Relembremos o início de 2020, quando a Maçonaria se sentiu seriamente ameaçada pela pandemia do coronavírus, com a suspensão das reuniões presenciais, com impactos na economia global, de vidas que se foram e o isolamento a que quase todos foram submetidos.
Por que o choque na Maçonaria seria diferente quando comparada às demais atividades? O que parecia ser especulação para um futuro distante, a pandemia encurtou os caminhos.
De plano ganhou corpo o recurso dos encontros por videoconferência, com a utilização das várias plataformas disponíveis, que atenuou o impacto das restrições impostas a grande parte das atividades presenciais.
No que foi possível, setores da sociedade passaram a trabalhar com novos cenários. O mundo deu continuidade, no que foi possível, ao que poderia ser feito por trás de uma tela, como uma nova referência, um marco na história.
Na Maçonaria, diversas Lojas souberam aproveitar a tecnologia e muitos irmãos atualizaram seus computadores pessoais e aparelhos celulares para acompanhar a nova forma de manter aquecidos os laços de fraternidade que representam a efetiva garantia da continuidade da Ordem.
Não se pode olvidar que boa parte dos irmãos resistiu em participar das reuniões por videoconferência, devido a uma série de motivos ou mesmo credos pessoais. Alguns fizeram propaganda contra, outros sustentaram posição crítica e Potências chegaram a condenar o acesso dos obreiros a qualquer formato de evento maçônico virtual. O achismo se revelou como a principal fonte das argumentações contrárias.
Um grupo visionário percebeu a oportunidade de explorar nova forma de manter o aprendizado em Loja, sem descurar dos cuidados em preservar a ritualística e os arcanos da Ordem, estes somente praticados em sessões presenciais e, com isso, várias reuniões de estudos foram oportunizadas, contando com a participação de obreiros regulares de Potências reconhecidas e de diferentes Orientes.
Na segunda metade de 2020, ganhou realce a fundação das lojas virtuais “Lux In Tenebris – Nº 47”, em 25 de setembro, ligada à Grande Loja de Rondônia (GLOMARON); e “Luz e Conhecimento – Nº 103”, em 5 de novembro, da Grande Loja do Pará (GLEPA). Ambas com sucesso de participantes semanalmente e de temas cativantes e discussões acaloradas, mas que sofreram ácidas críticas por parte de seus detratores. Foram vitoriosas e hoje colhem os frutos daquela ousadia.
Marco nos anais da Maçonaria no Brasil aconteceu no dia 21 de abril de 2021 com a fundação da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras (AMVBL), “com o propósito de integrar uma rede nacional de escritores maçons, voltada para o desenvolvimento da produção literária, tanto no campo maçônico, quanto na língua e literatura em geral”. Segundo seus idealizadores, como “fruto de uma concepção que busca acompanhar com responsabilidade as mudanças que estão ocorrendo em pleno século XXI, e que dialogam com as tendências de uma humanidade cujo uso de novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) são irreversíveis e se dinamizam em uma velocidade sem precedentes na história”. No 1º aniversário da AMVBL foi lançado o livro “Honra a quem Honra – Expoentes da Maçonaria Brasileira”, contendo a história sintetizada de grandes maçons que contribuíram cada um a seu modo para a elevação da cultura e fortalecimento da Ordem.
Iniciativa de grande repercussão foi a criação do “Grupo de Estudos Maçônicos” que teve seu primeiro calendário de atividades virtuais divulgado no primeiro semestre de 2021, com encontros semanais para discussão de conteúdo filosófico das instruções que compõem os três graus simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito, porém, como ressaltado acima, preservando os arcanos que somente podem ser estudados e comentados em Loja. Do grupo, como instrutores, participam membros das três Potências Regulares, deixando um legado incomensurável.
Merece destaque o grupo “Lives Maçônicas”, lançado em 20 de março de 2020, que promove reuniões virtuais todos os domingos às 19h00, com trabalhos apresentados por irmãos regulares do Brasil e do exterior, com o objetivo de “levar conteúdo maçônico de qualidade, credibilidade e realizar a interação dos irmãos através da tecnologia”. Na mesma linha, criado em 5 de agosto de 2020, o “Grupo Epaminondas Online” de estudos e pesquisas promove encontros virtuais nas manhãs de domingo, sempre às 8h00.
Vários grupos, Lojas e Academias Maçônicas de Letras, como as de Rondônia (AMLRO), Piracicaba (SP) e Mineira (AMML) seguiram a mesma iniciativa dos encontros por videoconferência e novas lojas maçônicas virtuais estão em fase de organização. A AMML já lançou dois volumes do livro “A Verdade dos Inconfidentes”.
Para fins de pesquisa, o Blog “O Ponto Dentro do Círculo” (https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/), desde 2015 divulga artigos sobre Maçonaria, Filosofia, História, Sociedade e Cultura e ganhou ainda mais fôlego, tendo ultrapassado a marca de mais de dois milhões e cem mil visualizações. No seu acervo constam mais de 1.700 postagens de artigos e trabalhos selecionados, publicações do JB News, outros periódicos maçônicos, podcasts, além de sugestões de leitura na aba “Biblioteca”. Na mesma linha, o “Blog do Pedro Juk” (http://pedro-juk.blogspot.com/), fonte de referência para maçons de todos os Ritos. Dezenas de outros sites sobre Maçonaria ganharam projeção durante a pandemia da Covid-19 e agora estão consolidados e prestigiados.
Mundo afora, o formato virtual está bombando. Na prática, testemunhou-se a expansão dos Templos, fazendo acontecer uma revolução na direção da integração de maçons de todas as Potências, de uma forma impensável até há pouco tempo, envolvendo Oficinas de todos os rincões do Brasil, inclusive do exterior. Com isso, um novo “Landmark” temporal, um moderno ciclo foi instituído e parece improvável o retorno ao status quo ante, com as inquestionáveis vantagens da acessibilidade e da comodidade.
Tal experiência fez valer a assertiva de que o verdadeiro Templo Maçônico não se constitui de pedra e madeira, mas com os elementos morais erguidos no coração de cada Maçom, como destacado em momentos de introspecção na abertura de muitos trabalhos virtuais. Ademais, com a retomada das reuniões presenciais, o instrumento continua sendo utilizado como ferramenta complementar do tempo de estudos e compartilhamento de experiências e conhecimentos úteis.
Desnecessário tecer maiores reflexões já recorrentes sobre a importância de participar, marcar presença, ou daquela expressão “quem não é visto não é lembrado”, mesmo em reuniões virtuais, criando-se uma rede consolidada de irmãos regulares que atualmente torna mais próximos obreiros dos mais longínquos Orientes, promovendo novos vínculos e ajuda mútua em situações mais complexas, fazendo valer o sentido da fraternidade na sua acepção maior.
Atualmente, muitas Lojas são questionadas sobre o que fizeram nessa travessia e já se comenta sobre a defasagem entre os que deram continuidade aos estudos e na integração proporcionada pelas reuniões virtuais e os que permaneceram acomodados ou resistiram às oportunidades oferecidas.
Segundo uma sábia expressão hermética, “quando tudo parece perdido é quando tudo será salvo”, portanto, não era o que todos queriam, mas era o que se oferecia naquele momento! Aqueles que souberam aproveitar, não se arrependeram. Fizeram do limão uma limonada, preservando as tradições e expandiram os saberes e as redes de relacionamentos.
A triste e verdadeira ameaça virtual ganhou destaque por intermédio das ciladas engendradas por um grupo de oportunistas que passaram a explorar os incautos, representada pela maçonaria espúria, irregular e clandestina, adotando uma espécie de “vale-tudo” para atrair os desavisados e tirar o sossego e dinheiro daqueles que não sabem separar o joio do trigo. Essas organizações gananciosas investem em propagandas, almoços e jantares, convites para “reuniões brancas” e homenagens. As Potências Regulares (CMSB, GOB e COMAB) precisam urgentemente criar mecanismos de integração e controle que orientem seus obreiros para sanar eventuais dúvidas que possam surgir no processo de esclarecimento aos novos candidatos e campanhas públicas carecem ser divulgadas nos meios de comunicação disponíveis.
Aos gestores cumpre, enfim, o dever de enfrentar os temas mais polêmicos que nossas Lojas presenciais ainda resistem em colocar na Ordem do dia. Para isso, nossas Potências precisam rever o arcabouço regulamentar e reescrever suas Constituições e Regulamentos de forma a retirar referências a documentos históricos ultrapassados, alguns verdadeiros entulhos que ensejam um descompasso evolutivo e criam barreiras à tentativa de irmãos que vislumbram novo protagonismo para a moderna Maçonaria, no sentido de que esta assuma postura mais executiva ao promover discussões internas de pautas de interesse da sociedade e promover debates públicos que favoreçam o direcionamento da inteligência dos obreiros para a solução e encaminhamento de questões políticas e sociais, mostrando a competência e a força moral da Maçonaria.
“Aprendi que as oportunidades nunca são perdidas; alguém vai aproveitar as que você perdeu” (Shakespeare).
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.
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Queridos irmãos e irmãs, em seus graus e qualidades.
Agradeço mais uma vez a este grupo de Irmãos que apoiam a Academia V Império pela sua resiliência e, claro, ao Muito Venerável Irmão Belmiro Sousa, pela perseverança perante aquela equipe, que ano após ano, nos permite participar neste fórum, e já se passaram nove anos.
Mais uma vez, estou feliz por estar novamente com vocês, queridos irmãos e irmãs, lamentando as perdas que tivemos durante toda esta pandemia de COVID.19, que manteve confinados tantos seres humanos, que também custou milhares de vidas; portanto, minhas condolências a todos aqueles que perderam um ente querido, e em especial quero oferecer minhas condolências à fraternidade maçônica por todas as suas perdas, e as situações tão graves pelas quais passamos e estamos passando.
Introdução
Situados no tema proposto, indicar que no ano passado, nessas mesmas épocas, refletíamos sobre que tipo de Maçonaria que deveríamos buscar durante um período de pandemia.
Nesta ocasião apresentei uma exposição sobre uma possível práxis: a filosofia maçônica como meio de combate para tempos difíceis, com o qual pensava que poderíamos enfrentar os desafios que apresentava a referida pandemia.
Não sei se a minha reflexão foi acertada em termos da análise e das propostas finais, eu acho que sim, mas devem ser vocês, queridos irmãos e irmãs, que devem julgar a perspectiva que apresentei na mesa em novembro de 2020. A verdade é que nunca teremos melhor oportunidade de analisar objetivamente o que foi escrito e levantado nesses fóruns, como foi o meu caso, portanto, acredito que é uma boa instrução maçônica analisar tais exposições, para comprovar sua funcionalidade se é que a teve, e poder analisar de passagem se damos a esses trabalhos a devida importância, além de serem lidos e escutados.
Exposição
Já se passaram dois anos desde que esta pandemia nos desnaturou enquanto sociedade, com especial impacto sobre nossa fraternidade maçônica singular, uma vez que nos deixou presos nas salas dos passos perdidos de nossas lojas, sem que tenhamos recebido muita ajuda, além das indicações das obediências e das lojas em relação às situações que surgiam durante a pandemia e suas restrições, embora seja verdade que em face de toda esta situação pandêmica, enquanto membros desta fraternidade desenvolvemos, cada um nas suas qualidades e possibilidades, um conjunto importante de ações, amplas e diversas, e às vezes muito imaginativas, mesmo em meio a um ambiente muito individualista e de desconfiança do outro, até mesmo como maçons agiu-se dando ênfase ao bem-estar comum e determinou-se lançar as bases para o surgimento de uma cidadania ressocializante.
Como fraternidade, enfrentamos um terrível esforço para sair indenes desta situação com o conhecimento da angústia produzida pela finitude das coisas. Estivemos em muitas frentes, tanto sociais quanto assistenciais; nos envolvemos no debate político sobre a redução e corte de direitos e liberdades que, como sociedade conquistamos, que às vezes nos colocam no fio da navalha, e que remete aos debates do Irmão Almeida dos Santos nas diferentes conexões , entre outros, embora seja verdade e deva ser dito alto e em bom som, que nem todas a estruturas maçônicas perceberam isso, nem debateram, lutaram e se envolveram da mesma forma, nem estiveram à altura das circunstâncias. Essa será uma reflexão que cada um deverá enfrentar.
Houve posições para todos os gostos, cores e orientações, o que revelou as desigualdades, convergências e divergências existentes, que deixou claro que mesmo ainda exista um longo caminho a percorrer para alcançar a fraternidade universal de homens e mulheres mulheres que perseguimos como tais maçons.
Análise
É possível afirmar à luz do que se viu até agora que
“o discurso das instituições internacionais, governo e mídia, consistiu em um alerta de pandemia que causou medo, e cuja função foi gerar um proteção biologicamente, e uma resposta saudável em relação às emoções. O que também parece claro é que, entre as medidas tomadas, como o confinamento – com diferenças entre os diferentes países – seguiu-se um discurso único, uma diretriz que, além de razões de saúde também envolveram razões políticas”[1].
O que nos deveria convidar todos, mas especialmente os maçons, para uma reflexão crítica sobre o que aconteceu.
Nesse sentido sabemos que o esforço realizado foi intenso, embora em tom maçônico pelo menos e temos certeza de que a resposta ampla e importante, embora também se revelou manifesta a incapacidade de muitas organizações (sociais, políticas e maçônicas) de responder e proteger a ampla gama de necessidades de seus respectivos membros, ficando demonstrado o quão fracos podemos ser enquanto sociedade.
Além disso, tendeu-se após os primeiros momentos, a criar um quadro de socialização, que veio em chamar Vidas nas telas, isto é o desenvolvimento de uma profilaxia da comunicação, «a realização do sonho da conexão sem contágio, como a Graça ou aCaridade na teologia cristã, o digital correu por nossas veias de fibra de vidro através da nova vida nas telas sem aparente pecado original.
Porém, por trás da tela que nos salvou, ansiamos pelo paraíso perdido do corpo que, diante da nova expressão sonora e visual da luz, pode sofrer para se adaptar. Após o feitiço inicial por sua expressão digital está enfrentando uma espécie de substituição sensorial, a de estar conectado e sem contato, juntos, mas sem o suor, os odores, ou os contatos, lembrando a corporalidade de um paraíso perdido[2].
É verdade que houve um primeiro grande impulso de natureza virtual, uma vez que nossas lojas foram fechadas pelas exigências sanitárias da Covid-19, e devido a essas circunstâncias, nos convertemos da noite para o dia em uma fraternidade virtual graças às plataformas digitais, pelas quais terminaram chamando de fraternidade zoom, como tantas outras ,
Mas é chegado o momento em que, depois desse grande esforço que paramos no meio do caminho, sinto que nos exaurimos, sem forças, sem ideias e quase sem recursos, a persistência da crise apesar da nossa resiliência nos afetou inexoravelmente, e quando nenhum projeto nasce de uma análise prospectiva, os esforços tendem a diminuir com o tempo. Eu mesmo sofri como muitos de vocês, e deixamos de ter lugar na agenda para participar de mais e mais eventos maçônicos ou paramaçônicos, todos eles de natureza virtual, e ficar abandonados como náufragos solitários.
