O lado sombrio de Hiram Abiff

Introdução

O século 19 viu florescer uma enormidade de graus e sistemas, a maioria dos quais acabou não sobrevivendo. Seria possível passar décadas escrevendo sobre eles e a maioria traz apenas variações em cima dos mesmos temas. Leia-se: Mudam os personagens e os cenários, mas as lições são fundamentalmente as mesmas.

Nessa profusão de graus, contudo, um deles chama muito a atenção: O grau de Mestre Marcado. Pouco se sabe sobre esse grau, exceto pelo fato de que ele surgiu no século 18, supostamente na Escócia, chegando a ser praticado também nos EUA.

Esse grau fazia parte de um sistema de 44 graus, chamado de Early Grand Rite of Scotland, algo como “Grande Rito Primitivo da Escócia”, que não deve ser confundido com um homônimo posterior criado por Ambelain. Hoje extinto, alguns graus desse sistema sobrevivem na Allied Masonic Degrees (AMD) e entre os Knight Templar Priests (KTP). Não se sabe, contudo, se o grau é originário desse sistema, ou apenas foi a ele agregado.

O que torna o grau diferente?

Mas o que o diferencia dos demais graus é o fato de ser o único que traz o que chamo de lado sombrio de Hiram Abiff, apresentando-o como invejoso, negligente e responsável por homicídio culposo!

E, por se passar num período anterior à sua morte, acaba por trazer uma interpretação totalmente diferente para o grau 3. Para os maçons que receberam o grau, certamente serviria como um “twist” no estilo dos filmes hollywoodianos que os faria pensar que isso muda tudo. Abaixo, passo a narrar a lenda desse grau:

A lenda de Hiram e Cavelum

O grau se passa no começo das obras do Templo de Salomão. Nessa época, Hiram Abiff teria ido a Jerusalém para participar da construção do Templo de Salomão, achando que ele seria o Mestre-Construtor.

Ao chegar, contudo, deparou-se com o fato de que um parente do rei Salomão, denominado Cavelum[1], havia sido apontado para supervisionar a obra. Hiram Abiff teria sentido inveja de Cavelum e, indignado por não ter recebido a honraria que esperava e ter sido relegado a um papel de menor importância, teria ficado amargurado.

A amargura de Hiram teria atrapalhado na condução de seus trabalhos.

Certo dia, Hiram inspecionava os trabalhos sobre o portão norte do complexo do Templo. Totalmente absorvido por seus sentimentos, Hiram não percebeu que uma das pedras estava mal fixada. Hiram acabou deslocando essa pedra, que caiu justamente sobre Cavelum, matando-o.

Profundamente entristecidos pelo acidente, Hiram Abiff e o rei Salomão mandaram fechar o portão norte.

Observações

O leitor que conhece a lenda de Hiram Abiff imediatamente perceberá que o fechamento do portão norte teria impacto direto sobre a lenda do terceiro grau, que o autor do artigo evitará de comentar por zelo maçônico.

O objetivo central dessa lição era a ideia de que a falta de domínio sobre nossas paixões pode levar a consequências desastrosas, mesmo que essa não seja a nossa intenção.

Mas, mais do que isso, o grau pretendia fazer com que o recipiendário visse a lenda de Hiram como parte de um ciclo de causa e efeito, provocando-o a pensar se as injustiças sofridas não seriam decorrentes de ações anteriores, por nós desconhecidas.

Problemas de aceitação

Todavia, para ensinar essas lições, o grau sacrificava a reputação de Hiram Abiff. O que nos leva ao comentário de Arthur Edward Waite:

“Por um lado, a lenda do Mestre Marcado o representa como em primeira instância subordinado a Cavelum, um dos parentes reais, que estava encarregado das operações antes da chegada daquele artista cuja genialidade e fidelidade encheram o mundo da Maçonaria com louvor para sempre. Essa é a anomalia na superfície; mas o que se segue, também na superfície, é pior, pois é uma mancha na reputação do Construtor. Ele é descrito como descontente e invejoso por causa de sua posição inferior; e sua negligência conduziu a uma fatalidade que tem quase um aspecto homicida.” (1911)

Teria sido esse sacrifício ousado demais, mesmo que a lição simbólica, abaixo da superfície, seja nobre?

Nos dias atuais, isso seria encarado com relativa naturalidade, pois nossa sociedade se acostumou com o fato de que até os super-heróis são às vezes reportados como tendo lados obscuros, sombrios e, por muitas vezes, recheados de esqueletos no armário.

Semelhantemente, nenhum maçom minimamente esclarecido nos dias de hoje acredita que a lenda de Hiram Abiff seja uma história literal.

Porém, se até hoje em dia as pessoas reagem mal quando não gostam de um dado desdobramento na história de um personagem de um filme ou série, quanto mais um personagem tão central para um sistema filosófico, como é o caso de Hiram Abiff na Maçonaria.

Assim sendo, não é improvável supor que a ousadia na lenda desse grau tenha causado aversão a muitos maçons no passado.

Teria sido essa amarga impressão um dos motivos pelos quais acabou deixando de ser praticado? Ou, talvez, a razão pela qual outros graus foram preservados por outros corpos e esse acabou sendo deixado de lado?

O último registro que se tem de qualquer coisa referente a esse grau ocorre numa alusão à sua lenda, feita num jornal neozelandês datado de 1937, o que dá a entender que o grau pode ter se espalhado por mais países.

Embora não seja mais praticado, pelo menos não pelos corpos maçônicos convencionais, o grau conserva ainda grande curiosidade por ter a distinção de ser singular na releitura que faz de um personagem tão importante para a Maçonaria.

Autor: Luis Felipe Moura

Fonte: O Prumo de Hiram

*Luis Felipe é M∴ M∴, membro da ARLS Conde de Grasse-Tilly 301 (Grande Oriente Paulista/COMAB). É bacharel em Letras (Inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.

Nota

[1] – O nome Cavelum não é bíblico. E há duas hipóteses etimológicas: Pode ser que venha do latim cavellum, que significa um pequeno buraco ou lugar oco, talvez aludindo à pedra posta sobre o portão norte. Ou pode ser que faça alguma alusão à cavalaria, já que vários autores e rituais se empenharam em fazer conexões entre a cavalaria e a lenda da construção do Templo.

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Referências

CAMPBELL, WM. The Stone of Destiny. The New Zealand Herald, Auckland, 28 jan. 1937, p. 13.

HUGHES, Paul T. Old Legends of Hiram Abiff. Tucson: Southern Arizona Research Lodge, 1982.

WAITE, Arthur E. A New Encyclopedia of Freemasonry, vol. II: Mark Masonry. Nova Iorque: Cosimo, 1921.

WAITE, Arthur E. The Secret Tradition in Freemasonry and an Analysis of the Inter-Relation Between the Craft and the High Grades, vol. I. Londres: Rebman Limited, 1911.

SMITH, M.A. Common Words with Curious Derivations: Cavil. Londres: Bel and Daldy, 1865.

ARCHITECT. Grand Council – Allied Masonic Degrees. Disponível em: <http://www.amdusa.org/degrees/ARC.html>. Acesso em: <29/12/2019>.

HISTORY. The Grand College of America – Holy Royal Arch Knight Templar Priests. Disponível em: <http://www.hraktp.org/history.html>. Acesso em: <29/12/2019>.

EGSR: The Early Grand Rite of Scotland. Disponível em: <http://ecossais.net/index.html>. Acesso em: <29/12/2019>.

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À sombra dos mitos – Sinais de reconhecimento, segredo, fraternidade…

Brother H. A. | Maçonaria, Pedreiros

A Maçonaria, cuja originalidade consiste em misturar ritual e reflexão, tradição e modernidade, simbolismo e solidariedade, não escapou do mito. Ela tem uma dúzia de histórias ou referências míticas que ela emprestou do fundo cultural judaico-cristão e que lhe permitiu desenvolver uma visão particular do mundo.

Em relação à mitologia clássica, ela selecionou seus temas preferidos: ela não destaca Édipo, Sísifo ou Eros, Zeus ou os Titãs, Orfeu e o submundo, belas deusas e ninfas imprevisíveis, heróis metamorfoseados, monstros fabulosos ou histórias de amor e incesto. Mas encontramos o crime (assassinato de Hiram), tantas vezes presente nas relações entre os deuses pagãos; encontramos a questão da transmissão do conhecimento (as duas colunas) colocada por Prometeu ou Hermes; encontramos a culpa do homem envolvendo a vingança de Deus (o Dilúvio e a Torre de Babel).

Basta dizer que a mitologia maçônica, apesar de dimensões restritas, não pertence menos à mitologia universal. Ela pode se articular em torno de três eixos: primeiro, a construção do Templo, imagem fantasista do templo de Salomão. Este edifício é tanto o próprio templo interior de cada maçom que deve dominar sua natureza, e o templo exterior representado pela Cidade ideal; em todos os casos, assume-se que permanece inacabado. Em segundo lugar, a lenda de Hiram, transposição de múltiplos arquétipos, retomada parcial do mito de Ísis e Osíris, símbolo da transcendência diante da finitude humana, realização de um destino e esperança de uma ressurreição. Finalmente, o mito de cavalaria que não só penetrou o ritual desde o grau de aprendiz (cerimônia de iniciação), mas também promove os valores tradicionais atribuídos a esta instituição: honra, coragem, lealdade, generosidade, altruísmo. Tal como o conjunto da sociedade, o fascínio cavalheiresco também permeia a Maçonaria.

Esses mitos – com a exceção da cavalaria – aparecem nas Antigas Obrigações que, entre 1390 e 1720 são os textos de referência dos maçons operativos que serviram de corpus para o desenvolvimento da Maçonaria moderna. Estes manuscritos (cerca de cento e trinta cópias) geralmente incluem uma história lendária da profissão do construtor e uma lista dos deveres morais e profissionais dos pedreiros. Existem ali também muitas ocorrências religiosas: invocações a Deus ou os santos, à Virgem Maria ou à igreja, busca da salvação da alma, referências e histórias bíblicas, orações. Uma interpretação espiritualista deduzida ali, instalada no corpus maçônico no início do século XVIII: entre 1710 e 1750 escolhas ideológicas decisivas relacionadas aos mitos foram feitas: apagamento de Euclides e eliminação de Noé em favor de Hiram e Salomão, uso sistemático de elementos bíblicos, a promoção do Deus único. Esta concepção é hoje dominante no espaço reflexivo maçônico.

Uma releitura secular e racional dos mitos maçônicas foi necessária; ela desafia muitas concepções tradicionais, mas esta nova visão alternativa não é destrutiva: ele não tem a pretensão de se livrar de Deus nem de outros atributos do modelo dominante, mas ela prefere a geometria, fonte de outras Ciência e local de raciocínio dedutivo. Para ela, o mito comporta tanto a imaginação quanto a razão: é claro que a razão produz mitos e os mitos mais irracionais têm uma razão.

Mas o maçom, na busca incessante do sentido que lhe sugere a presença de seus mitos, deve reabilitar aqueles que lhe atribuem uma finalidade de compreensão lógica da razão do mundo. Por esta inteligibilidade adogmática distante dos abusos espiritualistas de discurso meloso, e sem negligenciar uma certa consciência mítica, ele cumprirá totalmente sua missão: compreender, aprender, construir e transmitir.

Dois personagens míticos eliminados: culpa de Hiram?

Euclides, a fonte racionalista esquecida

O Manuscrito Regius (1390), o mais antigo texto das Antigas Obrigações, começa com uma fórmula claramente significativa:

“Aqui começam os estatutos da arte da geometria segundo Euclides.”

Não só Euclides é o padrinho do Regius, mas lhe é creditado ser o criador das sete ciências; em todas as ações atribuídas a ele, Euclides sempre age de acordo com os princípios da razão geométrica, tornando-se um homem providencial. Ele é também – embora este ponto seja totalmente omitido pelos espiritualistas e historiadores maçons – aquele que pela primeira vez formaliza as regras de organização e funcionamento do ofício.

Ele é, assim, o autor de quatro “obrigações” decisivas:

  • A obrigação de transmissão recíproca: aquele que é mais avançado na arte da geometria deve instruir os menos dotados, a fim de aperfeiçoar e esta instrução deve ser recíproca;
  • O dever de fraternidade: os homens que praticam a arte devem “amar a todos como irmãos e irmãs”;
  • A designação de um mestre: o mais avançado na arte deve ser chamado de “mestre” para homenageá-lo particularmente;
  • O respeito mútuo: os maçons, para o bem da unidade, devem se chamar companheiros entre si, qualquer que seja o seu nível profissional.

Outro texto das Antigas Obrigações, o Manuscrito Dumfries no. 4 (C 1710) apresenta Euclides como aquele que cria quatro novas medidas verdadeiramente constitutivas da Maçonaria especulativa: a criação em forma de Ordem, o sinal de reconhecimento, o segredo e a regularidade do trabalho em loja.

Apesar desse papel essencial, Euclides não foi mantido como um mito da Maçonaria moderna: Anderson o cita pouco e os rituais desenvolvidos no decorrer do século XVIII, lhe atribuem apenas algumas evocações em alguns graus do Rito Escocês Antigo e Aceito.

