A maçonaria brasileira e a defesa do ensino laico (século XIX)

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Na segunda metade do século XIX, a maçonaria foi a principal porta-voz dos setores sociais defensores de posicionamentos anticlericais. O anticlericalismo maçônico era compatível com a defesa genérica do ideário liberal e cientificista da maior parte da ilustração brasileira no período. Inimigos desde meados do século XVIII, maçonaria e Igreja Católica protagonizaram um embate que cresceu ainda mais no século XIX.

Os maçons utilizaram-se da imprensa, da política parlamentar, das associações e clubes literários ou filantrópicos sob sua influência para combater os privilégios do catolicismo no País. Outro espaço privilegiado da atuação maçônica na sua luta contra a Igreja e os jesuítas foi no campo educacional. Assim, quando se tratava de educação, defendia o ensino laico em contraposição à obrigatoriedade do ensino religioso; quando tratava-se da ausência de registro civil, de nascimento e casamento, acusava-se a Igreja Católica de manipular esse monopólio, desrespeitando as liberdades individuais de crença[1].

O anticlericalismo maçônico foi o fio condutor da maior parte das iniciativas e projetos maçônicos durante o século XIX no Brasil (as repercussões desse conflito estenderam-se até pelo menos os anos de 1920. Cabe ressaltar, que ser anticlerical não era uma exclusividade maçônica. A maior parte da elite política e intelectual bebia na mesma fonte que os maçons. O pensamento liberal e cientificista encontrou um campo fértil e prosperou em diversos segmentos da sociedade brasileira. Assim, quando a maçonaria procurou atrair os setores sociais mais ilustrados em defesa da secularização da sociedade, encontrou muitos adeptos.

Secularização pretendida por esses grupos, levaria, em última instância, à separação entre Estado e Igreja. A subordinação do segundo ao primeiro sempre merecera ataques de ambos os lados. Mesmo assim, o clero católico beneficiava-se da condição de ser religião oficial (confirmada na Constituição de 1824). O salário dos padre, as reformas nas igrejas, a administração nos cemitérios, são apenas alguns dos favorecimentos aos católicos.

O episódio conhecido como a questão religiosa foi um momento privilegiado do embate e da polêmica maçônico-católica[2]. O clero brasileiro se opôs à crescente influência da maçonaria no campo das ideias e da cultura política, utilizando-se da legislação papal para realizar uma verdadeira caça às bruxas entre seus próprios membros. Além disso, os bispos que de maneira mais violenta atacaram a instituição naquele contexto procuraram demarcar a sua posição antiliberal, portanto, contrária ao processo de secularização da sociedade brasileira.

Dois projetos diferentes no campo das ideias evidenciava-se: o primeiro consubstanciado pela influência das correntes de pensamento liberal e cientificista no Brasil e que transpunha para a esfera da política e da cultura a defesa de noções, como racionalismo, progresso, modernidade; o segundo, uma reação do catolicismo mundial frente aos avanços do liberalismo, que, no Brasil, reuniu os defensores do pensamento católico-conservador.

Para a maçonaria, a educação e o ensino era um instrumento fundamental na difusão do ideário liberal e racionalista. Para ela, a igreja Católica exercia uma influência negativa, pois mantinha as crianças e os jovens no universo do obscurantismo e da superstição. Para fazer frente a essa situação, a maçonaria mobilizou-se. Objetivava, com isso, uma identificação do modelo educacional com o “espírito das luzes, libertadora da consciência dos homens e fiéis escudeiras no combate às trevas representadas pelo fanatismo da Igreja Católica”[3].

A realidade educacional no Brasil do século XIX era gravíssima. O descaso do governo e dos políticos no século XIX, principalmente durante o período imperial, deixou o ensino primário, secundário e profissional num abandono quase , completo, quadro que iria ser alterado, lentamente, no período republicano. Até então, a rede escolar primária era precária, o corpo docente leigo e incompetente; a escola secundária, frequentada por parcelas minoritárias e ricas da população, onde ministravam-se um ensino literário; o ensino superior era ainda mais frágil e desvinculado da realidade nacionais[4].

A imprensa maçônica publicou frequentemente, suas preocupações e seus posicionamentos em relação ao tema. Em primeiro lugar, defendia firmemente a obrigatoriedade do ensino aos jovens pois, “não basta esperar que o homem mande seu filho para a escola, que é a universidade do ensino primário; convém impor-lhe essa obrigação e aliás com aquele lógico rigor de que serve a lei[5].

Saldanha Marinho, líder maçônico de maior expressão nas décadas de 1870 e 1880, dedicou uma parte dos seus ataques ao catolicismo ultramontano. Na sua avaliação, a Igreja Católica pretendia se assenhorear do ensino público e, consequentemente, dominar o povo. Para o líder maçom, o governo imperial só admitia proteção aos seus ultramontanos e:

E para isso quer afugentar das escolas públicas os hereges, os condenados, os réprobos, segundo a qualificação da cúria romana; porque s. ex., prefere estar de acordo com a Santa Sé, a curar com zelo dos legítimos interesses do pais! [6]

A maçonaria, na sua luta contra a Igreja ultramontana, elegeu os integrantes da Companhia de Jesus como seus maiores inimigos. Esse enfrentamento durou desde a década de 1870 até pelo menos os anos de 1920. O retorno dos jesuítas ao Brasil e a inserção crescente destes no campo educacional em várias partes do Brasil constituía-se numa ameaça aos livres-pensadores. Os maçons criticavam a doutrinação existente em seus colégios e a completa ausência das doutrinas do espírito moderno.

O texto que segue é revelador do posicionamento maçom em relação a influência jesuítica no ensino:

Os jesuítas, é sabido, usam dos seus colégios para fazer prosélitos. Dominar a instrução da mocidade é o seu constante empenho e, como eles sabem captar a confiança dos pais, di-lo o sucesso que sempre alcançam, vencendo os escrúpulos até de seus adversários que lhes confiam os filhos. [7]

Foi também a partir de 1870 que surgiram as primeiras propostas de lojas maçônicas visando a iniciação de professores na maçonaria. A maior parte desses profissionais não podiam fazer parte da ordem já que, na sua maioria, não dispunham dos recursos financeiros suficientes para pagar as despesas exigidas de filiação; apenas aqueles profissionais liberais ou homens de alguma fortuna que também exerciam a função de professores eram o alvo principal da maçonaria, pois, por questão de origem social, eram sempre bem-vindos os cultos e letrados.

O ingresso de professores na maçonaria, especialmente os que atuavam na instrução pública, passou a ser visto como um dos meios mais eficientes para que a ordem buscasse ter acesso e influenciar na formação laica dos setores populares. A primeira iniciativa importante nesse sentido foi localizada em Porto Alegre, onde a loja Zur Eintracht aprovou uma resolução, na sessão de 14 de junho de 1876, que previa:

“Aqueles professores que pela sua vida e costumes são dignos de pertencerem a ordem dos Franco-maçons e são propostos nesta Loja com as formalidades do rito, podem ser aceitos e iniciados, independente do pagamento de joia e mensalidades.” [8]

Os professores, merecedores de convite para ingresso na maçonaria, deveriam ser propostos na forma de costume por um irmão maçom. Este serviria de fiador e a Loja, além das sindicâncias de costume, nomearia uma comissão especial para relatar, em sessão, sobre a vida e os costumes e as habilitações profissionais do indivíduo. Esta disposição não se estenderia aos professores que, notoriamente, tivessem meios necessários para realizarem as contribuições pecuniárias, sem grande ônus para si ou para sua família[9].

As qualidades individuais exigidas para a iniciação de um profano na maçonaria seriam as mesmas daquelas impostas aos professores que não tinham os recursos materiais indispensáveis à vida maçônica. O seu caráter elitista, então, esteve condicionado às próprias necessidades de penetração social da maçonaria em determinadas circunstâncias. Mesmo que não tenhamos localizado muitas iniciativas como essa, a constatação de que houve um crescente número de professores sendo iniciados em oficinas[10] confirma essa diretriz maçônica. pois “é inegável a conveniência que há em chamar-se ao grêmio da nossa Sublime Ordem o maior número possível de instrutores da mocidade”[11].

Além da defesa do ensino obrigatório, outra estratégia maçônica importante apareceu a partir do decênio de 1870. Frente a ineficiência do ensino público e da influência católica no ensino privado, iniciou-se uma campanha, no interior da maçonaria, para a criação de colégios maçônicos. As primeiras notícias veiculadas na imprensa maçônica, sugeriam que já era tempo de existirem colégios maçônicos, sendo “inexplicável que ainda não existam”[12].

O estudo de Alexandre Barata, confirma as inúmeras iniciativas maçônicas de criação de escolas. O autor informa que ainda em 1872 foi fundada, no Rio de Janeiro, uma escola maçônica com o nome de Vesper, cuja finalidade era difundir a instrução nas classes populares[13]. Entretanto, essas iniciativas mantiveram-se inexpressivas até praticamente o final do século XIX. As dificuldades de manutenção financeira contribuíram para as frustradas tentativas.

As dificuldades de implementação de projetos educacionais/escolares próprios não impediu a ordem maçônica de buscar alternativas frente a inoperância do Estado e a influência católica. Na ausência de escolas próprias, a maçonaria, por meio dos seus órgãos de imprensa, orientava os seus filiados para que matriculassem os filhos em escolas particulares, cujos proprietários, via de regra, eram homens identificados com o anticlericalismo e com as ideias liberais. A garantia de uma linha de ensino cientificista e laica era condição de aprovação maçônica.

O contexto em que as iniciativas de criação de escolas maçônicas expandiram-se foi justamente a partir da proclamação e consolidação do Brasil republicano. Durante praticamente 30 anos, na maioria das cidades em que existiam lojas instaladas, funcionavam também escolas. A existência de escolas não significava a garantia de seu bom funcionamento e clientela expressiva. Ao contrário, a maioria das iniciativas foram frustradas e, a estratégia de luta anticlerical no campo educacional pode ser considerada uma derrota para a maçonaria.

Mesmo assim, ainda em 1922, o Grande Oriente do Brasil, através do decreto n. 513, reafirmava a necessidade de manutenção dos projetos escolares maçons. No artigo 2º, aparece: “Em todos os Orientes onde não houver escolas gratuitas mantidas pelo governo do pais, ou por associação leiga de qualquer natureza, as Lojas e os maçons aí residentes, são obrigados a suprir essa falta, e a essa missão de preferência dedicar todos os sacrifícios de que forem suscetíveis, coletiva e pessoalmente”. No mesmo ano desse decreto, existiam no Brasil 128 escolas em funcionamento[14].

Importante salientar que as escolas maçônicas, a partir do final do século XIX, caracterizaram- se por priorizar o ensino noturno e dirigido às classes trabalhadoras ou populares. Naquele contexto, a perspectiva filantrópica da maçonaria dirigiu tais iniciativas no sentido da ampliação de sua influência nesses segmentos da sociedade. Outra característica foi a curta duração da maioria dessas iniciativas, já que as escolas, de forma geral, funcionaram em média apenas dois ou três anos. cumprindo, então, as orientações e diretrizes do período, ficava sempre explícito o objetivo a ser atingido com a criação de determinada escola.

As transformações significativas, principalmente com a separação Estado/Igreja, confirmaram a vitória dos liberais e defensores da secularização da sociedade. No que concerne à educação e ao ensino, ocorreu a confirmação da sua secularização, cuja vitória parecia vir por meio da eliminação do ensino religioso nos currículos escolares. Frente à situação, a Igreja Católica se posicionou contrariamente à medida; contudo, apesar das pressões, não conseguiu revertê-Ia antes de 1931.

A atuação da maçonaria, por meio das ações filantrópicas e beneficentes, da preocupação com o acesso ao ensino por parte dos jovens e pobres, deixou uma contribuição positiva na história brasileira. Os maçons foram formadores de uma cultura política de elite, ocupando espaços importantes para o caminho da secularização da sociedade brasileira, confirmada, em parte, pelo advento da República em 1889.

A secularização tinha como objetivo, para a maioria dos maçons, pôr fim ao obscurantismo e às superstições, os quais, estavam incorporados na presença do catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro e, sobretudo, na crescente influência jesuítica no ensino.

Autora: Eliane Lucia Colussi

Fonte: Revista História Ensino

*Eliane Colussi é Professora do PPGH da Universidade de Passo Fundo (RS). Doutora em História do Brasil.

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Notas

[1] – COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, 1998. p. 139-143.

[2] – Durante o pontificado de Pio IX, entre 1846 a 1879, houve um acirramento das relações entre maçonaria e Igreja Católica, A Igreja elegeu, naquele contexto, a maçonaria como a sua maior inimiga. Segundo Ferrer Benimeli, houve 28 documentos pontifícios de condenação à maçonaria e a outras sociedades secretas, unificados na constituição pontifícia Apostolícae Sedis, de 12 de dezembro de 1869. FERRER BENIMELI, Jose Antonio. La masonería actual. Sandanyola (Barcelona): Editora AHR, 1977. p. 47-48.

[3] – BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e sombras: a ação dos pedreiros-livres brasileiros (1870-1910). Niterói. UFF, 1992. (Dissertação de Mestrado). p.165.

[4] – WEREBE, Maria José Garcia. A educação. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Ditei, 1985. v. 6, p. 382.

[5]Boletim do Grande Oriente do Brasil. Ano 2, n. 12, dezembro de 1873. p. 892.

[6] – MARINHO, Saldanha. A Igreja e o Estado. In: A Acácia – folha maçônica. 1876, ano 1, n. 50. p. 1.

[7] – Boletim do Grande Oriente do Rio Grande do Sul. Ano 8, n. 6, outubro de 1899, p, 56-57.

[8] – Uma resolução importante, A Acácia-folha maçônica, 1876, ano 1, n, 24. p. 3.

[9] – Idem.

[10] – Oficina é um termo genérico que serve para designar todo e qualquer agrupamento maçônico; loja, capítulo, conselho filosófico. Na linguagem corrente, a palavra tornou-se sinônimo do termo loja. MELLOR, Alec. Dicionário da franco­ maçonaria e dos franco-maçons. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 196.

[11]A Acácia-folha maçônica. 1876, ano 1, n. 24. p. 3.

[12] – Colégio Maçônico. In: Boletim do Grande Oriente do Brasil. 1876, ano 5, n. p. 382.

[13] – BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras… Op. cil. p. 166.

[14] – ALBUQUERQUE, Arei Tenório de. O que é maçonaria. Rio de Janeiro: Aurora, s/d. p.180-181.

Bibliografia

ALBUQUERQUE, Arci Tenório de. O que é maçonaria. Rio de Janeiro: Aurora, s/d. BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e sombras: a ação dos pedreiros-livres brasileiros (1870-1910). Niterói. UFF, 1992. (Dissertação de Mestrado).COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, 1998. FERRE R BENIMELI, Jose Antonio. La masonería actual, José Antônio. La masonería actual. Sandanyola (Barcelona): Editora AHR, 1977. MARINHO, Saldanha. A Igreja e o Estado. In: A Acácia – folha maçônica. 1876, ano 1, n. 50. p. 1. .. MELLOR, Alec. Dicionário da franco-maçonaria e dos francomaçons. São Paulo: Martins Fontes, 1989. WEREBE, Maria José Garcia. A educação. In: HOLANDA, , Sérgio Buarque de, (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1985. V. 6, p. 382.

Fontes primárias

A Acácia -folha maçônica. Porto Alegre (1876-1877). Boletim do Grande Oriente do Brasil. Rio de Janeiro (1871-1900), Boletim do Grande Oriente do Rio Grande do Sul. Porto Alegre (1899).

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Discurso sobre a servidão voluntária

Servidão voluntária e tirania no poder – CAOS FILOSÓFICO

Palavras iniciais

Étienne de La Boétie morreu aos 33 anos de idade, em 1563. Deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e o Discurso Sobre a Servidão Voluntária, o primeiro e um dos mais vibrantes hinos à liberdade dentre os que já se escreveram.

Toda a sua obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal que, diante de uma primeira publicação — pirata — do Discurso em 1571, viu-se obrigado a se pronunciar a respeito da Obra, que procura minimizar em seus efeitos apodando-lhe o epíteto de “obra de infância” e “mero exercício intelectual”. Montaigne, com todo o seu inegável brilho intelectual, era um Homem do Estado e disso não escapava.

Entre muitos pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se:

  • O poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo.
  • A preferência pela república em detrimento da monarquia.
  • As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo.
  • Étienne de La Boétie afirma no Discurso a liberdade e a igualdade de todos os homens na dimensão política.
  • Evidencia, pela primeira vez na história, a força da opinião pública.
  • Repele todas as formas de demagogia.
  • Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão, desde o título provocativo da Obra, indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva.

O Discurso, que no século XVI Montaigne considerava difícil prefaciar, hoje em dia é ainda tristemente atual.

O ser humano encontra-se em amarras auto-infligidas por toda a parte. Como dizia Manuel J. Gomes, importante tradutor de La Boétie para o português:

“Se em 1600 era tarefa difícil escrever um prefácio a La Boétie, hoje não é mais fácil. Hoje como nos tempos de La Boétie e Montaigne, a alienação é demasiado doce (como um refrigerante) e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado próxima da solidão. E da loucura.”

LCC Publicações Eletrônicas– verão de 2004


Discurso sobre a servidão voluntária

Muita gente a mandar não me parece bem;
Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.

Assim proclamava publicamente Ulisses em Homero [Homero, Ilíada, cap. II]. Teria toda a razão se tivesse dito apenas:

Muita gente a mandar não me parece bem.

Deveria, para ser mais claro, ter explicado que o domínio de muitos nunca poderia ser boa coisa pela razão de o domínio de um só que usurpe o título de soberano ser já assaz duro e pouco razoável; em vez disso, porém, acrescentou:

Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.

Uma única desculpa terá Ulisses e é a necessidade que teve de recorrer a tais palavras para apaziguar as tropas amotinadas, adaptando (julgo) o discurso às circunstâncias mais do que à verdade.

Vistas bem as coisas, não há infelicidade maior do que estar sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o ser mau quando assim lhe aprouver.

Ter vários amos é ter outros tantos motivos para se ser extremamente desgraçado.

Não quero por enquanto levantar o discutidíssimo problema de saber se as outras formas de governar a coisa pública são melhores do que a monarquia. A minha intenção é antes interrogar-me sobre o lugar que à monarquia cabe, se algum lhe cabe, entre as mais formas de governar. Porque não é fácil admitir que o governo de um só tenha a preocupação da coisa pública.

É melhor, todavia, que esse problema seja discutido separadamente, em tratado próprio, pois é daqueles que traz consigo toda a casta de disputas políticas.

Quero para já, se possível, esclarecer tão-somente o fato de tantos homens, tantas vilas, cidades e nações suportarem às vezes um tirano que não tem outro poder de prejudicá-los enquanto eles quiserem suportá-lo; que só lhes pode fazer mal enquanto eles preferem aguentá-lo a contrariá-lo.

Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso do jugo, esmagados não por uma força muito grande, mas aparentemente dominados e encantados apenas pelo nome de um só homem cujo poder não deveria assustá-los, visto que é um só, e cujas qualidades não deveriam prezar porque os trata desumana e cruelmente.

Tal é a fraqueza humana: temos frequentemente de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser sempre os mais fortes.

Se, portanto, uma nação é pela força da guerra obrigada a servir a um só, como a cidade de Atenas aos trinta tiranos, não nos espanta que ela se submeta; devemos antes lamentá-la; ou então, não nos espantarmos nem lamentarmos mas sofrermos com paciência e esperarmos que o futuro traga dias mais felizes.

Está na nossa natureza o deixarmos que os deveres da amizade ocupem boa parte da nossa vida. É justo amarmos a virtude, estimarmos as boas ações, ficarmos gratos aos que fazem o bem, renunciarmos a certas comodidades para melhor honrarmos e favorecermos aqueles a quem amamos e que o merecem. Assim também, quando os habitantes de um país encontram uma personagem notável que dê provas de ter sido previdente a governá-los, arrojado a defendê-los e cuidadoso a guiá-los, passam a obedecer-lhe em tudo e a conceder-lhe certas prerrogativas; é uma prática reprovável, porque vão acabar por afastá-lo da prática do bem e empurrá-lo para o mal. Mas em tais casos julga-se que poderá vir sempre bem e nunca mal de quem um dia nos fez bem.

Mas o que vem a ser isto, afinal?

Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não a obedecer, mas a servir, não governadas mas tiranizadas, sem bens, sem pais, sem vida a que possam chamar sua? Suportar a pilhagem, as luxúrias, as crueldades, não de um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais dariam o sangue e a vida, mas de um só? Não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um só indivíduo, que muitas vezes é o mais covarde e mulherengo de toda a nação, acostumado não tanto à poeira das batalhas como à areia dos torneios, menos dotado para comandar homens do que para ser escravo de mulheres?

Chamaremos a isto covardia? Temos o direito de afirmar que todos os que assim servem são uns míseros covardes?

É estranho que dois, três ou quatro se deixem esmagar por um só, mas é possível; poderão dar a desculpa de lhes ter faltado o ânimo. Mas quando vemos cem ou mil submissos a um só, não podemos dizer que não querem ou que não se atrevem a desafiá-lo.

Como não é covardia, poderá ser desprezo, poderá ser desdém? Quando vemos não já cem, não já mil homens, mas cem países, mil cidades e um milhão de homens submeterem-se a um só, todos eles servos e escravos, mesmo os mais favorecidos, que nome é que isto merece? Covardia?

Ora, todos os vícios têm naturalmente um limite além do qual não podem passar. Dois podem ter medo de um, ou até mesmo dez; mas se mil homens, se um milhão deles, se mil cidades não se defendem de um só, não pode ser por covardia.

