos a “primeira morte” e “estamos nos preparando para a segunda? ”.

Autor: Antônio Marcos Teodoro Silva

A∴R∴L∴S∴ Adelino Ferreira Machado nº 1957 (GOB-GO)

Bibliografia

SARAMAGO, José. As Intermitências da Morte. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2005.

COUTO, Sérgio Pereira. Dicionário Secreto da Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2009.

A capela da humildade, de Eugênio Mussak, da revista Vida Simples, edição 194, de abril de 2018, ed. Caras.

Disponível em: https://www.visitevora.net/capela-ossos-evora/. Acesso em 10/03/2023 às 16:44h.

Disponível em: https://igrejadesaofrancisco.pt/capela-dos-ossos/. Acesso em 10/03/2023 às 16:57.

Acredite: há vida inteligente na Maçonaria!

O debate sobre a probabilidade de existência de vida inteligente fora do planeta Terra é palpitante e povoa a mente de muita gente boa, em especial de pesquisadores e cientistas. Para os escritores e roteiristas de ficção científica, é um campo fértil.

No roçado da nossa política, a disputa entre as duas vertentes de maior destaque ainda inibe análises mais consistentes sobre alternativas que possam ensejar a descoberta de vida inteligente em outras agremiações não polarizadas, com propostas de mudanças que mereçam um olhar mais atento. Mas, isso é tema para as próximas eleições.

Na Maçonaria, a estratégia do distanciamento social adotado em decorrência da pandemia da Covid-19 abriu oportunidades para encontros por videoconferência, com a utilização das várias plataformas disponíveis, atenuando o impacto das restrições impostas a grande parte das atividades presenciais, que agora retomam a normalidade sob novas e promissoras perspectivas, inclusive com a incorporação do formato híbrido para reuniões de estudos.

Na experiência virtual, o ganho decorrente do compartilhamento de conhecimentos e informações promovidas pelos debates, palestras e comentários sobre as Instruções e outros temas correlatos é amplamente reconhecido na atualidade e abriu novas possibilidades de estreitamento dos laços de fraternidade e de pertencimento que representam a força da Maçonaria. Palestrantes e debatedores de peso se fizeram presentes e valorosos irmãos despontaram e vêm dando grande contribuição à democratização dos conhecimentos até então restritos a grupos esparsos de estudiosos. Um denominador comum em todos os eventos é o depoimento quase unânime: “aprendi mais nesses últimos três anos de maçonaria virtual[1] do que em toda a minha vida maçônica”.

É evidente que esse novo cenário permitiu, além da formação de uma banca de excelentes palestrantes, uma avaliação mais acurada dos variados perfis de debatedores/instrutores e formas de abordagem dos temas em discussão, permitindo comparar diferenças entre as ritualísticas adotadas pelas várias Lojas e Ritos, sem entrar no mérito dos arcanos da Ordem a serem preservados e respeitados os protocolos de cada Potência. Uma visão crítica sobre as formas de gestão das Lojas ganhou novos contornos no sentido de despertar nas novéis lideranças o desafio de acreditar no potencial da inteligência coletiva dos obreiros, já que ela não é restrita apenas a grupos “a caminho da extinção”, cujos membros ainda se apregoam os detentores da Verdade, donos da Oficina ou se consideram eternos nos respectivos cargos.  Não obstante a formalidade e competência dos irmãos na condução dos trabalhos nesses encontros virtuais, merece destaque o aguardado momento destinado às perguntas e comentários, o pinga fogo no ensejo de cada apresentação, com os palestrantes literalmente colocados contra a parede. Em decorrência da informalidade e descontração não permitidas em sessões ritualísticas presenciais, evidenciou-se um rico repertório de “causos” de irmãos mais audaciosos e profundos conhecedores dos meandros e bastidores da Arte Real, com habilidades e talentos para revelá-los em estilo dinâmico e descontraído, demonstrando que por trás da imagem de seriedade e sisudez que caracterizam os homens de terno preto há um vasto repertório de bom humor entranhado entre as colunas da sabedoria, da força e da beleza, que apenas aguarda o momento oportuno para acontecer. Como testemunhou um irmão em uma palestra recente:

“Lojas tristes, mal-humoradas e com clima de velório, onde visitantes não são recebidos com atenção e cordialidade e os obreiros entram mudos e saem calados, é para sacudir a poeira das sandálias e não mais retornar”.

Nos encontros virtuais, os melhores comentários ficam para o finalzinho, conhecido como “copo d’água”, quando não há eventual gravação e a quantidade de participantes diminui naturalmente, dado que um bom número se desliga assim que o palestrante termina sua apresentação. As observações mais contundentes ou sutilezas se constituem em valiosos pontos que merecem reflexão mais profunda. Os que permanecem até que o anfitrião feche a sala, comumente tachados de “fanáticos” pelos gozadores de plantão, não se acanham em proferir ressalvas quanto à leitura detalhada do currículo de alguns apresentadores, segundo os entendedores tão minuciosos que superam o tempo dedicado à apresentação em si. Mais revelações sensacionais colhidas seguem abaixo. Não interrompa a leitura aqui e descubra alguns segredinhos.

Há participantes que somente preenchem a lista de presenças e registram no “chat” pedido de cópia do trabalho e da gravação, se houver, para divulgação em sua Loja (será que divulgam?). Permanecem por alguns instantes e saem à francesa ou deixam a tela desligada para dedicarem-se a outros afazeres. Alguns mais geniais já chegaram a se vangloriar de terem assistido à duas ou mais palestras simultaneamente e terem feito perguntas em todas. Estes quando têm a oportunidade de se manifestar fazem outra palestra complementar e “se acham” ou desabafam, numa verdadeira “DR maçônica”. Há aqueles que somente aparecem quando presente(s) autoridade(s) de grosso calibre e pedem a palavra para tecer os mais rasgados elogios em exuberante ritual de deferência e bajulação. Não que não sejam merecidos, mas chegam a provocar constrangimentos em ouvidos mais sensíveis (“menos Batista, menos” – lembrando o personagem de Eliezer Motta).

Outros, mais irreverentes, comentam no “copo d’água” que determinados apresentadores devem pensar ou ter certeza de que os ouvintes são idiotas, pois não param de repetir velhos clichês de que “maçonaria não é religião”, ou de que “maçonaria não é cabala…não é alquimia…não é egípcia…não começou no Jardim do Éden”, e outras assertivas como: “não é permitido falar de política”, “não sejamos perjuros”, “Tiradentes não era maçom” etc., etc. e tal, como se isso fosse uma revelação em primeira mão e ninguém, exceto o próprio do alto de sua incomensurável sabedoria, soubesse disso. E daí as crucificações captadas nas entrelinhas, sempre com muito respeito, admiração e de forma bastante sutil: “quanta prolixidade”, “esse mano é meio guruzento”, “já estamos cansados de ouvir isso”, “é uma afronta à nossa inteligência”, “parece disco de vinil arranhado que sempre repete o mesmo ponto da gravação”, “esse(s) irmão(s) pensa(m) que não há vida inteligente na Maçonaria”, “pelo menos somos altruístas, tolerantes e bons ouvintes….mesmo assim valeu o aprendizado…..gratidão, gratidão, gratidão…”.

Quase ficava de fora: de vez em quando aparece um impatriota que nos faz lembrar certo complexo famoso definido pelo escritor e jornalista Nelson Rodrigues, afirmando que “maçonaria boa é a dos EUA ou da GLUI”. “Então, mude prá lá”, rebateu certa feita um destacado e querido irmão desprovido de estopim, mas sempre aplaudido pela sinceridade e bom coração. Desabafo chiquíssimo, já que o superlativo “chiquérrimo” ainda não foi recepcionado pela norma culta da língua portuguesa.

