Sobre o confronto entre a Igreja Católica e a Maçonaria: um olhar desde os estudos sobre a Igreja

As difíceis relações entre a Igreja (pelo que aqui nos referimos à Igreja Católica) e a Maçonaria constituem, sem dúvida, um dos aspectos mais recorrentes, sobre o qual se tem repetidamente insistido e que em todos os tempos têm despertado o maior interesse nos estudos sobre a Maçonaria. Basta consultar as páginas das atas das reuniões acadêmicas do Centro de Estudos Históricos da Maçonaria Espanhola (CEHME) realizadas desde 1983 para verificar o grande número de trabalhos apresentados sobre o assunto, nos quais a atitude que a Igreja tem observado sempre sobre a Maçonaria especulativa; tem tantos seguidores entre os pesquisadores que constitui uma seção fixa em todos os simpósios, estabelecendo-se assim como o principal protagonista – não o único como se sabe- do antimaçonismo; mesmo em qualquer obra de referência sobre a Ordem do Grande Arquiteto do Universo é comum a existência de um capítulo dedicado às suas relações com a Igreja, para além daquelas outras obras em que esta questão é expressamente estudada[1].

Porque é também um aspecto abordado por destacados historiadores (também pelo próprio que subscreve estas linhas, que tem dedicado boa parte dos seus estudos maçônicos a este aspecto) o que já é conhecido não será aqui reiterado. Não é, pois, objetivo deste trabalho desvendar as razões invocadas neste esforço que, como bem sabemos, em cada momento e circunstância têm tido um perfil diferente (fundamento jurídico na aplicação da lei própria no século XVIII; ligação com os processos revolucionários burgueses e movimentos liberais ou democráticos; relação com o protestantismo ou com o satanismo; ocupação de territórios papais no caso italiano etc.). Tudo parece ter sido dito a esse respeito, restando-nos apenas, digamos assim, estudar casos concretos, que podem ser múltiplos. Pode-se dizer que em certos momentos da história a Igreja foi a instituição que, desde meados do século XVIII e em todos os níveis de sua hierarquia, mais se posicionou de forma pública e explícita contra a Maçonaria. No que diz respeito à Espanha, parece que, da sua posição social e culturalmente predominante, mais tinta foi derramada contra a Maçonaria, correndo por seus méritos na instituição mais destacada entre aqueles que a difamaram e, consequentemente, sendo uma parte notória do amplo movimento antimaçônico orquestrado.

Mesmo assim, acreditamos que a análise nem sempre é correta. Não estamos dizendo que os estudos sejam erráticos, mas que em muitos casos predominam as generalizações e faltam certas nuances que ajudariam a explicar melhor certos episódios que, relacionados à Igreja ou a seus homens – por exemplo -, podem ser apresentados como raros e estranhos por sair do comum. Para tudo isso contribui, e não pouco, o preconceito, incubado pela parcialidade, que esteriliza o rigor que a análise científica deve exibir e que, embora não a estrague completamente se os fatos forem bem descritos, pode falhar na interpretação que deles se faz com base em generalidades às vezes extemporâneas. 

Talvez com o exemplo você possa entender melhor o que queremos dizer. Sobre a Igreja (da qual devemos especificar bem a que nos referimos quando usamos este termo em nossos estudos) existe um clichê que às vezes não corresponde à realidade; ou, em outras palavras, poderia corresponder a uma determinada realidade ou momento histórico, mas não em todos os momentos; as nuances -também as temporais – são muito importantes. Às vezes identificamos o comportamento da Igreja com o clericalismo, sem entender que são dois conceitos diferentes, embora estejam interligados. Não são poucos os casos em que nos referimos à Igreja com uma uniformidade geral em que não há nuances quando estas são fundamentais para compreender certos processos e conceitos, que podem ser interpretados de forma diferente dependendo do momento histórico. E, por último – para não alongar esta introdução- a precisão terminológica é muito importante ao referir-se a ela, já que é uma instituição com linguagem própria, com funcionamento (ad intra e ad extra) singular, diferente de qualquer organização civil com a qual às vezes se tenta erroneamente assemelhar-se. Estamos nos referindo, então, a uma globalidade uniforme sem atentar para o fato de que, compartilhando as mesmas crenças religiosas (doutrina), existem grupos com diferentes responsabilidades, hierarquias e – também- matizes ideológicos (mantendo-se na doutrina) cujas preposições – cuja preeminência pode oscilar em função dos momentos históricos.

Nas linhas a seguir vamos nos referir a alguns desses aspectos, sem a pretensão de esgotar o tema, fruto de algumas questões que nos foram colocadas ao longo de nossa – acreditamos longa – trajetória investigativa sobre Igreja e Maçonaria (por separadamente e às vezes juntos). Fazemo-lo sem intenção de censura, mas no caso de poderem ser úteis a outros investigadores que também possam refletir sobre estes extremos. Em suma, tentaremos chamar as coisas pelo nome, não numa tentativa revisionista da história, mas com o objetivo de sermos mais rigorosos em nossas análises porque uma maior precisão terminológica resulta no aprimoramento de nossa ciência.

Maçonaria, Igreja e clericalismo

Numerosos estudos sobre a Maçonaria têm mostrado que, com origem comum na Maçonaria especulativa lançada no início do século XVIII, esta desenvolveu-se nos últimos três séculos de forma diferente porque, tanto em princípios como em valores, a realidade temporária em que foi inserida e desenvolvida também evoluiu consideravelmente. O caráter elitista de outrora, depois “liberal” e posteriormente colocado em abordagens ideológicas mais avançadas – por exemplo – ou diferentes atitudes em relação à própria presença de mulheres em suas oficinas são, sem dúvida, um reflexo dessa evolução. Por esta razão e por uma infinidade de outras nuances, ninguém se surpreende que atualmente – como apontam especialistas conceituados – o uso do termo no plural, maçonarias, seja mais apropriado.

É comum em nossos trabalhos sobre Maçonaria associar o termo Igreja ao clerical, projetando na instituição a ideologia reacionária que o termo implica. Esta generalização e consequente redução é claramente inadequada. Vamos por partes. É claro para nós que com o termo Igreja nos referimos a uma instituição dirigida pela Santa Sé que está localizada no Estado da Cidade do Vaticano, que é muito recente. Até agora, em termos de direção, não há margem para erro; mas, no que diz respeito ao seu coletivo humano, como sabemos, amplo e hierárquico – desde o Papa até o último fiel cristão leigo- além de diversos, quando nos referimos à Igreja em nossos estudos, exatamente a quem nos referimos, ao Papa, a um setor específico dela, a “toda” a Igreja?; e mais: entendemos que a Igreja e seus diferentes setores, membros, têm as mesmas características e posições no início do século XVIII, no final do século XX ou no início do século XXI? A resposta, que não é tão complexa, requer conhecimento para buscar nuances suficientes que devem ser importantes para o pesquisador.