A covardia não vai tão longe, da mesma forma que a valentia também tem os seus limites: um só não escala uma fortaleza, não defronta um exército, não conquista um reino.

Que vício monstruoso então é este que sequer merece o nome vil de covardia? Que a natureza nega ter criado, a que a língua se recusa nomear?

Disponham-se de um lado cinquenta homens armados e outros tantos de outro lado; ponham-se em ordem de batalha, prontos para o combate, sendo uns livres e lutando pela liberdade, enquanto os outros tentam arrebatá-la dos primeiros: a quais deles, por conjectura, se atribui a vitória? Quais deles irão para a luta com maior entusiasmo: os que, em recompensa deste trabalho receberão o prêmio de conservar a liberdade ou os que, dos golpes que derem ou receberem, esperam tão-somente a servidão?

Os primeiros têm constantemente diante dos olhos a felicidade de sua vida passada, a esperança de no porvir a poderem conservar. Preocupa-os menos o que têm de sofrer no decurso da batalha do que tudo o que vão ter de suportar eles, os filhos e toda a posteridade. Os outros nada têm que os anime, a não ser um pouco de cobiça que é insuficiente para protegê-los do perigo e tão pouco ardente que não tardará a extinguir-se logo que derramem as primeiras gotas de sangue.

Nas muito famosas batalhas de Milcíades, Leônidas e Temístocles, travadas há já dois mil anos e que permanecem tão frescas na memória dos livros e dos homens como se tivessem acontecido ontem, nessas batalhas travadas na Grécia para bem da Grécia e exemplo do mundo inteiro, donde terá vindo aos gregos escassos não digo o poder mas o ânimo para se oporem à força de navios tão numerosos que mal cabiam no mar? E para desbaratarem nações tão numerosas que em toda a armada grega não se achariam soldados que chegassem para preencherem, se tal fosse mister, os postos de comandantes desses navios?

É que, em boa verdade, o que estava em causa nesses dias gloriosos não era tanto a luta entre gregos e persas como a vitória da liberdade sobre a dominação, da razão sobre a cupidez.

Quantos prodígios temos ouvido contar sobre a valentia que a liberdade põe no coração dos que a defendem!

Mas o que acontece afinal em todos os países, com todos os homens, todos os dias?

Quem, só de ouvir contar, sem o ter visto, acreditaria que um único homem tenha logrado esmagar mil cidades, privando-as da liberdade?

Se casos tais acontecessem apenas em países remotos e outros no-los contassem, quem não diria que era tudo invenção e impostura?

Ora, o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermos-nos dele.

Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo.

Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma.

Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.

São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir.

É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.

Se fosse difícil recuperar a liberdade perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de alimária e voltar a ser homem?

Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele; limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma vida livre.

Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la?

Se basta um ato de vontade, se basta desejá-la, que nação há que a considere assim tão difícil?

Como pode alguém, por falta de querer, perder um bem que deveria ser resgatado a preço de sangue? Um bem que, uma vez perdido, torna, para as pessoas honradas, a vida aborrecida e a morte salutar?

Veja-se como, ateado por pequena fagulha, acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha encontra, tanta mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas de lhe fornecer lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo.

Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e morto.

Os audazes, para que obtenham o que procuram, não receiam perigo algum, os avisados não recusam passar por problemas e privações. Os covardes e os preguiçosos não sabem suportar os males nem recuperar o bem. Deixam de desejá-lo e a força para o conseguirem lhes é tirada pela covardia, mas é natural que neles fique o desejo de o alcançarem. Esse desejo, essa vontade, são comuns aos sábios e aos indiscretos, aos corajosos e aos covardes; todos eles, ao atingirem o desejado, ficam felizes e contentes.

Numa só coisa, estranhamente, a natureza se recusa a dar aos homens um desejo forte. Trata-se da liberdade, um bem tão grande e tão aprazível que, perdida ela, não há mal que não sobrevenha e até os próprios bens que lhe sobrevivam perdem todo o seu gosto e sabor, corrompidos pela servidão.

A liberdade é a única coisa que os homens não desejam; e isso por nenhuma outra razão (julgo eu) senão a de que lhes basta desejá-la para a possuírem; como se recusassem conquistá-la por ela ser tão simples de obter.

Gentes miserandas, povos insensatos, nações apegadas ao mal e cegas para o bem!

Assim deixais que vos arrebatem a maior e melhor parte das vossas riquezas, que devastem os vossos campos, roubem as vossas casas e vo-las despojem até das antigas mobílias herdadas dos vossos pais!

A vida que levais é tal que (podeis afirmá-lo) nada tendes de vosso.

Mas parece que vos sentis felizes por serdes senhores apenas de metade dos vossos haveres, das vossas famílias e das vossas vidas; e todo esse estrago, essa desgraça, essa ruína provêm afinal não dos seus inimigos, mas de um só inimigo, daquele mesmo cuja grandeza lhe é dada só por vós, por amor de quem marchais corajosamente para a guerra, por cuja grandeza não recusais entregar à morte as vossas próprias pessoas.

Esse que tanto vos humilha tem só dois olhos e duas mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.

Onde iria ele buscar os olhos com que vos espia se vós não lhos désseis?

Onde teria ele mãos para vos bater se não tivesse as vossas?

Os pés com que ele esmaga as vossas cidades de quem são senão vossos?

Que poder tem ele sobre vós que de vós não venha?

Como ousaria ele perseguir-vos sem a vossa própria conivência?

Que poderia ele fazer se vós não fôsseis encobridores daquele que vos rouba, cúmplices do assassino que vos mata e traidores de vós mesmos?

Semeais os vossos frutos para ele pouco depois calcar aos pés. Recheais e mobiliais as vossas casas para ele vir saqueá-las, criais as vossas filhas para que ele tenha em quem cevar sua luxúria.

Criais filhos a fim de que ele, quando lhe apetecer, venha recrutá-los para a guerra e conduzi-los ao matadouro, fazer deles acólitos da sua cupidez e executores das suas vinganças.

Matai-vos a trabalhar para que ele possa regalar-se e refestelar-se em prazeres vis e imundos.

Enquanto vós definhais, ele vai ficando mais forte, para mais facilmente poder refrear-vos.

E de todas as ditas indignidades que os próprios brutos, se as sentissem, não suportariam, de todas podeis libertar-vos, se tentardes não digo libertar-vos, mas apenas querer fazê-lo.

Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que o não apoieis: não tardareis a ver como, qual Colosso descomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se quebrará.

Os médicos aconselham a não se tocar com a mão nas chagas incuráveis; não é, pois, sensato que eu dê conselhos a um povo que há muito perdeu a consciência e cuja doença, uma vez que ele já não sente dor, é evidentemente mortal. Temos, antes, de procurar saber como esse desejo teimoso de servir se foi enraizando a ponto de o amor à liberdade parecer coisa pouco natural.

Antes demais, eu creio firmemente que, se nós vivêssemos de acordo com a natureza e com os seus ensinamentos, seríamos naturalmente obedientes ao país, submissos à razão e de ninguém escravos.

Todos os homens, por si próprios, sem outro conselho que não seja o da natureza, guardam obediência ao pai e à mãe; quanto à razão, discutem muito os acadêmicos e todas as escolas filosóficas se ela nasce ou não conosco.

De momento penso não errar se crer que há na nossa alma uma semente natural de razão, a qual, se cultivada com bons conselhos e bons costumes, floresce em virtude; se, pelo contrário, é atacada pelos vícios, morre de asfixia e aborta.

Uma coisa é claríssima na natureza, tão clara que a ninguém é permitido ser cego a tal respeito, e é o fato de a natureza, ministra de Deus e governanta dos homens, nos ter feito todos iguais, com igual forma, aparentemente num mesmo molde, de forma a que todos nos reconhecêssemos como companheiros ou mesmo irmãos.

Ao fazer as partilhas dos dons que nos legou, deu, mais a uns do que a outros, certos dons corporais e espirituais; mas é igualmente certo que não pretendeu pôr-nos neste mundo como em campo fechado, nem deu aos mais fortes e aos mais avisados ordem para, quais salteadores emboscados no mato e armados, dizimarem os mais fracos.

É de crer, isso sim, que, favorecendo alguns e desfavorecendo outros, pretendia dar lugar à fraterna afeição, dar-lhes meios de se manifestar, pois se a uns assiste o poder de ajudar, os outros tinham necessidade de ser ajudados.

Esta boa mãe deu-nos a todos a terra para nela morarmos, albergou-nos a todos numa mesma casa, moldou-nos a todos numa mesma massa, para assim todos podermos mirar-nos e reconhecer-nos uns nos outros; a todos em comum outorgou o grande dom da voz e da palavra para sermos mais amigos e mais irmãos e, pela comum e mútua declaração dos nossos pensamentos, estabelecermos a comunhão de nossas vontades.

E pois ela buscou por todos os meios apertar e estreitar mais fortemente os nós da nossa aliança e sociedade, e por todas as formas mostrou mais desejar ver-nos unidos do que unos, não há dúvida de que somos todos companheiros e ninguém poderá jamais admitir que a natureza, integrando-nos a todos numa sociedade, tenha destinado uns para escravos.

Não importa verdadeiramente discutir se a liberdade é natural, provado que esteja ser a escravidão uma ofensa para quem a sofre e uma injúria à natureza que em tudo quanto faz é razoável.

Não há dúvidas, pois, de que a liberdade é natural e que, pela mesma ordem e de ideias, todos nós nascemos não só senhores da nossa alforria mas também com condições para a defendermos.

Se acaso pusermos isso em dúvida e descermos tão baixo que não sejamos capazes de reconhecer qual o nosso direito e as nossas qualidades naturais, vou ter de vos tratar como mereceis e por os próprios animais a dar-vos lições e a ensinar-vos qual é vossa verdadeira natureza e condição.

Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais: viva a liberdade! Muitos deles morrem quando os apanham. Como o peixe que, fora da água, perde a vida, também outros animais se negam a viver sem a liberdade que lhes é natural.

Se os animais estabelecessem entre si quaisquer grandezas e proeminências, fariam (creio firmemente) da liberdade a sua nobreza.

Alguns há que, dos maiores aos menores, ao serem presos, opõem resistência com as garras, os chifres, as patas e o bico, demonstrando assim claramente o quanto prezam a liberdade perdida. E uma vez no cativeiro, dão evidentes sinais do conhecimento que têm da sua desgraça e deixam ver perfeitamente que se sentem mais mortos do que vivos, continuando a viver mais para lamentarem a liberdade perdida do que por lhes agradar a servidão.

O que quer dizer o elefante que, depois de se defender até mais não poder, sentindo-se impotente e prestes a ser apanhado, espeta as presas nas árvores e as quebra, assim mostrando o grande desejo que tem de continuar livre como nasceu?

Assim dá a entender que deseja negociar com os caçadores, dando-lhes os dentes para que o soltem, entregando-lhes o marfim em penhor da liberdade.

Começamos a domesticar o cavalo, desde o momento em que ele nasce, preparamo-lo para nos servir e não podemos glorificar-nos de que, uma vez domado, ele não morde o freio e não se empina quando o esporeamos, como se (assim parece) quisesse mostrar à natureza e testemunhar por essa forma que serve não de boa vontade mas por ser obrigado a servir.

Que dizer perante isto? Que

Até os bois sob o jugo andam gemendo
E na gaiola as aves vão chorando
.

como escrevi no tempo em que versejava à francesa (não receio, escrevendo-te em particular, citar versos meus, coisa que nunca faço; como tens mostrado gostar deles, não me acusarás de ser pretensioso).

Todas as coisas que têm sentimento sentem a dor da sujeição e suspiram pela liberdade; as alimárias, feitas para servirem o homem não são capazes de se habituar à servidão sem protestarem desejos contrários.

A que azar, pois, se deverá que o homem, livre por natureza, tenha perdido a memória da sua condição e o desejo de a ela regressar?

Há três espécies de tiranos. Refiro-me aos maus príncipes. Chegam uns ao poder por eleição do povo, outros por força das armas, outros sucedendo aos da sua raça.

Os que chegam ao poder pelo direito da guerra portam-se como quem pisa terra conquistada.

Os que nascem reis, as mais das vezes, não são melhores; nascidos e criados no sangue da tirania, tratam os povos em quem mandam como se fossem seus servos hereditários; e, consoante a compleição a que são mais atreitos, avaros ou pródigos, assim fazem do reino o que fazem com outra herança qualquer.

Aquele a quem o povo deu o Estado deveria ser mais suportável; e sê-lo-ia a meu ver, se, desde o momento em que se vê colocado em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidisse ocupá-los para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. E, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareça, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio do que aumentar a servidão e afastar tanto dos súditos a ideia de liberdade que eles, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela.

Assim, para dizer toda a verdade, encontro entre eles alguma diferença, mas não vejo por onde escolher.

Sendo diversos os modos de alcançar o poder, a forma de reinar é sempre idêntica.

Os eleitos procedem como quem doma touros; os conquistadores como quem se assenhoreia de uma presa a que têm direito; os sucessores como quem lida com escravos naturais.

Se acaso hoje nascesse um povo completamente novo, que não estivesse acostumado à sujeição nem soubesse o que é a liberdade, que ignorasse tudo sobre uma e outra coisa, incluindo os nomes, e se lhe fosse dado a escolher entre o ser sujeito ou o viver a liberdade, qual seria a escolha desse povo?

Não custa a responder que prefeririam obedecer à razão em vez de servirem a um homem; a não ser que se tratasse dos israelitas, os quais, sem ninguém os obrigar e sem necessidade, elegeram um tirano [I Samuel, capítulo 8]; mas nunca leio a história de tal povo sem uma grande decepção e alguma fúria, tanta que quase me alegro por lhe terem acontecido tantas desgraças.

Uma coisa é certa, porém: os homens, enquanto neles houver algo de humano, só se deixam subjugar se foram forçados ou enganados; enganados pelas armas estrangeiras, como Esparta e Atenas pelas forças de Alexandre, ou pelas facções, como aconteceu quando o governo de Atenas caiu nas mãos de Pisístrates. [Pisístrates (600 – 527) foi por três vezes tirano de Atenas. Da primeira vez foi derrubado por Licurgo. Da segunda por Hermódio e Aristogíton. Deve-se, contudo, a Pisístrates a compilação das obras de Homero, como a Ilíada e a Odisseia.]

Muitas vezes perdem a liberdade porque são levados ao engano, não são seduzidos por outrem mas sim enganados por si próprios. Assim, o povo de Siracusa, cidade capital da Sicília, denominada hoje Saragoça [aqui Boétie se equivoca…], apertado pelas guerras, sem olhar a nada a não ser o perigo, elevou ao poder Dionísio Primeiro e entregou-lhe o comando do exército. Tantos poderes lhe foi dando que o velhaco, uma vez vitorioso, como se tivesse triunfado não sobre os inimigos, mas sobre os cidadãos, subiu de capitão a rei e de rei a tirano.

Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade mas a servidão.

É verdade que, a princípio, serve com constrangimento e pela força; mas os que vêm depois, como não conheceram a liberdade nem sabem o que ela seja, servem sem esforço e fazem de boa mente o que seus antepassados tinham feito por obrigação.

Assim é: os homens nascem sob o jugo, são criados na servidão, sem olharem para lá dela, limitam-se a viver tal como nasceram, nunca pensam ter outro direito nem outro bem senão o que encontraram ao nascer, aceitam como natural o estado que acharam à nascença.

E todavia não há herdeiro tão pródigo e desleixado que uma vez não passe os olhos pelos livros de registros, para ver se goza de todos os direitos hereditários e se não foi esbulhado nos seus direitos, ele ou o seu predecessor.

Mas o costume, que sobre nós exerce um poder considerável, tem uma grande orça de nos ensinar a servir e (tal como de Mitrídates se diz que aos poucos foi se habituando a beber veneno) a engolir tudo até que deixamos de sentir o amargor do veneno da servidão.

Não pode negar-se que a natureza tem força para nos levar aonde ela queira e fazer a nós livres ou escravos; mas importa confessar que ela tem sobre nós menos poder do que o costume e que a natureza, por muito boa que seja, acaba por se perder se não for tratada com os cuidados necessários; e o alimento que comemos transmite-nos muito de seu, faça a natureza o que fizer.

As sementes do bem que a natureza em nós coloca são tão pequenas e inseguras que não aguentam o embate do alimento contrário. Não se mantêm facilmente, estragam-se, desfazem-se, reduzem-se a nada. Como acontece com as árvores de fruto, possuidoras de uma natureza própria que conservarão enquanto as deixarem; mas passarão a ter outra e a dar frutos estranhos, não os delas, a partir do momento em que sejam enxertadas.

As ervas têm cada uma a sua propriedade, a sua natureza e a sua singularidade próprias; mas o frio, o tempo, a terra ou a mão do jardineiro acrescentam-lhe ou tiram-lhe muitas das suas virtudes. Vê-se num sítio uma planta que outro sítio não reconhece.

Vejam-se os venezianos, um punhado de pessoas livres, tanto que até o pior de todos se recusaria a ser rei, nascidos e criados de tal modo que a grande ambição deles é defenderem ciosamente a liberdade de cada um; educados desde o berço nestes princípios, não aceitariam todas as outras felicidades da terra, se para isso tivessem de perder a menor de suas liberdades. Vejam-se os venezianos, repito, e repare-se depois nos que habitam as terras daquele a que chamamos Grão-Senhor, gente que nada mais faz do que servi-lo e que, para o manterem no poder, dão a própria vida.

Diria quem visse uns e outros que possuem todos a mesma natureza?

Não julgaria antes que saíra de uma cidade de homens para entrar num curral de animais? Licurgo, reformador de Esparta, criara (diz-se) dois cães que eram irmãos, alimentados com o mesmo leite, um deles habituado a ficar na cozinha e o outro acostumado a correr pelo campo, ao som da trompa e da corneta; querendo mostrar ao povo lacedemônio que os homens são o que a educação faz de cada um, colocou os dois cães no meio da praça e, no meio deles, uma sopa e uma lebre. Um correu para o prato e o outro para a lebre. Muito embora (disse ele) fossem irmãos.

Lembrarei com prazer um dito dos favoritos de Xerxes, senhor da Pérsia, a respeito dos espartanos.

Quando Xerxes se aparelhava para conquistar a Grécia, mandou embaixadores às cidades gregas, a pedir-lhes água e terra. A Esparta e Atenas não os enviou, porque os enviados de seu pai, Dario que lá tinha ido fazer igual pedido, tinham-nos os espartanos e atenienses lançado em covas e outros em poços, dizendo-lhes que tirassem terra e água à vontade e que fossem levá-la a seu príncipe.

Nenhum daqueles povos tolerava que, sequer por palavras, alguém lhes tocasse na liberdade.

Por assim terem feito, viram os espartanos que tinham incorrido no ódio dos próprios deuses, especialmente no de Taltíbio, deus dos arautos.

Para os apaziguarem, mandaram a Xerxes dois cidadãos, para que fossem à presença dele e ele os tratasse como lhe aprouvesse, tirando assim a desforra dos embaixadores que seu pai enviara e tinham sido mortos. Dois espartanos, um de nome Specto e outro Bulis, ofereceram-se voluntariamente para esta missão.

Foram e, pelo caminho, entraram no palácio de um persa chamado Gidarno, lugar-tenente do rei em todas as cidades do litoral da Ásia. Este os recebeu com muita honraria. E como fossem conversando sobre vários assuntos, perguntou-lhes que motivos tinham para recusarem a amizade do rei.

“Podeis crer, espartanos (dizia-lhes), juro-vos que o rei sabe honrar quem o merece e, se vos tornardes seus súditos, vereis que assim é. Se aceitardes e ele vos conhecer, vereis como será cada um de vós nomeado imediatamente senhor de uma cidade da Grécia.”

Ao que lhe responderam os lacedemônios:

“Ruim conselho é o que nos dás, Gidarno. O bem que nos prometes, já o experimentaste, mas nada sabes do que nós já possuímos; gozas do favor do rei, mas nada sabes da liberdade, do gosto que ela tem, da sua doçura. Se a conhecesses, havias de nos aconselhar a defendê-la, não só com lança e escudo, mas até com unhas e dentes.”

O espartano é que tinha razão; mas um e outro falavam de acordo com o que tinham aprendido.

Não era possível ao persa avaliar a liberdade, pois nunca a tivera, nem ao lacedemônio aceitar a sujeição, depois de ter conhecido o gosto da liberdade.

Catão de Útica, quando era ainda menino de escola, entrava muitas vezes na casa do ditador Sila cujas portas lhe estavam abertas, não só por pertencer a uma família nobre, como até por ser parente próximo de Sila.

Acompanhava-o sempre o preceptor, como era costume entre os filhos de boas famílias.

Deu ele então conta de que em casa de Sila, na presença deste ou por sua ordem, muitos cidadãos eram presos e condenados, eram uns banidos e outros estrangulados, decretava-se a confiscação dos bens e era perdida a cabeça de muitos.

Ou seja, mais parecia o paço do tirano do que a morada do governador da cidade, era menos um tribunal de justiça do que uma espelunca da tirania.

Perguntou o nobre infante ao preceptor:

“Dar-me-eis um punhal? Metê-lo-ei sob a toga e, como entro muitas vezes nos aposentos de Sila, antes de ele acordar, o meu braço há de ter força suficiente para libertar o povo.”

Este é um dito digno de Catão. Assim já se revelava digno da morte que teve.

Mas se porventura a história não referisse o nome dele nem o local, seria facílimo adivinhar que se trata de um romano e natural de Roma, da verdadeira Roma, quando ela era livre.