Noé, um destino maçônico contrariado

Noé, mito universal e um dos mais antigos da humanidade, tanto como resultado do dilúvio quanto da arca, representa na Bíblia o fundador da nova ordem mundial. Deus, vendo-o como o único justo e o único homem de integridade, conclui com ele a sua primeira aliança depois do dilúvio. Os termos dela são simples: Deus diz a Noé que ele nunca mais o amaldiçoará e, portanto, não destruirá os seres vivos como acabou de fazer. Ele, então, determina a Noé e a seus filhos uma missão de quatro pontos: eles devem ser fecundos e prolíficos; eles dominarão a natureza; eles poderão se alimentar de tudo o que há na terra, exceto o sangue; e eles deverão velar pela vida de seus irmãos, ou seja, não matar. O arco-íris será o sinal dessa aliança. Trata-se de uma nova filosofia equilibrando direitos e deveres: possibilidade para o homem dominar a natureza, mas obrigação de respeitar a vida dos outros.

Nos textos maçônicos do século XVIII, Noé é valorizado: Anderson o apresenta em 1738 como o pai da Maçonaria, cada maçom sendo um “verdadeiro filho de Noé” e Ramsay como o restaurador da raça humana e o primeiro Grande Mestre da Ordem. O Noaquismo é assim, a religião primitiva anterior a todo dogma, uma espécie de religião natural global em que todos os homens podem se reconhecer. Noé deveria ter sido o mítico fundador da Maçonaria especulativa. No entanto, ele desaparece muito rapidamente das referências maçônicas: ele já não é mencionado na edição das Constituições de 1756 e não reaparece no novo texto da Constituição Maçônica Inglesa de 1813. Ele não é mais encontrado hoje, senão no grau 21 do REAA chamado Noaquita ou Cavaleiro Prussiano e no Grau de Royal Ark Mariner, novamente praticado na França há vários anos. Como Euclides, ele foi deposto por Hiram.

Um novo rosto para Hiram: uma apresentação de sacrifício à luta de classes

O mito de Hiram é a narrativa fundamental da Maçonaria especulativa; aparecido na década de 1730, ele coloca em cena Hiram, Mestre Maçom do canteiro de obras do Templo de Salomão, que foi assassinado por três maus companheiros a quem ele não quis revelar o segredo dos mestres. Existem cerca de cinquenta versões do mito hirâmico. Mas, Hiram continua a ser o mestre perfeito, dotado de todas as virtudes humanas e de todas as competências técnicas possíveis; ao invés de revelar um segredo, ele se sacrificou e morreu: senso de Dever, recusa a ceder à fraude, ele representa no imaginário dos maçons um modelo de coragem e de vida, ao mesmo tempo um herói e um santo, o mito maçônico absoluto.

Esta lenda é incompleta porque um episódio crítico foi omitido pelos redatores maçônicos do século XVIII.

O documento sobre o qual repousa o mito, o Manuscrito Graham (1726), relata que um conflito profissional eclodiu no canteiro de obras: é uma disputa entre os trabalhadores e os pedreiros sobre salários. Hiram ocupa o cargo de vigilante de todo o canteiro de obra, mas é o próprio rei Salomão quem intervém para se chegar a um acordo: ele explica para acalmar as recriminações que todos os trabalhadores serão pagos da mesma forma, mas ele dá aos pedreiros um sinal que os trabalhadores não conheciam:

“E aquele que podia fazer o sinal onde os salários eram pagos eram pagos como pedreiros; os trabalhadores não o conheciam e eram pagos como antes.”

Embora a calma tenha voltado, Hiram se torna, portanto, cúmplice de uma torpeza de Salomão, de uma manipulação e uma mentira, apagada do texto maçônico, ostensivamente para dar a Hiram um papel idealizado.

Hiram é, portanto, o tipo de executivo dividido entre os objetivos do cliente e as queixas dos trabalhadores, defendendo até a morte os interesses da classe dominante.

As duas colunas antediluvianas, um mito negligenciado

Este mito é amplamente destacado por vários textos das Antigas Obrigações e retomado por Anderson. Ele encontra sua origem nas Antiguidades Judaicas do historiador Flavius Josephus (37-100). Ele indica que homens que tiveram a presciência de um cataclismo universal querido por Deus e que arriscava destruir a humanidade por água e fogo decidiram construir dois pilares sobre os quais todo o conhecimento seria inscrito, com o objetivo explícito de o preservar e transmitir às gerações futuras.

Pelo efeito de uma mudança de significado, uma confusão com as duas colunas do Templo de Salomão ele foi gradualmente instalado na mitologia maçônica; hoje, apenas no grau 13 do Rito Escocês o tema se mantém intacto.

Alguns aspectos são dignos de nota:

  • De acordo com as versões, passamos de quatro construtores (os filhos de Seth, terceiro filho de Adão e Eva) a um único construtor: Enoque, o patriarca antediluviano que foi levado vivo para o céu. Da mesma forma, os materiais de construção variam de pedra ao mármore, de tijolos ao latão.
  • A intenção inicial é motivada pelo medo de perder as invenções humanas; estas dizem respeito principalmente à astrologia, depois a geometria e a maçonaria. Finalmente, é Hermes que redescobrirá uma única coluna, permitindo o sucesso da operação.

Muitos historiadores maçons integram este mito no Noaquismo; essa assimilação é injustificada. Noé e as duas colunas não têm ligação alguma entre si. Noé é um personagem bíblico, enquanto que o episódio das duas colunas, invenção profana está ausente do texto bíblico; Noé é uma personagem que faz a ligação com Deus, enquanto a decisão de construir as duas colunas é puramente humana, sem um relacionamento anterior com Deus. Pode-se até argumentar que esta decisão é a marca de um desafio a Deus, os homens assumindo que arriscam perder permanentemente o que eles ganharam.

É preciso lembrar a natureza Prometeana de um projeto perfeitamente racional.

O duplo mito salomônico, ambiguidade da natureza humana

A Maçonaria é permeada pelo mito Salomoniano em dois aspectos: primeiro, a construção do Templo como o canteiro ideal e por outro lado, a pessoa do próprio rei Salomão, cujo papel é importante, especialmente nos graus escoceses. Sejam quais forem os textos, o Templo é a expressão da perfeição; ele representa o cosmos e para muitos maçons é a expressão simbólica do Templo Maçônico. Salomão é apresentado em todos os atributos da soberania: construtor, justiceiro, concedendo recompensas, presidindo todas as assembleias; na plenitude de sua glória, ele é, especialmente no REAA, o fiador simbólico da maestria sem defeito.

De acordo com a visão bíblica, Salomão é um homem sábio, possuidor do dom do discernimento na origem de sua equidade e sua tolerância proverbial, conhecimentos científicos e uma abordagem filosófica.

Esta visão é em grande parte distorcida e inequívoca. O templo não é apenas um santuário religioso, mas também ao mesmo tempo um lugar político. Sua construção interrompe o nomadismo da religião judaica e, simultaneamente funda a identidade nacional do povo judeu. Os caprichos da história fizeram dele um lugar de rivalidade e crimes, tanto religiosos quanto políticos. Salomão, por sua vez, mandou assassinar seu irmão e vários dignitários ou rivais para consolidar seu poder; depois de uma primeira parte do glorioso reino, ele se tornou infiel a seu Deus, entregando-se ao politeísmo e à poligamia, aumentando os impostos de seus súditos, usando escravos e não respeitando seus compromissos comerciais com seus vizinhos. Com sua morte, as tribos do norte se revoltaram e o país se dividiu em dois reinos.

Por que os maçons valorizam um lugar simbolicamente tão questionável e uma figura criminosa? Esquecendo-se o lado escuro dos homens e sua história, a Maçonaria quer mostrar a imperfeição da natureza humana?

A Torre de Babel, um mito amaldiçoado que se tornou benéfico

A Maçonaria propõe três grandes interpretações do mito da Torre de Babel:

  • A visão tradicionalista: construindo a Torre, os homens deram prova de orgulho e vaidade insuportáveis para Deus; a ira divina é, assim, natural, a confusão de idiomas é um castigo merecido, assim como a maldição do homem sobre a terra. Esta concepção moralizante e culpabilizante baseada na Bíblia está presente especialmente no Manuscrito Regius (1390), no Manuscrito Graham (1726) e quase totalmente no grau 21 do REAA.
  • A interpretação construtivista: ela tem sua origem no Manuscrito Cooke (c. 1400) que apresenta este mito como a capitalização da experiência adquirida pela “ciência da geometria”, que levou a uma mestria da arte de construir. Nada é dito sobre a intenção original dos homens nem sobre a vingança divina. A torre não é mais o símbolo da vaidade humana, mas torna-se o lugar da transmissão do conhecimento técnico. Estamos aqui na origem de uma visão amplamente positiva do mito.
  • A síntese Andersoniana: As Constituições de Anderson (1723 e 1738) ultrapassam as duas correntes anteriores, emprestando-lhes vários elementos. A construção da torre não tem a intenção de desafiar a Deus, este ponto não sendo mais que uma consequência; a sanção é a mesma para os homens, a da confusão de idiomas e a dispersão; mas os homens adquiriram por meio dela, uma competência excepcional que servirá ao desenvolvimento da arte de construir.

Assistimos durante quarenta anos uma inversão axiológica: seguindo-se a evolução geral da opinião a diversidade é agora uma bênção e o múltiplo é a ordem natural do mundo. Babel permanece a metáfora da desordem extrema e do excesso, mas a maioria dos maçons de nossos dias compartilha a ideia de que a diversidade é uma riqueza em nome do princípio de que é preciso “reunir o que está espalhado”. A reinterpretação regular desse mito mostra que ele não se fossiliza, Babel tendo se tornado ao longo do tempo o paradigma da unidade e da diversidade humana.

O mito no coração do homem

Todas as culturas o utilizam. É uma história que tem uma ou mais histórias; elas retratam deuses ou seres sobrenaturais ou heróis divinizados que adquiriram status divino; esses deuses têm relações entre si e com os homens. Eles muitas vezes se comportam de forma imoral, mas isso é para mostrar aos homens em contraponto aos valores morais que eles devem respeitar. Para muitos – especialistas ou simples seguidores – a natureza religiosa do mito é evidente, porque a intrigas na maior parte das vezes se refere à origem dos deuses, do mundo, do mal, da morte. Todas as religiões estabeleceram ligações com os mitos, porque eles são portadores de uma visão sagrada. Portanto, a questão dos mitos fundadores é essencial porque participa da crença coletiva em uma criação antiga, se não arcaica, expressando uma verdade reconhecida como certa e que se tornou atemporal.

Autor: François Cavaignac
Tradução: José Filardo

Fonte: REVISTA BIBLIOT3CA

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História da Maçonaria Inglesa

Porque é que a maçonaria inspira tantas teorias da conspiração ...

Quando, por que e onde se originou a Maçonaria?

Somente existe uma resposta a essas três perguntas: não sabemos. Isso, apesar de todo o papel e tinta que foram usados no seu estudo. De fato, estas questões fundamentais foram bastante obscurecidas por vários historiadores maçônicos muito bem intencionados, mas mal informados. Faz pouco mais de um século que os historiadores maçônicos britânicos começaram a examinar com visão crítica a história tradicional do Ofício[1], que havia sido escrita por seus predecessores durante os 150 anos anteriores.

Ao considerar dita “história” pouco satisfatória, começaram a buscar provas documentais diretas da Maçonaria Especulativa anterior à formação da primeira Grande Loja da Inglaterra em 1717. Suas investigações e seus escritos não detiveram, entretanto, a permanente aparição de obras pertencentes ao que se podia denominar de escola de historiadores maçônicos mística ou romântica (no sentido autêntico da palavra), o que gerou ainda maior confusão.

Existem, portanto, dois enfoques principais da história da Maçonaria: o autêntico ou científico, que constrói e desenvolve sua teoria a partir fatos verificáveis e de documentação de origem comprovada e o enfoque não-autêntico no qual se busca colocar a Maçonaria dentro do contexto da tradição dos Mistérios, correlacionando os ensinamentos, a alegoria e o simbolismo da Ordem com seus homólogos pertencentes às diferentes tradições esotéricas. Para complicar ainda mais as coisas, existem opiniões divididas dentro das duas escolas principais que acabamos de citar.

O Maçom comum tira do próprio ritual suas primeiras noções da história do Ofício. À medida que vai progredindo em seu conhecimento das cerimônias, aprende que durante a construção do Templo de Jerusalém, os construtores qualificados (pedreiros ou Maçons), se dividiam em duas classes: Aprendizes e Companheiros. Todos trabalhavam sob as ordens de três Grão-Mestres (o Rei Salomão, Hiram, Rei de Tiro e Hiram Abiff), os quais compartilhavam certos segredos apenas por eles conhecidos. Aprende também que esses segredos foram perdidos com o assassinato de Hiram Abiff – assassinato que ocorreu devido à sua negativa de revelar tais segredos – e que se adotaram certos segredos em substituição dos primeiros, “até que o tempo ou as circunstâncias restaurem os segredos originais”.