Do ponto de vista doutrinário, todos os que nasceram da água e do espírito fazem parte da Igreja ou do Povo de Deus, termo atualmente mais utilizado para possibilitar a ação de Deus na história. De fato, este aspecto foi redefinido assim recentemente, durante a segunda sessão do Concílio Vaticano II (1963) e onde se fez referência à corresponsabilidade dos leigos na Igreja, radicada no sacerdócio comum de todos os batizados e que, muitas vezes ao longo da história, foram retidas para si pelo clero. A própria Igreja assim reconheceu, aliás, a sua atitude “clerical” até então porque tradicionalmente nas tomadas de decisão não se tinha em conta os leigos, mas apenas os ordenados, o clero [2]. A consequência para o pesquisador é clara e a nuance não menos importante: quando fazemos as análises sobre a Igreja antes do Concílio Vaticano II, em qualquer assunto, inclusive o maçônico, é possível classificá-la como clerical porque, embora houvesse fiéis cristãos leigos (seculares), eram os ordenados que “assumiam” a responsabilidade exclusiva de dirigi-los, traçar direções, preparar propostas e tomar decisões. Por este mesmo fato, nos estudos sobre uma realidade maçônica mais atual, e sempre ao nível da sua direção, a Igreja deixou de ser clerical e basta consultar em qualquer diocese o número de organizações que, com a presença de leigos, participam do processo de tomada de decisão.

Clericalismo, Ultramontanismo e Maçons Católicos

Resolvido até quando e em que condições nos nossos estudos podemos ou não chamar a Igreja clerical em termos de tomada de decisão, tratemos de uma segunda questão que nos parece talvez mais complexa: a ideológica. A maioria dos estudos sobre Maçonaria associa Igreja e clericalismo para identificar ambos os termos – conjuntamente dissemos acima – com a reação; ou seja, com uma “ideologia que defende a influência do clero nos assuntos políticos de uma sociedade”, que tenta impor um modelo próprio à sociedade civil, considerada única, e na qual a Igreja era responsável pela tomada de decisões ou da inspiração absoluta das mesmas contra as abordagens que poderiam ser levantadas a esse respeito pelas Lojas; vale acrescentar que em muitas ocasiões, especialmente nos textos maçônicos que aparecem nos boletins das diferentes Obediências, a palavra jesuitismo também é usada com uma interpretação semelhante, outro termo sobre o qual seria necessário acrescentar não pouco.

Especificaremos que estamos falando de uma ideologia, não tanto de uma doutrina, na qual as abordagens da religião católica permeariam tudo, segundo o modelo do Antigo Regime, anterior às revoluções burguesas que eclodiram no final do século XVIII; nesse caso, seriam seguidas as abordagens dos mais caracterizados ideólogos da reação, como Burke e De Maistre, entre outros. Diante disso, a nova ideologia emergente, liberal (e posteriormente democrática) apostaria na secularização da vida civil e, para isso, lançaria mão do secularismo, cuja manifestação popular e radical mais conhecida seria o anticlericalismo. Vale lembrar que, aos olhos dos setores mais antiliberais do catolicismo (tradicionalismo, fundamentalismo, carlismo no caso espanhol, por exemplo), os termos liberal e maçom foram entendidos como sinônimos ao longo do século XIX e, também, embora talvez com menos ênfase, no século posterior. À primeira vista, tudo parece fazer sentido: a Igreja (o clero) é reacionária e contrária às liberdades individuais do Iluminismo que a Maçonaria assume, o que explicaria a animosidade da Igreja em relação à Ordem e o início do fenômeno antimaçônico por parte desta como resposta. Para conectar abordagem amplamente difundida entre maçonólogos e aquela simples de aparecer exposta em numerosas investigações (igrejas, clericais e reacionárias), esta formulação carece de não poucas nuances que contribuam para explicar os casos que não obedecem a esta norma. Vamos ver alguns.

Não muito tempo atrás, Martínez Esquivel, em um interessante trabalho sobre a origem da maçonaria costarriquenha, revelou a importância do padre católico Francisco Calvo como organizador da primeira loja em seu país em 1865. Entre as condições, o autor referiu-se ao Estado modelo educacional-civilista, promoção das liberdades civis, práticas eleitorais, retorno ou chegada de intelectuais locais ou estrangeiros e interesse “pela vida cívica em alguns setores hierárquicos da Igreja local”. O autor também se perguntou sobre as relações entre os maçons centro-americanos, os Estados e as igrejas católicas locais e, entre outras questões, também se havia antimaçons. Ele ainda aludiu a como o estabelecimento da liberdade religiosa facilitou a tarefa devido ao discurso maçônico de tolerância religiosa, que permitiu a “sociabilidade dos costarriquenhos católicos com estrangeiros de diversas origens e religiões”, o que resultou em uma convivência entre colunas de católicos, anglicanos, quakers, evangélicos e judeus, bem como livres-pensadores, racionalistas, espiritualistas etc. O último fator, como determinante, desta implantação da Ordem no país foi a “transformação ideológica dentro da Igreja Católica costarriquenha” – aponta, tomando de Rodríguez Dobles – que favoreceu um tipo de sacerdote e, portanto, paroquial, que a nosso ver também favoreceu a organização da Maçonaria” [3].

Na última e extensa obra de Javier Alvarado Planas, ele aborda as personalidades relevantes que pertenceram à Ordem (reis, príncipes e outros) nos três séculos de sua história. Um dos capítulos é dedicado aos “príncipes da Igreja” (católicos) maçons, personalidades realmente relevantes da Igreja (o termo, a rigor, referir-se-ia aos cardeais) que trabalharam entre colunas, sobretudo ao longo dos séculos. XIX, a sua presença nas lojas e atividades desenvolvidas. O autor também investiga a origem do fenômeno antimaçônico, os motivos da condenação da Maçonaria no Código de Direito Canônico de 1917 e a situação em que ela se encontra no atual (de 1983), que é uma consequência direta das abordagens conciliares, embora posteriormente tenham sido qualificadas por alguns altos funcionários da departamentos ou congregações romanas [4] .

Por último, na tese de doutorado recentemente defendida na Universidade de Cádiz por Ángel Luis Guisado Cuellar, o autor biografou o famoso médico Cayetano del Toro y Quartiellers (1842-1915), político liberal, prefeito de sua cidade, benfeitor, membro destacado se não promotor de inúmeros projetos sociais e culturais. Ele se referiu à sua condição de maçom pelo menos em sua juventude durante o tempestuoso período democrático de seis anos (1868-1874), desde que foi iniciado na loja de sua cidade Hijos de Hiram no. 62 sob a Obediência do Grande Oriente Lusitano Unido e, posteriormente, já na restauração afonsina, em outra oficina sob o Conselho Supremo da França do qual era Venerável. Caracterizou-se também por sua catolicidade, que o levou a pertencer a diversas irmandades e confrarias penitenciais – nas quais se destacou – e a promover extraordinariamente festividades religiosas quando era gestor público, justamente em um momento em que a Igreja se pronunciava repetidamente contra a Maçonaria, foram publicadas as obras de Leo Taxil (então tidas como verdadeiras) e promovidos encontros antimaçônicos internacionais. Del Toro foi, sem dúvida, um personagem de tão profunda catolicidade, mesmo em seus atos mais íntimos que, na resposta dada em 1913 ao Bispo de Cádiz quando transmitiu suas condolências pela morte de Segismundo Moret, herói liberal de Cádiz, em várias ocasiões Presidente do Governo, formulou uma resposta lapidar: “Agradeço do fundo do meu coração por suas condolências pela morte de Moret. Ser liberal não é incompatível com ser católico e ter uma fé religiosa” [5].

Poderíamos trazer aqui mais exemplos de personagens da Igreja em seus diferentes estratos, não apenas distantes do pensamento reacionário, mas que participaram ou promoveram a Ordem. Esses casos nos mostram uma visão radicalmente diferente daquela que costuma ser difundida pelos homens da Igreja. Diante da visão tradicional da Maçonaria como inimiga, homens que pertenciam a diferentes estratos eclesiais a promoveram, trabalharam em suas oficinas e, mesmo quando a doutrina oficial da Igreja se posicionava (o gerúndio é intencional) contra ela e suas atividades, pelo menos para esses católicos, não representava nenhum problema legal, espiritual ou de consciência, trabalhando entre colunas. Do exposto pode-se deduzir, portanto, que houve momentos em que a rejeição ou condenação das Lojas pela Igreja não afetou os próprios católicos. Foi no final do século XIX (especialmente durante o pontificado de Leão XIII) que se configurou como a principal inimigo da Igreja (por razões doutrinais, mas também ideológicas como veremos), parecendo reunir todos os males e maquinações contra a ela. uma visão que, cem anos depois, tentou-se reformular no contexto do Concílio Vaticano II. 