Mas para que dizer mais? Em boa verdade não creio que o país ou a terra importem muito. Em todos os países, em todos os climas, sabe mal a sujeição e é gostosa a liberdade.

Dignos de dó são os que nasceram com a canga no pescoço.

Devem ser desculpados e perdoados, pois, nunca tendo visto sequer a sombra da liberdade e ninguém lha tendo mostrado, não sabem como é mal serem escravos.

Há países em que o Sol aparece de modo diverso daquele a que estamos habituados: depois de brilhar durante seis meses seguidos, deixa-os ficar mergulhados na escuridão, nunca os visitando no meio do ano; se os que nasceram durante essa longa noite nunca tivessem ouvido falar do dia, seria de espantar que eles se habituassem às trevas em que nasceram e nunca desejassem a luz?

Nunca se lastima o que não se conhece, só se tem desgosto depois de ter gozado o prazer, depois de se ter conhecido o bem e se recordar a alegria passada.

É natural no homem o ser livre e o querer sê-lo; mas está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos que a educação lhe dá.

Diga-se, pois, que acaba por ser natural tudo o que o homem obtém pela educação e pelo costume; mas da essência da sua natureza é o que lhe vem da mesma natureza pura e não alterada; assim, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito: provam-no os cavalos sem rabo que no princípio mordem o freio e acabam depois por brincar com ele; e os mesmos que se rebelavam contra a sela acabam por aceitar a albarda e usam muito ufanos e vaidosos os arreios que os apertam.

Afirmam que sempre viveram na sujeição, que já os pais assim tinham vivido. Pensam que são obrigados a usar freio, provam-no com exemplos e com o fato de há muito serem propriedade daqueles que os tiranizam.

Mas a verdade é que os anos não dão o direito de se praticar o mal, antes agravam a injúria.

Sempre haverá umas poucas almas melhor nascidas do que outras, que sentem o peso do jugo e não evitam sacudi-lo, almas que nunca se acostumam à sujeição e que, à imitação de Ulisses, o qual por mar e terra procurava avistar o fumo de sua casa, nunca se esquecem dos seus privilégios naturais, nem dos antepassados e de sua antiga condição.

São esses dotados de claro entendimento e espírito clarividente; não se limitam, como o vulgo, a olhar só para o que têm adiante dos pés, olham também para trás e para frente e, estudando bem as coisas passadas, conhecem melhor o futuro e o presente.

Além de terem um espírito bem formado, tudo fazem para aperfeiçoá-lo pelo estudo e pelo saber.

Esses, ainda quando a liberdade se perdesse por completo e desaparecesse para sempre do mundo, não deixariam de imaginá-la, de senti-la e saboreá-la; para eles, a servidão, por muito bem disfarçada que lhes aparecesse, nunca seria coisa boa.

O Grão-Turco teve perfeita consciência de que os livros e a doutrina, mais do que qualquer outra coisa, dão aos homens a capacidade de se conhecerem e de odiarem a tirania. Sabe-se que nas suas terras não há mais sábios do que os que lhe convém a ele.

Acontece que o zelo e a dedicação dos que, apesar de tudo, prezam a liberdade, não têm efeito algum, pois, mesmo que sejam em grande número, não se podem conhecer uns aos outros.

A tirania subtrai-lhes toda e qualquer liberdade de agir, de falar e quase de pensar.

Têm de guardar só para eles as suas fantasias. Razão tinha Momo para zombar, quando censurou o homem forjado por Vulcano, por não lhe ter feito no coração uma janela através da qual pudessem ser vistos os seus pensamentos.

É sabido que Brutus e Cássio, ao planejarem a libertação de Roma, ou antes, do mundo inteiro, não quiseram que Cícero, o maior zelador do bem público, entrasse na conspiração; julgaram que tinha um coração demasiado débil para tal façanha, confiavam na vontade dele, mas não estavam muito seguros da sua coragem. Quem estudar os efeitos da antiguidade e as velhas crônicas descobrirá que, vendo-se o país mal governado e maltratado, e tomando-se a decisão firme de libertá-lo, poucos ou nenhum deixaram de consegui-lo; tiveram nisso a ajuda da própria liberdade, ansiosa por renascer.

Harmódio, Aristogíton, Trasíbulo, Brutus-o-Velho, Valério e Díon executaram cabalmente o que valorosamente planejaram. Em casos assim, a sorte quase nunca falta a quem quer o bem. O jovem Brutus e Cássio derrubaram a servidão e repuseram a liberdade, tendo por isso morrido, mas não desonrosamente. Desonroso seria dizer que foi desonrosa a vida ou a morte desses jovens. Tristeza e desgraça foram a ruína da república que viria a ser enterrada com eles. As conjuras que depois houve contra os imperadores romanos foram todas atos de gente ambiciosa e não devemos lamentar as derrotas que sofreram; era evidente que não queriam derrubar mas arruinar a coroa, pretendiam expulsar o tirano e manter a tirania. Não é para mim desejável que eles tivessem triunfado e apraz-me que, pelo exemplo, tenham mostrado como não se deve abusar do sagrado nome da liberdade para levar a cabo ruins empreendimentos.

Mas, voltando ao assunto principal de que me afastei: a primeira razão que leva os homens a servirem de boamente é o terem nascidos e sido criados na servidão.

A esta soma-se outra que é a de, sob a tirania, os homens se tornarem covardes e efeminados.

Nisso concordo com Hipócrates, pai da medicina, que assim afirmou e escreveu num de seus livros, intitulado Das Doenças.

Este homem tinha o coração no lugar e bem o demonstrou quando o rei quis atraí-lo para junto de si, com muitas dádivas e oferendas; respondeu-lhe francamente que teria muitos escrúpulos em tratar e curar os bárbaros que queriam matar os gregos e de pôr a sua arte a serviço de um rei que pretendia escravizar a Grécia.

A carta que lhe mandou pode ainda hoje ver-se entre as suas outras obras e constituirá para todo o sempre uma prova do seu bom coração e de sua natureza nobre.

Com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia.

As pessoas escravizadas não mostram no combate qualquer ousadia ou intrepidez.

Vão para o castigo como que manietadas e entorpecidas, como quem vai cumprir uma obrigação.

E não sentem arder no coração o fogo da liberdade que faz desprezar o perigo e dá ganas de comprar com a morte, ao lado dos companheiros, a honra da glória.

Entre homens livres, todos disputam invejosamente quem há de ser o primeiro a servir o bem comum; todos desejam ter o seu quinhão no mal da derrota ou no bem da vitória. Mas as pessoas escravizadas, além desta falta de valor na guerra, perdem também a energia em todo o resto, têm o coração abatido e mole e não são capazes de grandes ações.

Os tiranos o sabem e, à vista deste vício, tudo fazem para piorá-lo.

Xenofonte, historiador grave e da melhor cepa entre os gregos, em um livro fez Simônides falar com Hierão, rei de Siracusa, sobre as misérias dos tiranos.

É um livro eivado de bons costumes e graves argumentos e, a meu ver, escrito com muita graça. Bom seria que todos os tiranos que já houve pusessem diante dos olhos e dele se servissem como de um espelho.

Não creio que deixassem de ver nele todas as suas verrugas e não se envergonhassem de todas as suas manchas.

Conta no referido tratado o tormento por que passam os tiranos que, por fazerem mal a todos, a todos devem temer.

Diz entre outras coisas que os maus reis recorrem a estrangeiros para fazerem a guerra, subornam-nos e não se atrevem a meter armas nas mãos dos próprios súditos a quem ofenderam.

Reis houve, alguns até franceses, mais outrora do que nos dias de hoje, que contrataram para a guerra mais de uma nação estrangeira, com intenção de preservarem os seus, por acharem que não era perdido o dinheiro gasto em defesa das pessoas.

Era o que dizia Cipião (o grande Africano, julgo) para quem valia mais defender a vida de um cidadão do que desbaratar cem inimigos.

Mas não há dúvida alguma de que o tirano se julga absolutamente seguro e só se preocupa quando percebe que já não tem a seu serviço um único homem de valor.

Com razão se lhe poderá dizer nessa altura o que Trasão, em Terêncio, se glorific

a de ter dito ao domador de elefantes:

Tão bravo vos hei mostrado
Que sois das bestas criado.

Mas esse estratagema com que os tiranos humilham os súditos está, mais do que em qualquer outro lado, explicitado no que Ciro fez aos lídios, depois de se ter apoderado de Sardes, capital da Lídia, quando aprisionou o riquíssimo rei Creso e o levou cativo. Trouxeram-lhe a notícia de que os de Sardes se tinham revoltado. Ter-lhe-ia sido fácil dominá-los.

Não desejando saquear uma tão bela cidade nem querendo destacar para lá um exército que a vigiasse, recorreu a um outro expediente. Fundou nela bordéis, tabernas e jogos públicos e publicou um decreto que obrigava os habitantes a frequentá-los.

Tão bons resultados teve esta guarnição que foi desnecessário daí em diante levantar a espada contra os lídios. Os desgraçados divertiram-se a inventar toda a casta de jogos, de tal forma que a palavra latina usada para significar “passatempos” é a palavra “ludi”, que vem de “Lydi”, lídios.

Nem todos os tiranos foram tão explícitos no seu desejo de efeminarem os homens, mas o que este ordenou formalmente foi, em grande parte, realizado de forma velada.

É muito próprio do vulgo, mormente o que pulula nas cidades, desconfiar de quem o estima e ser ingênuo para com aqueles que o enganam.

Atrair o pássaro com o apito ou o peixe com a isca do anzol é mais difícil que atrair o povo para a servidão, pois basta passar-lhes junto à boca um engodo insignificante.

É espantoso como eles se deixam levar pelas cócegas.

Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania.

Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os antigos súditos sob o jugo. Os povos, assim ludibriados, achavam bonitos estes passatempos, divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual, se bem que mais nociva, à das crianças que aprendem a ler atraídas pelas figuras coloridas dos livros iluminados.

Os tiranos romanos decretaram também na celebração frequente das decenárias públicas, para as quais atraiam a canalha que põe acima de tudo os prazeres da boca.

Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão.

Os tiranos ofereciam o quarto de trigo, o sesteiro de vinho e o sestércio. E os vivas ao rei eram então coisa triste de ouvir.

Não davam conta, os néscios, de que recuperavam dessa forma parte do que era seu e que não podia o tirano dar-lhes coisa que não lhes tivesse furtado antes.

O que hoje ganhava o sestércio, o que se fartava de comer no festim público, louvando a grande liberalidade de Tibério e Nero, era no dia seguinte obrigado a entregar os seus haveres à avareza, os filhos da luxúria e o próprio sangue à crueldade daqueles magníficos imperadores, e fazia-o sem dizer palavra, mudo como uma pedra, quedo como um cepo.

O povo sempre foi assim.

É perante o prazer que honestamente não pode atingir, aberto e dissoluto e, face ao agravo e à dor que honestamente não deveria sofrer, insensível.

Não sei hoje em dia de pessoa alguma que, ao ouvir falar de Nero, não trema só com o nome de tão vil monstro, de tão hedionda e imunda besta. Pode, porém, dizer-se que após a sua morte, vil tanto quanto foi a sua vida, o povo romano ficou com tanta pena (por se lembrar dos seus jogos e festins) que pouco faltou para vestir luto. Assim o escreveu Cornélio Tácito, autor dos melhores e mais graves, e só pode estranhar o fato quem não conheça bem o que o povo fez após a morte de Júlio César, que tinha abolido as leis e a liberdade.

Achavam que era um homem sem valor (creio), mas louvaram muito a sua humanidade que afinal foi tão nociva como a crueldade mais selvagem de todos os tiranos.

Em boa verdade, a sua peçonhenta doçura serviu só para adoçar a servidão que impôs ao povo romano.

Mas, depois de morto, o dito povo, que tinha ainda na boca o sabor dos banquetes e a recordação das suas prodigalidades, queimou, para honrá-lo e incinerá-lo, todos os bancos da praça, edificou-lhe uma coluna, como a um verdadeiro pai do povo (assim rezava a inscrição no capitel), e prestou-lhe mais honrarias, após a morte, do que a qualquer outro homem, à exceção talvez dos que o mataram.

Os imperadores romanos não deixavam de tomar sempre o título de tribuno do povo, seja porque seu cargo era tido na conta de santo e sagrado, seja porque havia sido estabelecido para se defenderem do povo e estarem sob o favor do estado.

Deste modo tinham por certo que o povo lhes daria toda a confiança, tendo em maior consideração o título do que os atos deles.

Não procedem melhor hoje em dia os que sempre que cometem aleivosias, incluindo as mais graves, fazem-nas acompanhar de discursos sobre o bem comum e a utilidade pública.

Não ignoras, Longa, os considerandos de que habilmente eles costumam lançar mão. Mas na maioria das vezes não há habilidade que chegue para cobrir tanto despudor.

Os reis assírios, e depois deles os medos, só apareciam em público o mais tarde possível, ao anoitecer, para a populaça julgar que eles tinham algo de sobre-humano, assim iludindo as gentes propensas ao devaneio e amigas de imaginar aquilo que não vêem claramente visto.

Foi assim que as nações que durante longos anos pertenceram ao império sírio se habituaram, com tal mistério, a servir e serviam tanto mais quanto não sabiam quem era o soberano; e todos o respeitavam e temiam, sem nenhum deles o ter visto.

Os primeiros reis do Egito, esses nunca se mostravam em público sem levarem um ramo ou uma luz na cabeça e mascaravam-se como saltimbancos, coisa tão estranha de ver que os súditos se enchiam de respeito e veneração por eles; e havia gente tão doida e tão submissa que se prestava a tal comédia em vez de com ela se rir. Faz pena ouvir comentar as artimanhas a que os tiranos de antigamente recorriam para consolidarem as suas tiranias e o modo como de coisas somenos tiravam grande partido.

Tinham compreendido ser possível fazerem o que quisessem de um povo que se deixava apanhar na rede, por muito frágil que ela fosse, um povo tão fácil de enganar e submeter que quanto mais dele zombavam mais se rebaixava.

E que direi daquela outra patranha a que os povos antigos sempre deram grande crédito? Acreditaram, de fato, que o dedo grande do pé de Pirro, rei dos epirotas, fazia milagres e curava as doenças do baço.

Acreditavam na lenda de que o dito dedo, após a cremação do corpo de Pirro, ficaria inteiro no meio das cinzas.

Era o próprio povo que forjava as mentiras em que posteriormente acreditava. Muitos assim o escreveram e, pelo modo como o fizeram, é patente que se limitaram a reunir o que ouviam dizer nas cidades entre o povo miúdo.

Vespasiano, no regresso da Assíria, passando por Alexandria a caminho de Roma, para tomar o governo do Império, teria realizado muitos milagres.

Punha os coxos a andar, dava vista aos cegos e obrava muitas outras façanhas em que só podia acreditar quem fosse mais cego do que aqueles a quem pretensamente curava.

Até os mesmos tiranos se espantavam com a forma como os homens podem suportar um homem que lhes faz mal; utilizavam por isso o disfarce da religião e, se possível, tomavam o aspecto de certas divindades, disso se servindo para protegerem a má vida que levavam.

Se dermos credo à Sibila de Virgílio e à sua descrição do inferno, Salmoneu, por ter zombado dos deuses e vestido a indumentária de Júpiter, está agora no fundo do inferno a receber o castigo que merece:

… As penas vi cruéis e penetrantes
De Salmoneu soberbo, que tanto erra,
De Júpiter Tonante o raio horrendo
E do Olimpo os trovões contrafazendo.

De quatro frisões este conduzido
Uma tocha acendida meneando,
Pelos povos de Grécia ia atrevido,
E pelo meio de Elides triunfando.
O culto aos altos deuses só devido
Pedia: mentecapto, que rodando
Pela ponte no coche miserável,
Fingia a chuva e o raio imitável.

Mas de uma nuvem densa um raio horrendo,
Vibrando irado, o padre onipotente
O derrubou com ímpeto tremendo,
Não com fumoso raio ou tocha ardente…
[Eneida, Virgílio, Cap. VI]

Se este, cujo crime foi fazer de tolo, padece hoje tais tormentos no inferno, é de crer que merecem muito pior os que abusaram da religião para fins ruins.

Os nossos semearam pela França sapos, flores de lis, a ampola e a oriflama. Pela parte que mais me cabe, não ponho em dúvida que os nossos foram maiores e nós não temos razão de queixa, pois sempre tivemos reis bons em tempo de paz, valorosos na guerra, reis que, embora sendo-o de nascença, parecem ter sido não criados pela natureza, como os outros, mas eleitos por Deus Todo-poderoso, antes de tomarem nas mãos as rédeas do governo e a guarda do reino.

Ainda que assim não fosse, não poria em dúvida a verdade contada pelas nossas histórias, nem as discutiria com vistas a rebaixar a nossa bela nação e deslustrar a nossa poesia francesa, a qual, mais do que remoçada, está hoje completamente renovada graças aos nossos Ronsard, Baïf e Du Bellay, que fizeram evoluir a nossa língua a pontos (ouso esperá-lo) de os gregos e latinos não serem em nada superiores, a não ser quiçá no direito de antiguidade.

E seria da minha parte grande ofensa à nossa métrica (uso de boa mente a palavra e não me desagrada) que, tornada embora por muitos mecânica, tem muita gente capaz de enobrecê-la e de restituí-la à sua honra primitiva, seria, digo, grande ofensa, subtrair-lhe os belos contos do rei Clóvis, nos quais julgo ver despontar fácil e elegantemente a veia do nosso Ronsard e da sua Francíada. Pressinto o seu alcance, reconheço-lhe a graça e finura de espírito. Tem arte para fazer da oriflama o que os romanos fizeram das ancilas, como diz Virgílio: “E os escudos do céu jazendo em terra”. Erguerá a nossa ampola tanto quanto os atenienses o cesto de Eríctono; e as nossas armas serão faladas tanto quanto o foi a oliveira que ainda hoje se encontra na torre de Minerva. Seria de fato ultrajante renegar os nossos livros e desdizer os nossos poetas.

Mas voltando ao assunto de que sem querer me afastei, quem mais do que os tiranos tem conseguido para sua segurança, habituar o povo não só à obediência e à servidão, mas até à devoção? Tudo, pois, o que até aqui disse sobre o hábito de as pessoas serem voluntariamente escravas aplica-se apenas às relações entre os tiranos e a arraia miúda e embrutecida.

Passarei agora a um ponto que, a meu ver, constitui o segredo e a mola da dominação: o apoio e o alicerce da tirania.

Quem pensar que as alabardas dos guardas e das sentinelas protegem o tirano, está, na minha opinião, muito enganado; usam-nos, creio, mais por formalidade e como espantalho do que por lhes merecerem a confiança.

Os arqueiros vedam a entrada no paço aos pouco hábeis, aos que não têm meios, não aos bem armados e aos façanhudos.

Dos imperadores romanos se pode dizer que foram menos os que escaparam de qualquer perigo por intervenção dos arqueiros do que os que pelos próprios guardas foram mortos.

Não são as hordas de soldados a cavalo, não são as companhias de soldados peões, não são as armas que defendem o tirano.

Parece à primeira vista incrível, mas é a verdade. São sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão.

Sempre foi a uma escassa meia dúzia que o tirano deu ouvidos, foram sempre esses os que lograram aproximar-se dele ou ser por ele convocados, para serem cúmplices das suas crueldades, companheiros dos seus prazeres, alcoviteiros suas lascívias e com ele beneficiários das rapinas. Tal é a influência deles sobre o caudilho que o povo tem de sofrer não só a maldade dele como também a deles. Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros.

Quem queira perder tempo a desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mil ou cem milhões agarrados à corda do tirano; tal como em Homero, Júpiter se gloria de que, puxando a corda, todos os deuses virão atrás.

Tal cadeia está na origem do crescimento do Senado no tempo de Júlio, do estabelecimento de novos cargos e das eleições de ofícios, que não são de modo algum uma reforma na justiça, mas novo apoio à tirania.

E, pelos favores, ganhos e lucros que os tiranos concedem chega-se a isto: são quase tantas pessoas a quem a tirania parece proveitosa como as que prezam a liberdade.

Dizem os médicos que, havendo no nosso corpo uma parte afetada, é nela que naturalmente se reúnem os humores malignos; da mesma forma, quando um rei se declara tirano, tudo quanto é mau, a escória do reino (não me refiro aos larápios e outros desorelhados que no conjunto da república não fazem bem ou mal algum), os que são ambiciosos e avarentos, todos se juntam à volta dele para apoiarem-no, para participarem do saque e serem outros tantos tiranetes logo abaixo do tirano.

É o caso dos grandes ladrões e corsários famosos. Há uns que exploram o país e assaltam os viajantes; estão uns de emboscada e outros à espreita; uns chacinam, outros saqueiam e, havendo muito embora alguns mais proeminentes, uns que são criados e outros chefes de bando, todos afinal se sentem donos, senão do espólio principal, pelo menos de parte dele.

Conta-se que os piratas sicilianos não só se juntaram em tão grande número que foi mister enviar contra eles Pompeu Magno, como também conseguiram estabelecer alianças com algumas belas cidades e grandes praças fortes em cujos portos ancoravam com toda a segurança, no regresso do corso, dando-lhes em recompensa uma parte dos bens que rapinavam.

O tirano submete a uns por intermédio dos outros.

É assim protegido por aqueles que, se algo valessem, antes devia recear, e dá razão ao adágio que diz ser a lenha rachada com cunhas feitas da mesma lenha.

Vejam-se os arqueiros, os guardas e porta-estandartes que do tirano recebem não poucos agravos.