Evidentemente, permitimo-nos trazer essas observações colhidas nos debates, dizem “até fictícias”, com o devido respeito, imaginando que não terão maiores consequências, nem despertarão a ira de um irmão mais conservador ou daquele(s) que se reconheça(m) no perfil descrito. Ademais, se algum Maçom se deu ao trabalho de ler este texto até este parágrafo, rendemos-lhe nossos elogios e sinceros parabéns, pois, segundo dizem, apenas 10% dos que iniciaram a leitura chegaram até este ponto. É uma piada bem sem-graça de que Maçons não gostam de ler. Não concordamos! Essa reflexão constou de um artigo intitulado “O Bom Humor na Maçonaria”, publicado na extinta Revista Maçônica TRIÂNGULO, Ano II, Nº 5, de 23.03.2013, da GLMMG. Enfim, sem nos alongarmos, repercutindo a conclusão do citado artigo, e para não acelerar o processo de fadiga de material nesses novos tempos de reflexão “minuto”, fica um ensinamento da Organização Brahma Kumaris para aqueles que ainda veem o bom humor com certa desconfiança:

“A alegria reflete o frescor de tudo que é novo. Está sempre pronta para extrair o que há de bom em tudo, com a leveza de uma criança e a genialidade de um sábio. Não importa o que esteja acontecendo, sorria. O sorriso é a ponte que permite a aproximação dos corações ressentidos”.

O tempo que uma pessoa passa rindo é o tempo que ela passa com os deuses”. (Homero)

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.


Nota

[1] Vide Artigo Maçonaria Virtual – ameaça ou oportunidade?, em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2023/02/28/maconaria-virtual-ameaca-ou-oportunidade/

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A imutabilidade dos landmarks sob questão

Todos sabemos do caráter de imutabilidade e irrevogabilidade com que são gravados os landmarks. Ela é determinada pelo último desses marcos, que regula a inalterabilidade dos anteriores, nada podendo ser-lhes acrescido ou retirado. Daí talvez o caráter de sagrado com que esses marcos são tratados por muitos irmãos, como se eles tivessem sido revelados a Mackey, assim como foram os dez mandamentos revelados a Moisés.

Felizmente, existem também irmãos que entendem que essa é uma obra do próprio Mackey e, por isso, podem ser questionados e até alterados, sem o cometimento de qualquer heresia.

Graças a este segundo entendimento, me permito fazer neste trabalho um questionamento que, para ser breve, restringirei apenas ao último desses marcos, o qual julgo ser o mais arbitrário da lista. Tal landmark, nas palavras de Mackey, afirma a inalterabilidade dos anteriores, nada podendo ser-lhes acrescido ou retirado, nenhuma modificação podendo ser-lhes introduzida. Assim como de nossos antecessores os recebemos assim os devemos transmitir aos nossos sucessores.

Meu primeiro argumento contra, baseia-se nos ensinamentos de um dos maiores pensadores de todos os tempos; o filósofo “pai do Iluminismo”, Immanuel Kant.  Segundo ele, a pedra de toque de tudo o que se pode decretar como lei sobre um povo reside na pergunta: poderia um povo impor a si próprio essa lei?”   

A validade desse preceito kantiano invalida a autoridade do último marco de Mackey pois, como nos apontam vários autores, o próprio Mackey criou e alterou alguns desses marcos. Portanto, conforme esse aforismo, se a regra não valeu para o próprio Mackey, não deveria valer para mais ninguém.

O segundo argumento eu o encontrei em uma instrução dos graus superiores de nossa própria Ordem. Nessa instrução, um dos monitores pergunta “que outras condições devem ter as Leis Constitucionais”. A resposta é que o próprio texto de uma constituição deve explicar clara e terminantemente a maneira de reformulá-las, quando o progresso exigir, pois o que em determinada época se criou bom, não o é em outras. Essa instrução deixa claro o caráter progressista da maçonaria, esclarecendo-nos que nada é para sempre, nem mesmo as leis constitucionais da ordem.

A esses dois argumentos, um de origem filosófica e outro de origem instrutiva, acrescento um último, definitivo, que é o cerne da filosofia e da doutrina maçônica: o uso da razão. E a razão, bem sabemos, não aceita imposição, não aceita autoridade, não aceita mandamentos. Portanto, não fica bem para a nossa ordem a imposição de uma regra, por si só, a nós, discípulos da razão! 

Portanto, se entendido que as duas primeiras premissas já invalidam tal landmark, a última é o tiro de misericórdia na pretensão de Mackey, de querer imutáveis e definitivos seus landmarks.

Sem qualquer pretensão, vou além: acredito que esses argumentos fragilizam toda defesa de inalterabilidade ou imutabilidade que possa existir em nossa ordem. Ou seja, nada deve estar imune a discussões, a confrontações, a debates, quando almejamos a verdade. E nada, a bem da preservação da própria instituição, deve resistir a mudanças necessárias quando uma razão muito bem apurada assim orientar.

Porém, antes de terminar, entendo que apesar do dito, deve-se grande justiça ao valoroso irmão Mackey. Considere-se o tempo em que tais landmarks foram promulgados; uma época de profundas e constantes transformações na sociedade europeia. Além dos reflexos da Revolução Francesa, as instituições também experimentavam grandes desafios lançados pela publicação do “Manifesto Comunista” e de “A Origem das Espécies”, obras que impuseram fortes provações aos paradigmas sociais e científicos da época. Foi nesse contexto conturbado, marcado por sérias transformações de toda origem, que Mackey se ocupou dessa complicada tarefa. Muito provavelmente, preocupado com toda aquela transformação de costumes, Mackey adotou essa medida conservadora, como forma de preservar o que ele argumentava ser a tradição da ordem. Ou seja, utilizou-se do conhecido “argumentum ad antiquitatem” (argumento da antiguidade), para fazer acreditar que, se algo sempre foi assim, não tinha por quer ser mudado.  Talvez uma falácia, mas que surtiu o efeito desejado, salvando nossa Ordem daquelas convulsões sociais, preservando-a até nossos dias.   

O que não vejo justificativa é para, ainda hoje, livres dos riscos do passado, existirem irmãos apressados a julgar hereges e quererem condenar ao fogo do inferno, qualquer outro que ouse discutir as regras de nossa ordem. Aos “inquisidores” de plantão, vale lembrar que a Maçonaria nos foi dada por homens, não por deuses!

Autor: Gilberto Duque

*Gilberto é Mestre Maçom da ARLS Águia das Alterosas – Nº 197, da GLMMG, Oriente de Belo Horizonte.

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Ferramentas do Aprendiz: até quando usá-las?

Ao profano, quando lhe é apresentando as ferramentas – maço, cinzel e o esquadro -, e lhe perguntado sobre a sua utilidade, a resposta será, sem dúvida alguma, para o uso na construção civil e, mais ainda, dirá também que tem mil e uma utilidades.

Mas, quando esse profano recebe a Luz da Verdade Maçônica, iniciado nos Augustos Mistérios da Maçonaria, e lhe é apresentado as mesmas ferramentas, a resposta será revestida de muito simbolismo. Certamente, o Iniciado Maçônico não terá toda a compreensão do real significado das ferramentas que utilizará na sua caminhada como Aprendiz.

Outra questão a se colocar sobre as ferramentas do Aprendiz, é: o Esquadro, o Maço e o Cinzel, dentro de toda a simbologia Maçônica, são ferramentas exclusivas do recém-chegado, iniciado, ex-profano, Aprendiz?

A resposta a esta questão, poderá ser abstraída da leitura dessa Peça de Arquitetura juntamente com a realidade evolutiva espiritual e moral de cada I∴M∴.

Na histórica Maçonaria Operativa, em sua origem, que remonta a Idade Média, as ferramentas mais utilizadas pelos construtores eram o maço, cinzel e o esquadro. Dessas, surgiram lindas construções, Catedrais, Palácios, Pontes e Castelos.

Esses construtores de sonhos, chamados pedreiros livres, tinham uma organização muito bem concebida. Entre eles, tinha uma hierarquia de conhecimentos os quais se respeitavam como irmãos, solidários e fraternos. Dentro desse organograma têm-se o Aprendiz, o Companheiro e o Mestre, cada qual com sua função; sendo que eles passaram a chamar a atenção de muitos intelectuais, e suas reuniões de ofícios eram frequentadas por muitos daqueles.

Não demorou muito para que os Maçons Operativos se virem sugados pela grande transformação que ocorria na Europa, a Revolução Industrial. Essa trouxe uma nova forma de ferramentas, as máquinas, que substituíam o trabalho manual. Assim, findando o século XVIII, o maçom operativo “não teve outra escolha a não ser se tornar operário fabril e trabalhar uma média de 80 horas por semana”. Desaparecendo em definitivo, restando a Maçonaria Especulativa que manteve a tradição de seus ensinamentos, a qual passou para um novo tipo de construção, “a construção de si mesmos!”. Surgem os Maçons Especulativos.