Este aspecto é complicado, porque não é apenas uma questão de tempo, mas de modelos ideológicos de acordo com as circunstâncias de cada país. É aqui que entra a crença errática de conceber sempre a Igreja como um bloco compacto que contém em si uma profunda homogeneidade em todas as suas dimensões. Esta abordagem, comum entre aqueles que percebem a realidade eclesial de fora, exige, no mínimo, ser qualificada. Na mesma base doutrinária comum a todos os católicos, existem diferentes modelos para alcançar o objetivo final, a transcendência (seculares, religiosos, ordenados; associados ou não em grupo, por exemplo). Esta base comum que chamamos de Doutrina Social da Igreja (uma atualização da mensagem evangélica à luz dos textos bíblicos, dos Padres da Igreja, das encíclicas e documentos pontifícios, bem como dos pronunciamentos da Igreja nos sínodos e concílios, sem redução da mensagem evangélica original) começou a ser compilada no pontificado de Leão XIII (1878-1903), e não só contém orientações sobre questões meramente sociais, como se pensa erroneamente, mas também posiciona os crentes diante de toda realidade existente ao seu redor. Além disso, foi com este Papa que se formulou a mais copiosa doutrina sobre a ideologia triunfante com a extinção do Antigo Regime, o liberalismo e a presença pública dos católicos num mundo cada vez mais secularizado; essas iniciativas devem incluir a condenação doutrinária da Maçonaria com o Humanum Genus em 1884.

A maior parte do clero que conhecemos que pertenceu à Ordem fê-lo antes destas grandes definições doutrinárias, quando só existiam as condenações ideológicas ao absolutismo (feitas por diferentes monarcas desde meados do século XVIII, incluindo o próprio papa por estar em cargo dos Estados Pontifícios). A dissolução do Antigo Regime facilitou a pluralidade ideológica mesmo dentro da própria Igreja. Na França revolucionária e napoleônica havia jurados e refratários entre o clero; mais tarde será o país do ultramontanismo, mas também o berço do catolicismo liberal: um bom número de jovens padres, diz Aubert – levantou a possibilidade de conciliar o catolicismo com o liberalismo e aceitar, sem trair sua fé, uma ordem social baseada nos novos princípios revolucionários: liberdade pessoal, liberdade política, liberdade de imprensa e religião, mesmo que isso implique uma restrição de privilégios eclesiásticos e até mesmo a separação entre Igreja e Estado. Um catolicismo liberal com múltiplas nuances, que em muitas ocasiões se limitou mais à aceitação do novo estilo de vida, o espírito do século, do que à assunção do conteúdo doutrinal que certas abordagens liberais poderiam acarretar. Assim, com esta abordagem pragmática, a juventude intelectual seria reconquistada para a Igreja e, em última análise, seria melhor para seus próprios interesses. A condenação de Gregório XVI a este movimento que supunha a Mirari vos (1832) foi muito diminuída quando os católicos belgas foram autorizados nas mesmas datas – certamente como uma exceção – a trabalhar junto com os liberais para alcançar sua independência e buscar na prática um modelo constitucional [6].

Como podemos ver, aquela mesma Igreja que nas obras sobre a Maçonaria apontamos ideologicamente de forma genérica como clerical e ultramontana, estava em alguns países e por vezes (ainda que excepcionalmente) dando validade às formulações liberais em cujo triunfo parece claro que, pelo menos na onda revolucionária de 1820 em que se concebeu a independência belga, participaram diferentes sociedades, entre elas a maçônica. o jogo contra o ultramontanismo, que levou ideologicamente ao triunfo de um catolicismo mais autoritário e ultraconservador que permeava tanto questões doutrinárias quanto aspectos meramente circunstanciais, portanto discutíveis. Uma das consequências foi a Humanum genus, que apresentava a Maçonaria como a instituição criada pelo maligno em sua luta contra a Igreja e da qual, por motivos óbvios, os crentes deveriam se distanciar.

O caso exposto acima, relativo à realidade costarriquenha de meados do século XIX, deve ser interpretado dentro dessa evolução, especialmente quando se tratava de uma nova realidade, um Estado emergente, que havia abandonado seu vínculo com a tradição política secular espanhola. A existência de um clero esclarecido, propenso a um incipiente catolicismo liberal é algo que, apesar das contradições ideológicas ocorridas na emancipação destes territórios de Espanha, tem sido constatado nos estudos até à data realizados. Para dar um exemplo: antes da invasão napoleônica da península, alguns membros do conselho mexicano (salvemos Abad e Queipo) já defendiam então que, na ausência do monarca, a soberania havia sido devolvida ao povo e, ainda assim, mantinham a defesa dos direitos da religião católica; nos documentos romanos através dos quais a Santa Sé reconhece a nova realidade eclesial hispânica na América, a própria Igreja admitia de fato governos que saíam de uma revolução política e que de modo algum se identificavam com uma monarquia tradicional (ultramontana, por exemplo) [7]. Outra questão é que, de reconhecer o catolicismo como religião de Estado na maioria dos textos constitucionais americanos em meados do século XIX, se passasse a rupturas violentas em alguns países (Colômbia e México; o contraponto seria o Equador na presidência de García Moreno). quando a Igreja se recusou a ser protegida pelo Estado, por ser incompatível com as ideias ultramontanas que prevaleciam cada vez mais em Roma [8].

Voltemos a recapitular o que nos interessa aqui. A visão de uma Igreja monolítica, única e ideologicamente uniforme (ultramontana, reacionária, clerical, enfim, que é o que costuma aparecer nos estudos antimaçônicos) não corresponde estritamente à realidade. Pode associar-se a momentos específicos da sua história nos últimos três séculos, porém em outros e mantendo a mesma doutrina, coexistiram no seu interior orientações ideológicas diferentes (mesmo contraditórias), quanto mais desde o Concílio Vaticano II quando, na reformulação geral que afeta sua relação com outras religiões (especialmente com as do Livro, que, como será lembrado, também esteve na base das condenações da Maçonaria em meados do século XVIII). Só qualificando esta generalidade sobre a Igreja é que se podem compreender as atitudes apontadas por Esquivel, Alvarado e Guisado nas obras acima referenciadas; Eles não eram de forma alguma um pássaro raro que beirava o estranho e o excepcional, ou identificado como distante da ortodoxia ou heréticos; pelo menos até que fossem formulados os grandes princípios doutrinários (impregnados com a realidade italiana neste caso)  que deixaram aqueles que seguiam as abordagens filosóficas naturalistas (que excluíam a intervenção de qualquer princípio sobrenatural ou transcendente), como não poderia ser de outra forma, na heterodoxia [9] 

Ultramontanismo e a imprensa política dos católicos

Se o uso da imprensa é habitual nos estudos sobre a Maçonaria, na análise do confronto clerical-maçônico torna-se em grande parte imprescindível porque foi justamente neste ambiente – ainda mais que nas instituições públicas – onde ocorreram as maiores controvérsias. A abundante historiografia existente sobre a antimaçonaria no âmbito eclesiástico, tem frequentado o que é definido nos textos como a imprensa católica. Vamos nos deter nesta questão porque, por vezes, a generalização no uso desta denominação, imprensa católica, encerra um profundo desconhecimento dela, sobretudo a partir do momento em que a Igreja acabou por assumi-la como instrumento de evangelização e avançou a propaganda do século XIX (até então, por ser o meio utilizado pela revolução e pelo liberalismo, tendia a desacreditá-la). O caso que vamos apresentar aqui é o espanhol, que conhecemos melhor e podemos falar com mais propriedade, mas pode ser facilmente assimilado com o que acontece além de nossas fronteiras, pois estamos falando de uma Igreja universal [10].