Mas os desgraçados, banidos por Deus e pelos homens, suportam de boa mente o mal e descarregam depois esse mal não naquele que os maltrata, mas nos que são como ele maltratados e não têm defesa.

À vista dos que servilmente giram em redor do tirano, a executar as suas tiranias e a oprimir o povo, fico muitas vezes espantado com a maldade deles e sinto igualmente pena de tanta estupidez.

Porque, em boa verdade, o que fazem eles, ao acercarem-se do tirano, senão afastarem-se da liberdade, darem (por assim dizer) ambas as mãos à servidão e abraçarem a escravatura?

Ponham eles algum freio à ambição, renunciem um pouco à avareza, olhem depois para si próprios, vejam-se bem e perceberão claramente que os camponeses, os servos que eles espezinham e tratam como escravos são em comparação com eles, livres e felizes.

O camponês e o artesão, embora servos, limitam-se a fazer o que lhes mandam e, feito isso, ficam quites.

Os que giram em volta do tirano e mendigam seus favores, não se poderão limitar a fazer o que ele diz, têm de pensar o que ele deseja e, muitas vezes, para ele se dar por satisfeito, têm de lhe adivinhar os pensamentos.

Não basta que lhe obedeçam, têm de lhe fazer todas as vontades, têm de se matar de trabalhar nos negócios dele, de ter os gostos que ele tem, de renunciar à sua própria pessoa e de se despojar do que a natureza lhes deu.

Têm de se acautelar com o que dizem, com as mínimas palavras, os mínimos gestos, com o modo como olham; não têm olhos, nem pés, nem mãos, têm de consagrar tudo ao trabalho de espiar a vontade e descobrir os pensamentos do tirano.

Será isto viver feliz? Será isto vida? Haverá no mundo coisa mais insuportável do que isto? Não me refiro sequer a homens bem nascidos, mas sim a quem tenha o sentido do bem comum ou, para mais não dizer, cara de homem. Haverá condição mais miserável do que viver assim, sem ter nada de seu, sujeitando a outrem a liberdade, o corpo, a vida?

Fazem tudo o que fazem para ganharem fortuna…

Como se pudessem ganhar alguma coisa de seu, quando da sua própria pessoa não podem dizer que seja sua.

Como se fosse possível, na presença do tirano, alguém possuir o que quer que seja, eles fazem tudo para acumularem riquezas e não se lembram de que são eles que lhe dão a força para roubar tudo a todos, não deixando a ninguém nada de seu.

Vêem que é o ter que mais sujeita os homens à crueldade, que não há para o tirano crime mais digno de morte do que a posse de quaisquer bens; que ele só quer possuir riquezas, que rouba aos ricos que se apresentam diante dele como num matadouro, para que ele os veja bem recheados e ornados e deles tenha inveja.

Estes favoritos deveriam lembrar-se menos dos poucos que no convívio com o tirano ganharam fortunas do que dos muitos que, tendo acumulado assim alguns haveres, acabaram por perder os bens e a vida.

Bom será pensar que, se alguns poucos ganharam riquezas, pouquíssimos foram os que as conservaram.

Percorreram-se as histórias antigas, pense-se nas de fresca data e se verá claramente quão grande é o número dos que, ganhando as boas graças dos príncipes com falsidades e tendo recorrido à maldade ou abusado da simplicidade deles, acabaram por ser aniquilados pelos mesmos príncipes, os quais, tão facilmente quanto os tinham elevado, viram que não podiam conservá-los.

Entre o grande número de pessoas que algum dia viveram nas cortes dos maus reis, poucos ou nenhum escaparam de sentir em si a crueldade do tirano a quem tinham acirrado contra os outros.

Tendo o mais das vezes enriquecido, à custa da proteção deles, com os despojos dos outros, foram eles que depois enriqueceram os outros com seus próprios despojos.

As próprias pessoas de bem, se acaso as há ao redor do tirano e gozam das suas graças, enquanto nelas brilha a virtude e a integridade, que, vistas de perto, até aos maus inspiram respeito, essas pessoas de bem não ficarão muito tempo sem perceber o mal que os outros sofrem e aprenderão às suas custas os malefícios da tirania.

Sêneca, Burro, Trázeas, esse trio de pessoas de bem que tiveram a pouca sorte de viver perto do tirano e a missão de tratar dos seus negócios, foram todos por ele estimados e benquistos; um deles fora seu preceptor e tinha como penhor da amizade e educação que lhe dera; ora todos eles testemunharam pela sua morte cruel quão pouca confiança merecem os tiranos.

Que amizade, afinal, pode esperar-se daquele cujo coração é tão duro que odeia o próprio reino que em tudo lhe obedece? Que, por não conseguir fazer-se amar, se empobrece e destrói seu império?

Poderá dizer-se que todos os que referi, incorreram em grandes desgraças, por terem sido virtuosos; mas olhemos também para o resto do séquito do tirano e veremos que todos quantos obtiveram os seus favores e os mantiveram por maldade acabaram por não durar muito.

Onde se ouviu falar de amor mais dedicado, de afeto mais duradouro, onde é que já se viu homem mais obstinadamente preso a uma mulher do que ele estava a Pompéia, a quem afinal envenenou?

Agripina, mãe de Nero, matara o marido Cláudio para por o filho no trono. Fez-lhe todas as vontades, não se poupou a trabalhos para lhe agradar. Ora foi esse mesmo filho por ela gerado e feito imperador, foi ele que, depois de muitas vezes, debalde, o tentar, acabou por lhe tirar a vida; e ninguém depois diria que ela não mereceu esse castigo, mas a opinião geral é que devia tê-lo recebido das mãos de outrem e não daquele que lho infligiu.

Onde houve já homem mais fácil de manobrar, mais simples, digamos até mais ingênuo do que o Imperador Cláudio? Quem se apaixonou algum dia por uma mulher mais do que ele por Messalina? Nem por isso deixou de entregá-la ao carrasco. A simplicidade é uma crueldade de todos os tiranos: tanto que todos ignoram o que seja praticar o bem. Mas, não sei como, chega sempre o dia em que usam de crueldade para com os que os rodeiam e a pouca inteligência que possuem desperta de imediato.

É bem conhecida a palavra daquele que, vendo a descoberto o colo da mulher amada, sem a qual parecia não poder viver, a acariciou, dizendo: este belo pescoço, logo que eu o ordene, pode ser cortado.

Por isso é que a maior parte dos antigos tiranos eram geralmente mortos pelos seus favoritos, os quais, uma vez conhecida a natureza da tirania, perdiam toda a fé na vontade do tirano e desconfiavam do seu poder.

Assim foi que Domiciano morreu às mãos de Estevão, Cômodo assassinado por uma das suas amantes, Antonino por Macrino, e o mesmo aconteceu com quase todos os outros.

A verdade é que o tirano nunca é amado nem ama.

A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade.

O que dá ao amigo a certeza de contar com o amigo é o conhecimento que tem da sua integridade, a forma como corresponde à sua amizade, o seu bom feitio, a fé e a constância.

Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça. Quando os maus se reúnem, fazem-no para conspirar, não para travarem amizade. Apoiam-se uns aos outros, mas temem-se reciprocamente. Não são amigos, são cúmplices.

Ainda que assim não fosse, havia de ser sempre difícil achar num tirano um amor firme. É que, estando ele acima de todos e não tendo companheiros, situa-se para lá de todas as raias da amizade, a qual tem seu alvo na equidade, não aceita a superioridade, antes quer que todos sejam iguais.

Por isso é que entre os ladrões reina a maior confiança, no dividir do que roubaram; todos são pares e companheiros e, se não se amam, temem-se pelo menos uns aos outros e não querem, desunindo-se, tornar-se mais fracos.

Quanto ao tirano, nem os próprios favoritos podem ter confiança nele, pois aprenderam por si que ele pode tudo, que não há direitos nem deveres a que esteja obrigado, a sua única lei é a sua vontade, não é companheiro de ninguém, antes é senhor de todos. Quão dignos de piedade, portanto, são aqueles que, perante exemplos tão evidentes, face a um perigo tão iminente, não aprendem com o que outros já sofreram!

Como pode haver tanta gente que gosta de conviver com os tiranos e que nem um só tenha inteligência e ousadia que bastem para lhes dizer o que (no dizer do conto) a raposa respondeu ao leão que se fingia doente:

“De boa mente entraria no teu covil; mas só vejo pegadas de bichos que entram e nenhuma dos que dele tenham saído.”

Esses desgraçados só vêem o brilho dos tesouros do tirano e ficam olhando espantados para o fulgor das suas suntuosidades, deslumbrados com tanto esplendor; aproximam-se e não vêem que estão a atirar-se para o meio de uma fogueira que não tardará a consumi-los. O Sátiro indiscreto (reza a fábula), ao ver aceso o lume descoberto por Prometeu, achou-o tão belo que foi beijá-lo e se queimou.

A borboleta que, esperando encontrar algum prazer, se atira ao fogo, vendo-o luzir, acaba por ser vítima de uma outra qualidade que o fogo tem: a de tudo queimar (diz o poeta lucano).

Vamos admitir que os favoritos consigam escapar às mãos daqueles a quem servem. Não escaparão do rei que vier depois. Se for bom, tudo fará para pedir contas e repor a justiça. Se for mau e semelhante ao que eles serviram, há de ter os seus favoritos que, evidentemente, além de pretenderem ocupar o lugar dos outros, hão de querer também os bens e as vidas deles.

Assim sendo, como pode haver alguém que, no meio de tantos perigos, de tanta insegurança, queira ocupar tão desgraçada posição e servir com tal risco tão perigoso amo?

Que tormento, que martírio este, Deus meu: viver dia e noite a pensar em ser agradável a alguém e, ao mesmo tempo, temê-lo mais do que a qualquer homem!

Que tormento estar sempre de olho à espreita, de ouvido a escuta, a espiar de onde virá o golpe, para descobrir embustes, examinando sempre as feições dos companheiros, a ver se descobre quem o trai, rindo-se para todos, receando-os a todos, não tendo inimigo declarado nem amigo certo!

Que tormento fazer sempre rosto risonho, tendo o coração transido, não poder mostrar-se contente e não se atrever a ser triste!

Aprazível é considerar o que eles ganham com tanto tormento, o que podem esperar dos trabalhos que passam e da mísera vida que levam.

O povo gosta de acusar dos males que sofre não o tirano, mas os que o aconselham: os povos, as nações, toda a gente, incluindo os camponeses e os lavradores, todos sabem os nomes deles e os respectivos vícios; sobre eles lançam mil ultrajes, mil vilanias, mil maldições. Todas as suas orações e votos são contra eles. Todas as desgraças, todas as pestes, todas as fomes lhes são atribuídas e, se às vezes, exteriormente, lhes tributam algum respeito, não deixam de amaldiçoá-lo no mais fundo do coração, têm por eles um horror maior do que têm aos animais ferozes.

Tal é a honra, tal é a glória que recebem em paga dos serviços que prestam aos povos, os quais nunca se darão por saciados e compensados do que sofreram, ainda que por eles repartissem o corpo em pedaços.

Mesmo depois de morrerem, os que ficam tudo farão para que o nome de Come-Gente lhes seja atribuído e manchado pela tinta de mil penas, e a sua reputação desfeita em milhares de livros, e os próprios ossos, a bem dizer, pisados pelos vindouros que assim castigam depois de mortos os que tiveram vida ruim.

Aprendamos com estes exemplos, aprendamos a fazer o bem.

Ergamos os olhos para o Céu, seja por amor da nossa honra, seja pelo amor da própria virtude, olhemos para Deus Todo-poderoso, testemunha certa de nossos atos e justo juiz de nossas faltas.

De minha parte, penso, e não me engano, que nada há de mais contrário a um Deus liberal e bondoso, do que a tirania e que ele reserva aos tiranos e seus cúmplices um castigo especial.

Autor: Étienne de La Boétie

Fonte: eBooksBrasil

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A Maçonaria por trás de uma tela

Como se tornar um maçom - YouTube

No momento, parece que as reuniões presenciais neste ano de 2020, na maçonaria, estão seriamente ameaçadas. Os obreiros mais pessimistas já apostam que um dos legados da pandemia do Coronavírus será a adoção das videoconferências como solução perene para o impasse entre as restrições impostas pelas autoridades de saúde quanto às aglomerações que envolvam pessoas pertencentes aos grupos de risco.

Por que o impacto na maçonaria seria diferente quando comparada às demais atividades? Afinal, estamos em guerra contra um inimigo invisível que não escolhe vítimas. Gostemos ou não, a dura realidade está determinando uma nova forma de viver, que definitivamente não será mais a mesma.

O que parecia ser especulação para um futuro distante, a pandemia já encurtou os caminhos. Várias áreas já sentem os efeitos e novos hábitos estão sendo rapidamente incorporados. O sistema de ensino, que já dava passos largos no ensino a distância (EAD), estuda meios híbridos com incorporação de tecnologia envolvendo instrumentos de conteúdo presencial e digital, vistos como complementares ao processo de aprendizagem. O maior obstáculo a ser vencido envolve as condições de acesso à internet e as desigualdades sociais.

No mundo empresarial, o trabalho remoto já é uma realidade e começa a ser incentivado por uma série de razões. Os escritórios até então considerados caros e improdutivos ganham conceito de ineficientes, que apenas contribuem para satisfazer vaidades corporativas, com ambientes muitas vezes superlotados, barulhentos e com distrações que desvirtuam o foco do essencial para a produtividade nos trabalhos e motivo para as maçantes reuniões sem resultados efetivos, além de infraestruturas que geram despesas desnecessárias. As vantagens do horário flexível, da economia de tempo gasto em deslocamentos no trânsito e com o vestuário já compensam essa opção, que terá seu foco na entrega de resultados por tarefa.

Todos os ramos de atividades já trabalham com novos cenários. Da consolidação do comércio eletrônico à telemedicina, até os tradicionais cartórios que já realizam casamentos por videoconferências e registros eletrônicos de venda de imóveis. Algumas Igrejas oferecem assistência espiritual online, inclusive com batismos virtuais. Isso para não falar em festas de aniversários, encontros familiares, formaturas e outros eventos que ocupam espaço e já lotam agendas. O porvir será vivido por trás de uma tela, é o que parece, pelo menos no que podemos especular por ora.

Frente a tragédias e acontecimentos desagradáveis, negar os fatos costuma ser uma primeira reação de defesa, assim como a primeira opinião que elaboramos sobre determinado assunto torna-se difícil de ser revista, mesmo frente a argumentos e dados incontestáveis. A Covid-19 é uma realidade e a ciência ainda não tem uma resposta definitiva. Segundo um princípio do estoicismo, “palavras são opiniões, não fatos. Ação é a única verdade”.

No momento não há razões de fato para a flexibilização das nossas sessões presenciais sob o argumento de que a maçonaria somente se pratica em Loja. Qual o motivo da pressa? Isso não quer dizer que nossa força e vigor estarão comprometidas. Na realidade, as reuniões em Loja têm como objetivo estimular a meditação e revigorar o ânimo, além da salutar troca experiências e informações necessários à consolidação de um arcabouço moral e intelectual, que no momento está sendo suprido de uma nova forma. O verdadeiro trabalho maçônico é fora da Loja e se dá na interação com o mundo que nos cerca. É nele que devemos aplicar os talentos que recebemos em forma de dons, habilidades e oportunidades. Os valores que cultuamos precisam ser praticados e não apenas estampar rituais reluzentes.

Entretanto, precisamos refletir sobre a realidade de alguns irmãos que resistem a participar das reuniões em videoconferência, que normalmente são aqueles mesmos que não são assíduos em Loja ou desaparecem ou se isolam sem declarar os motivos, deixando os demais inquietados, pois esses ausentes estão perdendo uma grande oportunidade de aprendizado e ensino, vez que essas apresentações estão expandindo e multiplicando os Templos, fazendo acontecer uma revolução em centenas de Lojas virtuais a integração de maçons de todas as Potências, de uma forma até então impensável, envolvendo Oficinas de todos os rincões do Brasil, inclusive do exterior.

Nesse contexto, mesmo que todos já o saibam à exaustão, permitimo-nos relembrar que no simbolismo da Maçonaria, ganha realce logo nas primeiras instruções aos Aprendizes a fábula do grego Esopo (séc. VI a.C), denominada “O Feixe de Varas”, com o objetivo de demonstrar em seus ensinamentos o entendimento de que a união faz a força.

Diz a alegoria que um homem tinha muitos filhos que viviam brigando uns com os outros. Não logrando êxito nas suas tentativas de pacificação, um dia ele pegou um feixe de gravetos e pediu que cada um tentasse partir o feixe com toda a força mesmo com o joelho. Todos tentaram e não conseguiram. Então o pai desamarrou o feixe e deu os gravetos um por um pedindo que os quebrassem. Ninguém teve dificuldades. Então lhes disse: se vocês se mantiverem unidos não haverá inimigo que os possa vencer. Brigando e separados, só podem perder.

Na mesma linha de raciocínio, outro exemplo sempre lembrado para valorizar trabalhos em equipe e a necessidade de participação, conhecido como “A lição do fogo”, adaptado do livro “As mais belas parábolas de todos os tempos”, de autoria de Alexandre Rangel (Vol. II. Belo Horizonte: Leitura, 2004), vira e mexe é recontado e ambientado em nosso meio maçônico, com variações para o visitante ora na figura do Hospitaleiro ora do Venerável Mestre ou de um Mestre Instalado.

Diz o conto que um obreiro se afastou sem justificativas do convívio em Loja e das atividades de companheirismo. Tempos depois o tal sumido recebeu a visita de um irmão que o encontrou em casa sozinho, sentado diante da lareira, onde ardia um fogo brilhante e acolhedor. Pelo cenário pode se deduzir que se tratava de irmão do sul do Brasil ou do hemisfério norte. Se bem que temos irmãos proprietários de imóveis rurais que adoram um fogão a lenha. De repente pode ser um mineiro mesmo durante um inverno daqueles.

Desconfiado do motivo da visita e antevendo um puxão de orelha, o irmão recebeu o visitante com um fraterno abraço e o convidou a sentar-se em uma cadeira próximo à lareira e ficou quieto, só espiando e esperando o sermão. O irmão visitante sentiu o clima e ficou na dele, como se estivesse hipnotizado pelo movimento cintilante das chamas e o crepitar do braseiro.

Passado um tempinho, o visitante aproximou-se do fogo e com a ajuda de um galho que ainda não tinha queimado, afastou uma brasa, colocando-a longe do fogo. Logo, logo, a brasa começou a apagar e foi assim devolvida ao fogo, voltando a arder novamente.

Aproveitando que já estava de pé, o visitante se dirigiu à saída e despediu-se do irmão, que a essa altura já estava perplexo e constrangido. Então o sumidão disse: meu irmão, obrigado pela visita e pela mensagem simbólica. Conte comigo na próxima sessão! Que o GADU o acompanhe!

Desnecessário tecer maiores reflexões já recorrentes sobre a importância de participar, marcar presença, ou daquela expressão de quem não é visto não é lembrado, mesmo em reuniões virtuais. Cabe apenas aos dirigentes de nossas Lojas zelarem por manter acesa a chama e não deixar ao relento a ovelha desgarrada ou que, no caso vertente, ainda não tenha sido seduzida pela malha tecnológica, carecendo apenas de uma ajuda dos universitários.

Na mensagem bíblica, um pastor é alegoria para um Mestre. Onde estão os Mestres? (ver artigo Onde estão os Mestres? – clique AQUI para ler o texto). Segundo uma sábia expressão hermética, “quando tudo parece perdido é quando tudo será salvo”, portanto, não era o que nós queríamos, é o que temos para o momento! Ou no popular mesmo, façamos do limão uma limonada, preservando as nossas tradições, nossa união e de olho no futuro.

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

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Fraternidade

Grandes Mestres da humanidade, como Buda, Platão e Cristo, pregaram a fraternidade de todos os homens. 
 
Sêneca dizia que “A natureza fez de nós uma família” e Marco Aurélio que “O universo é como uma cidade“.
 
Ama o teu próximo como a ti mesmo”, é a grande lição deixada por Jesus, o Cristo.
 
Muitos séculos se passaram e o homem ainda não conseguiu entender os preceitos dessa lei divina, e continua a transgredir o que não é de sua autoria, e sim, uma expressão real de uma particularidade cósmica.
 
O resultado dessa transgressão, ao longo do tempo, vem desencadeando graves problemas sociais. As drogas, a violência, a impunidade, o poder, a fome, o descaso com a saúde, a precariedade da educação e do conhecimento, são frutos do egoísmo dominante que se opõe à fraternidade.
 
Onde não se cultua a fraternidade, impera a desigualdade e a escravidão.
 
Depreende-se, pois, que teoricamente, a Fraternidade é um conceito de filosofia em consonância com a Igualdade e a Liberdade.
 
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o primeiro artigo afirma que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade
 
Fraternidade – do latim fraternitate – significa “irmandade” ou “conjunto de irmãos”. Exprime simplesmente o sentimento de afeição recíproca entre irmãos. 
 
Victor Hugo asseverava que “Liberté, c’est um droit; Égalité, c’est un fait; Fraternité, c’est un devoir“.(Liberdade é um direito; Igualdade é um fato; Fraternidade é um dever).
 
Nenhuma instituição humana oferece oportunidade para a prática da fraternidade como a Maçonaria. No entanto é preciso que o maçom tenha consciência do papel que deve desempenhar, quer na sua Loja, no seio de sua família, no seu trabalho ou onde se encontrar, agindo como verdadeiro artífice na consolidação da fraternidade.
 