Isso mesmo! Em vez de usar o cinzel e o maço nas pedras para erguerem Catedrais, de agora em diante, irão usá-los em seu próprio corpo, representado pela P∴B∴, a qual deverá ser desbastada, esculpida e cinzelada, transformando em uma P∴C∴ (perfeição).

Finalizado esse ponto introdutório, chega-se ao simbolismo das ferramentas, as quais o Aprendiz Maçom deverá de agora até o final de sua existência física, (retornando para o Oriente Eterno, ao encontro do Grande Arquiteto do Universo), utilizar constantemente na sua lapidação, “Levantando Templos à Virtude e cavando masmorras ao Vício”.

As três ferramentas devem ser utilizadas em harmonia pois, se usadas separadas, não se alcança o fim desejado, qual seja: P∴ C∴.

A primeira ferramenta Maçônica do Aprendiz é o esquadro o qual tem como finalidade conferir a perfeição dos ângulos retos (virtuosos) da futura P∴C∴. Mas, o seu simbolismo nos leva a compreender que esta ferramenta também representa a equidade, a justiça e a retidão de caráter.

Já em relação as ferramentas maço e o cinzel, temos os instrumentos de lapidação da P∴B∴ que será transformada em P∴ C∴. Posto isto, o maço sendo uma espécie de martelo, representa a força, o peso, o desejo de trabalhar na dominação das paixões. O cinzel, sendo um instrumento pontiagudo e contundente, representa a inteligência, pois direcionado nas imperfeições da P∴B∴, controla a força do maço.

O Aprendiz sabendo de suas imperfeições, saberá utilizar o maço e o cinzel, direcionando este, nos pequenos como nos grandes vícios (morais). A força e a inteligência (maço e cinzel) e a retidão (esquadro) têm um poder transformador sobrenatural sobre as imperfeições humanas.

Mas, reportando a pergunta inicial dessa Peça de Arquitetura, na qual indagamos, as ferramentas do Aprendiz são exclusivas deste? A reposta é subjetiva a cada Ir∴, mas, podemos respondê-la também com outras perguntas:

Na passagem pelo Grau de Aprendiz, este não teve “boa-vontade” de utilizar corretamente as suas ferramentas, poderá ele utilizar, quando receber aumento de salário, passando ao Grau de Companheiro? Mas, neste Grau, também lhe faltou “boa-vontade” e não soube aproveitá-las, e agora já é M∴M∴, o que fazer? Posso utilizar as ferramentas que ficaram lá atrás (muito tempo) no meu início de Maçonaria? Não seria vergonhoso, agora um M∴M∴, usar um maço e cinzel? Mais ainda, já sou Grau 33, lembro ainda daquelas ferramentas tão brutas?

Não esqueçamos meus IIR∴, antes de responder a estas questões, na abertura dos trabalhos da Loja, o V∴M∴ faz a seguinte pergunta:

Para que nos reunimos aqui, Ir∴ 1° Vigilante?

– Para combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros; para glorificar o Direito, a Justiça e a Verdade; para promover o bem-estar da Pátria e da Humanidade, levantando Templos à virtude e cavando masmorras ao vício.

Este é o objetivo maior de todo Maçom!

O grande escritor russo Liev Tolstói nos traz importante crítica, quando nos diz “Cada um pensa em mudar a humanidade, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo”, ou seja, a lapidação é individual. LAPIDEMOS!

Autor: Antônio Marcos Teodoro Silva

A∴R∴L∴S∴ Adelino Ferreira Machado nº 1957 (GOB-GO)

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Referências

A eventual promiscuidade entre Maçonaria e poderes, sejam eles políticos, ou outros…

Qualquer sociedade dos tempos modernos é sujeita, de forma clara ou não, à influência de grupos organizados, que intencionalmente ou não procuram influenciar “a trajetória” em função dos seus interesses. Se um desses grupos puder ter um nome e esse nome for uns dos tradicionalmente identificados como “de risco”, então está criada uma mistura delicada, até porque será certamente visada pela comunicação social.

Assumo que sou maçom… e faço-o com a duplicidade de quem se sente orgulhoso de o ser, e de quem sente que quer dar… unicamente dar, sem estar a pedir que lhe deem. Infelizmente, a nossa sociedade parece não conseguir visualizar uma coisa sem a outra… possivelmente é a isto que chamam a sociedade materialista, traduzida naquela “famosa” frase – ninguém dá nada a ninguém.

Toda a polêmica que ocorre periodicamente, relacionando políticos com maçons ou maçons com interesses obscuros e/ou ilegais, é um claro sinal dos tempos em que vivemos – perdemos valores, perdemos a nossa capacidade crítica, engolimos tudo os que nos impingem, mas preferimos centrar-nos em identificar culpados, de preferência “culpados de estimação” [grifo nosso] – aqueles que podem sempre ser os responsáveis, até porque estão tão ocupados em fazer bem, que não têm tempo para se defender.

… e nada vende mais jornais do que uma boa “conspiração” orquestrada por uma organização de quem se sabe quase tudo, mas de quem se ignora quase tudo. A Maçonaria é uma dessas organizações: somos discretos, não fazemos alarde do que fazemos de bem, toda a gente acredita que temos uns segredos, que não temos; em resumo – é para desconfiar…

Não pretendo afirmar que todos os maçons são “impolutos”. Por mais apertado que seja o nosso método de seleção, procurando identificar homens cuja prioridade seja crescerem e tornarem-se Homens, haverá sempre alguns erros de “Casting”… pessoas que usam o que for preciso para seu benefício pessoal.

Contudo, esta incapacidade de ler as pessoas na sua totalidade, identificando as suas reais intenções, não deve e não pode levar a confundir o trigo com o joio [grifo nosso]. Um maçom, que o é de verdade, procura melhorar, ajudar, dar a mão… contribuir para um homem melhor e para uma sociedade melhor.

Compete-nos assegurar que assim é, e compete-nos impedir que a Arte Real seja utilizada para projetos individuais ou coletivos que nada tenham a ver conosco e com os ideais que defendemos.

Autor: Antônio Jorge

Fonte: A Partir Pedra

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Maçonaria Virtual – ameaça ou oportunidade?

Relembremos o início de 2020, quando a Maçonaria se sentiu seriamente ameaçada pela pandemia do coronavírus, com a suspensão das reuniões presenciais, com impactos na economia global, de vidas que se foram e o isolamento a que quase todos foram submetidos.

Por que o choque na Maçonaria seria diferente quando comparada às demais atividades? O que parecia ser especulação para um futuro distante, a pandemia encurtou os caminhos.

De plano ganhou corpo o recurso dos encontros por videoconferência, com a utilização das várias plataformas disponíveis, que atenuou o impacto das restrições impostas a grande parte das atividades presenciais.

No que foi possível, setores da sociedade passaram a trabalhar com novos cenários. O mundo deu continuidade, no que foi possível, ao que poderia ser feito por trás de uma tela, como uma nova referência, um marco na história.

Na Maçonaria, diversas Lojas souberam aproveitar a tecnologia e muitos irmãos atualizaram seus computadores pessoais e aparelhos celulares para acompanhar a nova forma de manter aquecidos os laços de fraternidade que representam a efetiva garantia da continuidade da Ordem.

Não se pode olvidar que boa parte dos irmãos resistiu em participar das reuniões por videoconferência, devido a uma série de motivos ou mesmo credos pessoais. Alguns fizeram propaganda contra, outros sustentaram posição crítica e Potências chegaram a condenar o acesso dos obreiros a qualquer formato de evento maçônico virtual. O achismo se revelou como a principal fonte das argumentações contrárias.

Um grupo visionário percebeu a oportunidade de explorar nova forma de manter o aprendizado em Loja, sem descurar dos cuidados em preservar a ritualística e os arcanos da Ordem, estes somente praticados em sessões presenciais e, com isso, várias reuniões de estudos foram oportunizadas, contando com a participação de obreiros regulares de Potências reconhecidas e de diferentes Orientes.

Na segunda metade de 2020, ganhou realce a fundação das lojas virtuais “Lux In Tenebris – Nº 47”, em 25 de setembro, ligada à Grande Loja de Rondônia (GLOMARON); e “Luz e Conhecimento – Nº 103”, em 5 de novembro, da Grande Loja do Pará (GLEPA). Ambas com sucesso de participantes semanalmente e de temas cativantes e discussões acaloradas, mas que sofreram ácidas críticas por parte de seus detratores. Foram vitoriosas e hoje colhem os frutos daquela ousadia.

