
As atas da Loja da Antiguidade indicam por que a Grande Loja insistiu em deixar claro que ele não estava em dívida com as outras Lojas de Londres como também em promover uma versão alternativa de suas origens. Mas, e o que Sayer, Lamball e outros disseram em relação à sua posse como Grandes Oficiais em 1717? De onde surgiram essas histórias? Sayer e os outros podem ter relatado esta história com a esperança de obter assistência de caridade da Grande Loja. Enquanto faziam circular suas histórias no início da década de 1730, forneceram um material valioso a William Reid e James Anderson, que foram instruídos a mostrar que a Grande Loja era herdeira das antigas tradições. Para entender melhor essa dinâmica, precisamos voltar para a loja que, supostamente, se reunia na taverna Apple Tree da Charles Street.
Em 1723, disse-se que a loja que se reunia na Apple Tree tinha sua base na taverna Queen’s Head, em Knave’s Acre. Este lugar também era conhecido como Little Pulteney Street e atualmente corresponde à parte oriental da Brewer Street, no bairro do Soho. Strype descreveu Knave’s Acre como “estreita e habitada principalmente por comerciantes de coisas velhas e garrafas de vidro”[95]. A rua tinha uma péssima reputação, havia reclamações constantes de desordem nas casas à noite “Onde se refugiam e se divertem suspeitos de serem ladrões, batedores de carteira e outras pessoas dissolutas e más, onde se afirma que há homicídios, etc.”[96]. Os tabloides divulgavam um “remédio para malária”, um pó que garantia curar a febre, e os clientes em potencial foram instruídos a “subir as escadas Joyner’s, na porta ao lado de Queen’s Head, na Little Pulteney Street, Knave’s Acre”[97]. Recentemente, reformas foram realizadas em algumas propriedades ao redor de Knave’s Acre[98], então não está claro há quanto tempo a Queen’s Head tinha se estabelecido lá. Embora a loja em Queen’s Head seja classificado em segundo lugar na primeira lista de lojas e membros, foi montada sob uma carta constitutiva concedida pela Grande Loja datada de 23 de fevereiro de 1723. Por que essa carta constitutiva foi concedida é um mistério. Anderson contou, em 1738, que alguns membros da Apple Tree tinham se mudado para Queen’s Head devido a uma disputa[99], porém, dada a incerteza em relação à loja da taverna Apple Tree, esta explicação é um pouco obscura. Não se pode mais ter dúvidas de que esta loja se reunia em um outro lugar e não na Queen’s Head.
Presume-se que esta loja era formada principalmente por maçons operativos e artesãos, contudo, não era bem assim. Seu Mestre em 1723 foi Abraham Rayner, um advogado[100], e outro membro da loja, Moses Jevans, era um destilador[101]. No entanto, esta loja não era particularmente rica nem respeitável. Abraham Rayner esteve preso em Newgate durante três anos por dívidas e foi acusado de tentar enganar outro preso[102]. As poucas informações sobre Sayer, que dizia ter sido Grão-Mestre, indicam que ele era um homem que vivia em circunstâncias terríveis. Morava no bairro pobre de St. Giles in the Fields, e dependia da caridade de seus companheiros maçons para não morrer de frio no inverno[103]. Sua primeira esposa, Elizabeth, foi violentamente atacada por um grupo de mulheres irlandesas em 1736 e morreu no ano seguinte[104]. Em 1739, Sayer casou-se novamente com Eliza May, uma viúva, em uma cerimônia simples e discreta sob as regras da The Fleet[105]. Apesar de tudo, uma esplêndida coorte de seus irmãos maçons compareceu em seu funeral, realizado em St. Paul de Covent Garden em 1742.
Conforme a Grande Loja cresceu, a gestão de seus fundos de caridade tornou-se um assunto de suma importância. Desaguliers advertiu, em 1729, que a Grande Loja “não deve admitir pessoas que ingressam na sociedade apenas como um meio de sustento”[107]. Esse assunto se tornou um tema recorrente. Na comunicação trimestral em 1735, a mesmo em que Anderson foi contratado para compilar uma lista de Grão-Mestres para suas novas Constituições, foi aprovada uma resolução que previa que, para evitar que as pessoas ingressassem na Maçonaria para se beneficiar do fundos de caridade, todos os pedidos de ajuda deviam incluir evidências de que o o candidato havia desfrutado de “circunstâncias boas ou pelo menos toleráveis” enquanto tinha sido maçom[108].