Na época percebemos o caráter oscilante que essa imprensa geralmente chamada de católica tinha em seus ataques à Maçonaria. Na primeira fase da Restauração Alfonsina (último quartel do século XIX) foi neste ambiente que se desenrolaram os confrontos mais viscerais em Espanha (fato que se reproduziria anos mais tarde, já na Segunda República e durante o regime franquista ); paradoxalmente, contrastava com o fato de que no final do século XIX, exceto em momentos específicos (os dois anos após a publicação da Humanum genus), a hierarquia eclesiástica espanhola mal figurava em sua correspondência como um assunto que o preocupava excessivamente [11]. Pelo contrário, na segunda fase da Restauração (primeiro quartel do século XX, até 1923) os ataques à Maçonaria nessa mesma imprensa diminuíram significativamente, ao ponto de ser difícil encontrar qualquer alusão a ela, sobretudo no final do período; seria no início dos anos 30, quando a situação se inverteu, quando a república voltou a ser proclamada. A princípio pensávamos que esta segunda situação se devia em grande parte ao fato de que, no alvorecer do século XX, os textos condenatórios de Roma diminuíram, talvez pela deterioração causada pelo caso Taxil e, sobretudo, porque no caso espanhol houve a paralisação geral das Lojas devido a um fenômeno conhecido (a crise do final do século da Maçonaria Espanhola, nos momentos anteriores ao Desastre de 1998) quando a grande maioria das Lojas bateram colunas. Certamente, a esses fatores poderíamos opor que, embora não houvesse novos textos condenatórios, todos os anteriores ainda estavam em vigor; com relação aos organismos, não era menos verdade que os irmãos não se exterminaram por magia, apesar da crise; e, finalmente, que foi uma fase em que se intensificaram as eclosões do anticlericalismo secularizante, atrás do qual talvez não estivessem as Lojas, mas aqueles que se identificavam com suas abordagens secularistas [12].

Procurando as razões, notamos o comportamento dessa imprensa dita católica, que não foi uma parte menor desse confronto – embora não seja a única – já que a maçônica era muito minoritária e a paramaçônica se confundia com a mais liberal, mais radical ou a republicano, que nem era muito abundante [13]. No que se refere ao último quartel do século XIX, verificamos que na realidade aquela imprensa, visceralmente antimaçónica, estava ligada às organizações políticas carlistas ou fundamentalistas (as duas organizações partidárias com as quais se identificava a maioria do catolicismo espanhol, muito em desacordo entre si), a quem pertencia à propriedade das prensas e que, sem dúvida, lutaram arduamente contra abordagens ideológicas ultramontanas e reacionárias (clericais, segundo alguns, como vimos) contra o, certamente, morno liberalismo espanhol que caracterizou a primeira fase da Restauração Alfonsina. Em sentido estrito, portanto, católico era um adjetivo que qualificava o substantivo: imprensa política daquelas organizações certamente reacionárias, confrontadas pessoalmente, em cuja ideologia figurava a defesa da religião e dos interesses da Igreja. Vale ressaltar que essa imprensa ultramontana, muito polêmica, também atacou tudo o que não gostou: contra a maioria do episcopado espanhol que estava em sintonia com os desígnios de Leão XIII e seu movimento católico, com a qual se pretendia mobilizar os fiéis leigos, fazendo-os participar da vida pública, ainda que em regime liberal; contra os mesmos católicos em geral que, usando sua liberdade e sem entrar em contradição com as abordagens doutrinárias da Igreja, favoreceram a participação no modelo político liberal espanhol claramente moderado, seguindo as diretrizes do Papa e dos bispos; e, por fim, relutavam em distribuir patentes liberais (e, portanto, maçons) a quem não se identificasse com seus postulados, atacando o liberalismo (Liberalismo é pecado diziam, usando o título da obra de Sarda e Salvany, caracteristicamente fundamentalista, publicado em 1884), ou para acusar à própria Rainha Regente, a quem Leão XIII havia concedido a Rosa de Ouro, de ter sido iniciada na Maçonaria.

Se aprofundarmos um pouco mais na polêmica orquestrada por esse tipo de imprensa, seu principal objetivo era atacar o liberalismo e impedir que os católicos espanhóis participassem do sistema liberal alfonsino (como afirmavam os prelados, aplicando o mal menor) usando o argumento de que o os liberais eram todos maçons e, portanto, inimigos da Igreja que os havia condenado. Este pano de fundo é o que está na base das virulentas e permanentes polêmicas jornalísticas antimaçônicas do último quartel do século XX, nuance que não costuma ser captada pelos investigadores e que, consequentemente, não se apercebem de que a imprensa utilizada em suas investigações não pode ser chamada de católica em sentido estrito, mas sim a imprensa política dos partidos católicos ultramontanos.

Uma última nota para esclarecer por que este confronto na imprensa se reduziu ao seu praticamente desaparecimento no primeiro quartel do século XX. Tem muito a ver com a irrupção no início do século de uma verdadeira imprensa católica que, em comparação com a anterior, não dependia de organizações políticas ultramontanas, mas do próprio episcopado. Será a maioria então. É um modelo de imprensa que não só defendia as posições da Igreja e nesse sentido tinha um censor eclesiástico (algo que os anteriores já conheciam) mas, para evitar polémicas como estas somadas a outras, assumiu a direção e até mesmo propriedade da editora. A condição católica desta imprensa é a substantiva, estando ao serviço do prelado e da Igreja, não de qualquer organização política, embora em seus ideais legítimos estivesse incluída a defesa dessas mesmas abordagens [14]. A partir dela, vinculada ao episcopado, não foi necessário usar a Maçonaria como uma arma lançada contra aqueles que tentaram participar do modelo liberal, porque foram os prelados que promoveram a iniciativa de defender assim a Igreja e suas abordagens doutrinárias dentro do sistema; e mesmo que a Maçonaria continuasse a recolher todas as condenações anteriores, esse argumento não foi utilizado, muito menos sua identificação com o liberalismo. O que viria a acontecer anos depois, já durante a Segunda República, quando a controvérsia clerical-maçônica voltou a se intensificar, explica-se pela grande mobilização daqueles setores católicos reacionários contra os mais propícios a participar do processo democrático [15]. 

Insistimos, então, que boa parte das obras que utilizam a imprensa nessa polêmica não atentam para essas nuances e, por isso, podem levar a confusão na hora de interpretar o que está acontecendo. A imprensa católica, ligada ao episcopado (ainda que exale um ultramontanismo sociopolítico) não é a imprensa política pertencente a organizações seculares cuja ideologia é a defesa dos princípios da Igreja a partir de uma posição ideológica claramente reacionária; esta é a imprensa política dos católicos, em um momento em que a Igreja – como apontamos acima – é clerical em termos de tomada de decisões. Como pudemos perceber, a forma de tratar os assuntos relacionados à Maçonaria em suas colunas certamente é diferente, embora no fundo compartilhem da mesma rejeição à referida instituição.