Marco nos anais da Maçonaria no Brasil aconteceu no dia 21 de abril de 2021 com a fundação da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras (AMVBL), “com o propósito de integrar uma rede nacional de escritores maçons, voltada para o desenvolvimento da produção literária, tanto no campo maçônico, quanto na língua e literatura em geral”. Segundo seus idealizadores, como “fruto de uma concepção que busca acompanhar com responsabilidade as mudanças que estão ocorrendo em pleno século XXI, e que dialogam com as tendências de uma humanidade cujo uso de novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) são irreversíveis e se dinamizam em uma velocidade sem precedentes na história”. No 1º aniversário da AMVBL foi lançado o livro “Honra a quem Honra – Expoentes da Maçonaria Brasileira”, contendo a história sintetizada de grandes maçons que contribuíram cada um a seu modo para a elevação da cultura e fortalecimento da Ordem.

Iniciativa de grande repercussão foi a criação do “Grupo de Estudos Maçônicos” que teve seu primeiro calendário de atividades virtuais divulgado no primeiro semestre de 2021, com encontros semanais para discussão de conteúdo filosófico das instruções que compõem os três graus simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito, porém, como ressaltado acima, preservando os arcanos que somente podem ser estudados e comentados em Loja. Do grupo, como instrutores, participam membros das três Potências Regulares, deixando um legado incomensurável.

Merece destaque o grupo “Lives Maçônicas”, lançado em 20 de março de 2020, que promove reuniões virtuais todos os domingos às 19h00, com trabalhos apresentados por irmãos regulares do Brasil e do exterior, com o objetivo de “levar conteúdo maçônico de qualidade, credibilidade e realizar a interação dos irmãos através da tecnologia”. Na mesma linha, criado em 5 de agosto de 2020, o “Grupo Epaminondas Online” de estudos e pesquisas promove encontros virtuais nas manhãs de domingo, sempre às 8h00.

Vários grupos, Lojas e Academias Maçônicas de Letras, como as de Rondônia (AMLRO), Piracicaba (SP) e Mineira (AMML) seguiram a mesma iniciativa dos encontros por videoconferência e novas lojas maçônicas virtuais estão em fase de organização. A AMML já lançou dois volumes do livro “A Verdade dos Inconfidentes”.

Para fins de pesquisa, o Blog “O Ponto Dentro do Círculo” (https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/), desde 2015 divulga artigos sobre Maçonaria, Filosofia, História, Sociedade e Cultura e ganhou ainda mais fôlego, tendo ultrapassado a marca de mais de dois milhões e cem mil visualizações. No seu acervo constam mais de 1.700 postagens de artigos e trabalhos selecionados, publicações do JB News, outros periódicos maçônicos, podcasts, além de sugestões de leitura na aba “Biblioteca”. Na mesma linha, o “Blog do Pedro Juk” (http://pedro-juk.blogspot.com/), fonte de referência para maçons de todos os Ritos. Dezenas de outros sites sobre Maçonaria ganharam projeção durante a pandemia da Covid-19 e agora estão consolidados e prestigiados.

Mundo afora, o formato virtual está bombando. Na prática, testemunhou-se a expansão dos Templos, fazendo acontecer uma revolução na direção da integração de maçons de todas as Potências, de uma forma impensável até há pouco tempo, envolvendo Oficinas de todos os rincões do Brasil, inclusive do exterior. Com isso, um novo “Landmark” temporal, um moderno ciclo foi instituído e parece improvável o retorno ao status quo ante, com as inquestionáveis vantagens da acessibilidade e da comodidade.

Tal experiência fez valer a assertiva de que o verdadeiro Templo Maçônico não se constitui de pedra e madeira, mas com os elementos morais erguidos no coração de cada Maçom, como destacado em momentos de introspecção na abertura de muitos trabalhos virtuais. Ademais, com a retomada das reuniões presenciais, o instrumento continua sendo utilizado como ferramenta complementar do tempo de estudos e compartilhamento de experiências e conhecimentos úteis.

Desnecessário tecer maiores reflexões já recorrentes sobre a importância de participar, marcar presença, ou daquela expressão “quem não é visto não é lembrado”, mesmo em reuniões virtuais, criando-se uma rede consolidada de irmãos regulares que atualmente torna mais próximos obreiros dos mais longínquos Orientes, promovendo novos vínculos e ajuda mútua em situações mais complexas, fazendo valer o sentido da fraternidade na sua acepção maior.

 Atualmente, muitas Lojas são questionadas sobre o que fizeram nessa travessia e já se comenta sobre a defasagem entre os que deram continuidade aos estudos e na integração proporcionada pelas reuniões virtuais e os que permaneceram acomodados ou resistiram às oportunidades oferecidas.

Segundo uma sábia expressão hermética, “quando tudo parece perdido é quando tudo será salvo”, portanto, não era o que todos queriam, mas era o que se oferecia naquele momento! Aqueles que souberam aproveitar, não se arrependeram. Fizeram do limão uma limonada, preservando as tradições e expandiram os saberes e as redes de relacionamentos.

A triste e verdadeira ameaça virtual ganhou destaque por intermédio das ciladas engendradas por um grupo de oportunistas que passaram a explorar os incautos, representada pela maçonaria espúria, irregular e clandestina, adotando uma espécie de “vale-tudo” para atrair os desavisados e tirar o sossego e dinheiro daqueles que não sabem separar o joio do trigo. Essas organizações gananciosas investem em propagandas, almoços e jantares, convites para “reuniões brancas” e homenagens. As Potências Regulares (CMSB, GOB e COMAB) precisam urgentemente criar mecanismos de integração e controle que orientem seus obreiros para sanar eventuais dúvidas que possam surgir no processo de esclarecimento aos novos candidatos e campanhas públicas carecem ser divulgadas nos meios de comunicação disponíveis.

Aos gestores cumpre, enfim, o dever de enfrentar os temas mais polêmicos que nossas Lojas presenciais ainda resistem em colocar na Ordem do dia. Para isso, nossas Potências precisam rever o arcabouço regulamentar e reescrever suas Constituições e Regulamentos de forma a retirar referências a documentos históricos ultrapassados, alguns verdadeiros entulhos que ensejam um descompasso evolutivo e criam barreiras à tentativa de irmãos que vislumbram novo protagonismo para a moderna Maçonaria, no sentido de que esta assuma postura mais executiva ao promover discussões internas de pautas de interesse da sociedade e promover debates públicos que favoreçam o direcionamento da inteligência dos obreiros para a solução e encaminhamento de questões políticas e sociais, mostrando a competência e a força moral da Maçonaria.

“Aprendi que as oportunidades nunca são perdidas; alguém vai aproveitar as que você perdeu” (Shakespeare).

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

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Psicologia e Maçonaria – O ego

“Todos os homens são iguais perante o Grande Arquitecto do Universo. O trabalho de cada um é o que o distingue dos demais!”

Uma definição de ego (sob o ponto de vista maçónico)

Profunda é a diferença entre eu e ego, pois enquanto o ego significa a pessoa humana vivente, o “eu” é a parte divina dentro do homem.

Eu é o nome de Deus. O maçom não pode dizer: “eu sou maçom”, porque pretenderia tomar o lugar de Deus. O eu comanda o espírito; o ego, a consciência.

Da palavra ego origina-se de “egoísmo”, que é a forma negativa da personalidade humana.

Porém, em certas ocasiões, o homem necessita desse egoísmo; quando zela pelos seus interesses, pelo seu bem-estar, pela sua saúde, o egoísmo é salutar. Na máxima bíblica: “Ama o próximo como a ti mesmo”, encontramos a expressão egoísta de que, “antes de amar o próximo”, o homem deve aprender a amar a si mesmo, como exercício e como campo experimental, para depois poder com eficiência amar o próximo.

O maçom deve observar esses aspectos “lapidares”, tanto na sua vida maçónica como profana.

Não pronunciar o nome de Deus em vão; o “eu sou” que é o nome de Deus deve ser evitado, como por exemplo: “eu sou bom”; “eu faço isto ou aquilo”.

O maçom deve ser prudente no falar. Breviário Maçónico / Rizzardo da Camino.