Além do mais, como sempre sugiro, podemos tirar as dúvidas fazendo uma pesquisa no Google, colocando termos como: Maçonaria e pós-pandemia, e vocês verão qual é o resultado. Minha descoberta, dados os algoritmos de minhas pesquisas, é que parece que o mundo maçônico foi bloqueado no início de 2020.
É como se a Maçonaria tivesse desaparecido com a eclosão do vulcão pandêmico Covid-19, e, é claro, que podemos analisar as consequências de todo esse pandemônio, no qual não parece nos ter ajudado referências intelectuais da Maçonaria para usar, digamos, visto que os únicos textos que li sobre essa questão foram um livro dos Irmãos Alain Bauer e Roger Dachez que nos deram um relato detalhado sobre a Covid-19 com análises muito tangenciais sobre a Maçonaria, e que foi publicado apenas no início de 2020, e intitulado: Como viver em tempos de coronavírus:Um manual para compreender e resistir.
Também no domínio francófono, outro Irmão vinculado ao Grande Oriente de França (GOdF) e ao Rito
Francês, como o é Gerard Chomier, nos deixou outro pequeno texto, que poderia ser interessante neste momento dado o seu título: Covid 19, e depois? Embora eu ache que o autor se perde nas divagações filosóficas que faz, e seu livrinho seja mais uma aproximação do que qualquer outra coisa.
Diagnóstico
Para termos alguma perspectiva e antevisão sobre o tema que nos preocupa, cuja ação faz falta no paralisado mundo europeu, devemos ir às áreas ibero-americanas nas quais tem havido um intenso estudo da Covid-19 e do seu impacto nas situações e as etapas criadas, em especial uma reflexão orientada sobre as repercussões econômicas e sociais, e especificamente e principalmente sobre a as percepções e os imaginário que ocorreram e se criaram em nossa sociedade pandêmica e pós-pandêmica.
Desta forma, temos um excelente trabalho monográfico publicado na revista. Imaginação ou Barbárie[3], intitulado: Coronavírus e novos esquemas de Sentido. A este trabalho de reflexão é necessário juntar outro texto do Centro de Pesquisa em Mediatizações do México: Conversas na pandemia[4].
Está claro que podemos fazer muitas análises e que as conclusões podem ser diversas e variadas, visto que esta pandemia afetou muitos setores e muitos níveis, e alguns deles nos afetaram de forma importante, conforme expõe uma tese de pesquisa sobre O significado intelectual da pandemia de Covid-19. Codificações sagradas e profanas, desenvolvido por Nelson Arteaga Botello e Luz Angela Cardona Acuña.
As primeiras conclusões diante dessas análises sobre a Covid 19, pelo menos em um tom político, o imaginário é que os liberais tentaram diluir o Estado e, por sua vez, a esquerda buscou substituir o mercado pelo Estado, enquanto os conservadores tentaram regulá-lo por meio o Estado, ou seja, um desenvolvimento clássico e sem imaginação, que se viu na questão do desenvolvimento e implantação de vacinas.
Nessa altura e em paralelo, veio se consolidando um posicionamento cripto-normativo – onde as visões distópicas do mundo funcionaram como uma estrutura normativa – sobre o Mercado e o Estado – particularmente de inspiração foucaultiana[5] – ao passo que houve a privação de direitos e até mesmo o aniquilamento de identidades, o que expôs uma mercantilização da vida humana que a submete a rotinas de vigilância biopolítica e necropolítica, ou seja, à imposição de estritos mecanismos de gestão da vida e da morte[6].
Todos esses desenvolvimentos vêm indicar várias questões sobre o sagrado e o profano, que nesta pandemia nada mais foram do que o Mercado e o Estado, que alguns autores enquadram “em um conjunto de teodiceias, religiosas e seculares, em torno da pandemia do Covid-19. Proporcionando narrativas sobre o mal e o bem na sociedade, bem como seu destino[7].
Diante disso, temos que partir de uma forte premissa existencial: temos que viver, pois esta crise veio para ficar, mas com um axioma de que a pandemia nos deixou muito claro que temos que aceitar a finitude das coisas, digamos que a questão da pandemia é o símbolo do fim do otimismo no progressismo moderno[8], por isso é importante recuperar a importância dos limites, pois se reconhecermos nossa “reação” estaremos revelando a expressão mais genuína de nossa filosofia, a progressividade, que usamos tanto da tradição como um enraizamento dinâmico da força entendida como o vitríolo alquímico usado como metáfora no campo maçônico, isto é, Visita Interiora Terrae Retificando Invenies Ocultum Lapidem (Visite o interior da terra, e retificando você encontrará a pedra escondida que é o verdadeiro remédio), aqui o que nos interessa é que esse retificando, que nos servirá para abandonar uma solidariedade mecânica das elites e altas organizações, para a articulação de uma fraternidade orgânica de que procede essa força de que falei. Em outras palavras, da retificação de nossas posições e questionamentos, assim como fazemos em loja. E os obreiros estão satisfeitos…?
Antes de responder, temos que saber que a pandemia desencadeou três grandes narrativas nas quais nos envolvemos para dar sentido a essa situação. A primeira dessas considerações é que o capitalismo neoliberal é considerado sua causa principal, enquanto essa última propicia o estabelecimento de formas autoritárias de controle político e proteção do modelo neoliberal: o estado biopolítico, o necropolítico e os estados de exceção[9].
A segunda narrativa coincide na leitura de que o neoliberalismo está por trás da pandemia, mas discorda sobre seus efeitos; e, portanto, abre-se a possibilidade de uma mudança impulsionada pela efervescência de formas de organização e solidariedade coletiva diferentes do estabelecido.
A terceira narrativa ressalta que a globalização neoliberal está por trás da pandemia, mas que só o Estado é capaz de enfrentar duas grandes questões: sobre o risco, a distopia, o pessimismo e o medo; o outro, relacionado à oportunidade, a utopia, o otimismo, a esperança.
A compreensão atual e os desafios do futuro
Além das diferentes perspectivas e várias interpretações e perspectivas, temos que nos perguntar se estamos satisfeitos enquanto obreiros da fraternidade maçônica com esta situação de crise que há muito se configura, tanto no social quanto no maçônico, e cuja resposta deve ser difícil obter porque não deixamos de estar em um mundo em que, hoje, é difícil enfrentar questões tão complexas e transversais como aquelas em que vivemos, especialmente quando estamos atolados em nossa próprias dúvidas e contradições e em meio a um complexo magma midiático que tenta nos impor respostas plausíveis.
Será que podemos ficar satisfeitos com uma nova era em que não só se estimulam e persuadem certos comportamentos, com a intenção de levá-los a resultados lucrativos dentro do sistema liberal em que estamos envolvidos? Claro, com uma exceção, que é que agora nossos comportamentos e condutas são moldados sem que tenhamos consciência disso, e a pandemia, nesse sentido, há em a entendeu como um experimento social em grande escala, que não se pode negar que em muitos casos ele passou, de certa forma, por meio de um sistema cibernético complexo.
Foi-se a automação da informação para as pessoas, até o estágio atual, que é bem diferente, pois trata de automatizar as pessoas, digamos que nos tornamos “os objetos de uma operação de extração de matéria-prima tecnologicamente avançada da qual é cada vez mais difícil escapar“[10], digamos que os clientes são as empresas que comercializam comportamentos em mercados organizados. Portanto, gostemos ou não, estamos acorrentados a este estágio da situação que se tornou evidente após a pandemia.
Diante do que resta responder à questão vital se nós mesmos enquanto Maçons, estamos satisfeitos com este modelo no qual nossas próprias organizações e nós mesmos enquanto membros delas colaboramos ativamente na implementação da chamada “entelamento” social, ou seja, criar uma status quo, onde tudo acontece atrás de uma tela: o celular, o tablet, o computador, enfim, a virtualidade na sua forma mais pura.
A resposta é que não podemos estar satisfeitos e, portanto, é necessário um esforço e reflexão sobre esses modelos e comportamentos, e analisar o papel que temos desempenhado até agora, embora entenda que a resposta seja parcial, pois não temos referências anteriores porque as nossas referências até dois anos atrás eram outras e, portanto, é lógico que o que é inédito nos é difícil de identificar, razão pela qual «precisamos observar e analisar com novos olhos a profundidade dos fenômenos, e também encontrar novos nomes com os quais nomeá-los, se quisermos captar e compreender o que não tem precedentes como prelúdio essencial para qualquer forma eficaz de refutá-lo”[11].
À luz destas reflexiones poder-se-ia pensar que o que ocorreu durante toda esta pandemia, de 2019 a 2021, não foi um problema tecnológico, o que foi, y foi a peça chave de muitos debates, bem como a questão não só da intencionalidade mas também do emprego que produziu na gestão da pandemia para concretizar a velha utopia autoritária de conseguir maior controle social e político da sociedade.
Por isso é importante, enquanto maçons, que participemos do sabá de pensar e repensar a partir da dúvida com a devida tolerância sobre todas essas questões que nos aconteceram com a pandemia de Covid -19: o vírus, o confinamento, as medidas sanitárias, os cortes e limitação de direitos, a crise econômica, que revelou o autoritarismo político, o que nos obriga a refletir ainda mais sobre questões tão básicas quanto: Quem se beneficiou com esta pandemia? Embora já existam indicadores que apontam que os ricos se tornaram mais ricos e as classes médias mais pobres, e os pobres se tornaram diretamente o grande bolo do lumpen proletariat, e isso nas sociedades avançadas, razão pela qual vale a pena perguntar o que não está acontecendo em outras latitudes?
Acima de tudo, devemos repensar: para que nos está servindo esta pandemia? Em um mundo como este em que vivemos, que é pressionado pelo prevalecente “capitalismo do desastre, do quanto pior melhor, mais oportunidades, um sistema de caos onde a vigilância e o controle está sendo um fator estratégico, diante de uma supremacia financeira montada sobre o tecno-globalismo, com uma superestrutura tecno-digital e big data que facilitam o anonimato e a gestão de comportamentos e condutas sociais por meio da inteligência artificial e do transumanismo[12].
Diante dessas questões devemos refletir muito profundamente como sociabilidade maçônica, mas reaprendendo e projetando, ao mesmo tempo em que destacamos nossa mensagem de “uma Maçonaria da ser e estar e não a partir de aparências, e é claro mais intelectual do que formal”[13].
Nesse mesmo sentido, Michel Maffesoli em seu livro O Tesouro escondido. Carta aberta aos maçons… nos deixou algumas propostas, assim como outros autores:
“Diante de narrativas utópicas esperançosas e otimistas que desenham futuros mais justos, mais próximos, mais humanos devemos pensar com calma e nos reprogramarmos. É preciso também pensar se é possível unir projetos, buscar equilíbrios, encontrar o caminho do meio, desejado e desejável. Não acreditar que estamos certos. Escutar a vida e como ela conspira para criar mais vida. Estar dependente do outro e da outra, que não são inimigos porque têm opinião contrária à nossa ou porque são fontes de contágio viral; eles são seres humanos, como você e eu; confusos, desolados, iludidos, vivos.”[14]
O que nos interessa aqui, pelo menos enquanto maçons e como nos indica Philippe Guglielmi[15] é redescobrir a maneira de «escutar para refletir internamente e projetar um futuro para a humanidade, fazendo do intenso debate um combate de ideias, onde a tolerância diante de diferentes teorias, abordagens, opiniões deve prevalecer num momento turbulento e crítico da história da humanidade como este”, fugindo dos mimetismos sociais catastróficos e das sociedades iluministas; devemos caminhar em direção a uma mudança no sistema e nos modos de vida da sociedade, pelo menos como os entendemos até agora; recuperando valores que sejam considerados coerentes e éticos, e sobretudo distantes do protecionismo e controle e o “entelamento” social, e por isso devemos abrir nossa fraternidade que não pode estar sujeita a um metro e meio de distancia, a beijar máscaras ou viver atrás de uma tela protetora por toda a vida.
Diz-se que a mudança de paradigma envolve ouvir todas as vozes, atender aos diferentes pontos de vista e às diferentes leituras sobre a pandemia, analisando profundamente a questão de como vivíamos. Isso nos obriga ao exercício de nos escutar e dialogar, obviamente sem excluir outras perspectivas, pois todos contribuem com algo em prol de um bem-estar social, mas deve ser necessariamente realizado com respeito e compreensão, a partir das diferenças e distintas bagagens culturais, políticas e sociais.
Ficam claros, então, os nossos desafios mais prementes diante de uma fraternidade maçônica convulsionada, perplexa e até certo ponto paralisada, que são três:
Recuperar;
redescobrir; e,
Redefinir a nós mesmos.
Devemos nos recuperar dos modos e formas desencadeados pela pandemia. Não podemos continuar a nos esconder atrás do clássico “entelamento” virtual que cumpriu seu papel durante as proibições de nossos trabalhos maçônicos devido à questão pandêmica, e por isso não pode passar a fazer parte de nossa realidade ritual, saindo da opacidade.
Na medida do possível, que se busquem fórmulas para a recuperação de todos aqueles Irmãos e irmãs que, por uma razão ou outra, se afastaram do trabalhos em loja e na potência. Do contrário, acabaremos fechando nossas oficinas por falta de obreiros. É uma tarefa imprescindível que deve ser realizada tendo em vista a diminuição do número de membros, e os fatores que ocasionaram tal queda deverão ser analisados.
É preciso recuperar a lacuna deixada com tal sociabilidade, reflexão e ação; não devemos deixar nosso combate de lado, devemos continuar a impor novamente o nosso melhor para fazer como fiadores da democracia, pois como já comentei anteriormente, nosso papel na sociedade deixou de ter presença mediática especialmente a partir de 2020, e esse desafio é algo que não deve ser esquecido, é preciso recuperar o nosso papel e ação social, e principalmente em uma sociedade tão mediatizada como esta.
Portanto, é necessário reencontrar no ser e estar maçônico; nos espaços que conhecemos e que nos ajudam a compreender-nos e a compreender o nosso papel em loja e na sociedade; Assim, é necessário, mais do que nunca, fortalecer o estudo e a reflexão, abrindo novas pontes para o debate, interno e externo. Devemos dirigir esse esforço, sobretudo, trabalhando na externalização, envolvendo-nos ativamente nela.
E, claro, é importante nos redefinirmos. É a tarefa que nos cabe neste espaço borrado que nos deixou como estranhos na sociedade atual, o que exige de nós que, após esta pausa, redefinamos o nosso papel para sermos úteis à sociedade a partir dos valores que encarnamos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
E aqui eu vos deixo, porque não se trata de expor um amplo catálogo de iniciativas, mas sim que estas devem vir de um aprofundamento interno e em resposta às nossas inquietações e necessidades, tendo como marco a tolerância e o consenso, como sinal de respeito mútuo.
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[1] – Fernández Poncela, Anna María. Pensar juntos: intelectuais, perspectivas e prospectivas para a crise de 2020 Universidade Autônoma do México. 2021.
[2] – Cabrera, Daniel H; Martins Ricardo. Imaginário e estética diante da pandemia e da vida nas telas. Imaginação ou Barbárie no 21 julho de 2021.
[3] – Boletim de opinião da Rede Ibero-americana de Pesquisa em Imaginários e Representações (RIIR) No 21, julho 2020.
[11] – Zuboff, Shoshana. A era do capitalismo da vigilância. A luta por um futuro humano diante das novas fronteiras de poder (Estado e Sociedade) Ediciones Paidós.2020.
“Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe.” (Popular)
Em 2020, navegamos por mares turbulentos e aprendemos, na prática, o que é uma virose se transformar em pandemia, com reflexos em todos os setores da atividade humana. O cotidiano não foi mais o mesmo. Sem os merecidos rituais de despedida, entes queridos se foram. Vimos empresas e empregos sendo extintos da noite para o dia. Relações pessoais interrompidas, famílias divididas, lazer suspenso, países e cidades em isolamento, em frenéticas rotinas de abre e fecha. Tudo acompanhado com perplexidade, inquietação, insegurança e medo.
O espaço físico doméstico foi fortemente impactado ao enfrentar novas formas de organização, de suprimento e de conciliação entre atividades domésticas, escolares e profissionais. Isso sem falar no noticiário ameaçador, autoridades em conflito e no ambiente cada dia mais tóxico das redes sociais, contaminando mentes com as infindáveis fake news. No mesmo sentido, arroubos retóricos semeando a desinformação, abalando relações afetivas, provocando confrontos ideológicos, gerando intolerância e cizânia. Fortes emoções, porém com algumas conquistas, aprendizado e desafios superados. Sobrevivemos ao quase fim do mundo, a um custo muito alto.
Agora, já em meados de 2021, quando parecia que a “normalidade” estava retornando aos poucos, com a boa notícia da vacina, veio o revertério, com o recrudescimento da pandemia da Covid-19, frente a um sensível declínio dos afetados nos meses anteriores e agora apontando o aumento do número de infecções e óbitos, com a insegurança voltando a tomar conta de todos nós, mesmo com um grande número de pessoas vacinadas. Novos ataques, inclusive de novas variantes do coronavírus e outras pestes, que passam a ser prospectadas no radar, ressuscitando o fantasma de antigas profecias de sinais apocalípticos. Realmente, tempos difíceis!
Em meio às turbulências ora vivenciadas com a pandemia da Covid-19, conjecturar sobre o futuro é sempre tendencioso, certamente podendo descambar para exageros, mas é inevitável não especular a respeito de possíveis cenários. Muitas indagações e poucas afirmações, até então. Teremos nossas vidas de volta como anteriormente? O que se pode afirmar é que teremos que mudar para garantir nossa sobrevivência e segurança. De todos, sem exceção.
Por outro lado, com os gigantes Google, Facebook, Zoom e assemelhados no comando, as tecnologias disruptivas irão de fato alterar as medidas de segurança e estabelecer maiores controles sociais em um cenário orweliano. A realidade será mesmo virtual? Crises demandam mudanças e adiantam o futuro. Fica a dúvida, é só isso mesmo, ou vem mais por aí?
O consenso é de que nada será como antes e enfrentaremos, com certeza, novos paradigmas de comportamento individual e coletivo. Estaremos mais conectados e ao mesmo tempo mais isolados? Esse cenário será o mesmo para as demais atividades, onde nossas residências assumirão definitivamente a condição de extensão de escritórios, salas de aula e outras rotinas, de forma híbrida, para equilibrar trabalho remoto e presencial? Em principio, imagina-se que toda atividade que possa ser realizada sem a presença física será incentivada. Aquelas ora realizadas em ambientes propícios a transmitir algum tipo de vírus serão revistas ou minimizadas. A preocupação com a saúde passará a ser prioridade.
O que parecia ser especulação para um futuro distante, a pandemia encurtou os caminhos. Várias áreas sentem os efeitos e novos hábitos estão sendo rapidamente incorporados. O sistema de ensino, que dava passos largos no ensino a distância (EAD), estuda meios híbridos com incorporação de tecnologia envolvendo instrumentos de conteúdo presencial e digital. No mundo empresarial, o trabalho remoto é uma realidade e começa a ser incentivado por uma série de razões práticas expostas pela pandemia. Todos os ramos de atividades hoje trabalham com cenários alternativos. O porvir será vivido por trás de uma tela, é o que parece, pelo menos no que podemos especular por ora. A Covid-19 é uma realidade e a ciência ainda não tem uma resposta definitiva para os inúmeros desdobramentos possíveis.
No meio maçônico, é fato que, logo após a confirmação da pandemia, a Grande Loja Maçônica de Minas Gerais divulgou a Circular Nº 076, em 16.03.2020, comunicando a suspenção das atividades maçônicas presenciais, bem como “uma série de iniciativas tanto de interesse exclusivo da relação entre suas Lojas e Irmãos, quanto, de alcance e interesse da sociedade”.
Nesse mesmo diapasão, as atividades ritualísticas na Maçonaria foram suspensas mundo afora, conforme fartamente publicado nos meios de comunicação das Potências Regulares (vide Blogs Forthright Space e York), tendo como consequência a adaptação apressada desde então verificada, com o incentivo às reuniões virtuais. E a maçonaria passou, assim, a experimentar novos tempos e novas formas de reunião à distância, ensejando uma troca de experiências e de compartilhamento da cultura maçônica numa abrangência até então jamais imaginada.
Do que vimos até agora, não restam dúvidas de que essa solução “provisória” veio para ficar e se ressente de uma regulamentação via revisão de protocolos ritualísticos, que certamente ganharão novos contornos e regras de comportamento. Não podemos cultivar falsas ilusões. Caso isso não seja a linha mestra de atuação, o colapso da estrutura de sustentação da Ordem poderá ser entrevisto em cenário mais pessimista, o que não pode deixar de ser avaliado. A adaptação a novos hábitos deverá fazer parte do plano de gestão de cada uma das nossas Lojas, consideradas as particularidades. E já se sabe que gestão é a solução.
No cenário ainda de muitas incertezas, as tendências para o pós-pandemia indicam que a tecnologia será um forte aliado na preservação das tradições e fortalecimento da união entre os obreiros, dado que o retorno “normal” das atividades como era o costume encontrará fortes obstáculos, pois nossa Ordem continuará muito afetada com a necessidade do distanciamento social imposto pelas autoridades de saúde e até agora acatado por nossas lideranças.
O retorno às atividades normais após a cessação das medidas restritivas de reuniões enseja preocupações antes não vislumbradas, considerando-se que nosso grupo caminha para ser, majoritariamente, de obreiros com mais de 60 anos, com as vulnerabilidades impostas pela vida. A pesquisa “Maçonaria no Século XXI”, formulada pelo irmão Kennyo Ismail (2018, p. 5-6), demonstra que 37% da amostra participante da pesquisa são de maçons com mais de 60 anos, na categoria de idosos pela legislação vigente, “e, em apenas 5 anos, a maioria dos respondentes, aproximadamente 51%, será idosa”. Sem sombra de dúvidas, a maçonaria brasileira está envelhecendo e as baixas por causas naturais são inevitáveis.
Considerando a possibilidade de reuniões híbridas, presenciais e/ou por videoconferência, as Potências regulares terão o desafio de implantar plataformas específicas para as reuniões virtuais, com vistas a integrar bancos de dados para garantia da segurança e regularidade dos participantes, tanto os do quadro quanto dos visitantes, inclusive com nova cartilha de etiqueta e revisão de protocolos.
Na nova “Ordem do Dia”, essas e outras dúvidas começam a demandar um posicionamento mais efetivo de nossas lideranças, mas as resistências ainda são significativas, mesmo diante das evidências dos fatos. O pressuposto do diálogo em busca de soluções implica aceitação de que alguma medida precisa ser adotada com foco, inovação, resiliência e adaptabilidade. Sem isso não há chance de superação das dificuldades. John Maynard Keynes (1883-1946), economista britânico cujas ideias mudaram fundamentalmente a teoria e prática da macroeconomia, perguntava: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E o senhor, o que faz?”.
Ainda parece-nos que as reuniões presenciais na maçonaria, mesmo a partir do segundo semestre de 2021, estão seriamente ameaçadas. Os obreiros mais pessimistas apostam que um dos legados da pandemia do coronavírus será a adoção das videoconferências como solução perene para o impasse entre as restrições impostas pelas autoridades de saúde quanto às aglomerações que envolvam pessoas pertencentes aos grupos de risco.
O questionamento que nos provoca é por que o impacto na maçonaria seria diferente quando comparada às demais atividades? Afinal, estamos em guerra contra um inimigo invisível que não escolhe vítimas e é mutante. Gostemos ou não, a dura realidade está determinando uma nova forma de viver, que definitivamente não será mais a mesma. Os números mais recentes demonstram que o número de baixas por morte em nossas fileiras é expressivo. Também a evasão maçônica, que fazia parte de nossos embates, ganha novos contornos. Esse cenário precisa ser avaliado, notadamente quanto à recomposição dos quadros de obreiros. E, o mais importante, por ora, é reter talentos e engajar equipes.
Nesse sentido, o recrutamento deve ser orientado na busca de um perfil adequado aos princípios da Maçonaria e objetivos da Loja, que devem ser bem claros para os padrinhos que se empenharem nessa missão. E esses novos iniciados devem ser explorados em todo o seu potencial de conhecimentos e habilidades, cabendo às Lojas ter um diagnóstico dos anseios e inquietudes notadamente da geração mais nova, no caso a “Z”, que enseja os valores modernos caracterizados pelo empreendedorismo, gosto por desafios, vontade de mostrar resultados práticos e de se sentirem prestigiados (Novaes, 2016), e que precisam, portanto, se identificarem com a Ordem.
Voltando ao problema da moda, que tudo isso passará, não restam dúvidas. Mas, a que preço? Talvez em 2022 as coisas melhorem, mas e agora? A pergunta que não quer calar é: tudo será como dantes? Correremos o risco de novas ondas e necessidade de repetidos isolamentos? No nosso caso, continuaremos a reunirmo-nos em Templos apertados e sem circulação de ar natural, para evitar os olhares indiscretos e quebra dos quesitos de segurança? Irmãos mais novos em idade correm menos risco, mas podem se tornar vetores de contaminação em futuras recaídas da espécie. Muito receio entre maçons com idade provecta e seus respectivos familiares, que vêm externando mensagens de preocupação com o retorno das reuniões presenciais pós-pandemia.
O ganho até agora, em termos de compartilhamento da cultura maçônica promovido pelas reuniões virtuais, é de um valor incalculável, porém, segundo estimativas, conta com a participação de algo em torno de apenas 1% dos maçons ativos no Brasil. Mas o barulho que fazem está sendo ouvido em nossas Lojas e além-fronteiras. De concreto, a conquista representada pela fundação de duas Lojas Virtuais: ARLS Virtual Lux In Tenebris nº 47, em 25.09.2020, ligada à GLOMARON, e ARLS Luz e Conhecimento nº 103, em 05.11.2020, da GLEPA, com sucesso de participantes e de temas cativantes, com debates envolvendo irmãos de todo o Brasil e de vários que vivem no exterior, assim como de outras nacionalidades, de uma forma até então impensável.
De outra parte, se podemos falar em benefício das crises, foram inúmeras as oportunidades abertas pelos convites de Lojas que abriram suas reuniões virtuais à participação para todos os maçons regulares, com a ampliação dos contatos entre irmãos de vários Orientes, novas amizades e a realização de proveitosos e inesquecíveis ágapes culturais. A perspectiva de fundação de novas Lojas Virtuais é promissora e uma consistente alternativa a ser avaliada com muito carinho e sem prejulgamentos, dependendo exclusivamente do empenho das lideranças das nossas Potências.
Ocorre que não houve unanimidade nas participações em reuniões por videoconferência, por parte de expressivo número de irmãos, com fortes resistências, haja vista que muitos não estão familiarizados com os recursos ora proporcionados pelas redes sociais. Outros, por questões de ponto de vista, mantiveram-se distanciados, por não aceitarem de bom grado os avanços tecnológicos e mudanças de comportamentos. Dentre esses, identificam-se aqueles mesmos que não são assíduos em Loja ou desaparecem ou se isolam sem declarar os motivos.
Porém, nosso tempo merece ser mais bem aproveitado. A força da maçonaria está no aprendizado constante. Os conhecimentos e experiências precisam ser compartilhados e precisamos, portanto, refletir sobre a realidade desses irmãos que resistem em participar das reuniões em videoconferência. Evidente que não podemos abrir mão das Sessões Magnas e outras que demandam a presença física, pelo menos, com a participação daqueles obreiros não pertencentes a grupos de risco.
Desnecessário tecer maiores reflexões sobre a importância de participar, marcar presença, ou daquela expressão de quem não é visto não é lembrado, mesmo em reuniões virtuais. O que se sabe é que a inação desmobiliza o engajamento, afasta. Cabe, sobremaneira aos dirigentes de nossas Lojas, zelar por manter acesa a chama e não deixar ao relento a ovelha desgarrada ou que, no caso vertente, ainda não tenha sido seduzida pela malha tecnológica, carecendo apenas de uma ajuda dos universitários. E essa união, hoje, independe de presença física se levarmos em consideração as várias alternativas de materialização de ideias.
Mudanças regulamentares começam a ser reclamadas, em face do novo normal que se nos apresenta. Queiramos ou não, a “hora h” chegou. Precisamos vencer as resistências, abandonar a inércia e fazer deste momento a alavanca para a revisão de nossas Constituições, Regulamentos Gerais, Landmarks, Protocolos Ritualísticos e construir uma visão de futuro e não apenas pensar no ano em curso, num eventual pós-pandemia imediato e incerto. Neste momento, a única certeza é a dúvida se a Maçonaria terá efetivamente a resiliência para desdenhar os efeitos da atual crise, sem sequelas e/ou perdas em suas fileiras. Encontramo-nos perante um desafio de vida ou morte. Vamos pagar para ver ou correremos conscientemente o risco de sermos referenciados no futuro como os “coveiros” da Maçonaria?
Enfim, enquanto privados dos encontros presenciais, podemos incentivar e incrementar nossas videoconferências com discussões dessa temática, agora enriquecida com um número cada vez maior de visitantes de diferentes Lojas, Ritos, Orientes e Potências, sem falar que estamos, com isso, participando de mais reuniões dentro do conforto de nossos lares e com interação virtual calorosa, antes impensável. Para encerrar, quem ainda não leu em nossos grupos de WhatsApp irmãos perguntando: onde tem live maçônica hoje? Novos tempos, novos desafios!
“O que fazemos para nós mesmos morre conosco. O que fazemos pelos outros e pelo mundo, permanece e é imortal.” (Albert Pike)
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte. Membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida e da Academia Mineira Maçônica de Letras.
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“Quando as pessoas são felizes, não reparam se é Inverno ou Verão.” (Anton Tchekhov)
No ano que se encerra, navegamos por mares turbulentos. 2020 teve seus percalços, com vários tropeços, crises quase apocalípticas, como as queimadas, tempestades, deslizamentos, o ciclone bomba que atingiu o sul do país e a COVID-19, a mais grave pandemia da era moderna, que pegou a todos desprevenidos, com impactos na economia global, de vidas que se foram e o isolamento social (“fique em casa”), inédito nos tempos modernos, evocando sentimentos de perplexidade, inquietação, sensação de vulnerabilidade, de finitude e até de medo.
Tempo suspenso, portas trancadas, cortinas cerradas, famílias separadas, mortes transformadas em números, rituais de despedida suspensos, sistema global econômico e de produção paralisados. Novas formas de administrar o espaço físico doméstico, de suprir a casa e conciliar atividades profissionais. De outra sorte, água suja se limpando, poluição diminuindo e pássaros retornando aos locais de onde tinham desaparecido.