Do ritual se deduz imediatamente que a Maçonaria já existia e estava estabelecida à época do Rei Salomão e que permaneceu desde então como uma sistema intacto. O candidato compreende logo que o ritual não contém uma verdade histórica ou literal, senão uma alegoria dramática mediante a qual se transmitem os princípios e axiomas fundamentais do Ofício. A primeira história do Ofício apareceu, com sanção oficial, como parte das primeiras Constituições[2], compiladas e publicadas em nome da primeira Grande Loja pelo Reverendo Doutor James Anderson, em 1723. A obra de Anderson consiste principalmente na história legendária do Ofício dos Construtores, desde Adão, no Jardim do Éden, até a formação da primeira Grande Loja em 1717.

Anderson não faz distinção alguma entre Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa, com o que ficou implícito que uma era continuação da outra. Anderson foi criticado com frequência por sua história, mas essas críticas não são justas com ele. Ele não pretendia escrever uma história no sentido em que a entendemos atualmente, mas se propunha produzir uma apologia que estabelecesse uma filiação honrada para uma instituição relativamente nova.

Ele nem sequer afirmou ter escrito uma obra original, senão, como explicou na segunda edição das Constituições (1738), simplesmente resumiu as antigas Constituições góticas[3]. Foi delas que ele retomou as tradições segundo as quais as Lojas de Maçons existiram desde os tempos antigos. Igualmente retomou dali a ideia de que várias personalidades bíblicas históricas, e outras puramente lendárias, haviam sido patronos, promotores ou Grão-Mestres do Ofício, como um certo Príncipe Edwin, que havia convocado uma grande assembleia de Maçons no ano de 926 da era cristã[4].

Durante dita assembleia teria lhes outorgado uma Constituição e lhes teria ordenado que se reunissem trimestralmente para governar suas Lojas. É dada a impressão de que a Grande Loja ou Assembleia seguiu existindo de forma ininterrupta desde essa data até 1717. Por não haver Anderson produzido uma versão revisada e consideravelmente aumentada de sua história para a segunda edição das Constituições, a versão de 1723 foi aceita pelo que na realidade era: uma apologia construída a partir da lenda, do folclore, da tradição.

Na edição de 1738, Anderson parece haver dado, desafortunadamente, rédeas soltas à sua imaginação, pois construiu uma “história” detalhada da Maçonaria inglesa desde a suposta Assembleia de York até a ressurreição da Grande Loja em 1717 e a continuou inclusive até 1738. Para Anderson, os termos Geometria, Arquitetura e Maçonaria eram sinônimos. Todo monarca inglês ou personalidade histórica que, de qualquer maneira, tivesse patrocinado arquitetos ou Maçons, foi colocado em sua lista, seja como Grão-Mestre, ou, pelo menos, como Grande Vigilante da Maçonaria.

Com o fito de “comprovar” a antiga e ininterrupta linhagem da Instituição, Anderson assegurou que a união das quatro Lojas de Londres para formar uma Grande Loja em 1717 não havia representado a criação de uma nova organização, mas sim que tinha havido a “restauração”[5] de uma antiga organização que havia caído em decomposição devido à negligência de seu Grão-Mestre Christopher Wren.

Trata-se de uma assertiva surpreendente, a favor da qual não existe prova, especialmente porque na versão de 1723 não se menciona nenhuma restauração e o nome de Wren apenas figura em nota de pé de página como arquiteto do Teatro Sheldoniano de Oxford. Curiosamente, Wren ainda vivia quando apareceu a versão de 1723, mas já tinha falecido quando Anderson empreendeu suas revisões, de modo que o interessado não teve oportunidade de objetar.

Tendo em vista que a história escrita por Anderson foi publicada com a sanção da Grande Loja, atribuiu-se a ela o caráter de história sagrada, tanto mais por que seu conteúdo não foi impugnado pelos que tomaram parte nos eventos de 1717. Seu trabalho resultou de tão grande aceitação que continuou sendo publicado repetidamente, sem alterações, simplesmente com atualizações em todas as edições subsequentes, até à última edição, em 1784. Foi inclusive plagiado pelos diversos editores de manuaizinhos publicados no século XVIII, os “Companheiros de Bolso dos Franco-Maçons” (“Freemasons’ Pocket Companions”)[6)] e constituiu a base das “Ilustrações da Maçonaria” (“Illustrations of Freemasonry”), de William Preston, até na décima sétima edição (póstuma), em 1861, editada pelo Reverendo George Oliver.

Houve planos para incorporá-lo nas edições das Constituições da Grande Loja Unida da Inglaterra, datadas de 1825, 1827 e 1827. Foi então anunciado que as partes do livro publicadas constituíam uma segunda parte e que se publicaria em uma primeira parte da história da Maçonaria. Felizmente, a primeira parte em questão jamais foi publicada.

Com a exportação para a América do Norte das Constituições da primeira Grande Loja e as Ilustrações de Preston, bem como suas traduções para o francês e o alemão, a má informação de Anderson recebeu ampla divulgação. Exerceu assim profundo efeito sobre a concepção que se teve sobre a história do Ofício, bem como sobre a atitude diante do tema, atitude que subsistiu até bem entrado o século XIX.

Na verdade, a ausência de uma diferenciação, por parte de Anderson, entre Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa iria marcar os enfoques da história do Ofício por espaço de muitas gerações e pode-se dizer que deu lugar ao desejo de estabelecer vínculo direto entre ambas tão logo a escola autêntica iniciou sua aproximação crítica à história aceita da Ordem. Ainda que a aproximação dos escritores da escola autêntica apareça como uma investigação científica, os métodos empregados por eles não seriam aceitos atualmente como científicos. Apesar de que eles examinaram cuidadosamente e comprovaram origem de cada fragmento de evidência que apareceu e que suas áreas de investigação se limitaram aos registros e documentos arquitetônicos, de construção e corporativos. De fato, seu trabalho ostenta a aparência de busca de evidências suscetível de encaixar dentro de uma teoria preconcebida.

Dispostos a provar a filiação direta entre a Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa através de uma fase de transição, ajuntaram fragmentos de informações procedentes de várias partes das Ilhas Britânicas, fragmentos que pareciam formar escalões em sua cadeia de descendência. Ao proceder desta maneira, com frequência tiraram a evidência de seu contexto e efetuaram suposições para as quais existia apenas uma tênue possibilidade de confirmação.

Em particular, assumiram a existência de uma uniformidade de condições e de atividades na Inglaterra, Irlanda e Escócia e ignoraram assim as circunstâncias particulares sociais, culturais, políticas, legais e religiosas que marcam diferenças cruciais entre esses países. Não levaram em conta, por exemplo, que até à Lei de União de 1707, Inglaterra e Escócia, ainda que unidas através da Coroa desde 1603, eram países separados que somente compartilhavam fronteira comum e que os eventos ocorridos em um país não tinham necessariamente paralelismo nos países vizinhos.

Entretanto, sua teoria era tão persuasiva, tão bem escrita e foi tão divulgada, que sua interpretação acerca da transição da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa esteve perigosamente próxima de ser aceita como fato inquestionável. Necessário é enfatizar novamente que se trata apenas de uma teoria. Na Escócia, encontraram evidência inegável da existência de Lojas Operativas de talhadores de pedra. Tais Lojas se definiam segundo o ponto de vista geográfico (territorial) e constituíam unidades de controle da atividade Operativa com respaldo em leis estatutárias. Também obtiveram evidência indiscutível que as Lojas Operativas escocesas começaram a admitir durante o século XVII membros não-Operativos na qualidade de “Maçons Aceitos” ou “Gentis-homens Maçons” (Accepted or Gentlemen Masons) e que a princípios do século XVIII em algumas Lojas, os Maçons Aceitos haviam passado a predominar.

Estas Lojas, por sua vez, se converteram em Lojas Especulativas, enquanto as outras mantiveram seu caráter puramente Operativo. As Lojas Especulativas eventualmente se uniram para formas a Grande Loja da Escócia em 1736. Investigadores da escola autêntica também descobriram referências claras sobre o uso nessas Lojas, de uma Palavra maçônica[7] e de modos secretos de reconhecimento que permitiam aos Maçons Operativos de boa fé obter trabalho ou sustento quando viajavam ao território de outra Loja. Ao unir esses fatos, os historiadores  românticos pareciam contar com provas de uma transição gradual da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa.

A falha de seu raciocínio consistia em supor que por não serem Operativos, os Maçons Aceitos nas Lojas Operativas escocesas tinham de ser necessariamente Especulativos, ou que, pelo menos deveria existir uma implicação sobre a atividade Especulativa da loja, derivada do próprio fato da aceitação. Até hoje, não apareceu prova alguma que apoie tais suposições. De fato, a evidência encontrada pareceria assinalar os não Operativos como sendo membros honorários das Lojas, adotados do mesmo modo que hoje se adotam eminentes personalidades como membros honorários de clubes, sociedades e instituições com as quais não têm vínculos profissionais ou vocacionais.

Quando a escola autêntica examinou os registros ingleses, seus investigadores não puderam encontrar evidência alguma da existência de Lojas Operativas. Em tempos medievais, a Loja dos Operativos consistia simplesmente de uma choça ou depósito anexo ao lugar de trabalho, no qual guardavam as ferramentas e descansavam. Em torno do ano de 1600, o sistema de guildas se encontrava praticamente moribundo, com a exceção das Companhias de Carroceiros e Transportadores de Londres (“London Livery Companies”).

Tampouco existia evidência de uma “palavra maçônica” inglesa ou de meios secretos de reconhecimento entre os Operativos ingleses. Qualquer evidência encontrada acerca da Maçonaria não Operativa – ou de aceitação – tinha um contexto não Operativo e entre os nomes encontrados e que podiam ser verificados e cruzados com outras evidências, muito poucos tinham sequer a mais tênue relação com a construção ou a arquitetura.

A Maçonaria de aceitação (existem ainda dúvidas se a Maçonaria do século XVII pode ser denominada de Especulativa) simplesmente parece ter surgido na Inglaterra como uma organização nova, sem nenhuma conexão anterior com o ofício Operativo. Apesar desta carência de provas, a escola autêntica misturou conjuntamente os eventos ocorridos na Escócia e Inglaterra e construiu a teoria da transição Operativa – Especulativa sobre as origens da Maçonaria[8], sem ter em conta as diferenças e discrepâncias entre os dois conjuntos de evidências. Antes de tudo, passaram por alto ou ignoraram o fato de que a Maçonaria não Operativa se estava desenvolvendo na Inglaterra quando as Lojas escocesas começaram a aceitar membros não Operativos. Se as Lojas Operativas escocesas constituíram um meio de transição, como poderia existir na Inglaterra a Maçonaria puramente não Operativa?

A busca de um vínculo direto não se confinou às Ilhas Britânicas, nem ao período da denominada “Assembleia de York” Foram feitas tentativas de encontrar para ela um parentesco clássico como descendente dos “Collegia Fabrorum” romanos (as escolas de construtores da época), pois, além disso, a palavra “escola” parecia levar implícita a existência de um culto filosófico ou “misterioso” ligado aos construtores romanos. A lenda dos “Magistri Comacini” (Mestres Comacinos) parecia oferecer fundamento religioso ao Ofício.

Afirmou-se que os hábeis e renomados Maçons da região do lago de Como no norte da Itália, possuíam segredos tão recônditos suscetíveis de serem comunicados a outros Operativos, que foram constituídos mediante uma bula papal (bula inexistente, na realidade). Dizia-se que haviam recebido instruções de viajar pela Europa para partilhar suas habilidades e “mistérios”. É notória a ausência de provas sobre sua existência real.

Foram revisadas diligentemente as tradições e os registros dos “Steinmetzen” alemães e da “Compagnonnage” francesa em busca de rastros de algum elemento Especulativo, mas nada foi encontrado. A evidência nos remete sempre e novamente à aparição da Maçonaria não Operativa na Inglaterra, durante o século XVII. A teoria de uma filiação direta da Maçonaria Operativa segue tendo seus partidários, especialmente o falecido e muito reverenciado Harry Carr, mas alguns investigadores atuais que trabalham na tradição da escola autêntica estão se inclinando a considerar um vínculo direto com os Operativos[9].

Em vez de buscar as provas de filiação direta, estão explorando a possibilidade de que os fundadores da Maçonaria Especulativa tenham se ocultado sob a aparência de uma organização ou guilda para desenvolver atividades e ideias que eram impossível de praticar ou professar na época. O período no qual se crê tenha evoluído a Maçonaria – entre fins do século XVI e durante todo o século XVII – se caracterizou pela estreita relação entre a política e a religião. Durante esses anos, as diferenças de opinião nessas matérias podiam dividir as famílias e eventualmente conduzir a guerras civis.

Particularmente no que concerne à religião, existiam sanções legais contra aqueles que decidiam não seguir os ditames do Estado. Surgem por si mesmas, em consequência, duas ideias possíveis relacionadas com a origem da Maçonaria durante esse período. Primeiro, que os fundadores eram um grupo oposto à intolerância política e religiosa do Estado, que desejavam reunir homens de diferentes concepções políticas e religiosas, que compartilhassem objetivo comum de melhoria social. Como se encontravam em situação em que ditas concepções eram consideradas subversivas, restringiam-se apenas à discussão desses assuntos com os que não eram membros. Estes parecem ter existido desde que se originou a Maçonaria.