A questão do ego e o simbolismo do Graal

Segundo a tradução cristã, o Graal é o vaso que José de Arimateia usou para recolher o sangue de Cristo, quando o centurião Longino o feriu mortalmente com uma lança. O seu nome origina-se no facto de ser o recipiente que armazenou o sangue real, ou, em francês, Sang Real, termo que se corrompeu em Saint Graal. Depois, José de Arimateia acompanhou Maria até à Gália, onde a santa levou o Evangelho, e José prosseguiu até à Inglaterra levando consigo o Graal. O cálice, lapidado da esmeralda que caíra da coroa de Lúcifer depois da Queda, acabou por se perder na dimensão das terras inglesas. O seu desaparecimento, segundo a lenda, motivou um período de devastação e guerras, a que só a sua descoberta motivaria num regresso à normalidade. Assim, o rei Artur (da Távola Redonda) ordenou aos seus cavaleiros que encetassem a sua procura e descoberta. Esta procura simboliza a procura humana pela sua evolução de consciência – o casamento sagrado entre o ego e a alma humana.

O Graal só poderia ser recuperado quando o cavaleiro perfeito entrasse no castelo do Rei Ferido – ou, de acordo com outras tradições, como na ópera Parcifal, de Wagner, o Rei Pescador, o guardião do Graal e ao mesmo tempo o próprio Rei Ferido, símbolo do ser humano e da sua fragilidade decorrente da separação entre o ego e o eu, encetasse a sua recuperação ou o resgate do ser humano integral. Depois de entrar no castelo o cavaleiro deveria fazer a seguinte pergunta: “A quem serve o Graal?”

O ego e a maçonaria

Na sua iniciação maçónica o candidato realiza três viagens simbólicas, antes de efectuar o seu juramento, e nessas viagens encontra uma série de obstáculos a ultrapassar. Contudo, essas caminhadas simbólicas não simbolizam os perigos físicos nelas invocadas, mas sim as ciladas do próprio ego. Os caminhos difíceis e plenos de obstáculos constituem uma séria advertência e preparam, enrijecem e temperam o indivíduo no sentido de não sucumbir à tentação de contornar os perigos. As dificuldades não devem ser contornadas, mas enfrentadas e superadas.

O egoísmo assume a defesa do próprio bem-estar e não se atém ás necessidades dos demais. Todas as tempestades pronunciam o bom tempo. As intempéries da vida significam a permanente luta entre o ego e o eu. O Iniciado contempla, no seu palco da Vida, a atuação do seu ego sem, contudo, se identificar com ele. O ego abala-se com a tempestade, sofre as rajadas do vento, receia o granizo e teme o raio; mas o eu contempla serenamente essas adversidades, porque sabe que se coloca acima de qualquer perigo. Não é importante aquilo que acontece ao redor do Iniciado, porque ele sabe que tudo o que vem de fora não lhe poderá fazer mal algum. Deverá temer, sim, o que possa sair do seu íntimo; uma palavra áspera, um pensamento inadequado, uma atitude insólita, são perigos reais a que o eu deve atentar. “O que de fora entra no homem não torna o homem impuro, mas tão só o que dentro dele sai.”

A Vida é uma tragicomédia. O profano faz parte da peça e actua como um “títere”, levando muito a sério o papel que desempenha. O Iniciado vê-se obrigado a tomar parte na representação, mas tem a consciência de que está a actuar num palco; sabe que é um “comediante”.

O homem-ego é um pecador (pecado no sentido físico-mental-emocional) e sua redenção jamais poderá surgir desse mesmo ego. Não será o ego que redimirá o próprio ego. É preciso um poder mais alto e esse poder é o Grande Arquiteto do Universo, identificado com o eu interno, que o Cristianismo denomina de Cristo. O apóstolo São Paulo, na carta que escreveu aos Romanos (7:19), assim se expressava: “Está em mim o querer o bem, mas não o poder; pois não faço o bem que quero, não sou eu que ajo (o meu Eu divino), mas sim o pecado em mim (o ego humano). Infeliz de mim! Quem me libertará desse corpo mortífero? (desse ego humano). A graça de Deus, por Jesus Cristo (o Eu divino)”. São os “dois eus” em conflito; é claro que para o homem resulta muito mais cómodo seguir o impulso do ego que escutar a orientação do eu. São Paulo compreendeu muito bem o mistério e como ego se entregou totalmente ao Eu redentor e então pôde dizer feliz: “Já não sou eu (ego humano) que vive. O Cristo (o Eu divino) é que vive em mim.”

O ego, segundo Jung

“Ego” é um termo técnico cuja origem é a palavra latina que significa “eu”.

Embora Jung estivesse mais interessado em descobrir o que havia abaixo da consciência, nas regiões interiores da psique, ele também assumiu a tarefa de descrever e explicar a consciência humana. Para Jung, estudar a consciência seria dirigir a atenção para o instrumento fundamental da própria investigação e exploração psicológicas. Por isso é tão importante em psicologia entender a natureza da consciência do ego. Disse Jung que toda a psicologia é uma confissão pessoal. Todo o psicólogo criativo está limitado pelas suas próprias preferências pessoais e pelos seus pressupostos não examinados. Muito do que possa ser o conhecimento entre os seres humanos é, na realidade, após inspecção mais rigorosa e mais crítica, mero preconceito ou crença baseada em distorções, especulações, boatos ou pura fantasia.

Jung define o “ego” nos seguintes termos: “Entendemos por ego aquele factor complexo com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam. É este factor que constitui, por assim dizer, o centro do campo da consciência, e dado que este campo inclui também a “personalidade empírica”, o ego é o sujeito de todos os actos conscientes da pessoa.” O termo ego refere-se à experiência que a pessoa tem de si mesma como um centro de vontade, de desejo, de reflexo e acção.

Jung dá sequência a este entendimento do ego no quadro psique, deste modo: “ A relação de qualquer conteúdo como ego funciona como critério para saber se este último é consciente, pois não há conteúdo que não se tenha apresentado antes ao sujeito”. O “ego” é um sujeito a quem os conteúdos psíquicos são “apresentados”. É como um espelho. Além disso, a ligação com o ego é a condição necessária para tornar qualquer coisa consciente – um sentimento, um pensamento, uma percepção ou fantasia. o ego é uma espécie de espelho no qual a psique pode ver-se a si mesma e pode tornar-se consciente. O grau em que um conteúdo psíquico é tomado e reflectido pelo ego é o grau em que se pode afirmar que ele pertence ao domínio da consciência. Quando um conteúdo psíquico só é vago ou marginalmente consciente, é porque não foi ainda captado e mantido no seu lugar da superfície reflectora do ego.

Nas passagens que se seguem a esta definição do ego, Jung estabelece uma distinção crucial entre as características conscientes e inconscientes da psique: consciência é o que conhecemos e inconsciência é tudo aquilo que ignoramos. Um outro estudo torna esta definição mais precisa: “O inconsciente não se identifica simplesmente com o desconhecido; é antes o psíquico desconhecido, ou seja, tudo aquilo que presumivelmente não se distinguiria dos conteúdos psíquicos conhecidos, quando chegasse à consciência.” O inconsciente inclui todos os conteúdos psíquicos que se encontram fora da consciência, por qualquer razão ou duração. Na realidade, essa é a grande massa constituinte do mundo psíquico.

O que é então a consciência, esse campo onde o ego está localizado e cujo centro é por este último ocupado e definido? A consciência é muito simplesmente, o estado de conhecimento e entendimento dos eventos externos e internos. É o estar desperto e atento, observando e registando o que acontece no mundo ao redor e dentro de cada um de nós. O oposto de consciência é o sono profundo e sem sonhos, a ausência total de reactividade e da capacidade de perceber e sentir.

O que o desenvolvimento faz à consciência é adicionar-lhe um conteúdo específico. Em teoria, a consciência humana pode ser separada do seu conteúdo – os pensamentos, lembranças, identidades, fantasias, emoções, imagens e palavras que afluem e se aglomeram no seu espaço. Mas na prática isso é quase impossível. Para a maioria das pessoas a consciência sem um objecto estável para lhe servir de âncora, de fundamento, parece ser uma coisa extremamente efémera e transitória. A substancialidade

da consciência e o sentimento de solidez são tipicamente fornecidos por objectos estáveis, tais como imagens, recordações e pensamentos. A consciência é como um quarto cujas quatro paredes cercam o conteúdo psíquico que temporariamente o ocupa. E a consciência precede o ego, o qual se converte, em última instância, no seu centro.