Fundamentada no Amor Fraternal e preocupada com o bem-estar da Humanidade, a Maçonaria prepara o homem para participar, efetivamente, na construção de uma Sociedade mais justa e equilibrada.
 
A Maçonaria ensina que o mais sublime dos deveres do maçom consiste na prática da solidariedade ou fraternidade maçônica, traduzida no socorro aos Irmãos em suas aflições e necessidades; no encaminhamento dos Irmãos na senda da Virtude, desviando-os da prática do Mal; no estímulo a praticarem o Bem, dando exemplos de Amor, Tolerância, Caridade, Justiça e respeito à liberdade individual, reconhecendo no Irmão e em todos os seres humanos, como seu semelhante”. 
 
Optar pela renúncia à prática da Solidariedade e da Fraternidade é uma atitude que revela o quanto o iniciado ainda se encontra distante de ser um homem de bem e, por conseguinte, um verdadeiro maçom.
 
A verdadeira fraternidade é um reflexo do caráter e da personalidade do ser humano. Conectemos o nosso cérebro às ondas mais elevadas do conhecimento superior e teremos como consequência ações cada vez mais voltadas para o bem geral.
 
Assim, renovemos a esperança com Amor a Deus, à Pátria, à Família e ao próximo; com Tolerância, Virtude e Sabedoria; com a constante e livre investigação da Verdade; com o progresso do Conhecimento Humano, das Ciências e das Artes, sob a tríade – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – dentro dos princípios da Razão e da Justiça, para que o mundo alcance a Felicidade Geral e a Paz Universal.
 

Autor: José Airton de Carvalho

Zé Airton é Mestre Instalado, membro da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, presidente da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, membro da Loja de Pesquisas Quatuor Coronati Pedro Campos de Miranda, e um grande incentivador do blog.

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Liberdade e desigualdade no Brasil – Uma reflexão maçônica durante a pandemia

Como os super-ricos aprofundam a desigualdade social no mundo ...

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança” (Benjamin Franklin)

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto do Iluminismo e aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte da França revolucionária em 1789, resume no primeiro artigo que “os homens nascem e são livres e iguais em direito”. A crítica que se faz é que a liberdade e igualdade ali referenciadas eram restritas às pessoas do sexo masculino, cidadãos possuidores de interesses, ficando de fora os pobres, os empregados, os escravos e as mulheres.

Em dezembro de 1948 foi promulgada “A Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que delineia os direitos humanos básicos, adotada pela Organização das Nações Unidas, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. O que poucos sabem é que a influência da maçonaria é que permitiu a sua codificação.

Desde a primeira Declaração permanece em moda a discussão sobre o que é ser livre e ser igual. As sociedades que souberam trabalhar melhor e equilibrar esses conceitos são consideradas as mais prósperas.

O Brasil carrega uma dívida decorrente da Lei Áurea de 1888 que libertou juridicamente os escravos, mas não lhes proporcionou as condições de liberdade de consciência e de ter uma vida verdadeiramente livre, com o exercício da cidadania plena, que permita às pessoas exercerem todas as suas potencialidades legítimas. Na Constituição de 1891 foi negado o direito de voto aos analfabetos. Daí a se concluir que a chave da liberdade se dá com a melhoria da qualidade da educação, que emancipa, forma pensamento crítico, proporciona esperanças e é a mais efetiva via de acesso ao desenvolvimento de uma nação. É a educação que prepara o ser humano para o exercício consciente da cidadania.

Promulgada em 1988, um ano antes da queda do muro de Berlim, quando ainda imperava a crença de que o socialismo seria a solução para superar a pobreza e a desigualdade, e com um viés estatizante e quase anticapitalista, a atual Constituição Federal ampliou direitos ao permitir o acesso dos mais pobres aos serviços públicos. O Capítulo II, artigos 6º e 7º, definem com muita clareza os Direitos Sociais, com o destaque do art. 6º:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência ao desamparado.”

Representam conquistas do povo, mas é preciso vigilância, pois aquilo que se conquista pode também se perder ou nem chegar a ser implantado.

Políticas como o Bolsa Família, as cotas sociais nas universidades, o salário mínimo, as ações do SUS e fundos constitucionais (Fundef/Fundeb), produziram seus resultados. O Fundeb corre o risco de ser extinto em 2021, caso não seja prorrogado. Essa rede de assistência social criada ao longo dos anos pós-Constituição é que permite ao Estado amenizar o sofrimento das classes menos favorecidas. Mas, poucos são os assistidos e a qualidade deixa a desejar, em especial quanto ao ensino nas escolas públicas e as dificuldades de marcação de consultas, exames e atendimentos hospitalares. Isso para não falar nos problemas ligados a segurança, transporte público, habitação, violência e acesso à cultura.

No campo dos direitos civis, ações como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso se constituíram em grandes conquistas. Quanto aos direitos políticos, os avanços se deram a partir da permissão do voto do analfabeto e maiores de 16 anos, atendimento a demandas da população indígena, dos movimentos negro, feminista, LGBT e demais grupos minoritários.

Mas, privilégios em determinadas áreas ainda são mantidos. Esses direitos não deveriam ser bandeiras de grupos de pressão ou de partidos políticos, mas uma missão do Estado brasileiro. O País continua desigual porque o orçamento público sempre destina recursos aos grupos mais influentes, à elite burocrática e a quem efetivamente não precisa. Pequena parcela chega aos mais vulneráveis, como o Bolsa Família e a renda mínima aos maiores de 65 anos (Benefício de Prestação Continuada criado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – de 1993). A solução passaria por uma reforma profunda do Estado.

As grandes dimensões territoriais do Brasil representam um fator dificultador, com desigualdades regionais, de renda e de elevado nível de violência. Essas desigualdades sociais e a injustiça persistem e são dolorosas. Mesmo entre os mais pobres existe diferença entre graus de pobreza. Como agravante, destacam-se o saneamento escasso e falta de urbanização em comunidades carentes, a precariedade da rede de proteção social, as diferenças entre os sistemas público e privado de saúde, com estimados 40% dos trabalhadores na informalidade, além de milhões de desempregados e pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.

O surgimento do coronavírus, que atinge com sua força destrutiva indistintamente ricos e pobres, evidenciou o fosso social brasileiro, demonstrando que a desigualdade deixa claros seus efeitos em catástrofes naturais ou em pandemias, ensejando a urgente necessidade de socorro à população mais vulnerável e de um novo pacto social, com políticas públicas e econômicas mais progressistas. Especialistas afirmam que essa crise é a maior enfrentada pelo mundo desde o desastre econômico gerado pela Grande Depressão dos anos 30 e pós Segunda Guerra Mundial, sabendo-se ainda muito pouco de seus efeitos na sociedade e no corpo humano, em particular. A corrida armamentista da biologia está no seu auge.

As autoridades brasileiras durante a crise deixaram claro que são competentes para lidar com os incluídos, aqueles que pagam impostos e são, portanto, visíveis, mas extremamente ineficaz quando tem de lidar com os excluídos, aqueles não integrantes da sociedade de consumo, em especial os que não têm endereço fixo, os “desbancarizados” (sem conta em banco), sem telefone celular e acesso à internet, não detentores de um CPF ou com os mesmos bloqueados. O governo não sabe onde estão e quem são eles. Como falar em isolamento social em comunidades com famílias amontoadas em becos, muitas sem água encanada em casa, em uma convivência confusa entre as pessoas? São, portanto, invisíveis e muitos vivem ou sobrevivem em condições desumanas.

A classe carente e esquecida sempre esteve presente na cena diária, como os moradores de rua, os catadores de lixo, os mendigos, os vendedores e acrobatas de cruzamentos, dentre outros. Acrescentem-se os que vivem na informalidade e de biscates, sem garantias trabalhistas, os autônomos, os trabalhadores sem registro, que não têm poupança e precisam de rendimentos diários para sustentar suas famílias e dos poucos assistidos do programa Bolsa Família. E, por derradeiro, ainda sofrem com o menosprezo de autoridades de relevo em face das perdas com mortes de entes queridos vitimas da pandemia.

Assim como foi desafiadora a libertação dos escravos no século XIX, assim o é a superação da miséria nos tempos atuais. Os devastadores impactos da crise planetária da Covid-19 lançaram luzes nesse campo, e o Brasil se viu diante de um número gigantesco de desassistidos à míngua de uma renda mínima que garanta a sobrevivência, tendo o governo que adotar um auxílio emergencial para superar o grave momento vivido, que inicialmente tem a previsão de 3 meses, mas podendo ser vislumbrada a possibilidade de tornar-se perene. E sabe-se que esses recursos voltam imediatamente para a economia sob a forma de consumo. É sangue direto na veia.

O tamanho e a complexidade do País dificultam a escolha de um caminho ideológico para solução das desigualdades, ainda historicamente restrito ao grupo de centro-esquerda. Aqueles posicionados na centro-direita apostam na competição e enfatizam os valores da concorrência como condição para a promoção do desenvolvimento, para que o setor privado gere prosperidade, mas adota ações sociais focadas para o combate da pobreza e desigualdade, quando as contas públicas o permitem.

Um tema recorrente entre esses grupos é o combate à corrupção (sempre atribuída ao outro lado) como agenda prioritária, tema esse bastante explorado pelos meios de comunicação de massa, que acaba ocultando a questão da desigualdade. Ambas as correntes chegam aos extremos do espectro, com discursos bem polarizados e desviam o foco do essencial. O que se espera é que não haja retrocessos em função dessa polarização, com perda do que foi até aqui conquistado, e que as lideranças políticas do país sirvam a todos indistintamente, e não apenas ao seu grupo de iguais.

O dilema é ainda maior quando se fala em igualdade em um cenário de milhões de empregos a serem extintos pelo uso da inteligência artificial. Não se pode olvidar a nova tendência do “home office”, que se tornou alternativa viável durante a pandemia do coronavírus, acelerando mudanças de comportamento, vislumbrando-se um caminho sem volta, pois as empresas reduzem custos e os profissionais conciliam tempo e outros afazeres, além dos ganhos dos grandes centros em termos de movimentação de pessoas e veículos e melhoria do clima, com o destaque para as operações “on-line” que afetam a formatação das lojas físicas.

Mesmo não nos deixando influenciar pelo sentimento de angústia quanto ao futuro, difícil não pensar em um mundo mais desigual decorrente desta crise sanitária, com as implicações negativas em todas as áreas, como a econômica, política e, sobretudo, a social. Já se especula que essa pandemia possa ter as mesmas consequências para o Liberalismo do que representou a queda do “Muro de Berlim” para o Comunismo. Chegou a hora da verdade: é pagar para ver? Como ensina a sabedoria popular, o imprevisível é realmente muito difícil de prever.

O cenário da evolução tecnológica e o pós-crise ensejam novas preocupações na medida em que grande parte da força de trabalho desatualizada enfrenta concorrência das máquinas inteligentes com o aumento das condições de desigualdade. Mais uma vez, a solução está na educação e em políticas que protejam os direitos dos trabalhadores e apoio às empresas que geram empregos.

Entretanto, no momento, a única certeza é a de que as consequências da atual crise terão reflexos em políticas protecionistas e nas cadeias produtivas globais e serão absorvidas exclusivamente pelas empresas do setor privado, com quebras já no horizonte e o desemprego. O Brasil como um todo certamente sairá mais pobre, com déficit e dívida pública agravada e coesão social comprometida. Segundo os economistas, a solução passa pelo crescimento do Produto Interno Bruto, que dará suporte aos gastos públicos e à geração de empregos.

No contexto pré-crise, parte significativa do contingente de desempregados já não estava preparada para ocupar espaço na economia do futuro, por falta de mão de obra qualificada e carência de profissionais, inclusive para enfrentar os dias atuais. Muito tempo foi perdido com lorotas e populismo. E a sociedade assiste a tudo apenas dizendo-se esperançosa e confiante. Em quê ou em quem? Então, a solução passa por um alinhamento de todas as instituições agindo em uma só direção, com as diferenças colocadas de lado em nome do bem comum. Difícil de acreditar quando já se fala em sucessão no governo e grupos políticos reiniciam os tradicionais conchavos.

Mais difícil ainda reconhecer a ideologia social de que somos todos iguais e de que não existem seres piores ou melhores. Nosso País precisa desenvolver políticas públicas visando ao fortalecimento das instituições democráticas e superação da desigualdade e da violência. Por ser um dos mais injustos do mundo, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. E justiça pressupõe dar a cada um o mínimo que lhe cabe, evitando privilégios e exclusões sociais. Sem justiça não há paz.

Por sua vez, a liberdade é motor do empreendedorismo e de transformações tecnológicas, que decorrem de projetos e sonhos. A área da Economia demanda um Estado bem organizado e uma sociedade consciente e mobilizada. Compete ao Estado criar as condições que viabilizem o desenvolvimento sustentado, em especial nos setores de saúde, educação, meio ambiente e ciência e tecnologia.

Segundo o artigo de Karen Franklin (CESCON, Paulo; Nodari, César. Filosofia, ética e educação: por uma cultura da paz. São Paulo: Paulinas, 2011),

“Toda sociedade democrática necessita de cidadãos comprometidos com o respeito aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Contudo, a conquista desse comprometimento não é natural e espontânea, ela precisa ser forjada no interior dos sujeitos e da sociedade, enfim, ela necessita ser educada.”

Mas, há uma corrente que vê isso como uma ameaça, dado que a formação de massa crítica e a consciência cidadã incomodam alguns dirigentes políticos que perdem espaço de dominação.

A discussão sobre a liberdade evoca um dilema repisado por vários analistas:

“devemos aceitar uma ditadura, com restrição às liberdades individuais, em troca de um contrato social de melhoria coletiva do padrão de vida?”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve uma fala citada na Revista VEJA (Edição 2682, ano 52 – nº 16, de 15.04.2020, p. 26), prevendo a ascensão dos países orientais, menos presos às ideias de liberdade, após a pandemia da Covid-19:

“O povo não quer nem saber o que é liberdade e individualismo. Quer saber se tem emprego, tem comida, tem transporte, tem saúde. E, se eles derem isso, vão nos dar um banho.”

Esse posicionamento conflita com o pensamento contido na abertura desta prancha e merece reflexão.

No mesmo diapasão sente-se que a liberdade de expressão não é mais um valor cultuado ao se constatar que não se pode mais pensar de forma diferente sem sofrer a condenação de tribunais virtuais e ver ameaçadas as relações sociais e até mesmo o sagrado convívio no lar. Tempos muito estranhos!

Ainda sobre o direito à privacidade, uma nova ferramenta gerada pela revolução tecnológica passou a ser motivo de questionamentos, como ficou evidenciado na pandemia do coronavírus, com a possibilidade de rastreamento de pessoas doentes por intermédio dos telefones celulares. Essa estratégia poderia ser utilizada também por governos autoritários para controlar seus habitantes. O que precisa ser definido é como aplicar essas ferramentas sem desrespeitar as liberdades individuais.

A geração atual ainda não tinha passado pela experiência de confinamento social, com restrições de liberdades. Ainda não é possível avaliar as consequências de como as pessoas se portarão com a continuidade da quarentena e das perdas percebidas em cada situação, em especial na saúde mental, e notadamente quando iniciarem-se o relaxamento por setores da economia e houver um sentimento de tratamento desigual. Certamente teremos uma referência no tempo deste segundo decênio como o real marco do início do século XXI, antes da Covid e depois da Covid (a.c e d.c – com todo o respeito, com o “c” minúsculo).

No que tange à igualdade é imprescindível que criemos consciência de que dependemos um do outro para vivermos, não havendo espaço para o egoísmo que submete as pessoas ao nosso redor em situação de fragilidade. E, como cidadãos, devemos manter o respeito ao coletivo, dando tratamento igual e digno a todos, o que se constrói por meio do espírito de solidariedade e da garantia de uma sobrevivência com a instituição de uma modalidade de seguro social que garanta renda mínima para todos, nos moldes já mundialmente defendidos desde a crise econômica global de 2008, como a proposta de uma Renda Básica Universal (RBU), de forma que não haja famílias desassistidas. Isso é apenas o começo.

Enfim, a Maçonaria brasileira não pode apenas divulgar manifestos de repúdio e deixar de agir, ficando à margem dessas discussões, notadamente por sua histórica característica progressista, o que a colocou sempre envolvida nos grandes temas de interesse da sociedade em geral, sem partidarismos e apegos a personalidades da hora e a ideologias que não a sua missão de tornar feliz a humanidade. Repúdio sem ação é mera insatisfação!

Com as luzes do G∴A∴D∴U∴, que essa pandemia nos ajude a desconectar do egoísmo e do ódio e a focar em ações mais construtivas.

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

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Os maçons e a modernização educativa no Brasil no período de implantação e consolidação da República

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A atuação de maçons no processo de modernização da educação brasileira, remonta ao século XIX, respaldada por ideias liberais e iluministas. Se consolida nas primeiras décadas do regime republicano, influenciada pelo ideário positivista e anti-jesuítico, em defesa do ensino elementar público, laico e obrigatório. No Brasil, a Maçonaria adaptou-se às condições específicas e necessidades regionais de onde se instalou. Portanto ela não deve ser compreendida num sentido unívoco, sendo mais fácil identificar a ação e engajamento ideológico de maçons e não da Maçonaria propriamente dita. O presente estudo, fundamentado pela História Cultural, privilegia o uso de periódicos maçônicos e busca destacar práticas políticas dos maçons como intelectuais, gestores, legisladores, escritores, jornalistas e professores, bem como as Lojas Maçônicas como potenciais espaços de sociabilidades e organização ideológica.

Considerações Iniciais

A atuação de maçons e da maçonaria no contexto educacional brasileiro ainda é uma temática pouco estudada no âmbito da História da Educação. Neste texto, destaco encaminhamentos preliminares sobre o estudo de sua influência no processo de modernização educacional, que se consolida entre as últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX. É sobre esse período, no qual ocorre a implantação e consolidação do regime republicano no Brasil, que desenvolvo reflexões e análises[1].

No presente estudo, tendo como fundamento teórico-metodológico a História Cultural, uso como fontes jornais, boletins, discursos e bibliografia referentes à temática. Algumas dessas fontes possibilitam leituras de manifestações contemporâneas aos acontecimentos que envolviam a tão propalada modernidade advinda do sistema republicano. Assim, é possível uma aproximação dos discursos emitidos na época em relação a projetos de sociedade e suas instituições sociais. Muitos são os discursos apaixonados, realizados sob o influxo de interesses e compromissos político-ideológicos. No entanto, o caráter polêmico e, por vezes, passageiro das publicações, representam um produto cultural de sujeitos específicos em um determinado contexto histórico[2]. Nesse sentido, Chartier (1990) enfatiza que os historiadores da cultura devem criar suas próprias estratégias na leitura dos textos com os quais trabalham, pois eles afetam o leitor de forma individual e variada. Deve-se ter claro que os documentos e os referenciais bibliográficos que descrevem ações do passado possuem uma intencionalidade e um engajamento nas relações de poder que se estabelecem. E no caso da ação de intelectuais maçons, no espaço educacional brasileiro, é particularmente intrigante constatar nos trabalhos acadêmicos a pouca visibilidade e identificação de suas práticas políticas como oriundas de um espaço que os identifica: a maçonaria.

O objetivo, com esta análise, é estabelecer interfaces no âmbito político-educacional e cultural da presença de maçons no processo de implantação da República no Brasil. Isso a partir da atuação de intelectuais maçons e dos espaços culturais e educacionais por eles ocupados. A Maçonaria é aqui considerada um locus potencial e agregador, como um espaço de sociabilidade, de intelectuais que fundamentam ideias que se consolidam no processo de implantação da República. Os maçons, que no seu espaço coletivo, as lojas maçônicas[3], compartilhavam aspectos do ideário liberal e positivista, buscaram uma nova sociedade baseada na ordem e no progresso. Serão eles que, nas suas individualidades, com sua atuação político-cultural como indivíduos, mas que pertencem a um grupo (ou grupos) que os orienta e sinaliza caminhos, pensaram e organizaram a possibilidade de implantação de um novo regime. Um regime que se opunha ao escravismo, às práticas monárquicas e às influências clericais e jesuíticas, consideradas retrógradas e ultrapassadas, defendendo o laicismo no campo educacional.

Como afirmado em Amaral (2005), no Brasil, todo o processo de Proclamação da República resultou também do trabalho de políticos ligados à Maçonaria. Isto se torna evidente quando se constata que: o Manifesto Republicano de 1870 foi redigido pelo Grão-Mestre Saldanha Marinho, recebendo assinaturas de grande número de maçons; o “Clube Republicano” era presidido pelo maçom Quintino Bocaiúva; eram maçons os componentes do primeiro Governo Provisório[4]. O emergente sistema republicano estava bastante ligado aos interesses da Maçonaria, que tratou de usar de sua influência junto à sociedade brasileira, para solidificar as determinações políticas da Constituição Republicana, especialmente no que se relacionasse à separação da Igreja e do Estado. Este foi mais um fato que contribuiu para que o conflito entre a Igreja e a Maçonaria se tornasse tão acentuado.

Realizar um estudo que envolva a Maçonaria requer que, necessariamente, estabeleçamos sua relação com o Catolicismo. A Igreja e a Maçonaria exerceram influência decisiva em muitos acontecimentos políticos e sociais de nosso país. Entraram no século XX num clima de conflito político-ideológico, movido por questões internas que diziam respeito à nossa política nacional (como o processo da implantação do sistema republicano), assim como por questões oriundas das determinações do Vaticano que acentuaram o processo de romanização da Igreja e de perseguição desta aos maçons.