Segundo, que os fundadores eram um grupo de religião cristã não conformista, que se opunha ao domínio da religião por parte do Estado. Tal grupo não se propunha depor a religião predominante, mas desejava promover a tolerância e a criação de uma sociedade na qual os homens fossem livres para seguir os ditames de sua consciência em matéria religiosa.

Assim, as reuniões se converteram em Lojas, os oficiais principais passaram a se denominar de Mestre e Vigilantes e as ferramentas de trabalho do talhador de pedras foram utilizadas, tanto por suas funções materiais práticas, como por seu valor simbólico. Recentemente, foi apresentada uma teoria de filiação indireta. Ela associa as origens com os aspectos caritativos, mais do que com as discussões filosóficas[10]. Considera a Maçonaria como produto do crescente movimento de auto-ajuda surgido no século XVII. Por não existir um sistema estatal de proteção e seguridade social, aqueles que ficavam doentes ou que passavam por dificuldades econômicas dependiam da caridade local e das rígidas estipulações da Lei dos Pobres.

Diversos agrupamentos gremiais começaram a organizar seus próprios sistemas. Quando se reuniam a debater amistosamente em tabernas e pousadas, mantinham uma caixa à qual os membros aportavam cotas durante cada reunião e da qual os mesmos membros podiam tomar dinheiro em tempos de necessidade. Em virtude dessa prática, tais agrupamentos receberam o nome de “Clubes de Caixa” (“Box clubs”). A participação nestes clubes estava reservada em princípio aos membros de um grêmio em particular. Existe evidência que nos clubes foram utilizados ritos rudimentares de iniciação.

Parece também que, como as Lojas Operativas escocesas, os Clubes de Caixa começaram a admitir membros que não estavam vinculados diretamente com seu grêmio particular. Evocou-se a possibilidade de que a Maçonaria tenha surgido originalmente tão somente como um Clube de Caixa para Maçons Operativos, os quais posteriormente começaram a admitir membros de outros grêmios.

A possibilidade de que a Maçonaria tivesse sido basicamente uma sociedade de orientação gremial na época da criação da primeira Grande Loja em 1717 foi levantada por Henry Sadler[11]. Sugeriu ele que uma luta pelo controle das Lojas teve lugar em princípios da década de 1720, entre os membros originais de orientação gremial e os que foram levados às Lojas por influência do Dr. John Teophilus Desaguliers e outros e que a Maçonaria autenticamente Especulativa não surgiu senão quando este último grupo ganhou o controle e começou a transformar a Maçonaria de sociedade de benefícios, para “um sistema de moral, velado por alegorias e ilustrado por símbolos”.

Também se buscou em outras organizações a origem da Maçonaria. Uma teoria agora descartada, mas que conservou credibilidade por longo tempo, via na Maçonaria a descendente direta dos Cavaleiros Templários medievais. Afirmou-se que depois da eliminação de Jacques De Molay – seu último Grão-Mestre, em 1314 – um grupo de cavaleiros escapou para a Escócia Uma vez ali, se reuniram no misterioso monte Heredom, perto de Kilwinning e, temerosos de ulteriores perseguições, se transformaram em Maçons convertendo os supostos segredos dos Templários nos segredos da Maçonaria.

Infelizmente para os partidários desta teoria, o misterioso monte de Heredom não existe (ainda que viesse a se constituir em elemento central de numerosos graus adicionais inventados na França do século XVIII). Tampouco é verídico que os Templários tivessem sido perseguidos na Escócia. Formaram, pelo contrário, parte da vida política e religiosa da Escócia até à Reforma, sendo que o Prior de Torpichen (principal Priorado Templário da Escócia), por direito próprio, um dos “Lores” espirituais do governo escocês. Mesmo assim, a lenda escocesa segue exercendo sua atração romântica.

O Reverendo Dr. George Oliver declarou que possuía um manuscrito do século XVIII que se referia ao que ele denominou “Rito de Bouillon”, um ritual dos três graus azuis no qual informava aos recipiendários que eles eram descendentes dos Templários. O manuscrito de Oliver se conhece apenas em cópias que datam do século XIX e um exame de seu conteúdo mostra um ritual altamente desenvolvido para os três graus azuis que incorpora muitas das modificações e adições ritualísticas realizadas depois da união das Grandes Lojas inglesas em 1813.

Alguns buscaram as origens da Maçonaria no Rosacrucianismo, seja como uma manifestação britânica da fraternidade Rosa-cruz, seja como um desvio da corrente principal do Rosacrucianismo[12]. Não é este o lugar para discutir a existência ou não de uma Fraternidade Rosa-cruz. Qualquer que seja a verdade a esse respeito, o certo é que a ideia Rosa-cruz se manteve entretecendo-se no pensamento europeu, desde sua aparição no início do século XVII. Os únicos fatores comuns à Maçonaria e ao Rosacrucianismo são a ideia central de criação de uma sociedade ideal e o simbolismo, para distribuir esse ideal aos seus iniciados.

Até aí chega a similitude. Não existe um acervo comum de simbolismo e ambas se desenvolveram ao longo de caminhos diferentes. Não há evidência que demonstre uma origem comum ou o desenvolvimento de uma a partir da outra. Muito se tratou de utilizar para esses fins o fato de que Elias Ashmole, o primeiro iniciado não Operativo de que se tem notícia certa, também se interessava no Rosacrucianismo. Mas nada se diz dos demais Maçons Aceitos conhecidos, que não tinham relação com a Rosa-Cruz (real ou imaginária), nem sobre os Rosa-Cruzes declarados que não tiveram vínculos com a Maçonaria de Aceitação.

A escola não autêntica possui quatro enfoques principais, os quais poderiam ser classificados como o “esotérico”, o “místico”, o “simbolista” e o “romântico”. As quatro abordagens têm dois fatores em comum: a crença de que a Maçonaria existe “desde tempo imemorial” e uma aparente incapacidade de distinguir entre fato histórico e lenda. As escolas esotéricas e místicas estão de fato interessadas na transmissão das ideias e tradições esotéricas, o que constitui em si uma linha de investigação válida.

Ocorre que, ao se aproximarem de seu objetivo, convertem similitudes entre grupos muito separados no tempo, como prova de uma tradição contínua transmitida de um grupo a outro, em uma espécie de sucessão apostólica esotérica. Os seguidores destas escolas tendem também a professar ideias heterodoxas acerca da natureza e propósito da Maçonaria, atribuindo-lhe implicações místicas, religiosas e inclusive ocultas, que nunca teve.[grifo nosso]

Os partidários da abordagem esotérica tomam os princípios, os rituais, as formas, os símbolos e a linguagem da Maçonaria e buscam similitudes com outros grupos (ignorando o fato de que os princípios e muitos dos símbolos são universais e não particulares da Maçonaria). Supõem que essas similitudes não são fortuitas mas deliberadas e constituem, portanto, prova de uma tradição contínua. Colocam, também, grande ênfase nos graus adicionais, revestindo-os de uma antiguidade espúria e vendo neles conteúdo esotérico e simbolismo muito maiores do que jamais se tentou lhes imprimir.

Ao ver o conjunto das diversas ramificações da Maçonaria um rito iniciático coerente, coisa que não é, a escola esotérica a compara com outros ritos iniciáticos, encontra semelhanças – reais ou impostas – e supõe um parentesco. John Yarker é, provavelmente, o maior expoente dessa escola. Seu “opus magnum”, “As Escolas Arcanas” (Belfast, 1909) é um monumento à erudição mal aplicada. Não apenas revela a amplitude de suas leituras, mas também sua dificuldade para digerir ou, em alguns casos entender, aquilo que havia lido.

À primeira vista pareceria que operava na escola autêntica, já que faz constante uso da “evidência documentária”. Um exame mais atento mostra que ele não efetuava análise crítica de suas fontes, com o que aceitava como fatos as lendas, a tradição e o folclore e chegava a negar fatos reais adequadamente documentados. Yarker estava firmemente convencido que a Maçonaria existiu entre os talhadores de pedra Operativos da Idade Média e que eles já trabalhavam com uma complexa série de graus que abarcava os três graus azuis (o Ofício) e muitos dos graus adicionais. Acreditava também que tal sistema havia declinado e que seu ”ressurgimento” no século XVIII constituía um renascimento, mas de forma distorcida.

Para poder aceitar as teses de Yarker, teríamos que aceitar que ao talhadores de pedra medievais eram homens intelectualmente preclaros, hábeis com o trato de ideias que não ingressaram no acervo da filosofia ocidental senão depois do Renascimento. Yarker viu a Maçonaria como a culminação ou o “summum bonum” de todos os sistemas esotéricos. Ao fracassar na “depuração” do sistema existente, Yarker introduziu, nos Estados Unidos da América, o “Rito Antigo e Primitivo da Maçonaria”. Este Rito combinava e reduzia os noventa e sete graus do Rito de Misraim e os noventa e cinco graus do Rito de Mênfis, convertendo-os em um “pout porri” de egiptologia, gnosticismo, rosacrucianismo, cabala, alquimia, misticismo oriental e cristianismo.

Resume perfeitamente a mente eclética e acrítica de seu principal promotor na Inglaterra. Este Rito a duras penas sobreviveu à morte de Yarker. Talvez os representantes mais característicos da escola mística sejam o Rev. George Oliver e A.E. Waite. Oliver foi um fervoroso fundamentalista pré-darwiniano que acreditava firmemente que a Maçonaria era essencialmente cristã e havia existido, sob uma forma ou outra, desde o começo dos tempos. Em vários sentidos pode ter sido o pai da escola autêntica. Lia com avidez qualquer livro maçônico ao seu alcance e colecionava até as frações de provas mais ínfimas que pudesse encontrar, mas, como Yarker, sua forma de leitura era acrítica e se inclinava para a invenção quando escasseavam as provas.

Waite, como Oliver, acreditava que a Maçonaria era essencialmente cristã, tanto em sua origem, como no seu caráter. Cria que a Maçonaria tinha suas raízes no sistema das guildas, mas que havia sido transformada em sistema místico. Seus rituais, em particular os dos graus adicionais, conteriam o conhecimento secreto dentro da tradição dos Mistérios. Sua desorganizada “Nova Enciclopédia da Maçonaria”, na qual pôs pesada ênfase sobre os graus adicionais, tanto existentes como extintos, foi demolida pela crítica da escola autêntica no momento de sua publicação em 1921.

A escola simbolista busca as origens da Maçonaria mediante a comparação e a correlação do simbolismo e da linguagem ritual e trata de encontrar a filiação direta entre a Maçonaria e várias religiões, cultos, mistérios e sociedades. Da mesma maneira que a escola esotérica, esta linha de investigação tem certa validade, mas como antropologia do simbolismo e não como investigação das origens da Maçonaria. A incidência de certos símbolos, gestos e terminologia conduziram esta escola a comparar a Maçonaria com religiões dos ameríndios, cerimônias maias, rituais mitraicos e aborígines, pinturas de templos egípcios, marcas de castas hindus, etc.

O problema é que os símbolos maçônicos não são exclusivos da Maçonaria, pois são universais. Dentro da escola simbolista se encontra quem foi buscar a origem do ritual maçônico mediante a exegese de obras de escritores bem conhecidos, com o fito de encontrar exemplos de “linguagem maçônica”. O mais excêntrico deles foi provavelmente Alfred Dodd, que se convenceu a si mesmo que Shakespeare (chame-se Shakespeare, Bacom ou Marlowe) compôs o Ritual do Ofício[13].

De uma maneira os seguidores da escola romântica se aproximam da tradição de Anderson, já que implicitamente acreditam na conexão direta entre a Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa, mesmo que tal vínculo se remonte a Adão, Salomão ou aos construtores medievais. Diferem da escola autêntica por rechaçarem, ou desconhecerem, as numerosas formas pelas quais a Maçonaria mudou e se desenvolveu durante o período do qual existem registros históricos. Estão dispostos a crer que o ritual tem sido praticado desde tempo imemorial, seja em suas formas fundamentais, seja conservando integralmente seus detalhes.

A carência de conhecimento sobre a origem da Maçonaria e a variedade de abordagens que existem para enfocar esta interrogação explicam, talvez, a intensidade com a qual se a investiga e a persistente atração que exerce. A ausência de dogmas oficiais implica que qualquer membro da Ordem pode dar ao ritual tanto ou tão pouco significado, conforme deseje. Nem sequer na Inglaterra existe um padrão, ou se trate de um ritual controlado de maneira centralizada ou de uma interpretação do ritual que deva ser aceita por todas as Lojas. Quando é que, alguma vez, cheguemos a estar prestes a descobrir as verdadeiras origens da Maçonaria é uma pergunta que permanece em aberto.

Os registros e documentos relacionados com a construção medieval foram revisados na sua totalidade, mas os arquivos religiosos, familiares e locais permanecem praticamente inexplorados. Por outro lado, a ser correta a afirmação de Anderson de que numerosos manuscritos foram queimados deliberadamente em 1720, “por alguns Irmãos preocupados que tais documentos fossem cair em mãos estranhas”, é bem possível que a prova crucial que procuramos já esteja perdida.

Autor: John Hamill*
Tradução: J. C. Miró

*Bibliotecário e Curador da Grande Loja Unida da Inglaterra; Past Master da Loja Quatuor Coronati No. 2.076.