O ego, como a consciência, também transcende e sobrevive ao conteúdo específico que, em qualquer momento determinado, ocupa o quarto da consciência. O ego é o ponto focal no interior da consciência, a sua característica mais central e talvez mais permanente. Contra a opinião dos orientais, Jung argumenta que sem um ego, a própria consciência se torna discutível. Mas é verdade que certas funções do ego podem ser suspensas ou aparentemente obliteradas sem se destruir a consciência por completo e, assim, uma espécie de consciência sem ego, um tipo de consciência que apresenta muito poucas provas evidentes de um centro obstinado, de um “eu”, é uma possibilidade humana, pelo menos durante certos períodos.

Para Jung, o ego forma o centro crítico da consciência e, de facto, determina em grande medida que conteúdos permanecem no domínio da consciência e quais se retiram, pouco a pouco, para o inconsciente. O ego é responsável pela retenção de conteúdos na consciência, e pode eliminar conteúdo da consciência deixando de os reflectir. Também pode recuperar conteúdo da armazenagem do inconsciente (isto é, do banco de memória) desde que (a) não estejam bloqueados por mecanismos de defesa, como a repressão, os quais mantêm os conflitos intoleráveis fora do alcance e (b) tenham uma ligação associativa suficiente forte com o ego – isto é, foram “apreendidos” com suficiente solidez.

O ego não é fundamentalmente constituído e definido pelos conteúdos adquiridos da consciência, tais como as identificações momentâneas ou mesmo crónicas. É algo como um espelho ou um imã que segura um conteúdo num ponto focal da consciência. mas também quer e age. Como centro vital da consciência, precede a aquisição da linguagem, a identidade pessoal e até o conhecimento de um nome pessoal. As aquisições subsequentes, como o reconhecimento do próprio rosto e nome, são conteúdos que se aglomeram em torno desse centro de consciência e têm o efeito de definir o ego e ampliar a sua faixa de comando executivo e de autoconhecimento. Fundamentalmente o ego é um centro virtual de percepção consciente que existe, pelo menos, desde o nascimento, o olho que vê e sempre viu o mundo desde essa vantajosa posição, desde esse corpo, desde esse ponto de vista individual. Em si mesmo, não é nada, quer dizer, não é uma coisa. Portanto, é algo sumamente esquivo e impossível de imobilizar. Pode-se negar até que ele exista. E, no entanto, está sempre presente. Não é produto de criação, crescimento ou desenvolvimento. É inato. Embora possa ser mostrado que se desenvolve e adquire vigor desse ponto em diante, através de “colisões” com a realidade, o seu núcleo é “dado”. Chega com a criança recém-nascida.

Da forma como Jung descreve a psique, existe uma rede de associações, uma rede de associações entre os vários conteúdos da consciência. Todos eles estão ligados directa ou indirectamente à agência central, o ego. O ego é o centro da consciência, não só geográfica, mas também dinamicamente. É o centro de energia que movimenta os conteúdos da consciência e os organiza por ordem de prioridade. O ego é o locus da tomada de decisões e do livre-arbítrio. É o executivo que fixa as prioridades. Embora o ego possa ser visto como o centro de toda a conduta interesseira (ego-ísmo), ele também é o do altruísmo. Ele é, em si mesmo e como Jung o entendeu e descreveu, moralmente neutro, não é uma “coisa má”, e, portanto, subsiste como uma parte necessária à vida da consciência humana. O ego é o que separa os humanos de outras criaturas da natureza que também são dotadas de consciência; é também o que separa o ser humano individual de outros seres humanos. É o agente individualizante na consciência humana.

O ego focaliza a consciência humana e confere à nossa conduta consciente a sua determinação e direcção. Porque temos um ego, possuímos a liberdade para fazer escolhas que podem desafiar os nossos instintos de autopreservação, propagação e criatividade. O ego contém a nossa capacidade para dominar e manipular vastas somas de material da consciência. É um poderoso íman associativo e um agente organizacional. Uma vez que os humanos possuem tal força no centro da consciência, eles estão aptos a integrar e dirigir grandes quantidades de dados. Um ego forte é aquele que pode obter e movimentar de forma deliberada grandes somas de conteúdo consciente. Um ego fraco não pode executar esse género de trabalho e sucumbe mais facilmente aos impulsos e reações emocionais. Um ego fraco é facilmente distraído e, por consequência, carece de foco e motivação consistente.

É possível aos humanos manterem-se conscientes mesmo que suspendam uma boa parte do funcionamento normal do ego. Pelo exercício da vontade, podemos ser passivos e inativos, e observar simplesmente o mundo interior e exterior, como uma máquina fotográfica. Normalmente, porém, não é possível manter por muito tempo uma consciência observacional volitivamente restringida, porque o normal é o ego e a psique que o integra serem rapidamente envolvidos pelo que está sendo observado. Quando assistimos a um filme, por exemplo, podemos começar simplesmente a observar, recebendo passivamente as pessoas e os cenários. Mas não tardaremos a identificar-nos com este ou aquele personagem, e as nossas emoções são ativadas. O ego prepara-se para agir e se a pessoa tem dificuldade em distinguir entre o lado cinematográfico e a realidade (uma outra função do ego), ela pode ser tentada a enveredar por um comportamento físico. O corpo é então mobiliado e o ego visa um determinado curso de acção intentando concretizá-lo. Envolvido desse modo o ego é então activado como um centro de desejos, esperanças e intenções.

Como fica evidente, a liberdade do ego é limitada. O ego é facilmente influenciado por estímulos psíquicos internos e ambientais externos.

As origens do ego situam-se antes dos primeiros dias da infância. Até mesmo um bebé de meses nota a ocorrência de mudanças no seu meio ambiente, algumas das quais lhe parecem agradáveis e estende os braços para as agarrar. Estes sinais precoces de intencionalidade de um organismo são provas evidentes no que toca às raízes primordiais do ego, a “egoicidade” do indivíduo.

Jung diria que o ego é o centro da consciência. O “eu” sente, talvez ingenuamente, que a sua existência é eterna. É uma questão em aberto saber se o “eu” muda essencialmente ao longo de uma vida. Embora muitas características do ego se desenvolvam e mudem, sobretudo no que se refere à cognição, autoconhecimento, identidade psicossocial, competência, etc., uma pessoa também se apercebe de uma importante continuidade do núcleo do ego. Provavelmente o núcleo essencial do ego não mude ao longo da vida. Isso talvez possa explicar também a forte intuição e convicção de muitas pessoas em que esse núcleo do ego não desaparece com a morte física, mas ou vai para um lugar eterno de repouso (céu. nirvana) ou renasce numa outra vida no plano físico (reencarnação).

Ainda segundo Jung, poderíamos ser tentados a definir o ego como a consciência do si-mesmo e do corpo como unidade atuante, individual, limitada e ímpar. Se, por exemplo, a pessoa tivesse recebido um nome diferente, poder-se-ía argumentar que o seu “eu” fundamental não seria diferente do que é; mas se tivesse um corpo diferente, seria o seu ego essencialmente outro?

O ego está, assim, enraizado profundamente no corpo, até muito mais do que na sua cultura, mas até que ponto essa conexão é profunda, eis um possível ponto susceptível de debate. Não obstante, o ego teme profundamente a morte do corpo. É o medo que à extinção do corpo se siga o desaparecimento do ego. Segundo Jung, porém, o ego não está estritamente limitado à base somática. No Aion, ele declara que o ego “não é um factor simples ou elementar, mas um complexo que, como tal,

não pode ser exaustivamente descrito. A experiência mostra que ele assenta em duas bases aparentemente diferentes, a somática e a psíquica.”