A natureza abriu a “Caixa de Pandora” e deu o seu recado. Tudo temperado com fake news, o cheiro desagradável do esgoto das redes sociais, fortes emoções, porém com algumas conquistas e desafios superados.
Que vontade de dizer agora, ufa, passou! Mas, surge uma chamada “segunda onda” e os cuidados e angústias se redobram. Parece que um melhor cenário se vislumbra, pois já existe uma vacina chegando por aí. Por ora, testemunhamos o quase fim do mundo e sobrevivemos a ele. Sairemos certamente mais fortes e com outra visão de mundo. Mas a que custo? Ficam as lições assimiladas na dura experiência. “Quem tem ouvidos, ouça”.
Hoje, e ainda bem que estamos aqui, soa sempre como mais do mesmo: adeus ano velho, feliz ano novo. Calendário quase chegando ao fim. Verão se aproximando. É momento de deixarmos que as cargas negativas virem cinzas ou ainda vamos querer falar durante algum tempo sobre a pandemia? A expectativa da virada engendra reflexões. Repensar os modos de vida, fazer o balanço de erros e acertos, rever escolhas e focar em onde melhorar e restaurar as resoluções de início de novo período. Enfim, garimpar novidades ou, para muitos, tentar voltar ao ponto em que nos encontrávamos antes do vírus dar as caras, resgatar o sabor da liberdade e de convivência harmônica e festiva.
Alheia a tudo isso, na natureza é tempo de muita luz para que a energia gerada renove seu ciclo. Nova época, uma nova estação. Fertilidade e prosperidade! O verão desperta energias. É o simbolismo da vida que se renova e ganha força dentro de cada ser. Mas, será só isso mesmo?
Na dura realidade, e presente alguma incerteza em relação a 2021, difícil não defrontar novamente com as constantes ameaças de explosão de gastos com as inevitáveis despesas de início de ano: IPVA, IPTU, matrículas escolares, férias, reajustes de preços e, como sempre anunciado no retrato do verão, mais do mesmo em termos de tragédias, que poderiam ser evitadas caso as políticas públicas fossem efetivas e não apenas promessas e mais promessas.
No simbolismo da virada de ano uma série de projetos da vida pessoal, fracassados ou suspensos na última temporada, se revigoram, como mudanças de hábitos alimentares, fuga do sedentarismo, planos de exercícios físicos regulares, projetos de montar um negócio próprio, recuperação da liberdade perdida, as festas, os encontros presenciais, poupança para um futuro tranquilo, ser mais tolerante, manter a calma custe o que custar, dentre outros sonhos.
Avaliações e construção de narrativas sobre o que não foi possível realizar no ano que se encerrou muito antes de seu fim ou dos quais desistimos mesmo antes de tentar, são sempre condescendentes e justificadoras dos fracassos colhidos, mas não impedem a expectativa de que tenhamos sucesso na nova temporada que se abre, pois o que não nos falta é Fé, Esperança, Amor e Gratidão pelas conquistas realizadas, pelas lições aprendidas.
É importante ressignificar compromissos e ter consciência sobre nossas limitações, mas, torna-se imprescindível potencializar nossas capacidades e manter o otimismo em relação ao porvir, sendo realistas sobre nossas possibilidades, as boas e não tão boas que podemos criar. As transformações que almejamos dependem somente de nós mesmos.
Sem medo de ser repetitivo, depois de tudo que passamos é até agradável repetir a tradição de renovar os votos de um Feliz Ano Novo, pois o sentimento que sempre se anuncia nesse período é a esperança, alimentada pelas inúmeras oportunidades que a vida nos oferece. Deixar para começar depois do carnaval, que esperamos aconteça, costuma ser um pouco tarde, pois o novo ano já terá adquirido o seu ritmo e as mudanças novamente restarão adiadas.
Para começo pode parecer pouco, mas procuremos deixar para trás a lógica do confronto, em especial das cruzadas ideológicas, e pratiquemos a tolerância, o respeito à diversidade e a colaboração onde for necessário. E busquemos, na espiritualidade, o equilíbrio das energias que melhor direcionem e inspirem nossas ações para sermos construtores de uma sociedade mais justa. E que as oportunidades a serem exploradas amenizem a trágica herança deixada pela pandemia e que ela não deixe vestígios em nossos corações.
Afinal, é bom aproveitar esse breve momento de pura reflexão. Depois volta tudo ao normal, às velhas atitudes, à sempre saudosa e reconfortante rotina da qual éramos tão críticos. E que saudades daqueles dias! A roda da vida segue girando, neste “País abençoado por Deus e gigante pela própria natureza”.
Na expectativa de que a Palavra Semestral da tradição maçônica, sempre atualizada na passagem dos solstícios, sirva de inspiração para a jornada que logo recomeça.
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte. Membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida e da Academia Mineira Maçônica de Letras.
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Estamos no limiar de 2020, um ano atípico, mas que vai ficando, a cada dia, normal, ou seja, típico, ao contrário do que se poderia imaginar há um ano apenas.
Nesse período nos refugiamos nas “lives” que se tornaram uma tremenda escola de Maçonaria para alguns que nunca tinham recebido uma carga de informações e conhecimentos tão grande em tão pouco tempo. Anos de Loja sem aprender absolutamente nada, porque não tinha quem desse uma boa palestra e tivesse algo de bom para ensinar. Por outro lado, muitos já estão saturados de tanta “live” por aí. Por preguiça mesmo, ou excesso de oportunidades.
É fato que elas ajudam muito, mas precisamos observar bem os temas e palestrantes para ver se são adequadas, principalmente a Aprendizes e Companheiros, Essa é uma tarefa dos Vigilantes e do Venerável, verificar se será um tema útil aos mais novos de Loja, por exemplo, podendo mais confundir do que explicar. Quando Mestre, ok, tem o direito e dever de conhecer de tudo, mas aí, estará mais expert para decidir.
Na verdade, esses palestrantes, mestres preparados geralmente, estavam lá o tempo todo, nas colunas das Lojas, mas ninguém sabia extrair o seu conhecimento para o bem comum porque as Lojas teimam em fazer só o ritual, algum ameaço de prece, alguns discursos vazios e correm para o ágape (copo d’água tradicional em algumas regiões).
Assim matam duas coelhas com uma cajadada, substituem a missa da semana porque já viram a Bíblia no meio do templo e recebem o alvará da cunhada para tomar aquela geladinha com os “manos”. E esses são os que ficam, porque muitos saem depois de algum tempo de muito, praticamente nada. Há muitos bons irmãos nas Lojas calados, por força de uma rotina insensata de não se fazer nada além de cumprir o ritual e perde-se qualidade a cada dia de silêncio no Período de Estudos.
Temos alertado sobre essa dinâmica vazia, a falta de uma boa pauta das Lojas nos últimos anos, agora até se explica, em parte, por causa da pandemia, mas o problema é antigo. Volta-se a insistir nesse tema, sobre a Maçonaria do Século XXI, que temos abordado em algumas palestras dadas também, porque, necessariamente, as Lojas maçônicas de todo o mundo, creio, mais precisamente no Brasil, precisam encontrar seu rumo, um Norte, ou um Oriente, se preferirem, e tomar esse caminho de imediato, ou, estaremos empurrando a Instituição para o buraco da decadência, de uma vez. Fim de linha em pouco tempo.
Porque não adianta ter um nome de “Maçonaria” e ser apenas uma sociedade de velhos chatos ou dorminhocos que não fazem ela cumprir sua missão, que é de reformar os homens, dando-lhes, à luz da Razão, o simbolismo das virtudes e do combate incessante aos vícios morais, depois disso, como exemplares cidadãos, participarmos ativamente das questões sociais que a circulam, com seus membros atuando positivamente, dando exemplos daquelas virtudes, através de ações beneficentes, sociais, políticas, em sentido amplo, enfim, tudo aquilo que será herdado pelos nossos familiares e pela nossa comunidade.
Difícil enxergar isso como a missão precípua da Maçonaria? Não há que se falar em entidade filantrópica como se fosse uma fabrica de esmolas, porque nesse sentido, perdemos feio de qualquer igreja. Não há que se falar, embora seja primordial, em sociedade filosófica, porque ninguém quase estuda filosofia ou outras ciências sociais.
Mas deveríamos, e muito. Porque é com a filosofia e outras ciências sociais que aprendemos a conhecer e lidar com o ser humano que nos circunda, como vivermos, que linha de pensamento termos, nossas ansiedades e necessidades. Se somos construtores da sociedade, temos que conhecer a nossa matéria prima, o ser humano.
Como tomar novos rumos e atingir esses objetivos? Claro que cada Loja deve encontrar seu caminho, mas algumas sugestões, podem ser lançadas na mesa. De que adianta criticar, sem apresentar soluções ou propostas de soluções?
A ideia é formar, em cada Loja, um centro de união de pessoas bem intencionadas, que queiram, primeiramente, estudar o simbolismo maçônico, sem se preocupar tanto com a ritualística, porque essa se aprende rapidamente, basta ler e cumprir fielmente seu ritual, e como somos inteligentes, não precisamos mais que três sessões para decorar os movimentos.
Outra coisa, não se preocupar tanto com a crença religiosa do candidato, isso é besteira, qualquer um pode mentir sobre crenças e ninguém pode contestar, mas se preocupar muito com a “folha corrida” do candidato. Moral é fundamental e precisamos saber com quem estamos lidando. Um sujeito com moral elevada, será sempre um bom irmão.
Outras condições são fundamentais para o sucesso do maçom, como a situação intelectual, porque o maçom não pode ser ignorante, tem que ter um excelente nível de compreensão do simbolismo, tem que ler e entender o texto de rituais e livros. A condição econômica também é importante, ou seja, para se manter na ordem sem dar prejuízos a ninguém e ainda poder contribuir em eventuais auxílios a irmãos e profanos.
As Lojas precisam se transformar também em salas de aula, literalmente, usando sua Ordem do Dia de forma inteligente e útil, com 80% dela para palestras e debates, além da apresentação de trabalhos dos irmãos da Loja. Com esses debates que se aprende muito e troca-se conhecimento. O Período de Estudos não pode se resumir a 15 minutos, mas deve ter, pelo menos, uma hora. É o mínimo. Em todas as sessões um Mestre deve propor um tema, apresentar uma peça e dela gerar perguntas e respostas, ou um debate organizado, onde opiniões e experiências devam ser expostos.
Assim, a sessão começa a ficar mais interessante, embora muitos irão reclamar do tempo. Mas esses são os que, geralmente, nada produzem e ainda querem atrapalhar os outros, querem comer, beber ou ir para casa mais cedo. São pesos mortos na Loja. Devem ser marcados e afastados se não querem participar do empreendimento.
Por outro lado, cada Loja deve assumir um trabalho social organizado, se possível com participação de cunhadas e sobrinhos, não só para eles fazerem e a Loja patrocinar, mas sim, todos se envolverem, como um orfanato, asilo, escola profissional ou de artes (música, dança, etc.). Com esse trabalho social e a utilidade da sessão trazendo mais conhecimento, haverá um expurgo dos preguiçosos em pouco tempo, mas outros que clamam por atividades, se aproximarão, acordarão do marasmo em que vivem e serão obreiros proativos. É certo que essa Loja, mantendo esse caminho, vai fazer sucesso porque seus irmãos estarão congregados em objetivos comuns, não se sentirão inúteis, ao contrário, como participes de uma sociedade em constante evolução.
É preciso que passemos por transformações internas, todos nós, abrindo mão de opiniões e posições inflexíveis, mudarmos em sentido positivo, avançarmos nas nossas ideais, sermos evolucionistas, de fato. Acabar com preconceitos de toda a espécie, sem deixarmos de ser nós mesmos, sem abrir mão de nossa personalidade, mas tudo pode ser debatido e acordado sem radicalismo, aproximando cada vez mais as ideias de uns e outros.
Tolerância é o remédio, no sentido de aceitar a possibilidade do próximo poder pensar diferente, das pessoas terem conhecimento relativo de algum tema e podermos nos abastecer desse conhecimento uns com os outros até chegarmos a um ponto comum. Impossível isso? Impossível uma convivência pacífica havendo discordância de pontos de vista dentro de uma ordem calcada no amor fraternal, tendo como divisa Liberdade, Igualdade e Fraternidade?
Não pode ser, como tem sido, um antro de discórdias e radicalismos, brigas políticas, tal qual o mundo profano a quem pretendemos dar exemplo. Temos que receber a todos, homens de qualquer espécie, gênero ou raça, cor, crença, etc., até que se abram as portas para as mulheres, e esse dia vai chegar, sabemos, com aval de ingleses inclusive. Basta que seja um ser de boa vontade e se preocupe com a evolução e progresso humano. Queremos pessoas boas, de princípios e objetivos.
Nós não precisamos de rótulos e marcas, de estereótipos, precisamos de inteligências para podermos fazer algo de grande pela humanidade. Pouco importa quem seja a pessoa que esteja na coluna, o que importa é que ela some pensamentos e esforços físicos para essa construção social da qual tanto falamos.
Hoje somos pedreiros com uma imensa obra em atraso e prazo se esgotando para entregarmos. Não podemos abrir mão dos bons artífices, temos que dispensar os maus obreiros e contratar novos com bom históricos e formá-los grandes profissionais. Assim a obra chegará ao seu final com a beleza esperada e no prazo determinado.
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A palavra “política” na sua origem nos remete à Grécia Antiga, à polis grega, quando fazer política tinha o sentido de participar da cidade, exercer a cidadania. Diz-se que eles inventaram a política por ela ser imprescindível na vida do ser humano, fazendo-o distinguir-se dos deuses e dos animais. Para Aristóteles (384-322 a.C), “o homem é um animal político”, estando, assim, destinado a viver em sociedade. Platão (427-347 a.C.) já afirmava que,
“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam.”
A capacidade de traduzir demandas da sociedade em meios aptos a converter a exigência em realidade pertence à Política. Governar é aumentar a confiança das pessoas e das empresas, alargar as esperanças e reduzir as incertezas. Entretanto, a percepção é que há uma simbiose entre política e corrupção. Mas, não é bem assim!
Tema polêmico por excelência, Política é o único mecanismo possível de solução pacífica de diferenças, compreendendo a busca de consensos. Os pontos mais complexos aí se circunscrevem. Política é inclusão social. O Papa Francisco diz que “a Política é a melhor forma da caridade, porque se empenha pelo bem comum”. A sua linguagem, a forma como a política dialoga com a sociedade, é um referencial da qualidade da democracia de um País.
A temática vem repercutindo em alguns oásis maçônicos, pois o trabalhar incessantemente pela felicidade do gênero humano enseja um caráter universal, tendo por isso cunho essencialmente político, por se impor como uma escola de civismo e de liberdade, onde se devem debater grandes assuntos de interesse do país. A realidade exponencial e disruptiva é o desafio.
Mas aí é que surge uma afirmação sobejamente decantada e que contrasta com sua missão. A Constituição de Anderson, de 1723, afirma que: “..deve-se evitar discussões sobre religião e política…”. Tal dispositivo vai de encontro ao conceito de liberdade que é um pilar da maçonaria moderna. As constituições dos países modernos e livres consideram como um direito inalienável do cidadão a liberdade de se manifestar e de debater os problemas políticos e sociais. Portanto, existe um dispositivo hierárquico atual e superior que abre os caminhos para uma efetiva participação, não obstante a disputa de narrativas.