Publicado nos n.º 9 e 10 (Nov. e Dez./2000) da Revista Internacional “Hiram Abif”, Mar del Plata – Argentina.

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Notas

[1]– Seguindo a tradição maçônica inglesa, o autor denomina “O Ofício” (The Craft) ao conjunto dos três graus fundamentais da Maçonaria e de seus membros, Os três graus fundamentais, Aprendiz, Companheiro e Mestre são conhecidos como “Maçonaria Azul”.

[2]– James Anderson, “As constituições dos Franco-Maçons, Com a História, Obrigações, Regulamentos, Etc. Desta Mui Antiga e Venerável Fraternidade”. Londres, 1723.

[3]– As Constituições Góticas (“Gothic Constitutions”) são a recopilação de preceitos corporativos, também conhecida como “Os Antigos Deveres” (“Old Charges”)

[4]– Para uma discussão sobre o tema da lenda de York, ver Begemann AQC 6 (1893); Gould AQC 5 (1892); Oliver AQC 61 (1948); Speth AQC 6 (1893) e Alex Horne “A Lenda de York nos Antigos Deveres” (“The York Legend in the Old Charges”) (Shepperton; A. Lewis, 1978). AQC: Anais da Quatuor Coronati, Loja de estudos históricos pertencente à Grande Loja Unida de Inglaterra.

[5]– Anderson é a única fonte que se pode citar para sustentar a ideia de que os eventos de 1717 constituíram uma restauração.

[6]– Os “Pocket Companions” começaram a aparecer em 1735 e eram uma mistura pouco feliz de plágios das regras e do relato histórico de Anderson, junto com vários deveres e orações.

[7]– Ver Douglas Knoop, “A Palavra Maçônica (“The Mason Word”), AQC 51 (1938).

[8] – O relato mais recente da teoria da transição Operativa-Especulativa é “600 Anos de Ritual do Ofício”, (“600 Years of Craft Ritual”) de Harry Carr, texto que se encontra no livro “O Mundo da Maçonaria”, de Harry Carr, (“Harry Carr’s World of Freemasonry”) publicado em Londres por A. Lewis, 1984.

[9] – Ver C.F.W. Dyer, “Algunas Reflexões Sobre a Origem da Maçonaria Especulativa (“Some Thoughts on the Origin of Speculative Masonry”), AQC 95 (1982).

[10] – Andrew Durr, “A Origem do Ofício” (The Origin of the Craft), AQC 96 (1983).

[11] Henry Sadler, “Fatos e Ficções Maçônicos” (“Masonic Facts and Fictions”), Londres 1887; reimpresso por Wellingborough (Aquarian Press, 1984).

[12] – Ver J. S. M. Ward, “A Maçonaria e os Antigos Deuses” (“Freemasonry and the Ancient Gods”) segunda edição (Londres, 1926). A.E. Waite, “A Tradição Secreta na Maçonaria” (“The Secret Tradition in Freemasonry”), (Londres, 1911).

[13] – Alfred Dodd, “Shakespeare: Criador da Maçonaria (“Shakespeare: Creator of Freemasonry”) (Londres, circa 1935) e “Foi Shakespeare o Criador dos Rituais da Maçonaria?” (“Was Shakespeare the Creator of the Rituals of Freemasonry?”), (Liverpool, sem data).

 

A Evolução da Lenda Hirâmica na Inglaterra e na França (Parte II)

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Nessa segunda parte do trabalho, Dr. Snoek irá abordar como  Pritchard, e outras exposures subsequentes do século XVIII, narram o desaparecimento do Mestre Construtor e todos os esforços empenhados para encontrá-lo.

Para ter acesso ao texto clique no link abaixo e digite a P∴P∴ de M∴ (a primeira letra é maiúscula; a última letra é “m”):

https://opontodentrocirculo.com/2017/05/31/a-evolucao-da-lenda-hiramica-na-inglaterra-e-na-franca-parte-ii/

A Evolução da Lenda Hirâmica na Inglaterra e na França (Parte I)

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Em um trabalho profundo e provocativo intitulado “O que se perdeu no Terceiro Grau?”, o Dr. Snoek afirmou que os ritos maçônicos que conhecemos hoje sofreram muitas mudanças. A primeira delas foi a ampliação de dois para três graus na década de 1720, e em segundo lugar a introdução da Lenda de Hiram, exposta pela primeira vez por Samuel Pritchard em outubro de 1730.

Em seguida, ele se referiu a algo muito curioso: Pritchard e todas as exposures subsequentes do século XVIII, declaravam que Hiram foi enterrado no Sanctum Santorum do Templo de Jerusalém. No entanto, tal ato teria sido proibido por contaminar o Santuário.

Segundo o Dr. Snoek, os maçons do século XVIII identificavam Hiram com o próprio Yahveh, que teria ditado as dimensões do Templo ao Rei David antes que o trabalho fosse realizado por seu filho Salomão.

Ele apresentou uma série de ilustrações que mostram como as exposérs continentais tinham o nome de Yahveh sobre o ataúde de Hiram no Terceiro Grau.

Ainda de acordo com o Dr. Snoek, esta identificação do candidato com o Construtor do Templo e, portanto, por analogia com Yahveh, é familiar aos historiadores da religião como uma “união mística“, onde o praticante tenta se unir misticamente à divindade. Em seguida passou à revista dos acontecimentos de 1813, quando o nosso ritual atual foi criado, e concluiu que as práticas modernas romperam o funcionamento dos trabalhos das duas Grandes Lojas, a Antiga e a Moderna.

Essa alteração fundamental para os três graus, removeu os aspectos místicos da Maçonaria do século XVIII, em uma aparente tentativa de tornar as cerimônias mais aceitáveis aos membros não-cristãos e com um sabor mais adequado ao gosto do século XIX.

Para ter acesso ao texto clique no link abaixo e digite a P∴P∴ de M∴ (a primeira letra é maiúscula; a última letra é “m”):

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A Maçonaria ou Viagem ao Centro do Ser

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Visita Interiora Terræ, Rectificando Invenies Occultum Lapidem

Desde o início, o cenário está colocado. Mas como o candidato compreenderá, ao olhar, espantado, para a sigla V.I.T.R.I.O.L. inscrita na parede da câmara de reflexão, que a «abordagem» empreendida é alquímica, de alguma forma uma tentativa individual de transmutação individual realizado no seio de uma comunidade “de indivíduos” procurando cada um por si – coletivamente – o mesmo objetivo por vias diferentes? Como ele compreenderia que está, sozinho, às voltas com a Obra em Negro, primeiro ato de uma individuação que o levará, se ele assim o desejar, ao Atanor – a Obra em Vermelho – onde ele reencontrará a palavra perdida? Impossível.

Todos aqueles entre nós que que entrevistaram candidatos não puderam, a não ser raramente, perceber na expressão estranha de suas razões, uma espécie de intuição do significado de suas buscas. Eles são capazes de expressar apenas banalidades; a afirmação confusa de uma crença em Deus, é claro, mas sem saber também explicar o porquê e como, juntando-se nisso sem saber à proposta de C.G. Jung: … a menos que não ocorra a alguém a ideia bizarra de pretender saber precisamente o que é Deus”; uma vaga ideia da fraternidade, mas também, muitas vezes, o sentimento de uma frustração religiosa. Talvez aquilo de não ter percebido no seio de sua igreja batismal o discurso que sairia do formalismo e da superficialidade, incapazes de suscitar no seio comunidade eclesial uma percepção ativa de sua alma (psique). Porque é exatamente disso que se trata.

O dogma e a doutrina dentro das igrejas não devem ser vistos somente como elementos de frustrações de liberdades individuais, mas também, reconheçamos, como uma rampa necessária sobre a qual se apoia a maioria dos fiéis, uma estrutura coletiva destinada àqueles sem isso tropeçariam (o dogma da Trindade, por exemplo, não pode ser razoavelmente questionado, correndo-se o risco de negar pura e simplesmente o cristianismo – ainda conviria aqui substituir a palavra dogma pela palavra mito que corresponderia melhor à nossa visão maçônica – Veja abaixo: Mito & Inconsciente).

Dogmas são, consequentemente, as bases sobre as quais se edificam as doutrinas, as espinhas dorsais das igrejas. Por outro lado, o perigo reside em uma projeção fundamentalista e exclusiva de uma prática religiosa equivocada, em uma atitude dogmática radical que subtrairia à alma os seus valores, porque o indivíduo – entendemos por indivíduo o profano que em um dia de sua vida vem bater à porta dos nossos templos – gostaria inconscientemente de participar de sua experiência espiritual dentro de sua igreja, que não se tornou o mais frequente infelizmente, de acordo com a formulação de Kierkegaard, que uma instituição dos sacerdotes-funcionários que ali fazem carreira, reduzindo as Escrituras a um pretexto para belos voos retóricos extravagantes diante de uma audiência sonolenta, um tipo de companhia de seguro para o além; o candidato realmente deseja participar do alimento de sua alma e, a este respeito, coloca sua esperança na Maçonaria, essa Irmandade de homens da qual ele nada sabe, é claro.

Lembremo-nos aqui da doutrina do Mestre Eckhart que destaca o tema do arquétipo (voltaremos a isso) no sentido de que a alma está relacionada com a essência divina pelo seu ponto mais íntimo, onde se situa seu arquétipo eterno, designado pelo Dominicano como um ponto central da alma, a “luz” ou a “centelha”. Portanto, nosso candidato potencial, responsável pela construção de seu próprio templo interior é de fato um buscador – ele procura a luz – pronto para uma busca de seu arquétipo, pronto para preencher o vazio de sua alma e colocar “todo Deus dentro” e não “todo Deus fora”.

Esta visão repousa essencialmente no conceito de regularidade. Ora, todos nós conhecemos a importância do Volume da Lei Sagrada (VDLS), uma das três luzes da Maçonaria, testemunho escrito da Tradição, independentemente de filiação religiosa. A maçonaria, sendo essencialmente ocidental, considera que este Volume é a Bíblia. Ele poderia ser diferente sem alterar a regularidade em si (o Alcorão, por exemplo). Lembremo-nos rapidamente do que seja a regularidade: “O primeiro ponto de regularidade é a crença no Grande Arquiteto do Universo e Sua Vontade Revelada (…) A revelação assim percebida não pertence especificamente a uma religião determinada (…) O Pastor Anderson a formulou perfeitamente em suas Constituições, ao designar o maçom como ‘noaquita’.

Esta formulação pode parecer reducionista. De fato, a revelação é essencialmente um conceito derivado da árvore Abraâmica e, na verdade, não está relacionado com o fato de que o judaísmo, o cristianismo e o islã, todas as três religiões reveladas incluindo transcendência (Moisés, Cristo, Maomé), ela implicaria com isso mais um aspecto teísta que deísta. É claro que a noção espiritual do GADU não é a mesma nas três religiões dos Livros (Antigo e Novo Testamento e o Alcorão) do que no Upanishads ou qualquer outra expressão livresca de doutrinas orientais que não convém analisar no quadro deste estudo. Digamos, por exemplo, que há fortes chances de que, se a Inglaterra não tivesse ido colonizar a Índia por um século, a Maçonaria não existisse.

Neurose, motivações psicológicas do candidado e individualização

Nós acreditamos que o desejo inconsciente de uma busca espiritual na origem de um desejo de aderir a uma organização iniciática como a Maçonaria é da ordem da “neurose consciente”. Entendamo-nos bem. Convém aqui se abster de qualquer raciocínio perigoso, moderar nossas palavras e observar cuidadosamente os caracteres aparentes da neurose – mesmo leve – em outras palavras, não se limitar a uma definição polida desta forma de psicopatia. Como uma brincadeira, poderíamos dizer que o maçom é um “neurótico que não se ignora”, enquanto a maioria das pessoas, mulheres ou homens que encontramos são “neuróticos que se ignoram”. Raros, com efeito, são os seres que podem reivindicar ter um perfeito equilíbrio mental.

A neurose é um estado obsessivo inconsciente. Os diferentes estados neuróticos – mesmo leves, repetimos – apresentam caráter e transtornos comuns resultando em doenças psicológicas e sociais, falta de maturidade emocional (reações inconscientes às situações profissionais, familiares, etc.), neuroses de ansiedade ou outras devido a fatores psíquicos endógenos (educação, condições de vida, circunstâncias externas, etc.). Eles se traduzem por uma necessidade de buscar algum tipo de refúgio, onde pensar e agir como C.G. Jung os define quando aborda a questão das sociedades secretas: “Essas identidades coletivas, (…)” muletas para os paralíticos (…) mas ao mesmo tempo (…) um objetivo glorioso e ardentemente desejado por aqueles que erraram e estão decepcionados…

Deve-se evitar aqui assemelhar os termos sociedades secretas e Maçonaria, uma nada tendo, obviamente, a ver com a outra, senão que ambas reúnem grupos de homens conduzindo uma busca comum. Reconheçamos aqui que nossas oficinas são células onde cada um entre nós se recarrega, se reconstrói, exercita por si mesmo este processo de individuação através do qual se supõe que um ser se torne um “indivíduo” psicológico, ou seja, uma unidade autossuficiente, uma totalidade; esta é uma via que nos convida a nos tornarmos um ser verdadeiramente individual; um retorno à nossa unidade mais íntima.