No pensamento de Jung, a psique não pode ser reduzida a mera expressão do corpo, ao resultado da química do corpo ou de algum processo de natureza física. Pois a psique também tem participação da mente ou espírito (a palavra grega nous capta melhor o pensamento de Jung sobre este ponto) e, como tal, pode transcender e, ocasionalmente, transcende a sua localização física. Psique e corpo, para Jung, não são conceitos coincidentes nem um deriva do outro. Também o ego, que é predominantemente tratado por Jung como um objecto completamente psíquico, só em parte repousa numa base somática. O ego está baseado no corpo tão só no sentido em que experimenta a unidade com o corpo, mas o corpo que o ego experimenta é psíquico. É uma imagem do corpo e não o próprio corpo. O corpo é experimentado “a partir da totalidade de percepções endossomáticas”, ou seja, a partir do que a pessoa pode conscientemente sentir do corpo. Essas percepções do corpo “são produzidas por estímulos endossomáticos, dos quais somente alguns transpõem o limiar da consciência. Uma considerável proporção desses estímulos ocorre inconscientemte, isto é, subliminarmente… O facto de serem estímulos subliminares não significa necessariamente que o seu status seja de mera natureza fisiológica, como tampouco seria verdadeiro a propósito de um conteúdo psíquico.

Jung traça de uma linha de fronteira da psique para incluir a consciência do ego e o inconsciente, mas não a base somática como tal. Muito processos fisiológicos nunca transitam para a psique, nem mesmo para a psique inconsciente. Em princípio, são incapazes de se tornar alguma vez conscientes. É evidente que o sistema nervoso simpático, por exemplo, é em sua maior parte inacessível à consciência. Quando o coração pulsa, o sangue circula e os neurónios disparam, alguns processos somáticos, mas não todos, podem tornar-se conscientes. Não está claro em que medida a capacidade do ego em penetrar na base somática pode ser desenvolvida. Iogues treinados afirmam ser capazes de exercer considerável controle sobre os processos somáticos. Até que profundidade da subestrutura celular pode o ego penetrar? Pode um ego treinado reduzir um tumor canceroso, por exemplo, ou dominar eficazmente a hipertensão? Muitas indagações subsistem.

Cumpre ter em mente que existem dois limiares: o primeiro separa a consciência do inconsciente, o segundo separa a psique (consciente e inconsciente) da base somática. Não são, contudo, barreiras físicas e rígidas. Estas devem ser concebidas como barreiras fluidas. Para Jung, a psique abrange a consciência e o inconsciente, mas não inclui todo o corpo na sua dimensão puramente fisiológica. O ego, sustenta Jung, está baseado no soma psíquico, isto é, numa imagem do corpo, e não no corpo per se. Portanto, o ego é essencialmente um factor psíquico.

A localização do ego

Todo o território da psique é quase completamente coincidente com a extensão potencial do ego. A psique, conforme Jung a define nesta passagem, está restringida por, e limitada a, onde o ego pode, em princípio, chegar. Isto não significa, entretanto, que a psique e o ego sejam idênticos, uma vez que a psique inclui o inconsciente e o ego está mais ou menos limitado à consciência. Mas o inconsciente é, pelo menos, potencialmente acessível ao ego, mesmo se o ego, na realidade, não tenha muita experiência de contactos com ele. A questão aqui é que a própria psique tem um limite, e esse limite é o ponto em que

os estímulos ou conteúdos extrapsíquicos não podem, em princípio, já ser conscientemente experimentados.

Para Jung o ego apoia-se no campo total da consciência e, por outro lado, na soma total de alguns conteúdos inconscientes. Estes enquadram-se em três grupos: primeiro, os conteúdos temporariamente subliminares que podem ser reproduzidos voluntariamente (memória)… segundo os conteúdos inconscientes que não podem ser reproduzidos voluntariamente…terceiro, os conteúdos que são totalmente incapazes de se tornarem conscientes. Este último ponto Jung coloca-o no campo da psique, dentro do inconsciente, mas numa região não-psíquica, isto é, no “mundo” para além da psique. Esse mundo não-psíquico está situado dentro do inconsciente. Neste ponto, acercam-nos das fronteiras de grandes mistérios: a base para a recepção extra psíquica, a sincronicidade, as curas milagrosas dos corpos e outros.

O ego, declara Jung no Aion, assenta em duas bases: uma somática (corpórea) e uma psíquica. cada uma dessas bases é constituída de múltiplas camadas e existe parcialmente na consciência, mas sobretudo no inconsciente. Dizer que o ego assenta em ambas é dizer que as raízes do ego mergulham no inconsciente. Na sua estrutura superior, o ego é racional, cognitivo e orientado para a realidade, mas nas suas camadas mais profundas e escondidas está sujeito ao fluxo da emoção, fantasia e conflito, e às intrusões dos níveis físico e psíquico do inconsciente. O ego pode, portanto, ser facilmente perturbado por problemas somáticos e por conflitos psíquicos. Entidade puramente psíquica, centro vital da consciência, sede da identidade e da volição, o ego, nas suas camadas mais profundas, é vulnerável a perturbações oriundas de muitas fontes.

O ego deve ser distinguido do campo de consciência onde está alojado e para o qual constitui o ponto focal de referência. Tal como William James, que distingue o ego e o “a mim”, Jung descreve uma diferença entre o ego e o que James classificou como “a corrente da consciência”. O ego é um ponto que mergulha na corrente de consciência e poder separar-se desta ao dar-se conta de que ela é algo diferente de si mesmo. A consciência não está totalmente sob o controle do ego, mesmo que se coloque a uma distância suficiente dele para observar e estudar o seu fluxo. O ego movimenta-se no interior do campo da consciência, observando, selecionando, dirigindo a atividade motora até uma certa medida, mas ignorando uma considerável soma de material que a consciência está, por outro lado, levando em consideração. Se conduzirmos um automóvel por uma estrada que nos é familiar, a atenção do ego desviar-se-á frequentemente e ocupar-se-á de outros assuntos alheios à condução. Neste meio termo, entre a partida e chegada, chegámos sãos e salvos ao destino, e questionamo-nos sobre esse facto. O foco da atenção estava noutro lugar, o ego divagara e entregara a condução do carro à consciência não-egóica. Nesse meio tempo, a consciência, apartada do ego, está constantemente monitorando, captando, processando e reagindo à informação. Se ocorrer uma crise, o ego retoma e assume o comando. O ego concentra-se muitas vezes numa lembrança, num pensamento ou sentimento, ou em planos que extraiu da corrente da consciência. Deixa outras operações de rotina para uma consciência habituada e não- patológica de dissociação. O ego pode, em certa medida, dissociar-se da consciência.

Embora um ego rudimentar ou primitivo pareça estar presente desde os mais recuados momentos da consciência como uma espécie de centro virtual ou ponto focal, ele cresce e desenvolve-se em importantes aspectos durante a infância. Escreve Jung: “Embora as suas bases sejam relativamente desconhecidas e inconscientes, psíquicas e somáticas, o ego é um factor consciente por excelência. É um dado adquirido, empiricamente falando, ao longo de toda a vida do indivíduo. Parece surgir, em primeiro lugar, da colisão entre o factor somático e o meio ambiente e, uma vez estabelecido como um sujeito, continua a desenvolver-se em consequência de sucessivas colisões com os mundos exterior e interior.” O

que faz o ego crescer, segundo Jung, é o que ele designa por “colisão”. Por outras palavras, conflito, dificuldades, angústia, pena, sofrimento. São estes os factores que levam o ego a desenvolver-se. As condições exigidas a uma pessoa para adaptar-se a ambientes físicos e psíquicos apoiam-se num centro potencial na consciência e fortalecem a sua capacidade para funcionar, com o objectivo de fazer convergir a consciência e mobilizar o organismo numa direção específica. Como centro vital da consciência, o ego é inato, mas como centro real e efectivo deve a sua estatura àquelas colisões entre o corpo psicofísico e um meio ambiente que exige resposta e adaptação. Uma quantidade moderada de conflito com o meio ambiente e certa dose de frustração são, para Jung, as melhores condições para o crescimento do ego.

Tipos Psicológicos

As duas principais atitudes, ou disposições (introversão e extroversão) e as quatro funções (o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição) têm uma forte influência sobre a orientação do ego, quando este empreende a realização das suas tarefas e requisitos de adaptação. A disposição inata do ego nuclear para assumir uma dessas atitudes e funções forma a sua postura característica face ao mundo e no tocante á assimilação da experiência.