Se por um lado a loja Queen’s Head contribuía regularmente para o fundo de caridade da Grande Loja, por outro era dela também que vinha a maioria dos pedidos de ajuda. O caso de Henry Pritchard, um carpinteiro Drury Lane que foi membro do Queen’s Head e outras lojas de Londres é ilustrativo. Em maio de 1723, ele foi julgado por ter agredido um homem chamado Abraham Barret, cujo crânio foi fraturado, por ele ter insultado a Maçonaria de forma escandalosa, usando um bom número de palavrões. O júri considerou Pritchard culpado, mas como a agressão foi provocada, aplicou apenas uma multa de 20 xelins[109].
A Grande Loja não estava disposta a deixar um de seus membros que tinha saído em defesa da Maçonaria, desamparado, e realizou uma arrecadação para ajudá-lo que somou mais de 28 libras[110]. Apesar da ajuda tão generosa, cinco anos depois Pritchard se encontrou novamente em perigo e recebeu ajuda da loja Queen’s Head[111]. Em 1730, Pritchard voltou a solicitar assistência da Grande Loja, argumentando que ele era maçom desde 1700. Seu pedido foi indeferido, pois lhe foi oferecida uma vaga no asilo e ele rejeitou[112]. No ano seguinte, Pritchard solicitou novamente a ajuda da Grande Loja, argumentando sobre sua pobreza, cegueira e idade, afirmando que ele foi maçom por mais de 40 anos – desta vez ele disse que tinha começado em 1690. Seu pedido foi aprovado, sendo acordado que Desaguliers lhe daria cinco libras dos fundos de caridade e que ele mesmo cuidaria para que Pritchard os usasse com sabedoria.
Este caso demonstra como os fundos de caridade da Grande Loja eram muito atraentes para os membros que estavam envolvidos no trabalho físico e artesanal, e que a gestão discricionária do fundo levou os candidatos a enfatizar a sua filiação e antiguidade na Maçonaria. Outro membro da loja Queen’s Head que tentou lucrar com a caridade maçônica foi o próprio Sayer. Como vimos anteriormente, seu nome não aparecia na lista de Grão-Mestres nas Constituições de 1723. Em 1724 ele foi um dos primeiros a solicitar a ajuda da Grande Loja – embora naquela ocasião não tenha mencionado sua posição – e seu caso foi o estopim para o estabelecimento de um fundo de caridade[114]. Em abril de 1730, Sayer novamente solicitou a ajuda da loja, descrevendo seus infortúnios e extrema pobreza e, desta vez, utilizando o argumento de que havia sido Grão-Mestre de uma loja. As opiniões dentro da Grande Loja estavam divididas sobre como ajudar Sayer. Alguns estavam dispostos a oferecer-lhe £20, enquanto outros achavam esta quantia muito generosa e deveria ser oferecida apenas 10 libras. No final, decidiram-se por um meio termo e ele recebeu 15 libras, mas com o esclarecimento de que tal ajuda seria dada a ele “porque ele foi um Grão-Mestre”. Com isso queríamos deixar bem claro que só alguém com tamanha importância na organização poderia esperar ajuda dessa magnitude. Alguns meses depois, Sayer foi acusado pelo Mestre e pelos Vigilantes da loja Queen’s Head de realizar iniciações irregulares, afirmando que Sayer havia encontrado outra maneira de obter benefícios financeiros utilizando-se de sua antiga posição maçônica[115].
Sayer explorou seu status de ex-Grão-Mestre para seu próprio benefício, mas a loja da taverna Queen’s Head também tinha motivos para apoiar os argumentos de seu membros, como Sayer e Pritchard, de terem sido maçons desde antes da fundação da Grande Loja. Em 1729, a Grande Loja reorganizou a numeração de suas lojas filiados, ordenando-as de acordo com a data de sua constituição. Uma vez que a carta constitutiva da loja Queen’s Head era de 1723, ela recebeu então número 11. A loja apresentou uma reclamação, solicitando ser colocada mais acima na lista das lojas, que foi rejeitado categoricamente pelo Grão-Mestre Adjunto, Alexander Choke, visto que a Grande Loja tinha dúvidas sobre as afirmações da Queen’s Head e seus membros[116]. Pouco tempo depois, o comitê de caridade da Grande Loja foi reformado para incluir nele os Grão-Mestres das lojas mais antigas. A perda da antiguidade da Queen’s Head afetava sua participação no comitê de caridade, por isso seu grande interesse em reverter a decisão da Grande Loja.