A individuação não exclui o universo, ela o inclui (“Deus totalmente dentro” de acordo com Mestre Eckhart). A individuação, considerada como o desejo de um aprofundamento do autoconhecimento é um empreendimento único, difícil e longo. Esse desejo metafísico está intrinsecamente ligado a uma reação contra o desvio epistemológico de nosso mundo em desenvolvimento, orientado para o materialismo, o demônio da alma, o criador de angústia. A era gótica, transcendental, aquela onde a alma estava incluída na matéria, o espírito na pedra das catedrais era uma simbiose entre a substancialidade do espírito e a da ciência. O candidato é um nostálgico desta época passada, buscando a via de um retorno ao espírito. Estamos em presença de uma dualidade Matéria-Espírito.

Lembremo-nos a este respeito do simbolismo das diferentes posições sucessivas do compasso e o esquadro sobre o altar dos juramentos. O esquadro, símbolo da matéria é colocado sobre o compasso, símbolo do espírito no primeiro grau; as duas luzes maçônicas cruzam-se no segundo grau, a evocação de um início de modificação na ordem dos valores, esboço de um retorno da supremacia do espírito sobre a matéria, realizado no terceiro grau.

A neurose está diretamente ligada à angústia. O angustiado busca desesperadamente suas referências; ele pretende dar à sua vida o sentido que lhe falta. Quantas vezes não ouvimos: “Eu me realizei em minha vida profissional, mas o resto é um fracasso…”? O homem muitas vezes sofre desequilíbrios psiquicos, nos quais ele se fecha, incapaz de encontrar uma saída para um plano mais elevado que lhe abriria o espírito, onde ele poderia evoluir em uma personalidade mais ampla. Kierkegaard fala da angústia como “grande privilégio do homem” face seu poder manifestado pelo fenômeno da transgressão e expresso no mito de Adão, cuja inocência é confrontada com o imensa possibilidade deste poder; a ansiedade é causada pela proibição e pela ameaça de punição; ela se torna assim, a vertigem da liberdade, uma liberdade prisioneira do desespero. E o dinamarquês ao imaginar esta fórmula descritiva do estado do eu quando o desespero é totalmente extirpado: “ao se orientar em direção a si mesmo, o eu mergulha, querendo ser ele mesmo, através de sua própria transparência no poder que o colocou ali” (5). Cria-se então no individuo o desejo de uma psicologia da alma, vontade que repousa sobre o pressuposto de um espírito autônomo. Essa abordagem e sua realização representam um esforço individual perseverante.

Imago Dei e Arquétipo

Como vimos acima, com Mestre Eckhart encontramos a Imago Dei (imagem de Deus), produto do inconsciente, que, do ponto de vista psicológico deve ser entendida como um símbolo do eu, da totalidade psíquica. Nossos trabalhos são abertos à Glória do Grande Arquiteto do Universo, o Volume da Lei Sagrada simbolizando sua presença no espaço sagrado constituído em nossas oficinas entre a abertura e o fechamento dos trabalhos. Jung, sempre, fala claramente sobre este assunto: “É a não ser através da psique que podemos constatar que a divindade age sobre nós; no entanto, somos incapazes de distinguir se estas eficiências vêm de Deus ou do inconsciente, isto é, não é possível determinar a questão de saber se a divindade e o inconsciente constituem duas grandezas diferentes. Ambos são conceitos limitados pelo conteúdo transcendental. Mas pode-se constatar empiricamente que existe no inconsciente um arquétipo da totalidade (…) uma tendência independente do querer consciente que visa colocar outros arquétipos em relação com este centro”. Compreende-se aqui a estreita relação entre a presença da divindade na loja, simbolizada pelo Livro e a íntima percepção do superconsciente do sentimento do indivíduo diante do mistério de Deus.

Mística e Iniciação

Devemos aqui distinguir a mística da iniciação, sem no momento rejeitar um em relação ao outro – como faz erradamente, em nossa opinião, Umberto Eco em seu monumental trabalho: “O Pêndulo de Foucault” onde transparecem claramente os pensamentos de Julius Évola, mística e iniciação que cada uma delas, à sua maneira, tende a uma percepção do divino e, portanto, do superconsciente. A mística é um fulgor iluminado, fugitivo; a iniciação uma longa e perseverante busca, mas o propósito da totalidade psíquica é o mesmo. Notemos de passagem que o misticismo pagão nada tem nada a invejar o misticismo cristão; o misticismo sendo de ordem supra-humana, a ele quase sempre as referências místicas estão ligadas às raízes religiosas e ambientais do sujeito e â influência delas sobre seu superconsciente.

Mito e Inconsciente

Convém, com efeito, deve refletir sobre o papel do mito no inconsciente. A expressão metafórica conhecida desde os tempos mais remotos, o mito é uma espécie de psicodrama cujos atores representam nossos diferentes aspectos desconhecidos. Ela nos convida longo do decurso da ação para uma tomada de consciência progressiva. O mito não é um fim em si mesmo, mas um fio condutor até nosso inconsciente, a sugestão de uma meditação sobre nós mesmos sob a forma de um caminho, de uma estrutura de idéias que proporia uma adaptação não mais ao ambiente, mas o significado da vida; uma fuga em direção à saída de um abandono psíquico, criador de angústia e que nos invade. A pluralidade dos rituais obviamente tem por objeto adaptar cada idiossincrasia ao sistema maçônico como um todo, mas o sentido do mito permanece o mesmo. O postulado – nós o vimos mais alto – consiste em admitir que o indivíduo está a priori na escuridão psicológica (mito da queda – Ge. III 1/24)). Qualquer evolução subsequente a esta situação só pode levá-lo para fora daqui. Adão simboliza o intelecto, ou seja, a capacidade própria do homem de agir sobre o mundo exterior, de adaptá-lo às suas necessidades, diferentes nisso do espírito, a capacidade de se orientar essencialmente no mundo interior e diante do sentido da vida.

O mito da queda simboliza a tomada do poder da matéria sobre o espírito:

“Que vimos fazer em loja? – Vencer nossas paixões, submeter nossas vontades e fazer novos progressos na Maçonaria”.

“Quais são os deveres de um maçom? – Fugir do vício e praticar a Virtude”.

Considerando a totalidade de seu funcionamento psíquico, o homem é ao mesmo tempo fraco e forte. Ele será mais forte na medida em que seu impulso evolutivo o levará a se tornar plenamente consciente de si mesmo, a entender tanto as intenções da superconsciência ética quando as intenções patogênicas do subconsciente.

O Mito de Hiram e Prólogo

O conjunto de estruturas iniciáticas da Maçonaria, a exemplo dos “mistérios” da antiguidade são projetados para reviver a emoção diante do Mistério da harmonia universal, ao qual o homem, para seu bem essencial deve se incorporar através da auto-harmonização (iniciar a si mesmo) de onde decorre o senso de ética imanente. É preciso tomar cuidado aqui com toda de qualquer conceituação lógica da natureza de Deus, entender que o Grande Arquiteto do Universo (Deus) deve ser tomado como símbolo indescritível do Mistério absoluto, e não considerado como Entidade, Substância ou Pessoa, mas como abstração, como vácuo. A tradição judaica nos ensina que o “Nome de Deus” (Y-H-W-H) jamais deve ser pronunciado, sob pena de uma personificação que, ao antropomorfizá-lo, dele retiraria seu significado de harmonia infinita do silêncio (abominação salomoniana: não pronunciarás o “Nome de Deus” em vão). Mesmo a imagem de Deus está incluída no homem (Deus em tudo). “Só existe o mistério imanente da existência: a organização harmoniosa do universo e a emoção humana diante deste aspecto misterioso do qual participa tudo que realmente existe, ser e coisa”. Deus é o reflexo da não existência absoluta.

Com isso em mente, revisemos o mito de Hiram. Esta é uma fábula que encena uma situação de psicodrama em relação ao Prólogo lido na sua versão mítica. Paul Diel, com efeito, nos esclarece a este respeito: de acordo com ele, conviria ser feita uma leitura do Prólogo diferente daquela proposta na Bíblia, a qual – sempre segundo ele – leva o leitor a uma interpretação dogmática do texto. Diel propõe uma interpolação da ordem das frases que lhe restitui seu sentido mítico através do deslocamento do versículo 6 após o versículo 18.

Nós mostramos abaixo os dois textos bíblicos e míticos em uma tabela, um ao lado do outro. Pareceu-nos interessante submeter à comparação as duas leituras do Prólogo que demonstra o seu sentido mítico – maçônico – admissível uniformemente por todos sem distinção religiosa; ela permite ainda que um não-cristão tome consciência da dimensão espiritual deste texto bíblico (e maçônico) fundamental:

Comparação segundo Paul Diel da ordem de uma leitura do Prólogo do Evangelho de João em sua versão dogmática de acordo com o Novo Testamento e segundo uma ordem mística

Versão dogmática Versão mística
 (1) No princípio era o Verbo (Verbum = Vulgata, logos = Evangelho de João foi escrito originalmente em grego) e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus (1) No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.
(2) Ele estava no princípio junto de Deus (2) Ele estava no princípio junto de Deus.
(3) Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.  (3) Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
(4) Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens . (4) Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens.
(5) e a Luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam.  (5) e a Luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam.
(6) Houve um homem enviado de Deus e seu nome era João . (6) Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu (10)
(7) Ele veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele. (7) Veio para o que era seu, e os seus não o receberam (11).
(8) Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz. (8) Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome;(12).
(9) Este era a luz verdadeira, que alumia a todo o homem, que vem ao mundo. (9) os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade de varão, senão de Deus (13).
(6) (O Verbo) Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu (10) (10) E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a gloria do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade(14).
(7) Veio para o que era seu, e os seus não o receberam (11). (11) E todos nós recebemos também da sua plenitude e graça por graça. (16).
(12) Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome;  (12) Porque a lei foi dada por Moisés, a graça e verdade foram feitos por Jesus Cristo. (17)
(13) os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade de varão, senão de Deus. (13) Deus nunca foi visto por alguém. O unigênito Filho que está no regaço do Pai, ele no-lo declarou. (18)
(14) E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória; Glória como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.  (14) Houve um homem enviado de Deus e seu nome era João (6)
(15) João testificou dele e clamou dizendo: “Este era aquele de quem eu dizia: O que vem depois de mim, e antes de mim, porque era primeiro que eu”; (15) Ele veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele.(7).
(16) E todos nós recebemos também da sua plenitude e graça por graça. (16) Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz.(8)
(17) Porque a lei foi dada por Moisés, a graça e verdade foram feitos por Jesus Cristo. (17) Este era a luz verdadeira, que alumia a todo o homem, que vem ao mundo. (9)
(18) Deus nunca foi visto por alguém. O unigênito Filho que está no regaço do Pai, ele no-lo declarou. (18) João testificou dele e clamou dizendo: “Este era aquele de quem eu dizia: O que vem depois de mim, e antes de mim, porque era primeiro que eu”; (15)
O números em vermelho no final de cada célula na coluna da direita referem-se ao número da célula na coluna da esquerda.

Assim:

– O maçom que lamentamos é aquele que nos iluminaria…

– No princípio era o Verbo… e ele era a luz dos homens…

No início da “lenda”, estamos antes da “queda”; a ordem, a harmonia e a serenidade prevalecem sobre o canteiro (hierarquia piramidal, divisão dos trabalhadores por classe; a existência do mundo é inseparável da sua organização). No Prólogo, o Verbo e a luz iluminam o cosmos (superconsciente). Após o assassinato de Hiram, nós somos mergulhados em trevas; Adão já comeu o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal; Lúcifer aparece em filigrana, o Gênesis subentende o advento da dor patológica que aparece com o ser consciente (consciência do crime, da transgressão). “O Verbo (Deus) simboliza o ato criador, organizador; em nível humano, o organizador do funcionamento psíquico (…) de sua realidade psicológica”.

– Ele (Hiram) pereceu pelo mais detestável dos crimes… (a luz se apagou).

– E a Luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam…

Mas o espírito de Hiram, morto assassinado, persiste na escuridão; ele deixa de ser instintivo se torna diretivo (aquele que dirige) e superconsciente. Assistimos a uma supressão do chamado do Espírito. A “luz que brilha nas trevas” é a verdade eterna que não mais consegue prevalecer, porque o subconsciente, a supressão se opõem ao surgimento e a à influência do superconsciente.

– O sábio rei Salomão tinha projetado o piedoso projeto de levantar ao Grande Arquiteto do Universo um templo, onde somente ele receberia o incenso dos homens…

O rei Salomão não é aqui a personagem histórica, questionável, do Antigo Testamento, mas um símbolo do Bem , personagem mitológico supra-humano, onde ele é o executor.

– Hiram, sabendo todas as artes e especialmente a arquitetura e no trabalho dos metais foi enviada a Salomão (…) para levar adiante este empreendimento…

– Houve um homem enviado de Deus e seu nome era João…

Quem enviou Hiram a Salomão? : Deus (o Verbo). Aqui reencontramos um sentido oculto para todas as mitologias onde o criador (Deus) e o juiz (Salomão) unidos em um único símbolo – o Verbo – significando o mistério da existência. O templo torna-se o centro (a câmara do meio), o lugar do superconsciente (o incenso dos homens).