Entende-se que as restrições quanto a debates sobre política e religião têm por cunho evitar-se apenas que a harmonia das Lojas não seja perturbada por discussões partidárias, contaminações ideológicas, proselitismo ou sectarismo que promovam o desentendimento e a desagregação. Assim, em decorrência das sucessivas crises políticas, a maçonaria não pode passar ao largo das questões de interesse do país. A realidade impõe-se, e ficar de fora, neste caso, é omitir-se, é ser cúmplice dos erros. Segundo o influente pregador Batista inglês. C. H. Spurgeon (1834-1892),
“Somente os tolos acreditam que politica e religião não se discute. Por isso os ladrões continuam no poder e os falsos profetas continuam a pregar.”
No contexto histórico vislumbra-se inegável a influência por vezes decisiva da ação política da maçonaria em vários acontecimentos de relevo. No caso brasileiro destacam-se os movimentos de rebeldia e de libertação que antecederam a Proclamação da República, e inúmeros outros conflitos e rebeliões, que contribuíram para o amadurecimento histórico do país, os quais contaram com a participação pioneira de várias Lojas e de membros expressivos da maçonaria, inspirados e movidos pelos princípios da Ordem.
Até um determinado período, a Maçonaria funcionou como veículo para expansão de ideias e organização de movimentos, atuando como um partido político camuflado. Em análise retrospectiva, a Maçonaria brasileira iniciou o século XX exercendo interferência política decisiva nos destinos do país, mas chegou ao final do período enfraquecida, gerando ilhas autossuficientes, em decorrência das cisões de 1927 e 1973, bem como do impacto das Revoluções de 1930 e de 1964, além de disputas intestinas de poder que são referências em sua estrutura administrativa. E com isso, esvaiu-se a medida de liberdade.
Apesar do conceito positivo junto àqueles que a conhecem, a Maçonaria ainda é desconhecida por grande parte da população brasileira. No cenário político nacional atualmente não tem nenhuma representatividade e não exerce qualquer sopro a exemplo da norte-americana ou da europeia, que mesmo assim vem decrescendo aceleradamente em número de obreiros. E vejam que capital intelectual e consciência de sua importância para liderar as transformações necessárias à promoção da justiça social é prédica recorrente entre suas colunas. O que falta é esse discurso repercutir no mundo profano.
A Maçonaria, como instituição, não pode continuar na velha toada de que não deve envolver-se diretamente em temas políticos e nas grandes decisões de interesse do Brasil, candidamente delegando aos maçons que o façam individualmente, pois um regramento de 1723, editado em outro momento histórico, impede ações mais decisivas em pleno século XXI. Somente caprichar na retórica e bradar que alguém tem que tomar uma providência é muito confortável. Esse comodismo e o obsequioso silêncio político da Maçonaria do Brasil precisam ser quebrados. Repetindo a questão de sempre: sabemos ou não dialogar?
O espírito da Constituição de Anderson vislumbrava a Maçonaria como uma organização de cunho muito mais abrangente, suprapartidário, abrigando todas as tendências. Mentes tacanhas distorceram tal entendimento e têm conseguido mantê-la acorrentada. É hora de a Maçonaria repensar sua atuação, decretar a sua independência e de agir com responsabilidade. Chega de discursos pomposos, manifestos bem comportados, fotos teatrais, homenagens, firulas, reverências e salamaleques com autoridades de plantão! No caso específico dos “irmãos” titulares de cargos no poder executivo, o mote deveria ser de pressioná-los para cumprir o juramento ou dar baixa na Ordem.
Como reiterado em trabalho anterior, já passou da hora de maçons e a Maçonaria, como um todo, assumirem o papel que já foi sua marca registrada no passado: revolucionária, decisiva, incomodativa, marginal em outros momentos. Defender que a maçonaria seja apenas uma escola de pensamento onde se cultive exclusivamente moral e ética e acalente o sonho de que seus princípios e valores sejam amplamente conhecidos e que forças do além inspirem os tomadores de decisão, sem se envolver diretamente, ficando na torcida para que a justiça e os bons costumes prevaleçam, é mais do mesmo. Educar os obreiros para que sejam pessoas do bem e apenas sonhar com um futuro melhor, pregando como os outros devem agir, é muito bacana, supimpa mesmo! Podemos chamar esse contexto de Maçonaria Contemplativa.
Se o apenas falar dentro da bolha não deu certo, algo está errado. Ou se for isso mesmo, a Maçonaria agiria melhor como um clube de serviços e cultivar a memória de um passado confortável pela frente e permanecer admirando-se no retrovisor da história, sonolenta, a lembrar do conto “Cidades Mortas”, onde Monteiro Lobato escreveu: “Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito”. E nada é tão ruim que não possa piorar!
“Apesar de tudo”, o momento é de despertar e de assumir o protagonismo, sair na dianteira, declarar guerra e partir para cima dos poderes constituídos exigindo competência e transparência, abraçar pautas de interesse da sociedade, promover debates públicos, videoconferências abertas para não maçons, encaminhar e liderar propostas de soluções, criar pontes e ocupar espaços que permitam aos obreiros a reivindicarem, de forma organizada, com uma Maçonaria que poderíamos chamar de Executiva, as mudanças que todos exigem, pois a perda de contato com a realidade paralisa a consciência crítica. O dramaturgo e poeta Bertolt Brecht (1898-1956) certa vez escreveu: “Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem”.
O obstáculo maior sempre foi escapar das velhas ideias, das formas arraigadas de pensar, mas, em solo fértil boas sementes frutificam. Com a provocação e o impulso de novas gerações, em especial a Geração Z[1] ainda como uma voz que clama, a GLMMG vem de algum tempo construindo propostas, várias submetidas à Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, visando a promover a coesão e a credibilidade da Ordem. Os Projetos “Gestão Maçônica” e “Cultura Cidadã”, constantes do Site da GLMMG atacam o cerne dessa questão. A propósito, lembrando um certo juramento, imaginamos que todos já os tenham lido e discutido em Loja.
Mas, um velho ditado popular adverte: “uma andorinha só não faz verão”. Aplausos e aplausos em Plenárias somente alimentam egos. Ao término dessas reuniões, como bons isentões, voltamos para nossas Lojas e a “Ordem do Dia” continua a ser o mais do mesmo, e nada de falar em temas palpitantes de interesse do país. As melhores intenções morrem nas palavras, em face de discursos emocionados, carregados de simbolismos e vazios de concretude.
Não obstante o sofrimento e custo social decorrente da pandemia do coronavírus, que superou os piores prognósticos realizados ainda no primeiro trimestre de 2020, navegamos nos últimos meses por mares turbulentos, com vários percalços e tropeços, que pegou a todos desprevenidos, com impactos na economia global, de vidas que se foram e o isolamento social (“fique em casa”), inédito nos tempos modernos, evocando sentimentos de perplexidade, inquietação, sensação de vulnerabilidade, de finitude e até de medo.
Tempo suspenso, portas trancadas, cortinas cerradas, famílias separadas, mortes transformadas em números, rituais de despedida não autorizados, sistema global econômico e de produção paralisados, além do conceito de liberdades individuais com leitura distorcida por autoridades confusas, conflitantes entre si e sem um norte. De outra sorte, água suja se limpando, poluição diminuindo e pássaros retornando aos locais de onde tinham desaparecido.
Nesse interim, boa parte das nossas Lojas encontrou o caminho das videoconferências para não interromper os estudos e a divulgação da cultura maçônica, procurando, ainda, manter os laços de fraternidade, mesmo que virtuais, porém com adesão ainda não avaliada de forma consistente, mas estimada em número inexpressivo em face da quantidade de maçons ativos, haja vista as mesmas carinhas a frequentar nossas telinhas, não obstante artilharia pesada de argumentos contrários a esse tipo de evento.
Não se pode descurar das sessões presenciais, quando possível, mas o papel complementar das reuniões virtuais é inquestionável. Vários temas estão sendo explorados, muitos conhecimentos compartilhados e ideias borbulhando, mas o da Política com “P” maiúsculo ainda encontra resistências. O mundo lá fora pegando fogo e a gente, por ora, apenas filosofando nas “lives maçônicas”!
A Maçonaria precisa ser protagonista e não apenas apoiadora ou um rebanho carneiril pastoreada por dirigentes políticos que sabidamente jogam mal, com raras exceções. Para isso, urge mudar sua forma de ação e trabalhar em um plano conjunto entre as Potências soberanas, com fôlego e determinação para ser uma influenciadora permanente, pela prática da moderna advocacy, sem se envolver no círculo vicioso da politicagem tradicional, que tem o hábito de dar voltas e parar no mesmo lugar, ensejando as mesmas contradições.
Agora que descobrimos um novo meio de reunir os maçons das várias Potências pela força das redes sociais e já estamos familiarizados com os recursos tecnológicos disponíveis, a novel missão seria a prática de um ativismo orquestrado, ombro a ombro, mesmo que virtual nesta fase, envolvendo a Ordem como instituição, seus Grão-Mestres na postura de estadistas e os maçons alinhados em torno de projetos amplamente discutidos e aprovados, distinguindo-se pelo exercício ético e competente de influenciar o comportamento e ações de outras pessoas, como “Agentes Cidadãos”, formando alianças do bem, não apenas com foco em resultados de curto prazo, mas de construir um país melhor para todos os brasileiros e uma saída para a atual crise que nos acorrenta.
A sociedade saberá reconhecer o empenho e certamente o exemplo da Maçonaria arrastará outros movimentos que anseiam por uma liderança competente e decisiva na Politica.
“Somente quem, frente a todas as dificuldades, pode dizer ‘Apesar de tudo! ’ tem a vocação para a política.” (Max Weber)
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte. Membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida e da Academia Mineira Maçônica de Letras.
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Faça da disciplina um lema, da dedicação uma bandeira e da paixão pelo trabalho um exemplo (comercial Ayrton Senna).
Desde sua estruturação iniciada na primeira metade do século XVIII, a Maçonaria vem defendendo princípios e valores morais, posicionando-se politicamente e identificando-se com causas nobres, lutas sociais e movimentos cívicos, revolucionários e libertários, que a fizeram prosperar até nossos dias, sempre combatendo a intolerância, os preconceitos, a ignorância, os privilégios e defendendo ideias inovadoras.
Ao longo de sua trajetória, a Maçonaria procurou atuar no sentido de educar seus obreiros para serem pessoas de uma convivência saudável, com sólida formação de espírito de luta para a busca do aperfeiçoamento individual e social.
E, para manter a conduta moral exigida pela Ordem, o obreiro deve exercer o domínio das paixões, reconhecer e corrigir defeitos, cultuar a inteligência e por em prática os rigorosos ensinamentos colocados à sua disposição.
Esse aprendizado se inspira na Ética Maçônica que, mais do que um simples dever, fundamenta suas ações nos conceitos de liberdade, igualdade e de fraternidade, em busca da concretização dos valores e regras morais inscritos em seus rituais e regulamentos, orientando a conduta de seus obreiros com ênfase na solidariedade humana e na justiça, em toda a sua plenitude.
Nesse sentido, o trabalho da Maçonaria em Loja visa a aprimorar o caráter de seus membros e a promover reflexões sobre a espiritualidade e elevação do nível de consciência e convivência irrestrita e fraternal, de forma que seja aperfeiçoada a capacidade de raciocínio e que os obreiros possam agir no mundo profano como construtores sociais aptos a influenciar a opinião pública e provocar mudanças qualitativas nas atitudes das pessoas, despertando a lucidez e mostrando a realidade, fomentando a importância de bons exemplos.
Para cumprir esse desiderato, o aprendizado dos valores maçônicos em Loja é proporcionado a partir de reflexões sobre o conteúdo das Instruções, Rituais, Constituição, Regulamento Geral, que pressupõem o autodesenvolvimento como processo contínuo, envolvendo aspectos éticos, morais, espirituais, culturais e sociais, onde tudo é harmonizado pelo esforço individual do obreiro e pelos princípios norteadores da filosofia maçônica, de forma livre, que não dita regras nem o ritmo, tornando o maçom o mestre de si mesmo, onde o seu maior símbolo é o autoconhecimento.
Como resultado desses ensinamentos, vislumbra-se o impulsionamento da capacidade de pensar e a prática de virtudes e de ações concretas no mundo profano, de forma transformadora, forjando um cidadão consciente que procura fazer tudo de forma justa para promoção do bem e para tornar feliz a coletividade, como consequência do seu aperfeiçoamento pessoal e influência na sua esfera de relacionamentos, com o reconhecimento de todos os que o rodeiam. A convivência com esse maçom aprimorado torna-se uma experiência prazerosa e inspiradora com efeito multiplicador incomensurável.
Com o propósito de perenizar esse valor e colher frutos sempre saborosos, temos no cotidiano de nossas Lojas exemplos daquelas que são bem geridas, disciplinadas na ritualística, ricas nas atividades e que observam o cumprimento das regras e fundamentos da Ordem, sendo bem reputadas e objeto de visitas constantes de irmãos de outras Oficinas, que procuram se inspirar para melhorar o desempenho, praticando o tradicional método do benchmarking, comparando ações, avaliando a gestão e clima de convivência.
Naqueles casos de amor à primeira vista, muitos obreiros impedidos de chegar ao ótimo individual em suas Lojas de origem, aí incluídos iniciados recentes, e munidos de coragem e em busca de desafios, partem para o pedido de transferência, vislumbrando a possibilidade de aprimoramento pessoal. Talvez seja prematuro especular, mas no retorno de nossas atividades presenciais, após esse período de pandemia, muitas mudanças poderão ocorrer, em especial naquelas Lojas que resistiram e não organizaram reuniões virtuais, fragilizando o culto aos valores vinculados aos laços fraternais e de estudos.
Dentre as Lojas que não conseguem reter seus obreiros e sentem minguar sua força de trabalho, com o enfraquecimento de suas Colunas, o diagnóstico desagua frequentemente em deficiência no processo de gestão, quando não é dada a devida importância ao aperfeiçoamento dos obreiros, contribuindo para o desinteresse, o desencanto e a deserção de muitos irmãos, pela falta de oportunidade de treinamento, de discussões de temas relevantes e de um ritualismo vazio, um teatro repetitivo apenas para cumprir tabela. Uma Loja não consegue evoluir com o freio de mão puxado.
Ocorre que, elaborar uma análise da Maçonaria como um observador acima do bem e do mal, sem o espírito de pertencimento e de corresponsabilidade para com os destinos de nossas Lojas, independente de cargos, graus e qualidades, confortavelmente instalados em ambientes aconchegantes – em especial nesse retiro domiciliar cumprindo o distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde -, pode ensejar tarefa aparentemente simples. Por sua vez, apresentar críticas sobre a gestão da Loja e sugerir medidas de correção pode recair em mais do mesmo, dependendo da forma e do poder de argumentação do avaliador.
Porém, quando se pensa no que individualmente podemos fazer para contribuir para a eficácia de nossas Lojas, para a efetiva aplicação dos valores maçônicos, aí o bicho pega. É o velho dilema de enfrentar o questionamento de que conseguimos avaliar e dar bons conselhos para os outros, mas não o conseguimos para nós mesmos, causando certo desconforto. É o conhecido “Paradoxo de Salomão”, uma situação em que temos bons argumentos para resolver os problemas dos outros e dificuldades em solucionar os nossos pessoais.