Recapitulação

Concluímos nosso trabalho em que analisamos como a questão antimaçônica relacionada à Igreja é abordada a partir das investigações que são realizadas a partir da maçonologia mais conhecida. Debruçamo-nos apenas sobre três questões estreitamente relacionadas (clericalismo, ultramontanismo, imprensa católica) onde descobrimos que a ausência de nuances, algumas importantes, produz desencontros interpretativos. A análise também poderia ser feita ao contrário, da eclesiologia à maçonaria, onde também se poderia apontar a falta de nuances e erros grosseiros; talvez um dia cheguemos a isso. Com isso tentamos ilustrar para que generalizações infelizes sejam evitadas e seja especificado da melhor maneira possível, para que um bom estudo não seja prejudicado por não saber qualificar rigorosamente os termos usados.

Neste sentido, creio que podemos distinguir melhor quando devemos usar rigorosamente o termo clericalismo: se nos referimos ao governo geral da Igreja; se estamos nos referindo a um grupo específico de sua estrutura piramidal e sua importância dependendo dos diferentes períodos; ou se o fizermos em referência a uma abordagem ideológica ultramontana. Neste último caso, deve-se levar em conta a heterogeneidade ideológica da Igreja em função dos tempos, o que nos permite explicar a existência do clero maçônico e que não seja tomado como comportamento estranho ou singular, nós o consideramos como um grupo rebelde ou, simplesmente, tomados por hereges; incluindo a nuance do catolicismo liberal pouco tratado, não devemos nos surpreender com a aposta ideológica de uma parte do clero pelo constitucionalismo e pelas liberdades nascidas dos processos revolucionários burgueses, “maçônicos” que diriam – seja essa condição verdadeira ou não – a interpretação eclesial tradicional ou ultramontana. E o mesmo se pode dizer da imprensa que às vezes qualificamos levianamente como católica e, embora seja verdade que em algum aspecto poderia ser, na realidade obedecia a uma certa abordagem ideológica geralmente nas mãos de políticos ultramontanos que eram os que se mostravam os mais beligerantes contra a Ordem, em parte para impedir que os católicos construíssem pontes com a nova realidade política social-liberal que se impunha. Em sentido estrito, esta imprensa não é católica, mas uma imprensa política dos católicos, muito abundante justamente nos tempos em que os leigos, por terem pouco papel nas decisões da Igreja, eram basicamente clericais.

Autor: José-Leonardo Ruiz Sánchez

Fonte: Revista REHMLAC, vol. 11, no. 1, maio-nov. 2019.

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Notas

[1] – Las reuniones celebradas periódicamente por el CEHME desde hace más de veinte años dan buena prueba del interés que tiene la controversia clericomasónica: el tema siempre tiene una sección destinada a analizar los enfrentamientos entre la Iglesia y el Estado. De la consulta del repertorio bibliográfico de la Masonería publicado José Antonio Ferrer Benimeli y Susana Cuartero Escobés, Bibliografía de la masonería(Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004), comprobaremos que en los dos tomos se repiten dos apartados (Diversos aspectos de la antimasoneríay Confrontación Iglesia-Masonería) con más de tres mil quinientos registros, casi el veinte por ciento de todos los trabajos allí referenciados. Centrándonos en el caso español, la mayoría de los estudios se concentran sobre la etapa inicial de la Restauración, seguida de la Segunda República, a cuyo número habría que añadir otros muchos trabajos que, al analizar la Masonería en España por distintas zonas geográficas, siempre terminan refiriendo los enfrentamientos habidos con la Iglesia local.

[2] – El tema desarrollado fue del Pueblo de Dios y los laicos. Humbert Jedin, “El Concilio Vaticano II”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin y Konrad Repgen (Barcelona: Herder, 1984), T. IX, 157-236. Robert Rouquette, El Concilio Vaticano II(Valencia: Edicep, 1978), 192 y 295-6. Al respecto, véase también el capítulo II de Lumen Gentium, Constitución Dogmática de la Iglesia, uno de los grandes documentos emanados del Concilio.

[3] – Ricardo Martínez Esquivel, “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”, en 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones, eds. Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón (Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017), 91-116.

[4] – Javier Alvarado Planas, Monarcas masones y otros príncipes de la acacia(Madrid: Editorial Dykinson, 2017), 371-544.

[5] – Ángel Luis Guisado Cuéllar, “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento” (Tesis de Doctorado en Filosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017).

[6] – Roger Aubert, “La primera fase del liberalismo católico”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin (Barcelona: Herder, 1978), T. VII.

[7] – Una visión muy completa de la situación de la Iglesia en América en los momentos previos a la emancipación en Joseph-Ignasi Saranyana, Teología en América Latina(Pamplona: Universidad de Navarra, 2008), en especial 88-93 y 137-148. Véase también Pedro Borges, Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas(Madrid: BAC, 1992) 168-172.

[8] – Pío VII, BreveEtsi longíssimo terrarum, 30 de enero de 1816.León XII,Etsi iam diu, Roma, 24 de septiembre de 1824; sobre el particular véase Luis Ernesto Ayala Benítez, La Iglesia y la independencia política de Centro América(Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007), 9 y 292-294. Marta Eugenia García Ugarte, “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”, en Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití, ed. Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez (Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005), 245-270. Sobre el episcopado mexicano véase también Francisco Sosa, El episcopado mexicano(México: Editorial Innovación, 1978).

[9] – Como es sabido los tratadistas pusieron hace tiempo de manifiesto la influencia que en las formulaciones doctrinales sobre el liberalismo y la Masonería tuvo la situación vivida por la Iglesia (en realidad por los Estados Pontificios) tras el proceso de unificación italiana, orquestada por un movimiento liberal en el que participaban los que estaban afiliados a la Masonería, y toda la deriva laicista y radical que vino después con el anticlericalismo.

[10] – Puede seguirse con bastante soltura lo ocurrido al respecto en la introducción que hacemos en nuestro trabajo José-Leonardo Ruiz Sánchez, Prensa y propaganda católica (1832-1965) (Sevilla: Universidad, 2002). En su interior se recoge abundante bibliografia.

[11] – Lo expusimos en nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”, en La masonería española en la época de Sagastacoord. Ferrer Benimeli (Logroño: CEHME, 2007), Tomo II, 1.129-1.155. Utilizamos en gran medida la correspondencia relacionada en el trabajo de Franco Díaz de Cerio, Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano (1875-1899) (Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993), aparte de la consulta expresa en el Archivo Secreto Vaticano.

[12] – Los estudios sobre la controversia clericomasónica relativa a estos momentos brilla por su ausencia en las reuniones del CEHME, hecho que no nos debe llevar concluir que es inexistente. La revitalización de los talleres a partir de las fechas indicadas puedeobservarse, por ejemplo, en todas las provincias andaluzas que cuentan con estudios sobre los talleres en el siglo XX. Véase al respecto, Fernando Martínez López y Leandro Álvarez Rey, La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo (Madrid: Biblioteca Nueva, 2017).

[13] – Sobre la prensa masónica y paramasónica, véase Celso Almunia, “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”, en La cuestión social en la Iglesia española contemporánea(Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981), 123-165. TambiénFerrer Benimeli, “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”, en La modernidad religiosa,coord. Jean-Pierre Bastian (México: Fondo de Cultura Económica, 2004), 111-123.

[14] – Ese aspecto lo podemos ver en un caso local como el que describimos en Ruiz Sánchez,“Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”, en La masonería y su persecución en España, coord. Juan Ortiz Villalba (Sevilla: Ayuntamiento, 2005), 41-64.