Vejamos aqui uma anunciação do espírito profético mais consistente com uma leitura mítica do texto que nos diz: “Sejais os profetas de vossa própria vida!” Com efeito, Hiram morre, nós somos convidados à realização psíquica da construção do templo, de nosso eu, de nosso arquétipo, em um reencontro com o Mistério. Nós somos convidados a tomar as mãos. Recordemos aqui as palavras de Jung: “Anteriormente, as coisas vinham a mim; agora sou eu quem quero”; ou ainda: “Enquanto aquele que nega avança para o nada, aquele que obedece ao arquétipo segue os passos da vida até a morte”. Certamente, um e outro estão na incerteza, mas um vai contra o seu instinto, enquanto o outro caminha com ele”.

– Hiram (…) agora ainda os espíritos revoltados (…) quando três companheiros conceberam o projeto horrível de arrancar, por bem ou pela força, a Palavra Sagrada dos Mestres.

– Aquele que diz estar na luz, tendo ódio a seus irmãos… A escuridão cegou seus olhos (Primeira Epístola de João (II/8).)

Os três companheiros odiosos: ignorância, fanatismo e ambição, representam os impulsos inconscientes, descontrolados. O assassinato de Hiram é uma transgressão involutiva, uma forma negativa das intenções da psique; é o fruto proibido do jardim do Éden, o fogo de Prometeu.

No final da lenda de Hiram, depois que o destinatário foi levantado pelos cinco pontos controle perfeito da maestria, o V∴ M∴ alegremente anuncia o retorno da luz:

– O M∴ é reencontrado e reaparece mais radiante do que nunca!… É assim que todos os MM∴ Mac∴ emancipados por uma morte simbólica, vêm a se reunir com os antigos  C∴ de seu trabalho e que, todos juntos, os vivos e mortos, garantem a perenidade da Obra!

– Mas a todos aqueles que o receberam (a Palavra), ela deu o poder de se tornar filhos de Deus.

O caminho da harmonia interior está agora traçado

O próprio desenrolar da cerimônia tem um significado simbólico que não convém ignorar: O loja está desorientada; ela está revestida de preto; uma cortina preta espessa isola o De’b’ir do Ehal; o Delta do Oriente permanece aceso, mas não é mais visível, e a Estrela Flamígera no ocidente está fracamente iluminada; a localização das três colunas mudou; o V∴ M∴ já não ocupa a cadeira do rei Salomão, mas está instalado em uma mesa ao pé dos degraus do Oriente. Esta disposição corresponde à imagem do caos psíquico em que se encontra aquele que receberá a luz, algum tempo depois.

Observamos aqui, que uma mesma personagem pode cobrir dois significados antitéticos. O “papel” desempenhado pelo V∴ M∴ se situa em dois níveis:

  • o direção da oficina (Salomão em seu trono);
  • um dos três assassinos de Hiram, na realidade aquele que assassina a arquiteto.

Finalmente percebemos que as leituras analógicas do Prólogo, em seu significado simbólico e a mesma do mito de Hiram, apresentando correspondências flagrantes. Certamente, nenhum milagre vai acontecer sem a vontade à qual a idade do grau dá seu valor e seu alcance. Uma nova luz ilumina o inconsciente.

Iluminismo e Maçonaria

O Humanismo desenvolve-se no início do século XVIII, principalmente na Inglaterra, onde a Royal Society desempenhava um papel proeminente. Em suas Cartas Filosóficas, Voltaire escrevia: “Tudo prova que os ingleses são mais filósofos e mais audazes do que nós. Vai levar algum tempo até que alguma razão e alguma coragem cruze o Pas-de-Calais”. Constatemos o paralelo cronológico entre este novo “caminho real de inteligibilidade” puramente inglês e a criação (também puramente inglesa) da Maçonaria especulativa de 1717. A historicidade da Maçonaria é tão intimamente ligada à do humanismo do Iluminismo, gerador de racionalismos posteriores, tais como o positivismo de Auguste Comte, este que não é o menor dos paradoxos. Com efeito, o humanismo levado ao pé da letra é uma doutrina filosófica que coloca o homem e os valores humanos acima de outros valores, incluindo os do Mistério.

Ora, o simbolismo, tal como deve ser entendido na abordagem mítica da Maçonaria, coloca justamente o homem antes do Mistério. Na verdade, o paradoxo é apenas aparente. Isaac Newton, membro da Royal Society, ela mesmo indiretamente ligada à Maçonaria (lembremo-nos de B. Franklin, ao mesmo tempo membro desta instituição e Maçom), autor dos “Princípios matemáticos da filosofia natural”, introduz o conceito de “Demiurgo”, “o Relojoeiro”, explicando o funcionamento do relógio mundial a partir das leis imanentes e não transcendentes do universo, o mundo fabricado de uma vez por todas e sem intervenção subsequente. O que é precisamente o Mistério.

Seria vazio e estéril refutar de plano, o legado do Iluminismo. Mas forçoso é reconhecer que as doutrinas filosóficas que ele libera (positivismo, estruturalismo, fisicalismo, etc.) procuram demonstrar em vão o indemonstrável.

Maçonaria, por quê?

O desenvolvimento de nossa tese nos convida a refletir sobre os méritos de uma abordagem corretamente entendida e praticada dentro de nossa organização. Não importa a época, toda sociedade cavou sua sepultura para se deitar uma vez morta. Um eterno renascimento da alma revive a fênix das cinzas até que, novamente, ela se recolhe e implode. Sir Thomas More já escrevia no século XVI, em sua Utopia: “O que vocês fazem, então, eu vos pergunto, a não ser fabricar vocês mesmos os ladrões que vocês enforcam em seguida?” Fabricar ladrões para enfocar em seguida beira o absurdo. Barcos livres no oceano da vida, muitas vezes somos mais capazes de encontrar o bom porto. Nosso irmão Jean Servier em sua “história da Utopia” enfatizava apropriadamente: “De que serve bem construir, filosofar, sonhar, orar se o homem não é o objetivo supremo de qualquer abordagem e sua felicidade sobre a terra é mal assegurada”.

Surge então a questão de saber em que consiste a felicidade do homem. A predominância do materialismo de nosso século oblitera o verdadeiro significado da vida, sem levar em conta a constante interinfluência entre os dois fenômenos existentes: espírito e a matéria, levando à reversão do relacionamento, supervalorizando a matéria e tornando inútil o aprofundamento epistemológico (ou Teoria do Conhecimento) que estabelece uma crença em uma Matéria absoluta, em vez de um Espírito absoluto, estabelecendo assim bases falsas para qualquer tentativa de explicação. E esta continua a ser a origem da neurose de que falamos no início do texto.

Em todas as tradições, o quadrado é um símbolo da matéria, o círculo o do espírito. Em nossa tradição maçônica, o quadrado é o esquadro; o compasso, o círculo. Passar do esquadro ao compasso para “tornar-se mais radiante do que nunca” é realizar essa transmutação da matéria em espírito. A trindade maçônica assume assim todo o seu valor simbólico. A dualidade Espírito/Matéria (Compasso/Esquadro) se funde na Palavra (V.D.L.S.) para se reconstituir em um só e único elemento: “Um tudo”. O homem de pé (libertado) tem simbolicamente restabelecida a sua totalidade psíquica.

Vaidade das vaidades, tudo é vaidade“, diz o Eclesiastes; a serpente no jardim do Éden a simboliza. Esta vaidade cega o homem e o leva a um beco sem saída, a um caminho que o leva a nada. Para que sua vida não permaneça um “caldeirão fervilhante de intenções obscuras”, o ser humano deve atingir a clarividência de si mesmo; deve realizar um retorno essencial ao que ele é: entender o significado do cogito ergo sum, não só se limitar a dizer: “Penso, logo existo”; mas pensar-se, perceber que o importante não é saber o que ele é, mas quem ele é, de etapa em etapa (os graus sucessivos de iniciação), elevar-se de forma evolutiva até o homem; construir o edifício de valores (o Templo) chegando a o nível superior do espírito humano.

O falso julgamento focado inconscientemente sobre si mesmo leva a uma supervalorização (ou subvalorização) de si mesmo e ao caos. A verdade superconsciente obscurecida pela vaidade ilusória pode ser descoberta, e a intensa satisfação de si mesmo não é mais vaidade, mas torna-se serenidade, ordem (Ordo ab Chaos). O surgimento de culpa ao olhar para o interior durante a introspecção é também criado de angústia; a descoberta de seu fantasma (de sua sombra) pode se tornar traumática instantaneamente, mas este é o preço da plenitude.

No entanto é preciso que fique claro: A análise do aspecto psicológico do processo maçônico, da forma que tentamos demonstrar nunca representou em si mesma uma forma de terapia particular, tratamento de transtornos mentais, desequilíbrios psicopatas ou depressões profundas. Mas, o espaço sagrado constituído durante os trabalhos é para muitos uma “área de descanso”, um espaço fechado onde se isolam aqueles que buscam uma missão semelhante, uma forma de inconsciente de regresus ad uterum (retorno à matriz)… algo glorioso e ansiosamente esperado para aqueles que erraram e que estão decepcionados (ver acima). Evitemos, no entanto, substanciar o irracional como muitos dos derivados nos convidam! Fiquemos com os pés na terra!

A loja se torna uma verdadeira fraternidade de homens que “deixaram seus metais à porta do templo”; (o conjunto de seus impulsos inconscientes, suas ansiedades, qualquer forma de inibição psicológica, assim como toda aparência social falsificada).

A meio caminho entre o zênite e o nadir, em uma posição equidistante dos quatro pontos cardeais, diante das três grandes luzes que são o Volume da Lei Sagrada, o Compasso e o Esquadro, sob o olhar mudo do Olho inserido no Triângulo, quinta parte da estrela flamígera, munido das ferramentas simbolizadas que o tornam um construtor de almas, o homem é convidado a refletir.

O Mistério está diante de si, ad vitam eternam. Nenhuma equação demonstrará a existência de Deus, sentimento inefável do mais profundo de seu eu, visão fugaz da pedra escondida anunciada na câmara de reflexão. Incessantemente, incansavelmente:

Visita Interiora Terræ, Rectificando Invenies Occultum Lapidem!

Autor: Michel Warnery
Vice-Presidente do Grupo de Pesquisa Alpina
Tradução José Filardo

Fonte: Revista BIBLIOT3CA

As Colunas Boaz e Jakin

Estas colunas todas as vezes que mencionadas evocam a imagem do Templo do G.A.D.U, por tradição chamado Templo de Salomão. Neste ensaio, pretendo demonstrar esta obra específica de Salomão e Hiram-abif, suas origens, localizações, tamanhos, finalidades e o mais difícil, seus nomes e significados.

Origens

Eram comuns à época estas colunas e obeliscos, serem erigidos para se “louvar” os deuses e destes angariar favores e, havia também, uma tradição disseminada dos governantes marcarem suas histórias e realizações pessoais com obeliscos ou colunetas, antes e durante ao advento de registros escritos ou figurativos e para isto usaram destas colunas e obeliscos.

Como exemplos, mais conhecidos, os diversos obeliscos Egípcios, quase todos monolíticos e inúmeros outros. Esses pilares foram comuns na Síria, Fenícia e Chipre naqueles tempos. Houve também, imensos pilares, alguns de fogo ou incensa, que eram parecido a sua contra-partida de fenício e eles teriam a finalidade de iluminar a fachada do templo à noite, ainda também, pegando o primeiro amanhecer ou anoitecer, refletir a fachada do templo, e produziam uma nuvem de fumaça escura durante o dia.

Também foram descobertas as fundações de pilares semelhantes nos locais dos templos em Hazor e condado Ta’Yinat que tinham duas colunas em suas entradas, semelhantes a que seriam construídas no templo. Heródoto (484 – 425 a.C.), historiador grego, também conhecido como “Pai da História”, descreveu dois grandes pilares próximos ao Templo de Hércules em Pneu, que eram iluminadores da noite.

Por que da sua origem no templo hebreu?

Cabe como prólogo desta questão, perguntar-se, porque a falta de menção das colunas nas narrações ao advento da construção do Templo? Não será por meros erros ou por omissões dos copistas ou escribas, em que não há por nenhum momento a menção destas colunas quando das definições da arquitetura e obras do Templo. Vide todas as discrições havidas em Reis ou Crônicas (I Reis, 6:1-38 – II Crônicas, 3:1-14).

Ver-se-á na ocasião, quando o Rei Davi dispôs a seu filho Salomão a planta do Templo recebida do G:.A:.D:.U:. narrações tão peculiares e ostensivamente pormenorizadas de coisas e detalhes, não havendo, entretanto, por menor que fosse, qualquer menção destas colunas. Vide I Crônicas, 28:11-21; 29:1-9. Somente terminadas as obras do Templo (I Reis, 7: 37- 38), começam a aparecer menções a estas famosas colunas. Vide I Reis, 7:15-22.

Por que mandara Salomão fazer estas colunas?

Por que elas não fizeram parte do Templo quando de sua arquitetura primordial?

A que serviriam?

Foram para demarcar a obra e sua posteridade?