Dar apenas uma opinião, de longe é o melhor. A alternativa de argumentar que a Loja está com um projeto em discussão (eterna) ou ainda está colhendo sugestões é a melhor das desculpas. Quantas já superaram essa fase e já estão agindo efetivamente? O mundo lá fora continuará aguardando nossas providências? Como ficam os valores que cultuamos e a nossa credibilidade, em especial junto aos novos iniciados “ainda” cheios de esperanças?
O que não falta em nossas Lojas são manifestações do tipo: “já falei várias vezes e já dei diversos conselhos, mas ninguém prestou atenção!”, ou então a conclusiva e desanimadora: “minhas palavras foram levadas pelo vento, doravante não falo mais nada”, e por aí vai. De forma inapropriada, ouve-se nos átrios de distantes Potências comentários do tipo “eu faria diferente…”, característico dos “engenheiros de obras feitas” ou a “fácil sabedoria ex-post”. Onde estaria esse sabichão da Ordem na hora de fazer o que seria o certo?
Em muitas oportunidades, a eventual sugestão ocorreu de forma atabalhoada, carregada de emoções, em situações em que o obreiro atravessa a ritualística e quebra a harmonia dos trabalhos com comentários paralelos, julgando-se senhor do certo e do errado. Outros apontam deslizes de forma abrupta, como se donos fossem, com ar professoral e recorrendo à condição de “fundadores”, usurpando função dos titulares responsáveis, quando não reclamam de uma determinada circunstância, falando fora de hora e invocando “questão de ordem”, funcionando, enfim, como um antimodelo. Que valor estaria faltando?
Em tempos reuniões em videoconferências e de redes sociais agitadas como uma tormenta de verão, grupos de WhatsApp se transformam em verdadeiras Oficinas de trabalho, com total descumprimento das recomendações de que determinados assuntos fiquem restritos a sessões ritualísticas e que existe uma “Bolsa de Propostas e Informações” continuamente preparada e ávida para receber pranchas bem fundamentadas, com contribuições de todos e de que existe uma forma protocolar de encaminhamento. Continua faltando algo!
Precisamos adotar uma postura diferenciada e acolher a Maçonaria, em especial a nossa Loja, como um patrimônio, um valor pessoal, um tesouro a ser administrado, conservado, aprimorado e desfrutado com muito carinho, não apenas delegando ao Venerável e aos Vigilantes a responsabilidade para tal.
Torna-se imprescindível colocarmo-nos no lugar deles e ver os problemas de nossas Lojas de uma perspectiva diferente, pois o legado dos irmãos que nos antecederam precisa ser honrado e somos os únicos que poderão dar continuidade à obra e deixar nossa marca para as gerações que irão nos suceder, em especial a Geração “Z”, ocupando ou não um “cargo” de destaque[1].
Afinal, somos uma família ou não? Estamos apenas em busca de proveito pessoal ou para posarmos de “pavões misteriosos”? Somos agora apenas figuras carimbadas em lives maçônicas, tipo políticos em campanha em busca de projeção “nacional”, participando simultaneamente de vários eventos, apenas para marcar presença? Estamos efetivamente sintonizados com os valores maçônicos e prestigiando as atividades de nossas Lojas-mãe? Para melhor compreender e aprofundar a reflexão é aconselhável substituir o pronome “nós” pelo “eu” e aí a situação se complica. O que “eu” preciso fazer?
Nesse contexto, fica claro que o problema se circunscreve à seara da disciplina em Loja ou mesmo nas atuais videoconferências maçônicas. Ah, disciplina! É isso! Nunca é demais relembrar que, em termos gerais, o termo disciplina é definido nos principais dicionários como um conjunto de regras ou ordens que regem a conduta de uma pessoa ou coletividade ou aquelas destinadas a manter a boa ordem em qualquer assembleia ou corporação. A boa ordem, portanto, é presumida na observância e submissão ou respeito a um determinado regulamento que, no nosso caso, é precedido de um juramento de honra, um valor a ser preservado. É novidade?
Aplicada ao nosso dia a dia, a disciplina enseja conduta pautada por padrões éticos independentes de normas e regulamentos, envolvendo respeito e limites a serem observados, sob pena de gerar conflitos e dissabores. Aprendemos, desde criança, que respeito é um valor inestimável e, para conseguir realizar um objetivo, precisamos seguir regras e procedimentos disciplinares.
Nesse sentido, se sobressai o zelo que devemos ter em nossas Lojas para não nos deixarmos levar pela vaidade e arroubos de poder ao incentivar ou promover alterações desfigurativas em nossos Rituais ao arrepio dos Protocolos vigentes, dando provas inequívocas de arrogância e de falta de disciplina. As reuniões maçônicas têm o condão de despertar a importância da disciplina, como fator de educação, para que possamos encarar os desafios da vida. Esse valor nos é ensinado e temos boas referências de normativos a orientar nossas ações.
A autodisciplina é uma habilidade que requer consciência crítica e capacidade de observação amparada por procedimentos e hábitos que nos impomos com alguma finalidade. Então, sabemos o que fazer. É uma questão de atitude. A avaliação que precisamos enfrentar é: sou um apático, um reclamão nervosinho ou apenas um irmão bacana, oportunista, bom de retórica e em busca de projeção pessoal? Como “eu” posso contribuir para a Loja que me acolheu com tanto carinho?
Tratando-se de perenidade das instituições, 300 anos não é pouco, mas pode não ser suficiente para garantir outro período semelhante. Excetuando-se o Brasil, no mundo a Maçonaria está encolhendo em número de obreiros, mas ainda desfruta de bons motivos e um extenso legado a comemorar e não se pode deixar de dar destaque aos irmãos que defendem os valores ensinados pela Ordem e fazem-na respeitada e reconhecida, e que são a maioria. Por tudo isso, pergunto aos meus botões: isso se aplica a mim ou não?
Enfim, nunca é demais repetir e enfatizar que
a missão do Mestre no exercício da sua plenitude é transmitir aquilo que aprendeu, compartilhar informações e experiências, dar o exemplo, respeitar a ritualística, honrar o compromisso de ser um facilitador para os estudos dos novos Aprendizes e Companheiros, para que os mesmos sejam melhores do que aqueles que os treinaram.
O Maçom de valor (de raiz) é presente, incentivador, colaborativo, partícipe e disciplinado[2].
A disciplina é a mãe do êxito (Ésquilo).
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte. Membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida e da Academia Mineira Maçônica de Letras.
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A interrupção dos trabalhos presenciais em resultado da pandemia constituiu, obviamente, um apreciável transtorno para a Loja. Interrompeu-se a programação do ano, bem como o contato presencial entre os obreiros da Loja. Ao fim de algum tempo, passou-se a utilizar os meios técnicos disponíveis para passar a reunir em videoconferência, nas mesmas noites em que normalmente haveria sessões de Loja. Foi o remédio possível, mas rapidamente se verificou que… não é a mesma coisa! Nem poderia ser, claro.
Inicialmente, nas duas ou três primeiras videoconferências, ainda houve a alegria do reencontro, ainda que por meios virtuais. Mas depois começou a ouvir-se o lamento, de cada vez mais de nós até ser evidente haver unanimidade nesse sentimento, de que… falta o ritual! E falta, efetivamente.
Mas em quase todas as situações podemos escolher ver o copo meio vazio ou olhar para o copo meio cheio. O copo está meio vazio, porque falta o ritual. Mas, por outro lado, afinal o copo está meio cheio, porque nos demos conta de que falta o ritual!
Efetivamente, antes da pandemia (e subjetivamente este “antes da pandemia” começa a parecer-nos algo como “no século passado”…) quantos de nós REALMENTE tínhamos a noção da importância do ritual? Cada um que confesse a si próprio: é ou não verdade que, antes da pandemia, ao menos uma vez, em momento de maior cansaço ou num assomo de aborrecimento, se pensou que a repetição uma e outra vez do ritual era, afinal, uma perda de tempo e que mais valia tratar-se do que se tinha a tratar, debater-se o que se tinha a debater, decidir o que se tinha a decidir sem se “perder tempo” com a repetição de um ritual já conhecido? E não terá porventura havido alguma vez em que o ritual de encerramento foi “despachado” em alta velocidade porque já era tarde e o ágape esperava?
Pois bem, agora vimos, agora sentimos, que o ritual nos faz falta. Que a repetição daquelas frases, por alguns já centenas de vezes ouvidas, nos conforta, que a audição desse diálogo nos sintoniza, que os princípios, os lemas, os símbolos dele constantes nos relembram as condutas que devemos seguir, as melhorias que nos esforçamos por fazer, o sentido da vida que buscamos.
Se algo de bom para a Loja resultou da paragem em resultado da pandemia, foi isto mesmo: lembrou-nos como o ritual é importante, como nos faz falta, como integra a essência de ser maçom.
Assim, enquanto nos mantemos nesta “apagada e vil tristeza” de nos irmos vendo (alguns de nós, que a outros as videoconferências nada dizem) bimensalmente por videoconferência, comecemos, cada um de nós de si para si e todos em conjunto, a preparar o regresso à Luz das nossas reuniões presenciais e ao reencontro com o ritual.
Porque – não nos enganemos – há que preparar esse regresso e nos prepararmos para esse regresso, pois este interregno deixou marcas, fez-nos perder o hábito de “ir à Loja”, potenciou a nossa preguiça (e venha de lá o mais pintado dizer que preguiça é coisa que não sente e nunca sentiu, que eu logo fraternalmente terei de o apodar de Irmão mentiroso… Um dos vícios para que cavamos masmorras é a preguiça…). Pelo que, quando regressarem as reuniões presenciais, haverá que sacudir todos e cada um de nós para desalojar a instalada rotina de “não ir à Loja” e motivar todos para comparecer… até porque vai haver ritual!
Na minha ótica, três ações serão necessárias, quiçá indispensáveis.
Nas duas ou três primeiras sessões, fazer um trabalho mais pronunciado de divulgação e de motivação de todos a comparecer. No limite, organizar que cada um da metade mais assídua tenha a tarefa de contactar, motivar e tentar, por todos os meios exceto a força física, que os menos assíduos agora venham. Não só porque vai haver ritual, mas afinal porque vai haver um RECOMEÇO, um novo ciclo, a organização e funcionamento de uma nova Loja pós-pandemia (quer nós estejamos cientes disso ou não, este interregno pandémico é um corte, uma separação, entre a Loja de antes e a Loja de depois, que será o que nós quisermos, pudermos e conseguirmos fazer dela. Então, os menos assíduos, os menos interessados, os mais ocupados com trabalho, família e tudo o resto que normalmente se atravessa à frente da “ida à Loja”, que melhor oportunidade têm de contribuir para uma Loja mais à medida do seu interesse, das suas necessidades, do que aproveitar o RECOMEÇO e a folha em branco que ele transporta para escrever nela o que mais lhe interessa, para ajudar a fazer da Loja o que eles sentem que falta? A Loja pós-pandemia far-se-á com todos, os que antes vinham mais e os que antes vinham menos (ou não vinham de todo…), que agora podem ajudar a refazer a Loja mais a seu gosto!
A segunda necessidade a satisfazer é… RITUAL, RITUAL, RITUAL. Se sentimos que o ritual nos está fazendo falta, vamos matar a fome dele! Deveremos dar prioridade, nos primeiros tempos, à execução ritual e, sobretudo, à execução de vários rituais, designadamente o de Iniciação, o de Passagem e o de Elevação. Exceto os dinossauros da Loja (eu e mais um ou dois), miraculosamente ainda não extintos, os elementos do Quadro da Loja podem porventura ter ouvido falar, mas não tiveram experiência dos primórdios dela. E os primórdios dela resume-se a uma palavra triplamente dita: ritual, ritual, ritual. Durante mais de um ano, por imposição do Grão-Mestre Fundador, era a nossa Loja e só a nossa Loja que fazia Iniciações, Passagens e Elevações. No fim desse tempo estávamos exaustos, já deitávamos ritual pelos olhos fora, mas foi com esse trabalho que forjámos a argamassa que constituiu a coesão da Loja e que nos ajudou, ao longo de três décadas, a superar crises e adversidades. A Loja pós-pandemia vai recriar a sua coesão e a execução ritual vai certamente ter um papel nisso. Mas não esqueçamos que para fazer um ritual de Iniciação temos de ter candidatos já inquiridos e admitidos pela Loja à Iniciação. Aproveite-se o tempo de pausa para ultimar as inquirições de quem está nos passos perdidos, de forma a votarmos a sua admissão à Iniciação na primeira sessão presencial de Loja. Para fazer Passagens, temos que ter Aprendizes com o interstício cumprido e as respetivas pranchas lidas. Haverá que verificar se estão reunidas as condições de Passagem também logo na primeira sessão presencial, para programar a Passagem de quem pode fazê-lo logo nas sessões seguintes e assegurar o cumprimento dessas condições aos que ainda as não reunirem, para serem passados logo depois, numa fase subsequente tão rápida quanto possível. E o mesmo quanto às Elevações.
Finalmente, a terceira necessidade a satisfazer é cíclica na nossa Loja: estabelecer qual o nosso projeto nos tempos mais próximos, que iniciativas vamos assegurar, em que é que nos podemos distinguir das demais Lojas.
Para satisfazer esta necessidade vai ser necessário apresentar ideias, formular projetos, debater prioridades. Este é, por exemplo, um dos pontos que porventura permitirá que os mais desinteressados se voltem realmente a interessar. Mas não tenho ilusões. O passado mostra-nos que este não é um processo fácil, nem rápido, nem sequer particularmente eficiente. Ter ideias, apresentá-las, defendê-las, harmonizar com as sugestões dos demais, estabelecer pontos de entendimento e planos de ação nunca foi, não é e não será nunca fácil. Mas se há algo que os trinta anos da nossa Loja mostram é que este processo, quantas vezes anárquico ou demorado, acaba sempre por, cedo ou tarde, dar resultados positivos. Às vezes de forma não esperada, às vezes sem decisão formal da Loja, mas por avanço de dois ou três a que outros se juntam e acaba por se estar perante um projeto da Loja. Pouco importa. A seu tempo, algo se fará. E cada coisa que se faça é mais um elemento fortalecedor da Loja e da sua coesão. Nem sempre poderemos avançar rápido. Teremos porventura de fazer pausas, de reordenar prioridades. Mas algo se fará. E muito mais se discutirá e projetará e fará mais à frente.
E verificaremos que, compreendendo que o ritual é importante e dando-lhe a importância que lhe é devida, ele não é tudo. Na Loja, como na vida, o equilíbrio é fundamental e o caminho faz-se caminhando. A Loja pós-pandemia vai necessariamente ser diferente da Loja de antes, mas a essência do que nós somos, essa, vai permanecer.
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Estamos vivendo um tempo de auto conhecimento Maçônico através de centenas de palestras de excelente conteúdo em sua imensa maioria. Sabemos que estes tempos nos deixam apenas o aprendizado mental como possível. Algumas reuniões tem sido realizadas na verdade de forma presencial, mas são poucas devido a preocupação com nossos irmãos e nossa saúde física.