Nesse quadro, há que se destacar, como será analisado a seguir, a dispersão organizativa da maçonaria brasileira que apresentou muitas cisões e disputas políticas pautadas por diferentes vínculos regionais, nacionais e internacionais. Tal fato dificulta a compreensão de seus aspectos organizacionais e de sua atuação como grupos que em alguns momentos rivalizavam entre si.

A maçonaria como espaço de sociabilidade

A influência da maçonaria na história do Brasil e na educação brasileira é evidente. No entanto, conforme já afirmado, em função de as temáticas ligadas à maçonaria serem assuntos ainda pouco tratados pela historiografia brasileira, percebe-se, posições divergentes e talvez não suficientemente exploradas, entre os maçonólogos e historiadores, o que torna difícil traçar, de forma concisa, o perfil desta instituição.

Em um artigo publicado em 1997, Célia Azevedo identifica a perda de visibilidade da maçonaria na história do Brasil. Para tanto, destaca modos de abordagem sobre o tema maçonaria por parte de três historiadores que imprimiram tendências duradouras na historiografia do Brasil monárquico: Francisco Adolfo de Vernhagen (1818-1878), Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) e Caio Prado Jr. (1907-1990). Segundo a autora, os dois primeiros autores convergem ao ressaltar o empenho dos maçons brasileiros na defesa da nação emergente e de um governo pautado prioritariamente pela Lei, sendo a identidade maçônica preenchida com dois atributos básicos: nacionalismo e constitucionalismo.

Azevedo (1997) ressalta que na abordagem de Prado Jr., aos maçons brasileiros interessava a solução das questões internas do país, o que os levava a agir mais como brasileiros do que como maçons. Utilizavam-se da maçonaria para atuarem de forma mais orientada e organizada. Havia mais uma troca de favores entre a maçonaria e os brasileiros do que uma simbiose entre eles:

A história da maçonaria não teria passado, portanto, na visão de Prado Jr, de uma relação instrumental, de importância momentânea e – por que não explicitar? – secundária. Nossos maçons não foram em sua essência maçons, mas sim brasileiros, e ao final de contas a importância de sua ação política parece residir precisamente nesse fato (AZEVEDO, 1997, p. 187).

Assim, como muitos historiadores ancoram seus referenciais em Prado Jr., a autora afirma que em vários estudos se constata uma perda da identidade maçônica em relação a vários personagens de destaque no cenário político brasileiro do século XIX, cuja trajetória é destacada sem que seja mencionada sua filiação maçônica. (Azevedo, 1997, p. 185)[5].

Ressalto que o mesmo ocorre em relação aos personagens de destaque no âmbito educacional brasileiro. Suas práticas e trajetórias como intelectuais carecem de informações sobre o fato de serem maçons e terem participado desse importante espaço de sociabilidade – a maçonaria – que definia estratégias de distribuição e apropriação de capital cultural. Suas atuações, como políticos, jornalistas, escritores, professores e gestores, aparecem nos estudos acadêmicos descoladas de seu pertencimento à maçonaria. Indubitavelmente essa é uma lacuna a ser preenchida a partir de estudos que retirem a maçonaria de sua invisibilidade no contexto político-educacional brasileiro. E assim, que sejam formuladas novas questões às fontes de pesquisa, que levem em conta a compreensão das especificidades da instituição maçônica, as características sócio-econômicas e culturais dos maçons, sua influência sócio-cultural, os distintos posicionamentos dessa ordem em relação a questões regionais, nacionais e internacionais.

Se era lugar comum ser intelectual e maçom no período aqui estudado, os historiadores da educação devem contextualizar esse fato. Estabelecer relações com o significado de pertença a este grupo[6]. Conforme demonstra Barata (1999), o desejo de usufruir do auxílio mútuo praticado pela ordem, a percepção da maçonaria como um espaço de convívio e mobilidades sociais e o entendimento do espaço maçônico como escola de virtudes, de debate de ideias e de aprendizado do viver em coletividade, eram as principais razões que levavam os homens a ingressarem na maçonaria. Ser maçom, para certos setores da sociedade, significava uma forma de influir, de participar da estruturação do Estado Brasileiro.

Nesta linha de análise, reitero que a história da educação brasileira carece de estudos que abordem a atuação dos intelectuais brasileiros estabelecendo uma identificação de suas reflexões e práticas políticas de vanguarda com a maçonaria compreendida como um espaço de sociabilidade agregador de expectativas do pensamento da modernidade.

Azevedo (1997), Barata (1999) e Morel (2001) destacam a potencialidade do conceito de sociabilidade para as análises históricas que envolvem a maçonaria e seu contexto de atuação. Sobre o retorno e utilização desse conceito, Morel (2001) ressalta que

uma obra póstuma de Augustin Cochin (1925) valorizou o papel das associações para compreender a eclosão da Revolução Francesa. Tal trabalho não teve repercussão imediata, mas seria recuperado por François Furet (1978). As sociabilidades – como tema e instrumental teórico e metodológico – fariam entrada definitiva no campo da pesquisa histórica acadêmica com a obra de Maurice Agulhon (1968 e 1977), um dos reconhecidos herdeiros da Ecole des Annales, inicialmente com sua tese e, na década seguinte, com um balanço crítico das possibilidades e perspectivas de tal abordagem. (MOREL, 2001, p. 4).

Maurice Agulhon publicou em 1966 a obra La sociabilité méridionale, reeditada dois anos depois com o título de Pénitents et franc-maçons de l’ancienne Provence. Esse estudo que destaca a fase final do antigo Regime sob o prisma das associações, têm no conceito de sociabilidade um caminho para compreender as realidades sociais a partir da constituição de grupos sociais organizados. Segundo Agulhon (1987, p. 37), “essa sociabilidade da qual a vida associativa é a forma principal vem do Antigo Regime, pelo menos, e comporta constância e unidade através da diversidade dos tipos de associação sucessivos”.

Esse autor, no texto Visão dos Bastidores apresentado no livro Ensaios de Ego-História, em tom confessional como é a proposta da referida obra, ressalta sua contribuição na inserção da palavra sociabilidade no vocabulário dos historiadores e reclama a falta de reconhecimento por dois de seus pares:

[…] eu pusera bem (ou contribuíra em grande parte para isso) no mercado do vocabulário histórico a palavra sociabilidade que lá figura desde então [desde a publicação de sua obra La Sociabilité Méridionale]. A partir de 1967, André Bourde utilizava-a na sua contribuição para a Histoire du Diocese de Marseille, e Emmanuel Le Roy Ladurie nos seus capítulos da Histoire Du Languedoc de Privat. Os dois conheciam a minha obra e inspiraram-se evidentemente nela nesse aspecto. Ousarei confessar que o orgulho que senti por ser um inspirador foi largamente contrabalançado pelo despeito de eles não referirem o meu nome, nem em bibliografia nem em nota? Saibamos também ver as nossas fraquezas e confessemos que delas faz parte uma certa dose de vaidade de autor. (AGULHON, 1987, p. 40).

Morel (2001) afirma que Agulhon passa a propor o conhecimento das sociabilidades pela densidade da existência de associações constituídas e suas mutações num quadro geográfico e cronológico delimitado, ou seja,

uma história da vontade associativa com dados quantitativos e comparativos, com suas mudanças no tempo e no espaço. O referido autor chegava mesmo a tocar na questão das identidades culturais, discutindo a aptidão de determinados grupamentos humanos regionais para as formas estudadas, no caso, a passagem das confrarias para as maçonarias na Provence. (MOREL, 2001, p. 4).

No artigo Maurice Agulhon e a categoria Sociabilidade, Canal (2015, p. 3) ressalta que para esse autor a sociabilidade quer dizer a qualidade de ser sociável, ou seja, “é o equivalente dos sistemas de relações que confrontam os indivíduos uns com os outros ou que os reúnem em grupos mais ou menos naturais, mais ou menos forçados, mais ou menos estáveis, mais ou menos numerosos”. Canal afirma que, na produção historiográfica de Agulhon, a categoria sociabilidade evoluiu

desde uma tripla especificação inicial – âmbito regional no plano geográfico, séculos XVIII e XIX no cronológico, e, no temático, vida associativa – para uma aceção mais ampla e aberta que chegava a assimilar a história da sociabilidade à da vida quotidiana. (CANAL, 2015, p. 3).

Segundo esse autor,

a sociabilidade informal complementa a vida associativa. Entre os temas abordados encontram-se os cafés, as tabernas, a vida familiar e as praças, as associações operárias e militares, o termalismo e a vida de salão, os agrupamentos políticos e as lojas maçónicas, os orfeãos e o desporto. O resultado é um imenso campo de estudo e, por conseguinte, a génese de um grande número de trabalhos tendo como denominador comum a sociabilidade. Disciplinas científicas em muitas ocasiões desconectadas e mesmo ignorando-se mutuamente, como a psicologia social, a sociologia, a história e a antropologia, convergiram parcialmente graças a esta categoria. (CANAL, 2015, p. 4).

Para Azevedo (1997), a noção de sociabilidade, introduzida por Agulhon no vocabulário dos historiadores dos Annales, adquiriu crescente relevo na história social e cultural, sendo fundamental para a compreensão da história da maçonaria. No entanto, a autora ressalta que esse autor não teve muitos seguidores na França, no tocante à história da maçonaria propriamente dita. O mesmo pode-se afirmar em relação ao Brasil, especialmente nos (ainda) poucos estudos históricos sobre a maçonaria e a educação no âmbito da História da Educação que podem desbravar as potencialidades da leitura de Maurice Agulhon.

Os maçons no contexto da modernidade educacional

Para identificar e caracterizar o quadro de modernização educacional e a atuação dos maçons e da maçonaria torna-se fundamental reconhecê-lo no contexto da Modernidade. Modernidade compreendida aqui como uma designação abrangente de um largo século XIX, período de 1789 a 1914, e de um curto século XX, de 1914 a 1945 (Habermas, 2000), em que mudanças intelectuais, sociais, políticas e econômicas refletem-se na crescente racionalização em todos os aspectos da vida social e do pensamento humano. Os eventos ligados à Revolução Francesa, à constituição do Iluminismo e do industrialismo (capitalismo), representam a superação do pensamento e das tradicionais organizações do medievo. O rompimento com o pensamento escolástico, método de pensamento crítico intrínseco aos preceitos da Igreja Católica, o uso da razão como forma autônoma de construção de conhecimento, desvinculado de preceitos teológicos, base do Iluminismo, foram fundamentais na construção do pensamento moderno no largo século XIX.

O empirismo iluminista que estabelece a razão e a ciência como a verdadeira forma de se conhecer o mundo e fortalece os ideais de laços sociais igualitários, abalou a estruturas do absolutismo real, cujos pilares sociais e políticos assentavam-se em bases teológicas. As ideias iluministas serão, também, o sustentáculo ideológico dos movimentos de independência das colônias americanas, bem como da implantação dos regimes republicanos na Europa e nas Américas.

No contexto da Modernidade, a maçonaria, uma instituição filosófica e filantrópica de natureza discreta, privada e de caráter secreto, foi uma das mais expressivas formas de organização política oposicionista ao absolutismo real e ao poder clerical, especialmente do jesuitismo, representando um lugar de circulação de ideias e práticas modernas, destacadamente no largo século XIX. A atuação política de maçons e da maçonaria foi fundamental na constituição, divulgação e implantação do ideário da Ilustração, do Positivismo e Liberalismo.

Como afirma Morel (2008),

guardada pelo segredo, a maçonaria constitui-se em ‘poder indireto’, uma vez que se torna um local de discussão de questões de cunho político, sem contudo, estar sob o controle e a vigência do Estado. O segredo permitia a esta instituição apresentar-se como apolítica, mesmo configurando-se como um importante agente político.

Contudo a tentativa de escapar do controle do Estado não é a única explicação para uma postura revolucionária ou oposicionista da maçonaria. Ao contrário, o posicionamento dessa instituição frente aos regimes políticos variou de acordo com uma série de fatores (elementos históricos, religião, região, conjunturas) que ultrapassam o fato de constituir-se como um lugar protegido pelo segredo. Até por seu ideário de progresso, ainda que difuso, as maçonarias tendem a ser mais evolucionistas e pregar mudanças graduais. (MOREL, 2008, p. 44-45).

Esse autor utiliza muito a expressão “as maçonarias” e não “a maçonaria”, levando em conta que não existiu apenas uma maçonaria como centro aglutinador e atemporal, mas sim, diversas organizações maçônicas ao longo do tempo. Ele ressalta a importância de que se compreenda a maçonaria não de maneira isolada da sociedade, mas como uma associação presente em diferentes situações históricas, atravessada por questões de cada momento e possuindo características próprias oriundas de divisões e contradições assim como de conquistas e inovações. (MOREL, 2008, p.10).

A Maçonaria, no século XVIII, espalhou-se rapidamente pela Europa e América, tornando-se

o lugar de encontro de homens de certa cultura com inquietações intelectuais, interessados pelo humanismo como fraternidade, acima das separações e oposições sectárias, que tantos sofrimentos haviam causado, a Reforma de uma parte e a Contra-Reforma de outra […] uma reunião de homens que acreditam em Deus, que respeitam a moral natural e querem conhecer-se e trabalhar juntos apesar da diversidade de suas opiniões religiosas e de sua filiação a confissões ou partidos mais ou menos opostos. (BENIMELI et al, 2008, p. 56-57).

Pode-se afirmar, entretanto, que a Maçonaria é uma instituição que, baseada em símbolos e rituais secretos, não é uma seita religiosa na acepção comum do termo.

Com o tempo, embora tendo presente seus princípios fundamentais e seu esquema original, essa instituição passou a apresentar diversas ramificações. As diferenças na interpretação e na prática ritual do que se pode considerar o núcleo maçônico básico – as Constituições de Anderson – e o trabalho simbólico dos ritos iniciáticos aos três primeiros graus – aprendiz, companheiro e mestre -, se refletiram na divisão da Maçonaria em numerosas denominações e ritos, muitas vezes antagônicos entre si. Essas divisões nos afastam, portanto, da compreensão da Maçonaria num sentido unívoco. O fato de não haver um órgão controlador internacional que seja reconhecido por todas as potências maçônicas[7], acarreta uma falta de clareza quanto aos princípios básicos que fundamentariam o que poderia se considerar como Maçonaria “autêntica ou regular”. (AMARAL, 2005).

Pelo que foi até aqui exposto, constata-se que estabelecer uma definição satisfatória e completa do que vem a ser hoje a Maçonaria não é tarefa fácil. Essa instituição adaptou-se, inclusive, à mentalidade de cada época e país que a praticou, pois ora assumiu um caráter de difusão da crença na existência de Deus, ora representou um movimento filosófico que busca a Verdade, livre de orientação e de opinião.

No Brasil, por vezes, as contradições entre o discurso e a prática maçônica resultaram da manipulação por parte desta instituição, das demandas de alguns setores da sociedade e dos poderes locais e regionais como forma de ampliar suas fileiras e aumentar seu poder e influência, estando muito ligada à vida política do país e à parcela da elite intelectual. No entanto, nos documentos aqui analisados muito é dito sobre o fato de a maçonaria não ser considerada uma associação política, que se envolva com partidos políticos, como pode ser constatado na exposição a seguir:

Nos paizes regidos por instituições livres a Maçonaria não é, e nem deve ser uma associação política. Ahi os sacrosantos princípios por que sempre pugnou têm por defensores a imprensa, a tribuna, toda a organisação política e social. Ella, portanto não precisa, nem deve, envolver-se nas lutas dos partidos, lutas muitas vezes de interesses pessoaes e transitórios, lutas travadas sempre entre homens que, de accôrdo sobre as bases fundamentaes do direito publico, divergem mais ou menos na sua applicacão, conforme o ponto de vista pratico ou theorico em que se collocam. A razão e os interesses de sua causa aconselham-lhe esta abstenção. […] Mas, si a Maçonaria deve em geral affastar-se dos pleitos dos partidos, não se segue que deve, que possa mesmo ficar indiferente quando, por uma aberração inqualificável, se tente n’esses paizes aniquilar os princípios que, mais do que ninguém, ella proclamou e defendeu, procurando tornal-os os guias seguros e invioláveis das sociedades modernas. (BOLETIM DO GRANDE ORIENTE DO BRAZIL,1891, p. 2).

No entanto, não há como negar sua atuação e influência como um autêntico grupo de pressão que aglutinou expressiva parcela da elite imperial e republicana (BARATA, 1999). Sua estrutura organizacional respaldou sua atuação política como grupo assim como as iniciativas de maçons que atuavam na política nacional. Os maçons debateram nas lojas, na imprensa, no Parlamento e nas instituições das quais faziam parte, temas relativos à defesa da liberdade de consciência, da laicização da educação e do progresso do país, do fim do escravismo[8] e da implantação da República.

Ressalta-se que ainda durante o império brasileiro a atividade maçônica desenvolvia-se com o apoio e participação da Igreja e do Estado. Dela faziam parte políticos monarquistas e republicanos. As relações entre o clero e a Maçonaria foram relativamente tranquilas até 1872, com a “Questão Religiosa” quando o governo de D. Pedro II decidiu não apoiar a política antimaçônica do Vaticano. A monarquia acabou perdendo o apoio de uma de suas bases de sustentação, a Igreja Católica, o que contribuiu para acelerar a Proclamação da República, em 1889, fato que resultou em grande parte do trabalho de políticos ligados à Maçonaria. Salienta-se que a maçonaria, conforme já abordado anteriormente, se constituiu num terreno fértil para a propagação das ideias iluministas e liberais no século XVIII. Difundiu o uso da razão na busca do progresso intelectual, social e moral e como forma de debelar toda a tirania, seja intelectual, moral ou religiosa. Ideias essas que foram o sustentáculo da modernidade no século XIX e primeiras décadas do século XX e que embasaram mudanças que visavam à construção do que consideravam uma nova sociedade inserida no contexto da Modernidade.

Magalhães (2010, p. 11) destaca que na base da Modernidade está a educação. Como afirma esse autor, a Modernidade

caracterizou-se em linhas gerais, por uma tensão e progressiva harmonização entre os sujeitos e as instituições, por meio da educação. Pragmática e linguagem, a escola e a cultura escolar tornaram-se constitutivas e instituintes da Modernidade, reificando-se como experiência e processo, meio e substância, de aculturação e comunicação, disciplina e organização, intelecção e racionalidade. (MAGALHÃES, 2010, p. 13).

Assim, como uma instituição que propugnava o ideal de modernização civilizatória nacional, tinham na educação, na benemerência e na filantropia o sustentáculo de sua atuação. O posicionamento da Maçonaria em relação à instrução (educação) elementar pública, laica e gratuita destinada às classes menos abastadas e a qualificação e profissionalização do professor público é apresentado no primeiro número do Boletim do Grande Oriente do Brazil:

Não exigirá a civilisação moderna, com os mesmos direitos que tinha a antiguidade para os membros privilegiados da sociedade, uma educação nacional e livre, que não pode ser dada, senão gratuita? O privilégio nos campos da inteligência parece ser o maior obstáculo que se oppõe ao desenvolvimento dos destinos da sociedade e uma causa poderosa da ignorância dos espíritos o da inferioridade moral das classes menos abastadas. A necessidade de conhecerse a fonte, onde foi bebida a instrucção e os meios empregados para obtê-lo, a chancelaria de um estabelecimento publico ou approvado pela administração, como um privilégio para a admissão nas universidades ou academias, a negligência dos juizes sobre as habilitações dos professores públicos, cuja unica direcção deve ser confiado o ensino, a imposição da acquisição dos conhecimentos acessórios em diversos ramos de estudo, todas estas distincções devem desapparecer para que a instrucção torne-se possível e fácil. A propagação da instrucção pelo povo é uma idéia que a Inst.’. Mac.’., que abraça a causa da humanidade, deve sempre sustentar e executar, com o intuito de auxiliar a administração da sociedade na realisação de medidas, de que depende o seu progresso”. (BOLETIM DO GRANDE ORIENTE DO BRAZIL,1871, p. 11).

Cabe destacar aqui, a iniciativa, liderada pelo maçom Rui Barbosa, de criar, em 1883, a Liga do Ensino, uma associação voltada à defesa do ensino laico[9]. Conforme aponta Bastos (2007), referenciando-se no jornal carioca Gazeta de Notícias, que em 23 de outubro de 1883 publicou sobre a Liga do Ensino no Brasil, o objetivo da associação era o estudo e a divulgação do ensino público e laico, assim como a promoção de métodos científicos e da moderna pedagogia, tendo em vista melhores condições de trabalho do professorado de escolas públicas e particulares. A atuação desta associação se daria através de discussões em sessões ordinárias, na imprensa, em conferências e com a criação de uma escola modelo de ensino laico.

A Liga de Ensino no Brasil teve, inicialmente, como presidente, Rui Barbosa. A associação contou com 50 sócios fundadores. Pessoas que se destacavam na intelectualidade brasileira, sendo muitos deles, maçons[10].

O posicionamento da Maçonaria em relação à educação e sua luta pelo ensino público, contra o analfabetismo e em prol da obrigatoriedade do ensino primário, adentra as primeiras décadas do século XX. No jornal maçônico O Templário[11], em 1920, essa temática é apresentada nos quatro primeiros números. Os artigos realizam uma crítica em relação ao descaso com que vinha sendo tratada a instrução pública por parte do governo federal brasileiro. Este, em princípio, responsabilizava-se pelos cursos secundários e superiores, destinados às classes mais abastadas da população, entregando o ensino primário (livre) aos governos estaduais e municipais. Tais governos não se comprometiam na expansão da rede de ensino “à classe pobre, verdadeiramente produtora e laboriosa e que era excluída dos benefícios da instrução e das vantagens por eles produzidas” (O TEMPLÁRIO, 17/01/1920, p. 1).