As colisões com a realidade despertam a nascente potencialidade do ego e desafiam-no a relacionar-se com o mundo. Tais colisões também interrompem a participation mystique da psique no mundo à sua volta. Uma vez desperto, o ego deve adaptar-se à realidade por quaisquer meios disponíveis. Jung elaborou a teoria segundo a qual quatro de tais meios ou funções do ego; cada uma das quais pode ser orientada por uma atitude introvertida (isto é, voltada para dentro) ou extrovertida (voltada para fora). Após a ocorrência de uma certa soma de desenvolvimento do ego, a tendência inata da pessoa para orientar-se para o mundo, interior e exterior, revelar-se-á de certos modos definidos. Argumentou Jung que o ego tem uma tendência inata, genética, para preferir um determinado tipo de combinação de atitude e função, e para confiar secundariamente numa outra combinação suplementar para equilíbrio, com uma terceira e quarta sendo menos usadas e, por conseguinte, menos acessíveis e desenvolvidas. As combinações constituem o que ele designou por “tipos psicológicos”.

Muito do que sabemos por experiência a respeito de outras pessoas e, na verdade, muito do que acabamos por reconhecer como sendo as nossas próprias personalidades, não pertence à consciência do ego. A vitalidade com que uma pessoa comunica, as reacções espontâneas e as respostas emocionais aos outros e à vida, a explosão do humor e as disposições de ânimo e acessos de tristeza, as enigmáticas e desconcertantes complicações da vida psicológica – todas estas qualidades e atributos podem ser imputados a outros aspectos da psique e não á consciência do ego como tal. Assim é incorrecto pensar no ego como sendo equivalente à pessoa toda. O ego é simplesmente um agente, um foco de consciência, um centro de percepção sensível. Podemos atribuir-lhe qualidades demais ou qualidades de menos.

Ego e liberdade pessoal

Uma vez que o ego tenha adquirido suficiente autonomia e uma certa medida de controlo sobre a consciência, o sentimento de liberdade pessoal torna-se numa forte característica da realidade subjectiva. Ao longo de toda a infância e adolescência, a gama de liberdade pessoal é testada, desafiada

e expandida. Tipicamente, uma pessoa jovem vive com a ilusão de possuir muito maior autodomínio e livre-arbítrio do que é psicologicamente verdadeiro. Todas as limitações à liberdade parecem ser impostas de fora, pela sociedade e por regulamentações externas, e percebe-se muito pouco até que ponto o ego é controlado em igual medida a partir de dentro. Uma reflexão mais atenta revela que somos tão escravos da nossa própria estrutura de carácter e demónios interiores quanto da autoridade externa. Com frequência, isso só vem a ser compreendido na segunda metade da vida, quando decorre uma consciência cada vez mais nítida de que somos os nossos piores inimigos, os nossos mais implacáveis críticos e os que mais exigimos de nós próprios. O destino é tecido de dentro, assim como ditado de fora.

Jung tem algumas reflexões provocatórias sobre a questão de se saber até que ponto a vontade é inteiramente livre. O ego, sendo apenas uma pequena parte do nosso mundo psicológico, gravita, como a Terra à volta do Sol, ao redor de uma realidade psíquica maior, o self, o si-mesmo. A liberdade do ego é, assim, limitada. “Dentro do campo da consciência (o ego) tem, como dizemos, livre-arbítrio”, escreve Jung. “Mas não atribuo a isso qualquer significado filosófico, apenas o bem conhecido factor psicológico da “livre escolha”, ou melhor dizendo, o sentimento subjectivo de liberdade. Centro do seu próprio domínio, a consciência do ego dispõe de uma certa e evidente liberdade. Mas qual é a sua extensão? Em que grau fazemos as nossas escolhas na base do condicionamento e hábito? Escolher uma Coca em vez de uma Pepsi reflecte uma medida de liberdade mas, de facto, essa escolha está limitada por um prévio condicionamento, como a publicidade, e pela existência ou ausência de alternativas. Uma criança pode ser encorajada a exercitar o seu livre-arbítrio e a efectuar descriminações oferecendo- se-lhe uma escolha entre três tipos de camisas, por exemplo. O ego da criança sente-se gratificado, pois está livre para escolher aquela que quer. Entretanto, a vontade da criança é limitada por muitos factores: o subtil desejo de agradar ao pai (ou mãe) ou, inversamente, o desejo de se rebelar contra ele (ou ela); pela gama de possibilidades oferecidas; pelas pressões e exigências dos seus iguais. A nossa real gama de livre-arbítrio é, como a criança, limitada pelo hábito, pela pressão, pela disponibilidade, pelo condicionamento e muitos outros factores. Nas palavras de Jung, “assim como nosso livre-arbítrio colide com as necessidades no mundo exterior, também o ego encontra os seus limites fora do campo da consciência, no subjectivo mundo interior, onde entra em conflito com os factores do si-mesmo”. O mundo exterior impõe limitações políticas e económicas, mas os factores subjectivos limitam igualmente o nosso exercício da livre-escolha.

Em termos gerais, é o conteúdo do inconsciente que reduz o livre-arbítrio do ego. O Apóstolo Paulo expressou isso claramente quando confessou: “Porque nem mesmo eu compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro e, sim, o que detesto…Pois o querer o bem está em mim; não, porém, o fazê-lo.” Os demónios da contradição conflituam com o ego. Jung concorda: “Assim como circunstâncias e eventos externos nos ‘acontecem’ e imitam a nossa liberdade, também o si-mesmo age sobre o ego como uma ocorrência objectiva, que o livre-arbítrio pode fazer muito pouco para alterar.” Quando a psique toma conta do ego como uma incontornável necessidade interna, o ego sente-se derrotado e tem que enfrentar a exigência de aceitar a sua incapacidade para controlar a realidade interna, assim como tem de chegar a essa conclusão a respeito dos mais amplos mundos sociais e físicos circundantes. A maioria das pessoas, no decorrer das suas vidas, acaba percebendo que não pode controlar o mundo exterior, mas são muito poucas as que adquirem consciência de que os processos psíquicos internos tampouco estão sujeitos ao controle do ego.

Conclusão

O mundo do ego, como se extrai das diferentes abordagens ao tema explanado nesta prancha, é abrangente e, muitas vezes, impreciso. Convergindo entre o aspecto somático e o psíquico ou entre o factor consciente e inconsciente, o ego permanece, contudo, como um ponto central e vital de toda a experiência humana. A identidade resulta, em grande parte, do ego. Ainda que não se confunda com ele, a individualidade humana expressa-se no mundo através do ego, nele de definindo, por expansão ou regressão. A psique, a totalidade da psique como conjunto do consciente e inconsciente (e para- psíquico?), extravasa o núcleo central do ego, mas, como decorre de Jung, nada é compreensível conscientemente sem o papel “racionalizante” do ego. Mesmo as mais subtis impressões somáticas, isto é, aquelas que são susceptíveis de virem à tona do consciente, precisam dessa “intermediação” egóica. O ego não se confunde com o self, o si-mesmo, mas este aparece como estrutura fundamental sobre o posicionamento do homem no mundo. Sem ego não há decisão (consciente, ao menos), não existe produto de reflexão, caracter de auto-definição. A maçonaria advoga que o Iniciado deve “combater” o ego. Esse combate, contudo, não é confrontativo, já que o homem não pode (a não ser homens muito especiais e por tempo limitado) viver sem o mesmo. O que a maçonaria ensina é que esse combate é uma luta pela redenção do homem no reencontro de si mesmo. Ainda que o homem não seja o ego, ele é, contudo, uma peça essencial na sua completude. Não há homem sem ego, como não há maçom verdadeiro, sem a compreensão que o ego é, ou pode ser, um produto de percepção limitado, muitas vezes enganador. Como registámos, o homem é o maior inimigo de si próprio. O seu mais fiel carrasco. Nisso, o ego tem um papel determinante no juízo de pretensa culpa, de si ou dos demais. O homem tanto pode decalcar os caminhos do egoísmo como os do altruísmo. Tanto num como noutro, como vimos, o ego tem um papel preponderante. É uma questão de escolha. Livre (tanto quanto possível) e consciente. O ego pode, muitas vezes, decidir contra os seus interesses directos, sejam de ganho ou de “simples” sobrevivência. E fá-lo numa decisão consciente de altruísmo! O ego não é, assim, uma coisa má per se. É neutro na sua função, e só o homem, no seu plano mais transcendente, pode dele fazer uso para se expressar na sua plenitude de ser. E Ser, ser-se humano é processar o reencontro depois da Queda, no encontro entre o eu e o ego, no resgate do ser humano integral!

Assim disse,

[Giordano Bruno], M∴M∴

Fonte: Academia.edu

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