Infelizmente, conhecimento e sabedoria são coisas diferentes, e estamos perdendo há muitos meses a possibilidade da prática dos costumes, da possibilidade da ressonância da caixa energética que é nosso templo. O pior é que não sabemos até quando é que nossa ordem continuará transformada em uma EAD ou seja uma Instituição de Ensino à Distância. Vemos que muitos atuais Veneráveis não passaram pelo Ritual de Instalação e estão dirigindo Lojas sem receber as Luzes para assim exercer a verdadeira sabedoria. Também muitos irmãos não estão recebendo a oportunidade de receber aumento de salários, isto nos preocupa.
Os esoteristas como eu, sentem falta do encontro pessoal, da troca energética, da capacidade da caixa de Ressonância transformar toda esta grandeza presencial em Energia que recarrega nossas baterias. O Grande Arquiteto do Universo está conosco sempre que nos sintonizamos, mas em grupo a força é muito maior.
Os nossos segredos, na verdade, acontecem quando estamos dentro do templo e criando uma unidade, ou seja, “juntos somos um”. Assim somos mais, como diz a lei da Sinergia: “um mais um é maior que dois”. Peço ao Grande Arquiteto que estes tempos sejam breves pois, nós que acreditamos que os verdadeiros segredos se comunicam pessoalmente, sentimos um vazio da verdade comunicada pelos Cinco sentidos.
Os grandes segredos, dos quais a Maçonaria é um receptáculo dos grandes conhecimentos da humanidade, não estão sendo transmitidos em termos de presença, apoio e esoterismo. Os Cavaleiros Templários, um dos principais pilares da Maçonaria presentes nos Graus superiores do Rito Escocês e também do Rito de York, nos ensinam a perseverar sempre. Aqueles que ainda não tiveram esta oportunidade irão perceber quando lá aprenderem.
Por enquanto seguimos no aprendizado mental, que é o que nos resta e é muito importante. cabe a cada um de nós recorrer aos Mestres para interpretar os símbolos mentais que nos passam nosso importantes palestrantes pois a mente precisa se ligar ao coração para transformar o Conhecimento em Sabedoria!
Autor: Antônio José da Silva
Antônio José é Mestre Instalado e fundador da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, vice-presidente da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, membro da Loja de Pesquisas Quatuor Coronati Pedro Campos de Miranda, e também um grande incentivador do blog.
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A moderna Maçonaria se identificou nos últimos 300 anos com causas nobres, lutas sociais e movimentos cívicos, revolucionários e libertários, que a fizeram prosperar até nossos dias, continuamente combatendo a intolerância, os preconceitos, os privilégios e defendendo novas ideias. Por isso angariou a antipatia de poderosos e de pessoas que simplesmente ignoram como ela funciona de fato.
Não obstante os percalços enfrentados até então, aliados ao respeito que a sua história inspira e é sobejamente decantada pelos seus obreiros mais dedicados e orgulhosos do status conferido pelo sentimento de pertencimento, a Maçonaria ainda é desconhecida por significativa parte da população brasileira e é vista por muitos com certo grau de desconfiança, apesar de todo o capital intelectual e consciência de sua importância para as transformações necessárias à promoção da justiça social.
Entre seus pontos fortes, cabe destacar o desenvolvimento de uma resiliência conferida pelo empenho na valorização do seu papel perante a sociedade, fazendo-se reconhecer como Oficina do saber, onde ideias e opiniões circulam sem nenhuma restrição, com estímulo ao livre debate, não deixando de exaltar suas características de acolhimento e sociabilidade.
No trabalho denominado “Evasão Maçônica: Análise da situação da GLMMG” (Silva, 2018, p.2) é enfatizado que
“toda organização necessita estar se reavaliando constantemente com a finalidade de conhecer suas potencialidades e suas fraquezas, de forma a continuar se mantendo perante a sociedade e, principalmente, a cumprir com os objetivos a que se propõe”.
Com a Maçonaria não poderia ser diferente.
Cabe, portanto, aos atuais membros ativos da Ordem honrar o legado recebido dos irmãos do passado e concentrar o foco nos enormes desafios que ela enfrenta na atualidade, notadamente em relação aos reflexos da pandemia do coronavírus, e que deverão balizar suas ações para o futuro, com vistas a reter seus atuais colaboradores e tornar-se atraente para o cidadão educado e com amplo acesso às informações, em função dos crescentes avanços tecnológicos.
O momento atual enseja uma sociedade e um tempo onde tudo é volátil e adaptável, denominados por Bauman (2001) de “modernidade líquida”, contrapondo-se a um recente período no qual imperava a modernidade sólida, que se apresentava ordenada, coesa, estável e previsível.
“Essa transição afetou os mais variados aspectos de nossa vida”.
Segundo ele,
“o advento do telefone celular serve bem como ‘golpe de misericórdia’ simbólica na dependência em relação ao espaço: o próprio acesso a um ponto telefônico não é mais necessário para que uma ordem seja dada e cumprida. Não importa mais onde está quem dá a ordem – a diferença entre ‘próximo’ e ‘distante’, ou entre o espaço selvagem e o civilizado e ordenado, está a ponto de desaparecer” (p.19).
Testemunhamos uma crescente
“elite dos residentes do ciberespaço que prosperam na incerteza e na instabilidade de todas as coisas mundanas…” (p.194).
Bauman afirma:
“vivemos em tempos líquidos, de conceitos e instituições instáveis e cambiantes”.
Isso fica demonstrado com o advento das redes sociais e os avanços científicos e tecnológicos que determinam novos feitios de interação, como o uso e abuso no tempo presente das videoconferências e do trabalho remoto, com o destaque para a atuação das gigantes Google, Facebook, Zoom e assemelhados, que aceleram a destruição de formas tradicionais de emprego, de comercialização de produtos, serviços, formas de ensino e aprendizagem, acelerando a obsolescência de hábitos, valores, dogmas, instituições e o surgimento de novos paradigmas. Nessa “era da informação”, a única certeza é a de que inovações hoje consideradas promissoras certamente desaparecerão antes de atingirem o potencial a que se propõem.
O protagonismo desse cenário cabe à Geração Z[1], compreendendo pessoas nascidas a partir de meados dos anos de 1990, considerada totalmente digital, e que demonstra valores profundamente diferentes, com demandas sociais e ambientais específicas e maior capacidade de reinventar a forma como trabalhar e solucionar problemas, comunicar-se e reunir-se, impondo diferentes hábitos de vida e de consumo, com apoio a modelos econômicos alternativos e desenvolvimento sustentável.
Esses nativos digitais não conhecem o mundo sem os meios de comunicação atuais e o veem de uma forma pequena e sem fronteiras, exigindo agilidade e praticidade em tudo na vida, como relacionamentos, educação e relações de trabalho. Na área da educação, demonstram maior conhecimento quando comparado às gerações anteriores. Concordando ou não com essa realidade, não se enxerga possibilidade de retorno. Para a professora e neurocientista britânica Susan Greenfield (apud Novaes, 2016), “estamos diante de uma mudança mental global”.
Citando matéria da Revista Exame (2006), a pesquisa de Novaes (2016) confirma que pelo lado profissional a Geração Z é multitarefa, ou seja, consegue fazer e entender várias coisas simultaneamente, habilidade essa que nenhuma geração anterior demonstrou, realizando tarefas online ou não, sem perder a atenção. Outra característica importante é que essa geração é caracterizada pelo imediatismo e chega ao mercado procurando empresas que valorizem a conectividade, a abertura ao diálogo, a velocidade e a globalidade.
Não restam dúvidas de que é nessa safra de novas cabeças que a Maçonaria deverá depositar suas esperanças e garimpar seus futuros obreiros, cabendo aos dirigentes atuais ter em mente que esses jovens encaram a diversidade de uma forma natural e essencial na sociedade e enxergam além do que parece ditar o momento, ensejando, em certas situações, ausência de orientação ideológica clara. Têm o perfil flexível, adaptável e criatividade como habilidade principal, aliando tecnologia e aprendizado. A questão é:
Estamos preparados para recrutá-los e recebê-los em nossas Oficinas?
Nessa toada, a perspectiva futura da Maçonaria demanda um novo olhar e contínua inquietação do pensamento, em busca dos progressos necessários, envolvendo todo um universo que espera ser explorado. Precisamos efetivamente valorizar um ponto forte que a Maçonaria aprimorou ao longo da sua caminhada e contempla em seus fundamentos, que é o do protagonismo dos indivíduos, do papel do Maçom junto à sociedade e que se consubstancia nos novos tempos como tendência das organizações do século XXI, que para manterem-se competitivas investem em programas de ajuda aos profissionais para o desenvolvimento das habilidades de liderança embasadas na busca da autoconsciência e da reflexão. Isso é uma realidade e não podemos ficar indiferentes a esse valor da Ordem, que se vislumbra como um fortíssimo apelo para encantar a Geração Z.
A proposta cativante de trabalho da Maçonaria para atrair e engajar essa nova geração deverá demonstrar uma série de desafios e oportunidades de crescimento pessoal, voltados para a formação de lideranças, da ampliação de conhecimentos, de educação cidadã e de desenvolvimento de capacidades que expandam o poder de visão, análise e discernimento, que lhes permitirão lidar com situações da vida cotidiana e conscientização acerca de ações decisivas e transformadoras para que façam a efetiva diferença no seu meio social, em benefício da Família, da Pátria e da Humanidade. Despiciendo ressaltar nosso conceito de fraternidade, que é cartão de visita e marca indissolúvel da Maçonaria, conforme demonstramos no trabalho denominado “O Capital Social da Maçonaria”, que pode ser consultado clicandoAQUI.
Por outro lado, um ponto fraco da Maçonaria, merecedor de profunda atenção, é a forma como muitas Lojas são geridas, sem dar a devida importância ao aperfeiçoamento de seus obreiros, descurando na formação de lideranças que apontem caminhos, deixando de explorar toda a base de conhecimentos e instruções disponíveis, contribuindo para o desinteresse, o desencanto e eventuais deserções, resultantes do descompromisso para com os propósitos da Maçonaria.
Na análise dos dados que apontaram as cinco maiores causas de abandono da Ordem, apurados por Silva (2018, p. 20-21), destacam-se a falta de um objetivo definido para a Ordem e que seja obrigatório o seu cumprimento por todos os Maçons e Lojas, a vaidade e o orgulho de alguns irmãos, além de motivos profissionais (transferência/incompatibilidade de horários, etc.) e a existência de discussões inúteis e sem objetivos práticos. Será essa uma barreira intransponível?
Não é segredo maçônico que em algumas Lojas dirigentes com deficiência na habilidade de gestão não permitem que obreiros se destaquem, principalmente os mais jovens, esses da tal Geração Z.
Alguns veteranos, não especificamente mais adiantados em idade, contaminados pela síndrome do “esse cara sou eu”, ensejando uma pompa sabichona, têm dificuldades em continuar a aprender e sair da zona de conforto, pois fazem o que fazem da mesma maneira há anos e continuam a gozar de relativo sucesso entre os pares. Precisam de uma Loja para chamar de sua. E são felizes nesse autoengano, em especial quando ouvem que são repositórios de incomensurável saber maçônico e festejados exemplos a serem seguidos. Possuindo um fraco por elogios, e por vezes protagonizando momentos de fofura, adoram afagos e sempre esboçam um sorriso brejeiro e uma falsa expressão de encabulamento.
Pesquisas no mundo corporativo revelam que o fator idade não é determinante para indicar competência ou a sua falta. Quando bem administrado, o choque de gerações pode ser positivo, notadamente pelo intercâmbio de conhecimentos. Ademais, não existe uma geração melhor que outra, sabendo-se que atitudes, mentalidades abertas e flexíveis compõem os requisitos para superação de adversidades. O importante é não se acomodar e ficar atento às inovações.
No âmbito da Maçonaria, a ampla pesquisa “Maçonaria no Século XXI”, formulada pelo irmão Kennyo Ismail (2018, p.26) evidencia no item 4.3
“a teoria de duas grandes gerações distintas no meio maçônico brasileiro, sendo a mais jovem, de até 46 anos de idade, de aproximadamente 1/3 dos maçons brasileiros atuais”.
Esse segmento, segundo a pesquisa,
“incentiva o questionamento, o exercício da antítese, o que parece ser, de certa forma, mal visto pela geração mais velha. A geração mais jovem também apresenta características mais críticas, tem uma média maior de nível de escolaridade e de hábito de leitura…”.
No grupo mais velho, o estudo verificou que há
“uma preocupação extremamente maior com uma melhor seleção de membros do que o observado na geração mais jovem, atualmente minoritária, o que pode ser um indício da preocupação com o fim da hegemonia”.
O trabalho apresenta uma série de contribuições que deveriam ser avaliadas com carinho pelas nossas Lojas.
Não são raras as situações em que alguns veteranos quando questionados por um Aprendiz ou Companheiro da Geração Z, sobre alguma questão específica, respondem com ar triunfalista que não chegou a hora do consulente saber. Na realidade não sabem exatamente como responder, criando um clima de constrangimento e desânimo daqueles que se mostram inicialmente entusiasmados e ávidos pelo saber maçônico. Tal situação encontra amparo na pesquisa elaborada pelo irmão Kennyo Ismail (2018, p.23), onde ele registra que
“menos de 5% dos maçons brasileiros sabem o que é a Maçonaria”,
com o agravante de que esses desconhecedores “são os mesmos que convidam, sindicam, escrutinam, iniciam e instruem novos membros na Ordem…” (p. 24).
Em nossa realidade dinâmica, temos a concorrência de Lojas que atraem bons obreiros por estarem acima da média e não se contentarem com pouco, sabendo aproveitar as oportunidades na divulgação de suas atividades, como a recente onda de convites e mais convites para reuniões em videoconferências, com uma variedade de temas em discussão. Isso ocorre porque são bem geridas, disciplinadas, ricas nas atividades e observam o cumprimento das regras. Como as notícias correm, e impedidos de chegar ao ótimo individual, muitos iniciados recentes, em especial da Geração Z, munidos de coragem e em busca de desafios, quando possível, procuram outras Oficinas, como acontece frequentemente no mercado de trabalho. O pior é quando, desiludidos, abandonam a Ordem, pois uma eventual propaganda negativa desmotiva a captação de candidatos potenciais.
É reiteradamente repercutida a situação de novos irmãos que demandam mudanças e recebem críticas por sonharem com melhorias e sofrem do descrédito daqueles que apenas desejam uma Loja tranquila, com sessões rápidas, sem muitos desafios e, de preferência, que elimine aqueles que de uma forma ou de outra incomodam com suas presenças ou não sejam lá muito simpáticos, por serem visionários e portadores de um espírito crítico mais aguçado. Tudo muito bem articulado e reverberado na cabeça do Venerável por um restrito grupo dominante, que tenta sob todas as formas manter o nível de influência e controle dos destinos da Loja. Nesse grupo temos aqueles que ameaçam frequentemente deixar a Loja, mas não escondem a carência de bajulação. Esse grupo é incansável e sempre recebe novos adeptos, para desespero do Venerável da vez que começa logo a sonhar com o término de sua gestão.