A educação elementar estendida a todos os brasileiros não era vista como um caminho para mudanças estruturais da sociedade. Seria, isto sim, um caminho que levaria a uma “boa ordem e tranqüilidade pública […] com homens laboriosos que, com perfeito conhecimento dos seus mystéres, conheçam, também os seus deveres e direitos, e saibam alguma cousa do mundo, suas leis e seus sucessos” (Ibidem).

O ensino elementar obrigatório seria, portanto, uma forma de produzir trabalhadores mais interados nos modernos processos de produção. A educação era considerada como “o factor mais importante e efficaz para estabelecer a fraternidade entre os homens” (O TEMPLÁRIO, 15/02/1928, p. 1). Estimulando as diferenças individuais, deveria habilitar a população para assumir os diferentes papéis exigidos pela “nova sociedade”, ou seja, a sociedade industrial emergente.

Sendo assim, a instrução elementar estendida a todos os brasileiros, resultaria na “ordem e progresso”, tão propalada pelo nascente sistema democrático republicano brasileiro.

Também não há como deixar de mencionar aqui aspectos da caridade, benemerência e filantropia maçônica, características que moldam o processo de constituição comportamental do maçom e da própria atuação da maçonaria e que identificam e singularizam sua atuação na sociedade. Como é afirmado no Boletim do Grande Oriente do Brasil,

A caridade, como a primeira virtude social, é a que mais aproxima o homem da divindade, e a que deve distinguir o caracter do maçon em todas as phases da vida humana. […] A caridade é a base de todas as nossas accões relativamente aos nossos irmãos. É a norma que dirige o nosso zelo e afan pelo bem do gênero humano. Posto que as necessidades dos nossos irmãos nos interessem particularmente, o mérito e a virtude na indigencia, qualquer que seja a pessoa em que se encontre, deve merecer sempre os nossos benefícios e as nossas atenções. (BOLETIM DO GRANDE ORIENTE DO BRAZIL, 1883, p. 67).

Analisando atas, correspondências e relatórios[12], constata-se o empenho dos maçons junto aos trabalhos sociais desenvolvidos pela Maçonaria. Não raros eram aqueles que, bem sucedidos economicamente realizavam vultosas doações em dinheiro ou bens imobiliários, contribuindo no trabalho de auxílio a instituições de caridade e educacionais, assim como com maçons que atravessassem difícil situação financeira. No período aqui estudado, as atitudes filantrópicas eram exaltadas pela imprensa maçônica e profana[13].

Assim, a partir do século XIX, a maçonaria incorpora discursos de vanguarda que sustentam a modernidade educativa e os maçons passam a se identificar com os princípios do Positivismo. Assumiram, então, a assertiva positivista de que a solução para os problemas nacionais estavam vinculados ao acesso à escolarização. No entanto, há que se ressaltar que, para eles, a solução destes problemas não passava por mudanças estruturais na sociedade. Na realidade, a hierarquia social era apontada pela ordem maçônica como algo natural e que, se assumida por todos, faria parte do processo de evolução sócio-econômica, o que referenda sua identificação com a ideologia positivista. O papel de cada indivíduo no grupo social, quando bem compreendido e aceito, efetivaria, o que consideravam uma nova sociedade, aquela onde imperasse a ordem através de um tutoramento da população por parte daqueles considerados capazes de conduzir os seus destinos. Assim, identificavam-se com os interesses das elites e dos grupos em ascensão social, contemplando também certos anseios das classes menos favorecidas. Nesta lógica, existindo a ordem social, o resultado seria o progresso do país. Situações almejadas, desde meados do século XIX, pelos maçons, liberais e republicanos e que aparecem na bandeira nacional brasileira onde estão estampadas as palavras ordem e progresso. (AMARAL, 2005).

Indo ao encontro da concepção maçônica sobre o papel social dos diferentes indivíduos e grupos para a organização e equilíbrio da sociedade, cabe salientar a questão da mulher e o papel que a ela atribuíam. Mas do que isso, o significado dessa compreensão para os movimentos de emancipação da mulher, especialmente no período aqui analisado.

Nesse contexto, em Amaral (2005) considero que a cooptação da mulher para a causa maçônica foi fundamental e alavancou discussões sobre sua inserção social, mormente nas escolas. O que parece à primeira vista uma contradição, uma vez que a instituição maçônica é essencialmente masculina, a preocupação com a educação das mulheres fundamenta-se no fato de ser ela considerada mãe e educadora das futuras gerações, devendo então estar preparada para desempenhar seu papel social. Destaca-se, no presente trabalho, a presença e participação da portuguesa Ana de Castro Osório no espaço maçônico luso-brasileiro, nas primeiras décadas do século XX, através de sua atuação como escritora e defensora da Maçonaria feminina e dos ideais republicanos[14].

Em janeiro de 1923, O Templário chegou a estampar em sua primeira página uma fotografia de Anna Osório, venerável de uma Loja feminina de Portugal[15], com as insígnias da Maçonaria. Junto à fotografia, que ocupava a metade da página do jornal, lê-se o seguinte:

Queremos prestar a nossa singela homenagem á brilhante intellectual D. Anna de Castro Osorio que veio pessoalmente espargir no Brasil os lampejos de seu prodigioso talento. Como escriptora, educacionista e propagandista das ideias avançadas, a notavel portugueza conquistou em sua querida Patria uma posição de destaque entre os contemporâneos. (O TEMPLÁRIO, 17/01/1923).

Anna Osório, que viveu no Brasil nos anos que antecederam a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1911 a 1914), retornou em 1922 para participar das celebrações do centenário de independência do país. Nesta ocasião, realizou conferências em vários estados brasileiros (Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul). Em sua visita ao Rio Grande do Sul, propagou os ideais republicanos e a importância da Maçonaria Feminina e da união dos maçons frente ao avanço do clericalismo. Suas conferências, proferidas em Lojas de Pelotas e Rio Grande, foram transcritas neste jornal[16]. Em seu conteúdo há dominância de um anticlericalismo e de um feminismo, que buscava igualdade de direitos entre as mulheres e os homens na Maçonaria, ressaltando o papel da mulher como mãe e “modeladora” dos filhos:

A mulher já não é hoje o que era hontem e á Maçonaria caberá uma grande responsabilidade se a não chamar a si, porquanto, se ella representa o passado pelas suas tendências naturalmente tradicionalistas, ella representa o futuro pela alma dos filhos de que é modeladora carinhosa. E é da união do passado com o futuro que deve sahir o progresso do presente. […] (dando-se) à mulher a igualdade de direitos dentro das collumnas dos seus templos […] só assim a Maçonaria poderá progredir e resistir ás influências contrárias que a atacam, servindo-se exactamente da força feminina desprezada, em igualdade de direitos e deveres. (O TEMPLÁRIO, 17/01/1923, p. 4.).

A Maçonaria, contrapondo-se ao papel de desigualdade social da mulher perante o homem, reforçado, segundo os maçons, pelo catolicismo, utilizou-se do apoio à causa feminina na disputa pela primazia de suas ideias, desenvolvendo um discurso e até mesmo uma prática voltada aos interesses feministas. Nesta afronta ao clericalismo, a legalização do divórcio passa a ser amplamente debatida e defendida pelos maçons, assim como a participação feminina junto a esta instituição. Ao mesmo tempo, a presença da mulher na Maçonaria fazia parte de uma ideia de reconstrução social que servisse para auxiliar na solução dos problemas vividos no início do século XX. A colaboração da mulher foi vista como essencial na cruzada moralizadora em que se empenhou esta Instituição e que tinha como alvo principal o clericalismo vigente. Como a instituição maçônica vinculava as mudanças sociais à questão educacional e sendo a mulher o sustentáculo da Igreja Católica, a Maçonaria passou a propugnar a ideia de que era necessário tirar a mulher do domínio do catolicismo romano para que houvesse realmente uma reforma educacional.

Considerações Finais

No período estudado, a maçonaria brasileira, como espaço de sociabilidade, tem nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a sustentação de seus discursos que buscam respaldar suas práticas sociais e políticas. O papel dos maçons foi essencialmente levar essas discussões para o campo político e social em que atuavam.

E é, nesse sentido, que o presente estudo busca ressaltar a importância de que se leve em conta a filiação maçônica de determinados indivíduos que se destacaram no espaço político-educacional brasileiro. Suas práticas, propostas e decisões, provavelmente foram discutidas e gestadas no espaço das lojas maçônicas, junto ao grupo do qual faziam parte. E essa era uma das importantes finalidades desse grupo: ser um espaço de sociabilidade, de discussão de ideias ancoradas nos pressupostos da modernidade.

No Brasil, o processo de laicização do ensino decorrente da Proclamação da República, resultou no acirramento das disputas entre a Maçonaria e a Igreja Católica pela primazia no campo educacional. Para os maçons, o clero através de sua ação pastoral e, especialmente da Companhia de Jesus, atuando junto à educação das elites, sedimentava conceitos e condutas que perpetuavam uma organização social arcaica que levava o país ao atraso. Os maçons, embora muito próximos das premissas do Positivismo, distanciavam-se delas ao defenderem a existência do ensino elementar obrigatório, público, laico e gratuito como forma de garantir o efetivo desempenho da função que delegava à educação formal: manutenção da coesão social e a diminuição da influência das escolas particulares confessionais. As ideias positivistas de separação entre a Igreja e o Estado, de liberdade espiritual, de valorização da tradição, da família, do dever, da hierarquia social, serviram de sustentáculo aos propósitos defendidos pelos maçons, sobretudo no campo educacional. A ação dos maçons na modernização educacional inclui designadamente práticas políticas como intelectuais, gestores, legisladores, escritores, jornalistas, professores, bem como a fundação de lojas maçônicas, a criação de periódicos, a publicação de livros, a fundação de bibliotecas, de escolas, de faculdades e de obras de benemerência voltadas aos mais necessitados. Portanto, é preciso não perder de vista sua atuação e o que isto representou na oposição ao discurso conservador do catolicismo romano: indubitavelmente uma importante e destacada referência no processo de modernização educativa na emergente república brasileira.

Autora: Giana Lange do Amaral

Fonte: História da Educação, vol. 21 nº 53 Santa Maria Sept./Dec. 2017

Notas

[1] – Este trabalho resulta de estudos apresentados em Amaral (2005) e encaminhados quando da realização do estágio pós doutoral no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (2014-2015), sob orientação de Justino Magalhães. A grafia dos textos aqui apresentados é mantida conforme os originais.

[2] – Como afirma Luca (2015), no Brasil, o uso de periódicos generalizou-se, desde meados de 1980, a ponto de ser um dos traços distintivos da produção acadêmica brasileira.

[3] – Loja é o lugar ou a reunião em que se congregam os maçons para o trabalho seu específico.

[4] – Os políticos maçons deste governo eram o Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente brasileiro, e seus ministros que ocupavam as seguintes pastas: Aristides Lobo, Interior; Campos Sales, Justiça; Rui Barbosa, Fazenda; Quintino Bocaiúva, Relações Exteriores; Demétrio Ribeiro, Agricultura, comércio e Obras Públicas; Benjamim Constant, Guerra; Eduardo Wandelkolk, Marinha (GOMES, 1975, p. 139). Como curiosidade cabe ressaltar que Deodoro da Fonseca foi iniciado na Loja Rocha Negra, de São Gabriel, Rio Grande do Sul.

[5] – Azevedo (1997, p. 186) também afirma que “é interessante observar aqui que outro importante historiador contemporâneo, Sérgio Buarque de Holanda, limitou-se a registrar em algumas linhas o declínio da maçonaria numa suposta substituição desta pelo movimento positivista. Não oferece, no entanto, explicações e evidências para esta tese apenas acenada no início de um capítulo significativamente intitulado “Da Maçonaria ao Positivismo”. Haveria aqui implicitamente uma vontade de encerrar definitivamente o assunto maçonaria na história do Brasil? Ver: O Brasil Monárquico – Do Império à República, tomo 2, vol. 5, São Paulo, Difel, 1985, pp. 289-305.”

[6] – Esse pode ser o caso de maçons que se destacaram no âmbito político-educacional brasileiro como o Padre Diogo Antônio Feijó, Rui Barbosa, Francisco Rangel Pestana, dentre outros.

[7] – Potências maçônicas são os Grande Orientes, Grandes Lojas ou Supremos Conselhos. (FIGUEIREDO, 1996, p. 357).

[8] – O movimento abolicionista tomou força em meados do século XIX. Em decorrência, principalmente, da pressão inglesa, em 1850 foi decretada a Lei Euzébio de Queiroz, que extinguia o tráfico de escravos. O elaborador dessa lei, o maçom Euzébio de Queiroz, era então ministro da Justiça. Como a escravidão continuava sendo alimentada pelo comércio interno a campanha abolicionista teve nas lojas maçônica um importante espaço para sua articulação. Dentre os muitos maçons que se destacaram nessa causa pode-se citar Américo Brasiliense, Américo de Campos, Luis Gama, Francisco Glicério, José do Patrocínio, Quintino Bocaiuva, Visconde do Rio Branco, Joaquim Nabuco. Em 1871 foi aprovada a Lei Visconde Rio Branco, que ficou conhecida como a “lei do ventre-livre”. A partir dela, filhos de escravos eram considerados livres (CASTELLANI, 1989). No Boletim Maçônico do Grande Oriente do Brasil de março de 1872, há interessante descrição da solenidade comemorativa da Lei de 28 de setembro de 1871 ocorrida na loja desse Grande Oriente.

[9] – Como afirma Bastos (2007, p. 227), “A Liga tem sua origem na Bélgica (1854), tendo vínculos estreitos com as associações maçônicas, pela defesa da descristianização da escola pela crescente influência Jesuítica. Assim, os objetivos da Liga são contrários às leis existentes, que dão à instrução religiosa o primeiro lugar na escola. Em 1866, Jean Macé funda a Ligue d’enseignement, na França, com objetivo de ensino exclusivamente laico nas escolas públicas e ensino primário gratuito e obrigatório. Estas sociedades fundam escolas modelos, bibliotecas populares, círculos operários, realizam conferências e cursos gratuitos, organizam em cada vila ou comuna um grupo similar de organização e objetivos, mas de ação independente”.

[10] – Os sócios-fundadores foram: Rodolfo Dantas, Menezes Vieira , Dr. Souza Bandeira F., Dr. Sancho de Barros Pimentel, Dr. Ferreira de Araújo, Ferreira Jacobina, Capistrano de Abreu, Dr. Silva Araújo, Dr. Moncorvo, Dr. Franklin Távora, Faro, Dr. Carlos de Carvalho, Borges Carneiro, Dr. Silvio Romero, Alberto Brandão, Lameira de Andrade, Dr. Aquino, Louis Couty, Comendador Ramalho Ortigão, Zeferino Candido, Dr. Ubaldino do Amaral, Fausto Barreto, Silva Maia, Amaro Cavalcanti, Dr. Coelho Rodrigues, Teophilo Leão, Dr. A. Spinola, Dr. Tobias Leite, Joaquim Teixeira de Macedo, Dr. Lima e Castro, A. Pereira leitão, Dr. Aarão Reis, Comendador Fernandes Pinheiro, Machado de Assis, Dr. João Paulo de Carvalho, Bittencourt da Silva, Carlos Jansen, Dr. Americo Barbosa, Dr. Jacy Monteiro, Ullysses Cabral, Dr. Ennes de Souza, Dr. Lyra da Silva, Dr. Theodoreto Souto, Alambary Luz, Dr. Antioco Faure e B. Caldeira (GAZETA DE NOTÍCIAS. A Liga do Ensino no Brazil. Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1883, apud BASTOS, 2007, p. 229, 230).

[11] – O Templário foi um jornal maçônico da cidade de Pelotas, RS, que circulou nas décadas de 1920 e 1930. Algumas reflexões aqui realizadas sobre este jornal, resultam de estudos apresentados em Amaral (2005).

[12] – Muitos desses documentos estão publicados no Boletim do Grande Oriente do Brazil, em periódicos locais de vários municípios brasileiros e em jornais maçônicos.

[13] – Cf. Marques (1986, p. 1165) o termo “profano” refere-se a todo indivíduo ou toda a coisa que não pertença à Maçonaria.

[14] – Como afirma Gomes (2011) “Ana de Castro Osório (1872-1935) é uma intelectual razoavelmente reconhecida e estudada em Portugal, sobretudo no contexto das comemorações do Centenário da República, causa que ela ajudou a propagar e com a qual colaborou em projetos importantes, como o do divórcio. […] Os trabalhos a ela dedicados, concentram-se mais no campo da literatura, no qual teve presença marcante, e, na história, privilegiam sua atuação como líder feminista. […] [É] autora e editora de manuais escolares e livros infantis que circularam em Portugal e também no Brasil. Apesar desse fato, ela é praticamente uma desconhecida no Brasil, onde viveu entre 1911 e 1914, tendo alguns de seus livros participado da formação da infância de muitos brasileiros, em especial durante os anos 1910 […]”.

[15] – Este país era, na época, o único a possuir Lojas exclusivas de mulheres.

[16] – As conferências realizadas nas viagens que fez ao Brasil, nesse período, constituíram o livro de sua autoria A Grande Aliança. Este livro foi reeditado em 1997, com o apoio do Instituto Piaget, no ano de seu 125º aniversário de nascimento e em homenagem, também, ao 175º aniversário de independência do Brasil.

Referências

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Por que construímos Teorias e Filosofias sobre e que acontece depois que morremos?

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Por que uma pessoa que está viva precisa construir teorias e filosofias sobre a morte? Ela é uma parte inseparável da vida, então por que está escondida de nós?

Os níveis inanimado, vegetativo e animado da natureza não têm consciência da morte. Eles se sentem fracos quando estão se aproximando da morte, mas apenas em termos de sua sobrevivência chegando ao fim. Portanto, eles não têm perguntas além da morte, nem sobre o passado, presente ou futuro em geral. Essas perguntas surgem apenas em humanos, porque temos um ponto especial acima da existência corporal e animal.

Não sentimos a vida enquanto somos gametas em nossos pais. Não sabemos como nossos pais se conheceram e trouxeram aquela célula viva inicial da qual nos desenvolvemos. Também não temos a sensação de como nosso corpo gradualmente se desfaz até que algo cause sua morte, assim como o que resta dele depois.

O que particularmente falhamos em entender é que, ao contrário de animais e plantas, nos sentimos como existindo em algo superior e maior que nossos corpos. Não podemos identificar essa sensação, mas em geral chamamos de “vida”.

Há subsistência, viver em prol da sobrevivência e da reprodução, e há vida, viver em prol de algo maior.

Passamos grande parte de nossas vidas contemplando, examinando e pesquisando esse ponto do que é a vida e como podemos preencher nossa existência. Esse desejo adicional acima de nossa vontade de sobrevivência significa muito para nós. Estamos prontos para trabalhar e sofrer por isso.

O desenvolvimento da humanidade está nos levando gradualmente a um desejo cada vez maior de entender a adição da vida acima de nossas necessidades de sobrevivência. O que é especialmente evidente em nossa era é que, enquanto temos uma abundância de necessidades da vida – mais do que em qualquer outro período histórico – a eterna pergunta sobre o sentido e propósito da vida desperta mais do que em qualquer outra época.

No entanto, a resposta a essa pergunta é elusiva.

A miríade de teorias, fantasias e métodos que desenvolvemos, sejam religiosos ou seculares, são todos especulações infundadas.

Por quê?

Porque a forma de nossas vidas atuais é selada em nossa natureza material corpórea inata, que é o desejo de receber prazer e prazer. Nós nos sentimos e nos identificamos nesse desejo e não temos capacidade de imaginar nada fora dele.

Nossas sensações, pensamentos, desejos e fantasias são todos voltados para a satisfação de nosso desejo de desfrutar.

Mas este é o nosso único desejo?

Se tivéssemos apenas o desejo de desfrutar, seríamos como animais, trancados unicamente em um impulso instintivo para nos realizarmos ao máximo em todos os momentos de nossas vidas.

No entanto, temos um ponto muito pequeno, uma centelha que vem de um nível superior à nossa existência animal. Devido a este ponto que desperta em nós, fazemos as perguntas: “Qual é o sentido da vida?” e “Para que vivemos?”

Esse ponto também desperta sensações negativas em nós – insatisfação, vazio, depressão, desamparo e desespero – que nossa geração sente mais do que qualquer outra. Organizamos nossas vidas para nos libertar das preocupações em prover nossas necessidades e, precisamente por causa disso, a pergunta sobre o sentido da vida é liberada, fazendo surgir demandas mais vigorosas. Como resultado, problemas muitos novos na sociedade humana estão surgindo.

Nós pensamos que temos todos os tipos de desejos diferentes na humanidade por dinheiro, honra e conhecimento, por todos os tipos de coisas além do nível de comida, sexo e família. No entanto, nós realmente só temos a pergunta sobre o sentido e propósito da vida, que exige uma resposta.

Existem diferentes níveis de sentimento e consciência desta pergunta em diferentes pessoas, e é uma grande influência em nossas vidas diárias.

Os diferentes maneirismos, culturas, costumes e crenças de todas as nações são, em última instância, respostas para a questão do sentido e propósito da vida. Em nossas necessidades básicas de comida, sexo e família, somos essencialmente os mesmos. No entanto, no momento em que entramos em nossos desejos sociais por dinheiro, honra e conhecimento, nossas vidas são moldadas pelo caráter de como a pergunta sobre o sentido e propósito da vida surge em nós e como respondemos a ela. Nós diferimos precisamente em como respondemos a essa pergunta.