[15] – Al Respeto, véase nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”, Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.

Bibliografia

Almunia, Celso. “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”. En La cuestión social en la Iglesia española contemporánea. Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981.Alvarado Planas, Javier. Monarcas masones y otros príncipes dela acacia. Madrid: Editorial Dykinson, 2017.Aubert, Roger. “La primera fase del liberalismo católico”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin. Barcelona: Herder, 1978.Ayala Benítez, Luis Ernesto. La Iglesia y la independencia política de Centro América. Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007.Borges, Pedro. Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas. Madrid: BAC, 1992.Díaz de Cerio, Franco. Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano(1875-1899). Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993.Ferrer Benimeli, José Antonio y Susana Cuartero Escobés. Bibliografía de la masonería. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004.Ferrer Benimeli, José Antonio. “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”. En La modernidad religiosa. Coordinado porJean-Pierre Bastian. México: Fondo de Cultura Económica, 2004.García Ugarte, Marta Eugenia. “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”. En Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití. Editado por Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005. Guisado Cuéllar, Ángel Luis. “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento”. Tesis de Doctorado enFilosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017.Jedin, Humbert. “El Concilio Vaticano II”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin y Konrad Repgen. Barcelona, Herder, 1984.Martínez Esquivel, Ricardo. “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”. En 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones. Editado por Ricardo Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón. Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017.Martínez López, Fernando y Leandro Álvarez Rey. La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2017.Rouquette, Robert. El Concilio Vaticano II. Valencia: Edicep, 1978.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”. En La masonería española en la época de Sagasta. Coordinado por José Antonio Ferrer Benimeli. Logroño: CEHME, 2007.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”. En La masonería y su persecución en España. Coordinado por Juan Ortiz Villalba. Sevilla: Ayuntamiento, 2005.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”. Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. Prensa y propaganda católica (1832-1965). Sevilla: Universidad, 2002.Saranyana, Joseph-Ignasi. Teología en América Latina. Pamplona: Universidad de Navarra, 2008.Sosa, Francisco. El episcopado mexicano. México: Editorial Innovación, 1978.

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Maçonaria e Igreja: conflitos e fronteiras fluídas

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A insustentável leveza das fronteiras: clero católico na Maçonaria e a questão do anticlericalismo e do antimaçonismo em Portugal

Igreja Católica e maçonaria: conflitos e condenações

A história das relações entre Igreja e a Maçonaria tem sido uma história dilemática. As relações entre ambas estas instituições, tão marcadas por conflitos e incompreensões, fazem parte de uma história que não pode ser estudada apenas pela catalogação das condenações das autoridades eclesiásticas em relação às práticas maçónicas ou dos ataques propagandísticos da maçonaria à Igreja Católica. Para compreender esta história que, em certos aspectos, podemos classificar de amor/ódio e de atracção/ repulsão é preciso ir mais fundo.

A Maçonaria apresenta-se, quando emerge em sociedades cristãs protestantes e católicas de Antigo Regime, com um corpo de ideias, de ideários e de ritualidades que foram consideradas subversivas no âmbito daquele modelo político-social vigente e no qual cresciam os germes de uma nova sociedade menos monolítica, mais secularizada e mais livre, mais tolerante e de perspectiva mais universalista. A Igreja, através da sua alta hierarquia, como instituição religiosa tutelar das sociedades de Antigo Regime e defensora de um ideário dogmatizante do religioso entendeu a Maçonaria como uma instituição concorrencial que pedia uma fidelidade que alegadamente não poderia ser partilhada com a fidelidade religiosa à Igreja com o mesmo grau de vinculação.

Este dissentimento genesíaco da história da Maçonaria com a Igreja começou a criar um abismo aparentemente intransponível entre as duas instituições que nunca mais parariam de se digladiar, apesar das cumplicidades, das trocas simbólicas e de outras simbioses entre ambas virem a revelarem-se muito maiores do que se poderia pensar.[1]

A Igreja Católica iniciou a sua longa história de condenação pública da maçonaria a 28 de Abril de 1738, quando o Papa Clemente XII (1730-1740) proibiu os católicos de se tornarem membros de lojas maçónicas, através da bula In eminenti apostolatus specula, que assinalava a incompatibilidade entre o juramento e o segredo das obediências maçónicas e a condição de cristão integrado na Igreja Católica Romana.[2]

O edital de 28 de Setembro de 1738 resume o diploma da Inquisição portuguesa, no qual os católicos residentes em Portugal eram admoestados a confessar e denunciar ao Santo Ofício a existência de assembleias maçónicas. Esse edital foi publicado nos conventos e paróquias do reino e do império, como eram hábitos nestas situações. Nele era proibida a participação dos católicos nas referidas assembleias de pedreiros-livres, sendo ordenada inquirição em todos os lugares, por parte de bispos, prelados superiores e inquisidores, para identificação dos transgressores.

Apesar destes factos históricos, há registos da entrada de diversos padres e bispos católicos na Maçonaria portuguesa. A Inquisição de Lisboa estreou-se em diligências contra a maçonaria a 18 de Julho de 1738, pouco tempo depois da condenação papal.

Em Lisboa, segundo o padre Charles O’Kelly, a maçonaria juntava um grupo de escoceses, irlandeses e ingleses, tanto católicos como protestantes. Tal como ele observou, eram médicos, capitães de navios, militares, arquitectos, negociantes e também vários padres.[3]

O registo de padres na Maçonaria portuguesa remonta à I metade do século XVIII. Este trabalho pretende abrir campo para o estudo da militância maçónica de padres, frades e bispos católicos.

O caso mais emblemático encontra-se logo nos primórdios com a fundação, em 1733, na Capital portuguesa da Casa Real dos Pedreiros-Livros da Lusitânia. Esta loja era verdadeiramente cosmopolita, interconfessional, interclassista e ecuménica. Era constituída por obreiros da área do comércio, por quadros do exército, por médicos, onde preponderavam três frades dominicanos. Boa parte dos membros era estrangeira de origem irlandesa. Em 1738 com a publicação da bula condenatória de Clemente XII a loja foi encerrada.

Ao longo do século XIX, século maçónico por excelência, secreta, discreta ou abertamente vária padres e até mesmo membros do alto clero, como seja bispo destacado, aderiram à Maçonaria não se revendo no extremismo dos anátemas papais contra os ideais maçónicos. O mais célebre destes membros conhecidos do alto clero católico que pertenceu à Maçonaria foi, sem dúvida, o Bispo de Viseu, D. João Alves Martins (1862-1882). Formado na ordem franciscana e doutorado em Teologia pela Universidade de Coimbra, teve relevante empenhamento político como ideólogo do Partido Reformista. Além de deputado, chegou a ocupar o cargo de Ministro do Reino no governo de Sá da Bandeira entre 1868 e 1869 com intervenções importantes em termos legislativos.

Apesar de altas patentes de o clero católico liberal, terem um entendimento diferente do da Santa Sé no que concerne à Maçonaria, o papado até ao Concílio Vaticano II mantive as proibições de participação de católicos nesta organização.

Com efeito, o secretismo da Maçonaria e os seus ideais foram muitas vezes vistos pela Igreja como um atentado à religião e aos dogmas católicos, levando a que a Maçonaria fosse olhados com desconfiança pela Igreja Católica. A Maçonaria ripostou, a partir das suas facções mais radicais, com uma longa campanha contra a Igreja e contra as suas instituições.[4]

O período chave de confronto entre a Igreja católica e a Maçonaria foi nos pontificados de Pio IX (1846-1878) e Leão XIII (1878-1903), que abarcam praticamente toda a segunda metade do século XIX.