Sayer, Lamball e companhia inventaram histórias sobre suas posições dentro maçonaria para conquistar prestígio social e para aumentar suas chances de receber assistência financeira da Grande Loja. Além disso, a loja que frequentaram tentou provar sua antiguidade por razões semelhantes. Anderson, por sua vez, recebeu o instrução para demonstrar a antiguidade da Grande Loja em face da crescente competição das novas Grandes Lojas de Dublin e Edimburgo e para auxiliar no planejamento político da organização londrina. O autor das Constituições fez uso das histórias de Sayer, Lamball e outros porque eram muito úteis para esse propósito. É necessária uma pesquisa mais aprofundada sobre o contexto e a fundação da Grande Loja, sendo impossível no presente trabalho cobrir o assunto em sua totalidade. Nossa intenção é enfatizar que a Grande Loja não foi fundada na taverna Goose and Gridiron após uma série de negociações na Apple Tree, em 1717. Nossa melhor interpretação, dadas as evidências reunidas, é que a Grande Loja foi fundada com a nomeação do Duque de Montagu como Grão-Mestre, em 1721. Isso coloca a visita de Desaguliers a Edimburgo em agosto de 1721, em um contexto completamente diferente. Mas isso é uma outra história.
Considerações Finais
Foi-nos sugerido que deveríamos encerrar esta investigação instando a Grande Loja a adiar suas celebrações do tricentenário até 2021. Mas isso não é nossa intenção. Preferimos que o referido aniversário seja o evento que desencadeie uma maior pesquisa sobre a história inicial da Grande Loja. Com sua narrativa da Apple Tree e da Goose and Gridiron, Anderson criou um mito excepcionalmente duradouro, que muitas outras organizações fraternas adotaram. Por exemplo, de acordo com membros do Druid Circle of the Universal Bond[117], John Toland fez um proclamação em Primrose Hill para chamar todos os druidas para se encontrarem na taverna Apple Tree de Covent Garden. Assim, de acordo com a tradição, em setembro de 1717 foi fundada esta ordem druídica – da qual o mencionado William Stukeley foi governante – no mesmo local onde a Grande Loja foi supostamente fundada[118]. Esses mitos fundadores são muito importantes para todas as organizações fraternas, e Anderson sabia disso. Como ele mesmo disse no prefácio de suas Royal Genealogies, é importante que “cada nação tenha sua própria fábula”.
Autores: Andrew Prescot e Susan Mitchell Sommers
Traduzido por: Luiz Marcelo Viegas
Fonte: REHMLAC
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Notas
[95] – Stow y Strype, Survey, vol. II, 84.
[96] – London Evening Post, 20-22 de julio de 1732.
[97] – Weekly Journal or British Gazeteer, 22 de febrero de 1729.
[98] – “Brewer Street and Great Pulteney Street Area”, en Survey of London: Volumes 31 and 32, St James Westminster, Part 2, ed. Sheppard (Londres: London County Council, 1963), 116-137; una mujer anciana fue encontrada muerta en el ático de una casa nueva, construida en Knave’s Acre, en 1722: Daily Journal, 10 de enero de 1722.
[99] – Book of Constitutions, (1738) 185.
[100] – Old Bailey Proceedings: Accounts of Criminal Trials, 10 de octubre de 1733, Harvard University Library, ref: t17331010-4.
[101] – Según su testameto, fechado el 15 de abril de 1735.
[102] – Old Bailey Proceedings Online, 7 de septiembre de 1722, ref. f17331010-1.
[103] – A. Calvert, “Antony Sayer”, AQC 14 (1901): 183.
[104] – Sesiones de la corte de justicia, 17 de enero de 1736; Registro de entierros, St. Margaret, Westminster, 12 de agosto de 1737.
[105] – King’s Arms Register. Fleet Market, 10 de junio de 1739, Londres, Inglaterra, Registro de matrimonios y bautismos clandestinos, 1667-1754. Estos matrimonios, considerados irregulares bajo la ley de matrimonios de 1753, se realizaban dentro o en las inmediaciones de la prisión The Fleet, de la que nos hemos ocupado anteriormente. (N. Del T.)
[106] – London Evening Post, 16-19 de enero de 1742.
[107] – QCA 10, 105.
[108] – QCA 10, 251.
[109] – Daily Post, 18 de mayo de 1723.
[110] – QCA 10, 54-55.
[111] – QCA 10, 115.
[112] – QCA 10, 134.
[113] – QCA 10, 208-209.
[114] – QCA 10, 59.
[115] – QCA 10, 131, 137-138.
[116] – QCA 10, 106.
[117] – Un breve, pero interesante relato que intenta hermanar los orígenes del Druid Circle con los de la Gran Logia, se encuentra en Society X, “1717: Druidry and the founding of modern Freemasonry” (12 de febrero de 2013 [25 de septiembre de 2017]): disponible en https://5ocietyx.wordpress.com/tag/druidcircle-of-the-universal-bond/ (N. del T.).
[118] – Ronald Hutton, Blood and Mistletoe: The History of the Druids in Britain (New Haven y Londres: Yale University Press, 2009), 125-129.