Nós nos movemos em diferentes direções tentando responder à pergunta sobre o sentido e propósito da vida. No entanto, sem uma resposta verdadeira, que nos dê uma satisfação duradoura, continuamos a nos encontrar deprimidos, vazios e desesperados. Como resultado, hoje assistimos a uma redução do nosso desenvolvimento mental e emocional. Em eras passadas, tivemos muito maior respeito pela filosofia, ciência e artes. Hoje, no entanto, a sociedade está se voltando para maior conforto e conveniência, e valorizando as tecnologias que podem servir como um meio para esse fim.

Apesar de todos esses confortos e distrações, continua sendo verdade que, se não encontrarmos uma resposta satisfatória para a pergunta sobre o sentido e propósito da vida, sofreremos cada vez mais. Enquanto a geração mais jovem hoje se concentra mais em tecnologias, isso chegará ao fim. Com cada vez menos impulso para construir famílias e dar à luz filhos, eles não querem ser “feras comuns” que vivem como se estivessem em um rebanho, porque a questão sobre o sentido da vida vive e respira nelas.

Até agora, a geração mais jovem responde de forma passiva: “Não estamos no seu jogo. Vocês querem viver e ter sucesso, assim seja. Não é para nós”. O próximo estágio após esta geração será mais aguçado, e sua resposta, muito mais irritada.

Quanto mais a resposta à pergunta sobre o sentido da vida nos iludir, mais veremos a ascensão e queda de todos os tipos de distorções que tentam aparecer em seu lugar. A legalização e a promoção de drogas pesadas se levantarão para tentar nos acalmar. As tecnologias emergirão continuamente para tornar nossas vidas mais fáceis, para nos fazer sentir satisfeitos em ficar sentados em nossas residências durante todo o dia. Mas esses esforços não serão válidos.

De fato, se pusermos nossos corações para responder apenas a uma pergunta muito famosa, tenho certeza de que todas essas perguntas e dúvidas desaparecerão do horizonte, e você olhará para o lugar delas para descobrir que elas desapareceram. Essa pergunta indignada é uma pergunta que o mundo inteiro se faz, a saber, “Qual é o sentido da vida?”. Em outras palavras, esses anos enumerados de nossa vida nos custam muito e as inúmeras dores e tormentos que sofremos por eles, para completá-los ao máximo, quem é que os aprecia? Ou ainda mais precisamente, a quem eu me delicio? É verdade que os historiadores se cansaram contemplando-a, e particularmente em nossa geração. Ninguém sequer deseja considerá-la. No entanto, a pergunta permanece tão amarga e veemente quanto sempre. Às vezes nos encontra sem ser convidada, bica nossas mentes e nos humilha no chão antes de encontrarmos a famosa manobra de fluir sem pensar nas correntes da vida como sempre.

Séculos atrás, O Livro do Zohar, bem como o renomado Cabalista do século XX, Yehuda Ashlag (Baal HaSulam), previram que a partir do final do século XX, a pergunta sobre o sentido da vida se intensificaria em toda a humanidade, exigindo mais e mais pessoas buscando sua verdadeira resposta. Aqueles que permanecem insatisfeitos com o que nossa cultura cria para lidar com essa pergunta, entretanto, que continuam explorando diferentes abordagens, métodos e ambientes sem sucesso, devem acabar se descobrindo na sabedoria da Cabala

A sabedoria da Cabala é um método de como perceber e sentir a realidade eterna enquanto vivemos nossas vidas atuais. Atingir tal percepção, em última instância, responde a perguntas como “O que acontece quando você morre?” e “Qual é o sentido da vida?” Porque, ao fazer isso, acessamos nossa vida espiritual que continua vivendo após a morte de nossos corpos proteicos. Ao nos envolvermos no método, passamos por mudanças significativas que revelam uma percepção completamente diferente da realidade, descobrimos uma satisfação duradoura, uma conexão mais profunda com os outros e com a força causal da realidade, e obtemos um senso de integridade e harmonia com o mundo ao nosso redor. Essa maravilhosa sabedoria está aberta a todos e aguarda qualquer um com um desejo sincero de encontrar a razão principal de por que surgimos aqui neste planeta..

Autor: Michael Laitman

Fonte: http://www.michaellaitman.com/pt/

Modelos de Maçonaria

Organização, Preceitos e Elementos da Cultura Maçónica: fundamentos para a  introdução aos estudos da maçonaria - Freemason.pt

Temos ouvido e analisado alguns conceitos de estudiosos da Maçonaria através dos anos. Alguns deles merecem ser citados.

Ouvimos de certa feita, que o modelo maçônico que nos legaram nossos Irmãos do passado já não se adapta ao homem atual. Está anacrônico.

Um irmão místico mencionou que a Maçonaria atual tornou-se materialista, pois dentro de seus templos ainda existem símbolos poderosos e mágicos, mas que os maçons atuais não os respeitam como tais, pois não têm a noção de seus significados. Por esta razão, a Maçonaria fragmentou-se, perdeu a sua força e confundiu-se.

Outro irmão referia que o maior objetivo político que acalentou e deu forças a inúmeras gerações de maçons do século passado que era a República morreu com o nascimento desta, ou seja, desde então os maçons não tiveram em termos de Brasil um objetivo prioritário para lutar por ele.

Por não criarem uma outra motivação cívica, a Maçonaria fragmentou-se em diversas Potências, cada qual com sua orientação político social, sempre se autodenominando representante de todas as opiniões da população maçônica e de quando em vez, soltando na imprensa brasileira bisonhos pronunciamentos políticos.

Entretanto, autores atuais afirmam que a Maçonaria visa apenas o homem em si, como líder, como embrião, como uma célula dentro da sociedade. À Maçonaria caberia tão somente preparar este homem, mostrando-lhe os caminhos de seu auto-conhecimento, e ensinando-o a ser um construtor social para que atue na sociedade como um núcleo em torno do qual estariam os demais segmentos dessa sociedade.

É provável que cada afirmação citada tenha a sua verdade. Parece-nos que a última, sem menosprezar as demais, seria a mais atual e mais apropriada ao nosso tempo.

Mas como andam as coisas na Ordem?

É claro que as nossas divagações não se aplicam a todos os maçons, mas elas atingirão uma grande parte dos maçons brasileiros, bem como a muitas Lojas.

Se nos atentarmos para a realidade, pelo que poderemos observar no dia a dia, e, acreditamos que ocorra em todo o país, tais são as semelhanças entre as estruturas das cidades entre si, existem verdadeiros flagelos da Ordem, aos quais abordaremos apenas alguns, aleatoriamente.

Falta de instrução e conscientização do que vem a ser Maçonaria. As sessões duram de duas a três horas e o período de estudos ou de instrução, duram apenas quinze minutos, isto quando algum irmão tem um trabalho a apresentar.

Quanto à conscientização, com frequência não são respondidas as perguntas básicas que um Aprendiz faz a um Mestre, porque geralmente este não sabe respondê-las. Sempre existem as evasivas tradicionais, tais como:

  • Isso eu não posso responder.
  • Você chegará lá. 
  • Estude.

Então como poderá um Irmão estar consciente do que é a Maçonaria?

Existem falhas severas desde o primeiro aprendizado ao se entrar na Ordem. São algumas:

  • A maioria dos maçons cresce na Ordem do ponto de vista de graus, sem saber ao certo o que estão fazendo ou aprendendo.
  • A pressa de muitos Irmãos em sessão para que esta acabe logo, para poderem nos chamados “fundões” das Lojas, sorverem todo o tipo de pólvora que existe, e ao mesmo tempo se alimentam exageradamente e neste estado de empanturramento alimentar e de eflúvios etílicos tomarem decisões importantes.
  • Veneráveis fracos que não têm personalidade, dominados docilmente por verdadeiras eminências pardas dentro de sua própria diretoria.
  • Carreirismo político maçônico, com falsa liderança.
  • Esvaziamento das Lojas por desmotivação.
  • Comportamento antimaçônico de Irmãos que são verdadeiros profanos de avental, os quais querem, muitas das vezes, que seus defeitos se tornem regras morais para os demais.
  • Candidatos não gabaritados para tal, serem indicados para serem Maçons.
  • Os poderes dentro de uma Potência estão desencontrados e comumente extrapolam seus direitos, não respeitando, às vezes, o próprio Grão-Mestre, que é a maior autoridade.
  • Várias Potências não se reconhecem entre si, mas se utilizam do mesmo Rito, cada qual à sua maneira (vide Rito Escocês Antigo e Aceito, no Brasil).
  • A respeitável denominação “Grande Arquiteto do Universo” virou simplesmente “Gadú”. Esta é uma nova palavra, que foi criada e muito pronunciada, por sinal.
  • Especialmente nas cidades de porte médio e grande, um Templo de propriedade de uma Loja é usado por ela apenas um dia da semana, quando naquele mesmo Templo poderiam funcionar pelo menos mais quatro Lojas.
  • Falta de patriotismo com desconhecimento total da história do Brasil e participação de maçons nos eventos.

Se quiséssemos, enumeraríamos mais de cinquenta itens facilmente.

Citamos de passagem os Irmãos que não honram seus compromissos, valendo-se da mal interpretada tolerância maçônica.

A maioria dos maçons não lê sobre a Ordem.

Fácil será prever o futuro, caso não se tente mudar imediatamente ou reciclar, quer no campo administrativo, histórico, instrutivo, doutrinário ou moral.

Precisamos ter a ousadia e a coragem de citar os males que a assolam e a prudência de sugerir alguma solução que possa melhorá-la.

Entretanto, tudo vai bem na Ordem. Todos se chamam de Irmãos, fala-se muito em tolerância, todo mundo é livre e de bons costumes.

Uma boa parte dos maçons brasileiros acredita realmente que tudo vai bem. São aqueles Irmãos puros, bem intencionados, almas limpas.

Nas Lojas, os famosos e prolixos oradores continuam matraqueando desesperadamente, tecendo glórias e louvores ao Grande Arquiteto do Universo e a todos os maçons espalhados pela superfície da Terra.

Quando um Irmão se diz justo e perfeito, porém não é nada disso, os outros justos e perfeitos fingem não saber do que se trata, pois a Ordem é fraternal e tolerante.

Estamos exagerando? Poderão argumentar que o autor é um pessimista, que os maçons de sua cidade são maus, que Maçonaria não é bem isso, e que na sua Loja não é assim.

Mas, estas afirmações têm muito de verdade. É só ter a coragem de enxergar as coisas como elas são, sem ter a mente embaçada pelo conformismo.

Evidentemente o maior problema da Maçonaria é apenas uma questão de cultura e falta de instrução racional. Se tivéssemos três sessões mensais, onde além de se praticar uma boa ritualística, houvesse debates, conferências, cursos, mesas redondas, etc., a respeito da filosofia, ritualística e história da Ordem, bem como da Política como ciência, o preparo do Maçom seria outro. Quanto às sessões administrativas, deveria haver apenas uma por mês.

Cada Potência deveria manter Encontros Semestrais de Aprendizes, Companheiros e Mestres para toda a jurisdição, onde fossem apresentados trabalhos e estudos referentes a tudo o que diz respeito à Ordem.

Os Altos Corpos de cada Potência, especialmente nas simbólicas, deveriam manter severa vigilância com relação às alterações que os responsáveis pela Liturgia e Ritualística de cada Rito, costumam com frequência introduzir nos Rituais vigentes, a maioria invenções, enxertos, “achismos” etc. Este controle tem que ser constitucional, ou seja, deverá constar na Constituição de cada Potência, e o “modificador” terá que enfrentar estes altos poderes da Obediência e estes aprovarem. Esta seria uma maneira de conter tanta alteração que pulula nos Rituais da Maçonaria brasileira, em especial no Rito Escocês Antigo e Aceito.

Como a unificação total da Maçonaria brasileira é uma utopia, a união, entretanto, não é, e já está sendo realizada. As três principais Potências não se reconhecem, mas nas Lojas-Bases está havendo uma intervisitação sistemática, numa camaradagem própria de Maçons que seguem o axioma “se fomos Iniciados, logo somos Irmãos” e as Lojas, mesmo de Potências diferentes, estão permitindo o direito de visitação, e este contato entre Irmãos está trazendo resultados.

Os Grão-Mestres das principais Potências deveriam sentar-se em torno de uma mesa e decidirem que, tratando-se de um mesmo Rito, todas deveriam ter somente um Ritual, o qual seria organizado por uma Comissão de Irmãos destas Potências.

Igualmente deveria haver apenas uma Palavra Semestral e troca de correspondências a respeito dos candidatos não desejáveis para serem Maçons.

Nas cidades onde hajam Lojas das diversas Potências, deveria haver um Conselho de Veneráveis com rodízio na administração, o qual, paralelamente, tratasse de filantropia, problemas sociais, políticos (não partidários) de abrangência da comunidade.

Estas sugestões são fáceis e viáveis. Em algumas cidades já estão sendo realidade, mas não foram sacramentadas pelas cúpulas das respectivas Potências.

Não há perigo de desestabilização do poder de cada Potência.

Administrativamente, continuarão sendo o que são. O que é necessário é que se deixe a vaidade de lado e se doe de coração aberto à causa maçônica. É simples.

O Maçom brasileiro necessita com urgência encontrar uma nova vocação, uma meta maior, um programa de alto alcance que até possa parecer impossível, porém viável a longo prazo, que pudesse unir todos os Maçons em torno de uma ideia, um pensamento único.

As Potências deveriam se reunir através de seus mais brilhantes Irmãos e, após estudarem todos os detalhes, apresentarem um diagnóstico da Maçonaria brasileira. Este diagnóstico terá que levar em conta o nosso passado, analisando com muito cuidado o presente e estabelecendo metas para o próximo século. Este que está findando já o perdemos! Só não perdemos ainda o nosso coração de Maçom e o amor à Ordem. Meditemos, pois, Irmãos.

Autor: Hercule Spoladore
Loja de Pesquisas Maçônicas Brasil
Oriente de Londrina, Paraná

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Deseducar para controlar

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Nestes dias tão conturbados em que presenciamos e vivemos cataclismos políticos e sociais tão evidentes, a figura do autômato descrita pelo Filósofo e Historiador Alemão Walter Benjamin me veem a cabeça. Em seu texto Conceitos Sobre História, assim ele descreve este ser:

“Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de xadrez com um contra lance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante do tabuleiro, colocado numa grande mesa. Um sistema de espelhos criava a ilusão de que a mesa era totalmente visível, em todos os seus pormenores. Na realidade, um anão corcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche.”

O que de certa forma exprime a ideia contida no detalhamento da figura de um autômato fantoche, deixa mais do que claro as nuances da situação brasileira atual. Vivemos como uma população robotizada, passando por falsas transformações que ocultam uma continuidade de engrenagens de poder que se perpetuam desde a formação do país enquanto nação. Tal qual o jogo de xadrez evidenciada pelo pensador alemão, nossas jogadas são de cartas marcadas. Embora as peças sejam diferentes ao longo dos anos, nossa política, graças aos mecanismos de continuísmos, garante a perpetuação de uma série de privilégios, meandros e costumes arraigados no seu cerne.

Passando pelo período colonial, ao grito do Ipiranga dado por um nobre português com disenteria proclamando a independência; da pompa do Período Imperial, vicejando a república velha e seu voto de cabresto; do (velho) Estado Novo de Getúlio Vargas; da ditadura de uma noite sombria que durou 21 anos; até estes dias de tresloucada de uma incongruente democracia republicana empedernida: mudaram-se sistemas de governo, pessoas, políticos, economia e os pormenores do tempo, mas algo conseguiu manter-se como permanência em todas estas épocas.

Hábitos, costumes e uma certa cultura política e educacional calcada no uso do Estado, da nação e de todos os seus dispositivos para perpetuação de um modus operandi voltado para o ego individualista, onde poucos se beneficiam com as mazelas da maioria, onde se deveria existir ações e pensamentos voltados para o bem-estar de todos, há o movimento contrário. Pelo sucesso individual, baseado na desgraça geral.

Instituições, empresas, órgãos públicos e privados, e a própria população são imbuídas de uma crença onde apenas o seu interesse deve ser o primordial para que seus objetivos, metas e satisfação enquanto cidadão sejam supridos. Indo por este caminho, ocorre a cegueira geral de que o bem-estar e a empatia pelo outro é desnecessária. Onde todos têm o mínimo de suas necessidades de vida, consumo, lazer, segurança, saúde e educação, a existência da sociedade e seu desenvolvimento atinge todas as expectativas e estabilidade para que aqueles pertencentes a ela se sintam aplacados e satisfeitos em sua condição existencial.

E então fica a pergunta de por que aqueles que detêm o poder não fazem as mudanças preconizando e dando prioridade a estas questões? Oras, pelo mesmo motivo que muitos tentam fraldar a bolsa de valores, enganar o arbitro em alguma competição esportiva, praticar bullying, e por aí vai; a resposta final é o ganho individual em detrimento do interesse coletivo.

É nisto que reside a realidade concreta do Brasil, uma população a mercê de ilusões criadas por uma política que mesmo mudando suas jogadas e modelo, consegue perpetuar processos e atingir os mesmíssimos resultados, não importando se a partida e o sistema forem diferentes. O resultado sempre será o mesmo, ludibriando e dando a falsa ilusão daqueles que estão envolvidos no jogo, que podem conseguir uma vitória quando uma nova partida se inicia.

Ardilosa armadilha criada pelo Estabilishment desde os primórdios da nação brasileira, ele é tão eficiente por não depender de modelo político, econômico ou social: ele se mantém entranhado nos hábitos culturais bem como nos mecanismos da indução de pensamento e influência dos costumes. É a arma perfeita nas mãos do status quo, pois venceu e vence suas batalhas sem dar sequer um tiro.

Para que as mudanças que não mudem tenham sua continuidade, ocorre então a necessidade de ferramentas visando manter toda esta penúria, e o meio de alcançar estas metas é o sucateamento da educação brasileira. Vamos sendo criados de modo que a imensa maioria não perceba que está sendo iludida nos joguetes do poder, e aqueles que sabem como funciona isso tudo entram num processo de conformismo com a situação.

Não existiu até hoje um verdadeiro plano de reforma educacional esclarecedora, primando pelo efetivo ensino que consiga quebrar com estas correntes de um nocivo controle das vontades do inconsciente e subconsciente brasileiro, não precisando aqui descrever o tenebroso projeto do “Escola sem partido”. Hábitos e costumes tão profundamente incrustados no consciente nacional só são passíveis de mudança através da educação. Por isto, a educação brasileira permanece arcaica, pois vai de encontro aos interesses daqueles que, como o corcunda anão mestre no xadrez relatado por Walter Benjamin, tem nos políticos os fantoches de suas vontades.

Sendo assim, cada vez mais dou razão a afirmativa de Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.

Autor: Guilherme Lima

Fonte: Genialmente Louco 

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A ignorância é o princípio da sabedoria

Imagem relacionadaAlcibiade recevant les leçons de Socrate – François-André Vincent (1746-1816)

Nietzsche disse que “a sabedoria é um paradoxo”, já que “o homem que mais sabe é aquele que mais reconhece a vastidão de sua ignorância”. O pensamento do filósofo alemão corrobora com a máxima socrática do “só sei que nada sei”, isto é, com a ideia de que a ignorância é o princípio do conhecimento e que, portanto, é necessário estar aberto à reflexão constante para que se possa atingir o mínimo de conhecimento e sabedoria.

Em um contexto como o nosso, em que há uma grande carga de informações, sobre os mais diversos temas, disponível, a ideia que correlaciona ignorância e sabedoria parece não fazer tanto sentido. O que se observa é a formação de um conjunto enorme de pessoas que se coloca como possuidor das verdades últimas sobre as coisas, ainda que essas verdades possam mudar constantemente e rapidamente de acordo com a melhor conveniência de quem as define.

Dessa forma, cria-se um ambiente inóspito para que o conhecimento possa se desenvolver, haja vista a sacralização feita pelos indivíduos das coisas que eles julgam como sendo verdadeiras e, por conseguinte, a impossibilidade de questionamento e de debate sobre certas coisas, dogmatizadas. Isso não significa que as pessoas não possam acreditar em algo com veemência ou que não exista uma verdade sobre as coisas, mas até mesmo quando acreditamos em algo, precisamos estar abertos ao novo, o que só é possível se estivermos abertos à reflexão e ao diálogo.

Em outras palavras, é preciso estar aberto a outras formas de pensar, para que problematizações possam surgir, a fim de ratificar aquilo que acreditamos (com mais embasamento e mais espaço discursivo) e/ou para que possamos observar, analisar e seguir novas perspectivas, até então desconhecidas. Nesse sentido, percebe-se que o outro, que pensa de forma antagônica à nossa, passa a ser considerado, o que estimula a interação entre situações contraditórias a partir de uma perspectiva dialética, ou seja, de abertura para o novo que possa surgir por meio do encontro estabelecido.

Essa relação dialética que se instaura com gênese no reconhecimento da ignorância, isto é, da compreensão da não completude sobre o conhecimento de todas as coisas, permite que o sujeito possa crescer intelectualmente, já que passa a possuir um horizonte com maior amplitude de alcance, além de evitar o enrijecimento dos conhecimentos e convicções, bem como, o desenvolvimento do individualismo, impeditivo para a compreensão, o respeito e o diálogo com cosmovisões e crenças diferentes das que possuímos.

Fechar-se em si mesmo e acreditar que não há nada a ser aprendido não denota convicção do que se acredita, mas antes, ignorância, pois – como falava Paulo Freire – “Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender”. Assim, para que consigamos atingir o mínimo de sabedoria é imprescindível que consideremos e busquemos a sabedoria que está no mundo, do qual não somos todo, mas apenas, parte.

Autor: Erick Morais

Fonte: Genialmente Louco

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