Os papas não foram os primeiros a condenar a Maçonaria. Já anteriormente houve na França algumas intervenções da polícia contra as lojas. Concretamente, a 14 de Setembro de 1737, o Cardeal Fleury, Primeiro-Ministro de Luís XV, proibia todas as reuniões secretas e, especialmente, a formação de associações qualquer que fosse o pretexto e qualquer que fosse
a denominação. Dois anos antes, idêntica proibição fora emanada na Holanda, cujo exemplo parece ter sido seguido por muitos outros governos da Europa.[5]

Maçonaria e filiações políticas

Durante a segunda metade do século XVIII, a Maçonaria tinha erguido pelo menos em cinco centros urbanos Lojas: Lisboa, Porto, Coimbra, Valença do Minho e Funchal. Tratava-se de Lojas de importância relativa. A Maçonaria foi pouco influente até 1807: tinha baixo número de aderentes, débil politização, vagamente identificada com a ideologia iluminista[6]. O liberalismo não foi um movimento de massas até à primeira invasão francesa, mas foi suficientemente ativo para inquietar os poderes repressivos da Inquisição, da Intendência da Polícia e da Real Mesa Censória. Não se tem conhecimento do quadro social das Lojas deste período primordial, mas sabe-se que nelas tinham assentos aristocratas, militares, clérigos, e muitos grupos pertencentes a diversos estratos mais ou menos abastados do terceiro estado. Para além de sacerdotes, nela se filiaram leigos católicos, não obstante as proibições pontifícias que remontavam a 1738. Ao lado destes havia homens de outras confissões religiosas, outros sem religião.[7]

Sob o ponto de vista político, muitos não escondiam a sua simpatia pelos ideais de Igualdade e de Liberdade da Revolução Francesa, grande parte deles preparando as vias do Liberalismo. Todos seguiam com interesse as peripécias da Revolução Francesa. E a maior parte, se não a totalidade dos maçons portugueses, eram jacobinos, isto é, eram adeptos das Revoluções que marcaram o Atlântico nos finais do século XVIII. Daqueles lugares, o que exibia maior pujança maçónica era naturalmente Lisboa, mas o Porto possuía também o seu núcleo, constituído por gente tão diversa como caixeiros e nobres, negociantes e homens de leis. Da lista faz parte o chefe da Intendência da Polícia, um advogado de origem transmontana e ex-clérigo de ordens menores que fora condenado, em 1780, por adesão a ideias subversivas querem sob o ponto de vista político, quer sob o ponto de vista da doutrina católica.

A partir da primeira invasão francesa, a Maçonaria politizou-se à esquerda. Na sequência da Constituição de Cádiz (que a portuguesa de 1822 irá acompanhar), a partir de 1813 a Maçonaria (que fora desmantelada na sequência das perseguições generalizadas de 1809-1810) e as forças liberais recomeçam a organizar-se. Com Gomes Freire a Maçonaria politizou-se notavelmente. Há nesta altura convergência das maçonarias portuguesa e espanhola. Vários maçons espanhóis encontram-se em Lisboa com Gomes Freire. A Maçonaria foi a estrutura de apoio da conjura, mas é preciso dizer-se que fora de Lisboa e fora do exército a Maçonaria tinha uma fraca implantação. E, em si mesma, não funcionou como central de atividade conspirativa. Depois da conjura, as sociedades secretas foram severamente vigiadas, não tanto em relação ao passado mas em relação a novos aderentes: os Irmãos seriam incriminados por crime de lesa-majestade e as casas onde as Lojas funcionassem seriam confiscadas.

O descontentamento generalizado com a frágil conjuntura socioeconómica do país, aliado ao desejo de mudança experimentado em sectores de vanguarda da sociedade portuguesa, deram origem à revolução de 1820. Esta foi produzida pelo Sinédrio, corpo político sem qualquer comunicação com sociedades secretas. Se entre os membros do Sinédrio estavam alguns elementos maçónicos da maçonaria madrilena, não há qualquer indício que alguma Loja maçónica o dirigisse ou guiasse. Todavia, o Sinédrio recebeu a influência da Maçonaria, sendo organizado à imagem das sociedades secretas: secretismo, designação numérica dos membros da Associação. Os maçons portugueses eram: Manuel Fernandes Tomás, João da Cunha Sottomayor, José da Silva Carvalho e talvez José Ferreira Borges.

Entre 1820-23 a identidade dos governos não mostra o exclusivo nem até o predomínio de elementos maçónicos. A sociedade não era maioritária no Congresso, mas sem dúvida que lutou pela supremacia no aparelho de estado. Pelas Constituições de 1821 a condição de Irmão tornou-se inseparável da de liberal. Foi com base na Constituição de 29 de Março de 1821 e do texto espanhol de 1812 que a maçonaria portuguesa estruturou a sua lei orgânica.

Após a vitória definitiva do Liberalismo, a Maçonaria politizar-se-á cada vez mais. Nos finais do século XIX e princípios do XX, o ideário maçónico começou a identificar-se com a ideologia republicana, apesar de haver muitos obreiros monárquicos. A República foi, essencialmente, obra de maçons. O advento do novo regime havia de enfraquecer a Maçonaria, na medida em que ela se envolveu directamente na luta político-partidária, dividindo-se entre o apoio ao Partido Republicano e ao Partido Democrático.[8]

Maçonaria e Anticlericalismo

A ação maçónica organizou-se nos tempos agitados das invasões francesas. O espírito liberal e anárquico desenvolveu-se entre nós por uma dupla influência: ideias da revolução francesa, importadas através dos soldados napoleónicos e tendências anárquicas do liberalismo protestante dos aliados ingleses. A revolução de 1820 consagra a Maçonaria e o liberalismo como hostis à Igreja e ao clero. As campanhas de descrédito sucedem-se. Se o clero adere, em parte, a esse movimento, dentro de pouco tempo vê que ele é dirigido contra si. E quando surge D. Miguel como alguém capaz de repor as coisas num estado parecido com o anterior, o clero toma o seu partido, desejoso de reaver a consideração perdida.

O clero não estava todo por D. Miguel. Dividiu-se e até mudava de partido conforme as conveniências pessoais: jogava-se com a influência do clero sobre o povo para conquistá-lo. Absolutistas e liberais lutavam pelos seus interesses, nem sempre tentando proteger uma classe.

Após a vitória do movimento liberal, ainda antes de este se consolidar, iniciava-se um movimento de desprestígio contra a Igreja e o clero para justificar o roubo dos bens eclesiásticos com que era preciso galardoar serviços ou enfrentar despesas e dívidas públicas. Se tal roubo sistemático de bens materiais era o menos, para ele se realizar foi preciso criar ambiente anticlerical, fundamentado na adesão do clero ao absolutismo, com a colaboração de alguns membros do próprio clero comprometidos nas lojas maçónicas. O clero vê-se despojado dos seus bens, tornando-se incapaz de continuar uma obra de assistência que vinha realizando e que passa para o estado sem possibilidades morais e até materiais de a continuar, uma vez que os bens espoliados revertiam a favor de particulares oportunistas. Durante um longo período de tempo, o clero perde algum do seu prestígio social, sendo alvo de escárnio e de anedotas. As novas ideias liberais eram anticlericais e anticatólicas.