Mas a história não termina aqui. Como toda moeda tem dois lados, não poderíamos deixar de registrar a situação daqueles irmãos que não conseguem acompanhar o ritmo das Lojas de alto desempenho e logo saem à procura de uma Loja tradicional, amiga, sossegada, que não exige trabalhos e estudos, para se acomodarem à sombra das colunas e apenas curtir o lado social da Maçonaria, o companheirismo. Não raras vezes irmãos com esse perfil costumam levar junto outros que já deram o que tinham que dar ou perderam o prestígio, restringindo-se a decantar feitos do passado, e não se sentem à vontade junto às novas gerações que entram com toda força e vigor. Sem preconceitos e com todo o respeito, que sejam ambos felizes, pois continuamos irmãos!
A prática da Maçonaria Especulativa ensina que o debate é essencial, tanto em Loja quanto nas redes sociais ou círculos de estudos presenciais ou online.
Instruções ministradas burocraticamente, apenas para cumprir tabela e textos lidos eventualmente em nossas reuniões não agregam valor se não são sucedidos de reflexões. Ao não incrementar ou valorizar os temas para estudos e debates, restringimo-nos à perenidade da ritualística e expectativa do ágape que vem após as reuniões presenciais, deixando de explorar toda a base de conhecimentos e instruções disponíveis, que representam um riquíssimo tesouro colocado à disposição de todos.
Pensando na força da Geração Z que dará continuidade aos ossos trabalhos, o Quarto de Horas de Estudos em Loja e as Instruções Maçônicas merecem atenção mais disciplinada por parte dos atuais gestores, dado o alcance e a importância no sentido de preparar o quadro de obreiros, vez que disponibilizam todo um sistema onde se permite explorar variados assuntos, mediante promoção de debates sobre questões sociais de relevo, por meio de ensinamentos que levem ao aprendizado e ao progresso por meio da troca de experiência, que variam de acordo com as competências individuais e em face das vivências e descobertas proporcionadas pelos trabalhos apresentados.
Com as novas facilidades proporcionadas pelos recursos das videoconferências, com alcance inédito, e respeitadas as regras de segurança e o sigilo no que couber, os resultados positivos serão incomensuráveis. Sobre o alcance das instruções, permitimo-nos sugerir a leitura do artigo ‘A instrução maçônica” clicando AQUI .
Inúmeros temas que são caros à Geração Z e inundam o noticiário nacional poderiam ser discutidos sem a necessidade de encontros presenciais, cabendo aos Mestres no exercício da tão propalada Plenitude[2] empenharem-se para enriquecer a Ordem do Dia e tornar os trabalhos mais dinâmicos e atrativos. O escritor Yuval Noah Harari, em sua obra “21 Lições para o Século 21” (2018), apresenta uma resenha de problemas globais e temas palpitantes quando aborda a rapidez das mudanças que se divisam para os próximos anos, a ansiedade geral com relação ao compartilhamento de experiências e informações, novas oportunidades, com a tecnologia transformando vidas e seus riscos potenciais e a forma de trabalhar, os desafios políticos, o desafio de educação das crianças, como reagir e entender o volume de informações produzidas diariamente, com ênfase para a propagação dos discursos de ódio, os avanços e ameaças da inteligência artificial, a disrupção tecnológica e guerras cibernéticas, o colapso ecológico e mudanças climáticas, o conceito de liberdade, o crescimento das desigualdades e a situação de vulnerabilidade econômica de quem já sofre com a pobreza, o isolamento nacionalista, secularismo, e as disputas entre crenças, verdade e pós-verdade.
Harari dá realce às provações difíceis que a humanidade terá que enfrentar com relação às revoluções gêmeas na tecnologia da informação e na biotecnologia, que poderão excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho, criando
“uma nova e enorme classe sem utilidade, levando a convulsões sociais e políticas com as quais nenhuma ideologia existente está preparada para lidar” (p.38-39).
Para ele, teremos de explorar novos modelos de sociedade pós-trabalho, de economias pós-trabalhos e de política pós-trabalho [e podemos hoje acrescentar o cenário pós-pandemia], pois os modelos sociais, econômicos e políticos que herdamos do passado são inadequados para lidar com tal desafio (p.59). Para apimentar um pouco mais, acrescenta:
“ou a democracia se reinventa com sucesso numa forma radicalmente nova, ou os homens acabarão vivendo em ‘ditaduras digitais” (p.95).
Não podemos deixar de destacar também a recaída do populismo e formas de governos autoritários que se insinuam. Isso afeta a Maçonaria de alguma forma? É assunto para ser discutido em Loja? Podemos agendar uma “live” para repercutir essas ideias? Isso é viajar na maionese ou passa longe dos nossos interesses quanto a tornar feliz a humanidade? Precisamos estar antenados. É um caso a pensar…..
Outro assunto de suma importância no mundo real e que causa arrepio no meio maçônico é a questão Política. Esse tema pode ser, ao contrário do que se pensa, agregador e cativar a Geração Z, se bem estruturado e conduzido com sabedoria. Conforme abordamos recentemente em artigo apresentado junto à GLMMG, no bojo do “Programa Cultural – Filosofando sobre a Ordem”, cujos resultados serão brevemente publicados, a Maçonaria, como instituição, não pode continuar na velha cantilena de que não deve envolver-se diretamente em temas políticos e nas decisões de interesse do Brasil, candidamente delegando aos Maçons que o façam individualmente, pois um regramento de 1723, editado em outro momento histórico, impede ações mais decisivas em pleno século XXI.
O cuidado é não envolver-se no círculo vicioso da politicagem tradicional e sim na Política com “P” maiúsculo.
O escritor maçônico Raimundo Rodrigues, no seu livro “Sutilezas da Arte Real” (2003), faz uma provocação corajosa ao afirmar:
“Precisamos, isso sim, de algumas mudanças, uma vez que estamos no século XXI e certos Landmarques não mais se coadunam com as nossas necessidades atuais”.
E continua:
“Precisamos, nós, os Maçons, envidar esforços para evitar o marasmo, evitar o dolce far niente” (p.145).
Não podemos olvidar que até a própria Igreja Católica está avaliando mudanças de rumo para não perder fiéis.
A postura de somente caprichar na retórica e bradar que alguém tem que tomar uma providência é muito confortável. Esse comodismo e o obsequioso silêncio político da Maçonaria do Brasil precisam ser quebrados. Afinal, sabemos ou não dialogar? Temos medo de expor nossas ideias e vê-las contestadas? Se sim, então tudo é um faz de conta. Falta o básico, a essência.
Aqueles gestores que são lentos, míopes ou orgulhosos demais para enfrentar a realidade e adaptarem-se aos novos tempos certamente serão responsabilizados pelas sequelas que deixarão como herança.
Sem sofisma, equivoco ou reserva mental que possam criar obstáculos à revisão de conceitos, é chegada a hora de a Maçonaria repensar sua atuação, decretar a sua independência e de agir com responsabilidade, assumindo o papel que já foi sua marca registrada e encantou a juventude no seu passado glorioso: revolucionária, decisiva, incomodativa, marginal em outros momentos.
Defender que a Maçonaria seja apenas uma escola de pensamento recheada de sábios, onde se cultive exclusivamente moral e ética e acalente o sonho de que seus princípios e valores sejam amplamente conhecidos e que forças do além inspirem os tomadores de decisão, sem se envolver diretamente, apenas divulgando moções de censura ou de apoio, e ficando na torcida para que a justiça e os bons costumes prevaleçam, é mais do mesmo. Como se diz no popular: é continuar a encher linguiça e fartar-se em banquetes ritualísticos. Bauman (2001, p.167) faz uma provocação:
A mais pungente e menos respondível das questões dos nossos tempos de modernidade líquida não é “o que fazer?” (para tornar o mundo melhor ou mais feliz), mas “quem vai fazê-lo?”.
Portanto, para atrairmos a atenção das novas gerações impõe-se fixar nossas esperanças e expectativas no potencial dos nossos quadros de obreiros, que representam a força da qual dispomos neste momento e que precisam ser mantidos, reforçados e motivados constantemente, para fazerem o trabalho de recrutamento junto a essa força jovem que viceja em nossa sociedade e enfrentarem as provocações que teremos pela frente.
No trabalho sobre “Maçonaria do Futuro: Gestão Maçônica” (Silva et al., 2019, p. 18), os autores reproduzem a opinião de um entrevistado que remete à questão da motivação:
“A Maçonaria, ao contrário do que muitos acreditam, é uma instituição voluntária e depende da participação ativa de seus integrantes para poder cumprir com seus objetivos. Para uma entidade desta natureza, o grande desafio é ser atraente para captar talentos e capaz de manter o nível de motivação para retê-los, compreendendo que não é um ato, mas um processo continuado”.
Então, em frente!
Vale sublinhar no referido estudo uma afirmação que nos serve de alento e também de preocupação:
“é muito improvável que ela [a Maçonaria] possa vir a deixar de existir, mas seus valores e fraternidade não podem ser negligenciados, sob pena de comprometer os pilares de sustentação que a mantém durante séculos, e ela se tornar obsoleta tanto para os Maçons, quanto para a sociedade, aproximando-se das atividades de um clube de serviço” (p. 44).
Por oportuno, contrariando expectativas e os críticos de plantão, o Mestre Raimundo Rodrigues (2003), do alto de sua sapiência, faz um alerta:
“Atenção, Críticos! é preciso que os erros sejam vistos, mas é necessário também que as virtudes sejam colocadas em relevo” (p.146).
E com a sua indiscutível autoridade afirma:
“Não temos dúvida de que a Maçonaria cresce em número de Lojas, em número de membros, sobretudo, isto é inegável, cresce em qualidade cultural dos Maçons brasileiros, haja vista o número de obras publicadas nos últimos 20 anos” (p. 133).
Confirmando esse sucesso, o Site da CMSB (https://cmsb.org.br) registra que as 27 Grandes Lojas já contam com mais de 3.000 Lojas Regulares e número superior a 120.000 membros ativos.
Reforçando seu argumento, Mestre Raimundo Rodrigues enfatiza uma realidade animadora:
“Um outro ponto que nos mostra a pujança da Maçonaria brasileira é o interesse que as Lojas de vários recantos do Brasil mostram pelo aprimoramento cultural de seus Obreiros. Seminários, cursos, palestras são realizados por toda a parte e já é expressivo o número de palestrantes que viajam de um lado para o outro do Brasil, atendendo ao chamado que lhes é feito por Potências e por Lojas” (p.134).
Ou seja, temos trabalho sério e competente sendo realizado e agora, pela experiência dos novos tempos, nem é mais necessário o deslocamento de um Oriente a outro, nem mesmo entre Lojas, tendo em vista as facilidades dos alegres e prestigiados encontros virtuais.
Como fartamente reconhecido na literatura maçônica e nos discursos de autoridades do meio, indispensável investir nas entidades paramaçônicas, incorporar nossas famílias, incrementar a convivência dentro e foras das Lojas, compartilhar atividades sociais, incentivar a participação de maçons em organizações de relevo social, realizar seminários e debates públicos sobre temas de interesse da sociedade civil, promover e apoiar campanhas filantrópicas, publicar manifestos, levar os princípios da Maçonaria junto ao ninho da Geração Z, os centros acadêmicos, torná-la visível e atrair candidatos potenciais, idôneos, de reputações ilibadas e tementes a Deus, já que não dispomos de um guichê de inscrições, sabendo-se que a juventude simboliza futuro e esperança.
Assim, cabe a cada um de nós avaliarmos erros e acertos do passado e meditar a respeito da real Maçonaria que pretendemos legar às futuras gerações, que certamente colherão os frutos que hoje plantarmos, caso ela sobreviva, se e somente se superarmos os obstáculos atuais.
É uma questão de atitude, pois o momento de que dispomos para agir é o agora, pois a nossa geração pode ser a última a ter a oportunidade de fazer as mudanças necessárias. Não podemos nos dar ao luxo de pedir ao mundo que espere ou pouco, pois nós os maçons ainda estamos decidindo.
Veronica A. Shoffstall, em um belo poema denominado “Depois de um tempo”, indevidamente atribuído a Shakespeare, afirmou:
“um dia você aprende….a construir todas as estradas hoje porque o terreno de amanhã é demasiado incerto para planos e futuros têm o hábito de cair no meio do voo….”
Apenas para reforçar o sentido da urgência que se nos afigura, permitimo-nos agregar mais uma metáfora muito bem colocada por Bauman (2001, p.70), sobre uma fala da Rainha Vermelha em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol:
“Agora, aqui, veja, é preciso correr o máximo que você puder para permanecer no mesmo lugar. Se quiser ir a algum outro lugar, deve correr pelo menos duas vezes mais depressa do que isso!”.
Sabe-se que tempo é o nosso recurso mais escasso.
Considerando a afirmação do físico dinamarquês Niels Borh de que “fazer previsões é difícil, especialmente sobre o futuro”, sendo certo que um dia ele chega,
não podemos arregar e permitir que nossas Lojas se engessem e criem resistência a mudanças e permaneçamos aferrados a uma forma de pensar, de olhos fechados à evidência dos fatos e de que viveremos felizes para sempre, manipulando e sendo manipulados, permanecendo sorrateiramente “à ordem” no aguardo de reconhecimentos e glórias, certificados, homenagens, fotos bacanas em revistas e poses vitoriosas no Facebook, exibindo nossas alfaias coruscantes, e comprometendo seriamente a dinâmica das Lojas e o futuro da Maçonaria.
Evidentemente, não podemos descurar das tradições, do legado recebido e a entregar às próximas gerações.
Reiterando reflexão contida no artigo acima citado, dentro do “Programa Cultural – Filosofando sobre a Ordem”, da GLMMG, evidencia-se imprescindível termos consciência de que as instituições hoje não agem solitárias. A estratégia são as parcerias, habilidades e talentos se associando e potencializando esforços. Depreende-se crucial a aproximação entre as Potencias Regulares para desenvolverem um plano conjunto, não penas com foco em resultados de curto prazo, mas de construir uma Maçonaria vibrante e um país melhor para a ávida geração de brasileiros que aumenta dia a dia, com demandas inéditas.
Para isso precisamos sair da nossa caverna confortável e aquecida e mostrar a cara, pois
“ninguém acende uma lâmpada para cobri-la com uma vasilha ou colocá-la debaixo da cama. Ele a coloca no candeeiro, a fim de que todos os que entram vejam a luz” (Lc 8, 16).
Levemos, portanto, nossa luz ao mundo. Enfim, está em nossas mãos pavimentar o caminho que será trilhado pelos futuros obreiros. Portanto, para que sejam superadas as barreiras que hoje se apresentam para a efetiva melhoria de desempenho, mantendo a credibilidade até então conquistada e valorizar ainda mais a Maçonaria, permitimo-nos sugerir, como dever de casa e ponto de partida, o acolhimento e discussão sobre o diagnóstico e as propostas para minimizar eventuais deficiências, conforme o excelente trabalho “Maçonaria do Futuro: Gestão Maçônica” (Silva et al., 2019 – disponível no Site da CMSB – cmsb.org.br), que certamente ensejarão melhores perspectivas na longa e desafiadora jornada que teremos pela frente.
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte. Membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida e da Academia Mineira Maçônica de Letras.
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[1]Geração X: nascidos após o baby boom, pós-Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 1960 até o final dos anos 1970; Geração Y: nascidos após o início da década de 1980 e até 1995, igualmente conhecida como geração do milênio. (Fonte Wikipédia)