Para responder a estas questões faz-se necessário demonstrar o caráter ambíguo dos arquitetos e construtores destas obras.

  • Vivera o povo Hebreu sobre o jugo dos Egípcios por mais de cinco séculos antes do êxodo. É obvio se deduzir que esta convivência poderia e teria incorporado hábitos e coisas daqueles povos ao Povo Hebreu e suas descendências.
  • Era o arquiteto Hiram-abif (judeu por parte de pai), filho de Tiro, cidade Fenícia, familiarizado com o estilo de construções Egípcias e Fenícias, em pedra talhada e com a arquitetura megalítica dos antigos.
  • Eram os Templos de Carnaque e Luxor, há época, precedidos de obeliscos, como tantos outros e notórios.
  • Tantos os executores, como os arquitetos, que eram de Tiro, indubitavelmente, teriam tido uma grande influência no projeto dos pilares para o templo em Jerusalém.
  • Estas obras (as colunas) jamais teriam caráter de quaisquer tipos de adorações (totalmente proibido pelo Talmude e o Torá) ou messiânicas. Portanto não eram para ser sagradas. Não fariam parte do Templo, como não fizeram na sua arquitetura primordial.

Dado a ambiguidade, ao se erigir estas colunas demarcou-se o momento pessoal dos arquitetos e executores destas obras e seus nomes para posteridade, e disto não tenho a menor dúvida. Julgo, também, pela síntese da pesquisa especulativa e dedutiva serem estas colunas um marco, os obeliscos que encerram em si o desejo de marcar uma obra. Um monumento comemorativo. Inicial e tão somente.

Localizações

Em diversos autores e livros muito se tem especulado sobre a posição destas colunas; à direita ou esquerda estaria Jakin; à direita ou esquerda estaria Boaz.

Uns dizem, sendo o Templo construído no sentido de sua porta de entrada estar para Leste (o sol), Jakin estaria à esquerda, isto por óbvio, de quem estiver dentro do Templo olhando para fora. Estando fora do Templo estaria à direita e há assertivas de ser esta sua verdadeira posição o que se demonstra a seguir. De antemão, não há quaisquer dúvidas que elas foram postas à frente do Templo.

Para determinar estas colocações tomaremos por base duas dissertações que nos parecem por demais definitivas, ou sejam, em Crônicas e Reis:

“E pôs estas colunas no vestíbulo do Templo, uma à direita e outra à esquerda: a que estaria à direita, chamou-a Jakin e a que estava à esquerda, chamou-a Boaz.” (II Crônicas, 4:17).

“E pôs estas duas colunas no pórtico do Templo, e tendo levantado a coluna direita, chamou-a por nome Jakin. Levantou do mesmo modo a segunda coluna, e chamou-a por nome Boaz.” (I Reis, 7:21).

Este último relato, ipsis litteris, põe quaisquer discussões de se estar dentro ou fora para se determinar às posições das colunas fora de contexto. Pode alguém duvidar agora de que este “ato de levantar” que se fez diante de um Templo terminado (e seu pórtico externo – vestíbulo), de que os termos “direita” e “esquerda” só podem ser considerados desse ponto de vista? De quem olha este levantamento.

Aclara e corrobora em Antiguidades Judaicas, de Flavius Josepho, nascido em Jerusalém em 37 d.C. e falecido em Roma 100 d.C., a seguinte discrição:

“Ele colocou (Hiram-abif) uma dessas colunas junto à ala direita do vestíbulo, e chamou-a de Yachïn, e a outra à esquerda, sob o nome de Baïz.”

O termo vestíbulo em qualquer idioma é entendido, comumente, como espaço entre a rua e a entrada dum edifício. Quando se quer determinar uma área ou um espaço que seja interno é usual determina-lo como “vestíbulo interno”.  Por outro lado, por excelência, e confirmada em diversas narrações na Bíblia, é que os Povos na antiguidade determinavam os pontos cardeais dos nossos dias olhando para o Sol, seu ponto de referencia primordial. Para se determinar o ponto Leste do Templo teria que se estar à frente do Templo olhando para o Sol.

O Sol pelo seu simbolismo ou analogias físicas representava o nascer, o clarear do dia, da jornada. Diversos foram os Povos em que suas seitas tomaram o Sol como sua principal divindade. O ocidental, e acentuadamente após a criação da bússola magnética, passou a se orientar pondo o Norte à sua frente, por uma questão lógica e física, para determinar a orientação pelo pólo magnético Norte daquela (à bússola). Estas digressões são para afirmar o quanto se dava de valor aos astros para suas orientações e divindades.

Dimensões

As duas colunas sobre as quais estamos argumentando foram alvo de várias polêmicas quanto à sua altura, principalmente por dúvidas causadas pelas diferenças apresentadas pelos cronistas de Reis que apresentam-na com 18 côvados de altura enquanto os cronistas de Crônicas apresentam a altura de 35 côvados. Podemos pela própria leitura dos textos se fazer alguma análise:

“E fundiu duas colunas de bronze: cada uma delas era de dezoito côvados de altura: e a ambas colunas dava voltas uma linha de doze côvados.” (I Reis, 7:15).

“Cada coluna tinha dezoito côvados de altura…” (II Reis, 25:17).

“E quanto às colunas, cada uma delas tinha dezoito côvados de alto e a cercava um cordão de doze côvados. Ora a sua grossura era de quatro dedos, e era oca por dentro.” (Jer., 52:21).

“E fez diante da porta do Templo duas colunas que tinham trinta e cinco côvados de altura.” (II Crônicas, 3:15).

É evidente que na descrição do cronista de Crônicas, ela é sucinta e não descreve se se tratava de valor para cada coluna ou o total de ambas. Se por elipse gramatical tomarmos o trecho: “que tinham 35 côvados de altura”, poder-se-iam considerar o que somavam de ambas.

Pelas três primeiras assertivas, caprichosamente bem descritas, somos levados a tomar como corretas estas alturas. Outrossim, diante da premissa que o templo media sessenta côvados de comprimento, vinte côvados de largura e trinta côvados de altura (Reis 6:2), tais colunas não deveriam ser maiores que a altura do templo; portanto, não teriam 35 côvados.

Arquiteturalmente, a proporção de quase ⅔ da altura do prédio, isto é dezoito côvados, estaria mais condizente e não empanariam o Templo, principal obra. Pelas definições de Jeremias 52:21, pode-se afirmar terem estas colunas em medidas atuais (em metros) 9,45 metros de altura; 6,30 metros de circunferência e quatro dedos de espessura que equivaleria a 0,87 mm, e eram ocas. Elas pesavam mais de uma tonelada. Se considerarmos o capitel, a sua altura passaria a ser de 12,07 metros de altura. Nabuzeradã (o caldeu) as levou para a Babilônia, em pedaços, na destruição do templo.

Os nomes

Não será simples dissertá-los, caso venhamos a conferir a estas colunas algum caráter meramente filosófico ou religioso. Tentarei a seguir, baseado nas análises de escritos em Reis e Crônicas, tecer alguns comentários e entendimentos sobre os nomes destas colunas. Não há e não houve, por outro lado, o poder sacerdotal na concepção destas colunas. Se houve, é estranha a falta de quaisquer registros, uma vez que todos governantes temiam o mundo sacerdotal e dos profetas e eram fatos de registros. Quantos Profetas e Sacerdotes não foram perseguidos e sacrificados?

Para isto, por força de não encontrar quaisquer indícios de fundo religioso para estas colunas, baseado na estrutura sócio-religiosa do povo Hebreu à época, em que não se permitia erigir sobre qualquer forma, fossem em madeira, pedra, barro, couro, etc., imagens, retratos ou totens que representassem a figura humana, principalmente, ou viessem a representar endeusamentos, pois eram severíssimas as punições pelos Rabinos e Profetas, descarto a possibilidade religiosa.

Cristo foi crucificado, só por conceber em metáforas e parábolas sua condição de ser filho de Deus, o Messias esperado, a quem os Judeus aguardam até os dias atuais. O caminho que me parece mais simples é o do SIMBOLISMO (do marco). Mesmo no aspecto FILOSÓFICO esbarraríamos na falta de registros de vários porquês, sobretudo os interesses pessoais e atitudes pessoais para a concepção destas colunas. Posto isto, iremos começar pelos registros em I de Crônicas, 22:10:

“Ele edificará uma casa ao meu nome, e ele será meu filho, e eu serei seu pai: e eu firmarei o trono do seu reino sobre Israel eternamente.”

E em I de Crônicas, 28, 7:

“E firmarei para sempre o seu reino, se perseverar em cumprir os meus preceitos, e os meus juízos, como Ele o faz presente.”

Acima vemos os relatos de Davi, quando ordenou a Salomão a construção do Templo de Deus. As frases em grifos foram como Davi relatou a seu filho Salomão a “conversa” havida com Deus. Vejam que neste momento, nestas orações, estão posto, a afirmação “firmarei” [o trono do seu reino] e [para sempre o seu reino], isto é, firmar assegurar o pacto com Deus.

  • מ י ך י (Jakin) – Ele firmará. Ele estabelecerá. 
  • ז ב (Boaz) – Em Força. Na força.

Qualquer similitude ou similaridade com a tradução da palavra Jakin ou Boaz, acima representado também em Hebraico, não é mera concepção para coincidências com o relatado por Davi a Salomão. Temo, chegando quase à assertiva, pelo contexto dos registros, serem estas colunas o conteúdo do simbolismo da ação de ser Salomão o nomeado eleito de Deus, quanto ao registro deste ter sido o escolhido e também edificador do Templo. Elucubremos os termos: Ele firmará e Em força. Poder-se-ia construir as seguintes frases com simbolismos diferentes. Exemplo:

  • Firmado (estabelecido) meu Reino no Real Poder.
  • Deus assegurou na força (realeza), solidamente, o Templo e a Religião de que ele é o centro.

Quaisquer das duas frases carregam em si o estabelecimento de um ocorrido, do qual todos esperavam, a edificação do Templo de Deus e o “coroamento” do Reinado de Salomão, disto, já havia se passados longos sete anos na construção do Templo. Para os tempos de hoje estes marcos seria uma inauguração. Ressalte-se conforme registros, ter havido comemorações que levaram dezenas de dias, tanto quanto neste dia, no ato feito por Salomão da bênção do Templo, ele, o próprio Salomão, foi novamente ungido (rogativa) ao pé da coluna, provavelmente Jakin (pois assim se passou a proceder com todos os outros Reis: II Reis 11:14 e II Crônicas 23:13), vejamos em:

“Porque Salomão tinha feito uma base de bronze de cinco côvados de comprido, e outros tantos de largo, e três de alto, que tinha colocado no meio do átrio: pôs-se de pé sobre ela: e depois posto de joelhos com o rosto virado para a multidão de Israel, e as mãos levantadas para os céus disse.” (II de Crônicas, 6:13).

“Sucedeu, pois, que tendo Salomão acabado de fazer oração, e esta rogativa, se levantou de diante do altar do Senhor: porque ele tinha postos os joelhos em terra, e tinha as mãos estendidas para o céu”.Pôs-se logo em pé, e abençoou a todo ajuntamento de Israel, dizendo em voz alta…” (I Reis, 8:54-55).

Novamente, por elipse gramatical, tomemos o termo: “posto de joelho”, em Crônicas e rogativa (ungimento) em I Reis. Posto de joelhos, entender-se-ia que ao mesmo se solicitou pôr-se de joelho e rogativa é uma ação de bênçãos sacerdotais. Ao ser ungido, tradicionalmente, se colocava o ente a ser sagrado frente ao altar para receber as bênçãos sacerdotais. Fazia-se por outro lado a rogativa aos sacerdotes por venturas do reinado, ocasião em que se imolavam as “vítimas” nos altares.

E assim se fez, a público, para conhecimento de todo povo de Israel e ao lado da coluna Jakin.

Para finalizar, ao término das dissertações sobre as origens ou as possíveis origens para as colunas, concluo com a assertiva de que estas colunas foram para firmar a construção do Templo e tornar para posteridade a afirmação do eleito de Deus.

Dedico este trabalho ao irmão gêmeo de Iniciação à Maçonaria Ir:.Marco Túlio Scussel, luz recebida numa quinta-feira em 17.10.1985 da e.v., na Loja Sphinx Paulistana no. 248.

Autor: Fernando Guilherme Neves Gueiros
M.M., ex-Sphinx Paulistana 248, GLESP – SP / Brasil

Referências

Bíblia Católica – Edição Barsa – Trad. Pe. Antonio Pereira de Figueiredo.
Bíblia Evangélica – Sociedade Bíblica do Brasil – Trad. João Ferreira de Almeida.
Ritual do Simbolismo – 1º~3º Grau Segunda Edição 1987 – GLESP.
Rituais Filosóficos – Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.
A Simbólica Maçonaria – Jules Boucher – Editora Pensamento – 1988.
Dicionário Ilustrado de Maçonaria – Sebastião Dodel dos Santos – Editora Essinger – 1984.
O Templo do Rei Salomão na Tradição Maçônica – Alex Horne (Grau 33) – Editora Pensamento – 1989.
A Cabala Tradição Secreta do Ocidente – Papus – Editora do Brasil – 1986.

 

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