Esta mesma campanha anticlerical continuou nos primeiros e seguintes anos da República. O anticlericalismo português toma o carácter de aceitação da mentalidade cristã e católica com oposição sistemática à organização hierárquica e ao padre em especial.[9]

O padre começou a ser olhado como o guardião de um património, de uma tradição, de um modelo de sociedade que se queria superar. O padre era visto pelos propagandistas do laicismo de forma estereotipada, como o grande obstáculo ao progresso.[10]

No tempo das lutas liberais e no advento da República, o clero não compreendeu as novas ideias, e foi acusado pela sua ação arcaica, compreensível à distância histórica, uma vez que andava contingenciado por inúmeras circunstâncias que são atenuantes, num ambiente de generalizada incompreensão. Como o clero estava mais perto do povo, que tanto desejava conquistar, a campanha de difamação descia também até ao povo.[11]

A partir da segunda metade do século XIX intensifica-se a vertente anticlerical da sociedade portuguesa, que se fica também a dever à tentativa da Igreja católica em repor o prestígio que tinha perdido e a sua capacidade interventiva na sociedade.[12]

Do mesmo modo, no século XIX a Europa central confirmava o mito de que a Maçonaria era uma conjura judaica, mundial, mascarada numa sociedade internacional, organizada sob princípios rígidos com o nome de Liga dos Maçons, a qual possuía influência política considerável. Nestas e noutras oportunidades ia sempre buscar-se apoio na controvérsia que os escritores da história da Maçonaria cognominaram como o conhecido vigário Taxil. Devido a ele se espalharam rumores fantásticos de ritos sexuais, lojas de mulheres, a maioria dos quais ainda hoje se pode deduzir das publicações de hebdomadários e ilustrações. O francês Leo Taxil (de seu verdadeiro nome Gabriel J. Pagés), depois de ter estado anos num estabelecimento educacional jesuítico, tornou-se livre-pensador e finalmente maçon. Porém, no ano de 1855 ele regressou publicamente à Igreja Católica.

Daí em diante publicitou escritos antimaçónicos, em cujas considerações se entrevia uma correspondência com a densa atmosfera de fim de século que existia nos salões europeus. Com perseverança, colocou a circular celeremente a descrição do culto do diabo dos maçons, as missas negras e o que se passava nas lojas de mulheres. O primeiro livro teve a habilidade de ser escrito segundo as diretrizes e ideias reconhecidas na encíclica Humanum Genus, de Leão XIII, uma autêntica síntese doutrinal antimaçónica.

Adversários mais esclarecidos, como o padre jesuíta Hermann Gruber apontavam o erro de conduzir uma campanha contra a Maçonaria com o emprego de métodos de deterioramento de imagem deste estilo. No ano de 1897 o próprio Taxil dizia, reconhecendo o seu embuste, que as pedras atiradas recaíam sobre os antimaçons.[13]

Maçonaria e Igreja: conflitos e fronteiras fluídas

A história das relações entre Maçonaria e Igreja Católica é pautada por um largo elenco de desentendimentos, receios e mútuas incompreensões[14]. Entre ambas as instituições houve sempre um clima de suspeita, especialmente em certas épocas e países, quando se enfrentaram radicalmente ao longo do tempo. Esta relação foi mudando, e os motivos de desentendimento seculares perdendo consistência, todavia esta mudança não se deu em todos os lugares com a mesma intensidade e rapidez. Os motivos fundamentais pelos quais a Igreja condenou, tradicionalmente, a Maçonaria, foram de ordem teológica, moral e político, e só se compreendem tendo em conta o contexto histórico. Atualmente a Igreja, sobretudo após João XXIII e o Concílio Vaticano II, bem como a própria Companhia de Jesus encaram com outros olhos o fenómeno maçónico, desmistificando a ideia de que as Lojas são antros demoníacos[15]. O atual Código de Direito Canónico (1983) omite qualquer referência à Maçonaria, e revogado o cânone 2335 do anterior (1917), que excomungava ipso facto os inscritos na “seita maçónica” e em organizações “que maquinavam contra a Igreja ou contra as legítimas autoridades civis”. O Código atual suprimiu qualquer alusão à Maçonaria.

Autores como José Ferrer Benimeli afirmam que a Maçonaria se pode considerar desde o seu nascimento como uma escola de formação humana, que acolhe no seu seio homens de línguas, culturas, religiões, raça diferentes, incluindo de diferentes convicções políticas. O que em todos eles coincide é o desejo de aperfeiçoamento por meio de uma simbologia de natureza mística ou racional e a vontade de prestar ajuda aos outros através da filantropia e da educação[16]. Estes preceitos baseiam-se nas Constituições de Anderson.[17]

Defensores da Maçonaria negam completamente que esta combata o catolicismo ou qualquer outra religião, pois a sua organização é fraternal, abrigando indistintamente irmãos que professem cultos diferentes. Campos Porto defende que um católico pode ser maçon e traça a sua personalidade de forma marcada, distinguindo o católico maçon do católico tradicional, que cegamente segue as leis da Igreja: “o católico maçon é intransigente na sua crença, mas não é um fanático, pois estando em permanente comunhão com a Divindade pela elevação dos seus princípios despidos de qualquer parcela de egoísmo e vaidade. Ele é, de facto, um católico exemplar, bem diverso daqueles que formam verdadeiras multidões, daqueles que são católicos por tradição, daqueles que aceitam tudo, que acreditam em tudo e que não discutem nada (…)”.[18]

E afirma também que a prova que a Maçonaria não é contrária à leis de Deus, defendendo-as, é que em todo o seu passado, católicos eminentes têm sido irmãos das suas lojas, inclusive clérigos ilustres. A argumentação de Campos Porto reside ainda num outro posto-chave: outras confissões cristãs e religiões, como a protestante e a judaica espírita não fizeram a mesma acusação à Maçonaria, permitindo que os seus adeptos tivessem liberdade de ingresso nas lojas: “(…) Nenhuma delas teve a ideia diabólica e vil de servir-se de sicários despidos do mais elementar resquício de moral, ou fazendo-os irmãos da Maçonaria para, deleteriamente, vasculhar os seus arquivos e truncar tudo quanto não convinha compreender”.[19]

A referência a um clero maçon remonta ao século XVIII, segundo o historiador José Ferrer Benimeli. O que explica essa adesão são os próprios princípios estruturadores da Maçonaria, as suas Constituições, que fazem dela uma associação estabelecida sobre certa mística ritual, saída em grande medida das suas tradições medievais, que respeitavam e harmonizavam todas as religiões monoteístas – atitude que supõe a tolerância religiosa. Os maçons procuravam apagar as diferenças de classes ou religião, permitindo um espírito de fraternidade e de igualdade, praticando certa forma de filantropia.

O culto do sagrado (que provém da necessidade de conservar preciosamente as fórmulas arquitetônicas místicas da Idade Média), as cerimónias complexas, o gosto pelo simbólico e pelo litúrgico dotavam-na de um lado místico que exercia um poderoso atrativo numa época profundamente religiosa. Essa seria uma das razões que explicava a afluência massiva de católicos e eclesiásticos nas lojas, já que estas respeitavam por princípio a religião e as autoridades constituídas.

Segundo o mesmo autor, uma interessante lista de clero maçon pode ser elaborada no século XVIII. De esta forma se constata não somente a existência de lojas frequentadas exclusivamente por sacerdotes e religiosos, mas também aquelas onde estão inclusos sacerdotes, nas quais figuram bispos, abades, canónicos, teólogos e toda uma classe de religiosos e sacerdotes, que perfazem um total de três mil. Nenhum deles revelou qualquer problema de consciência em incorporar-se numa associação condenada e proibida pelo Papa, uma vez que eles não identificam a sua maçonaria com aquela que o Papa condena[20].

No século XVIII o denominador comum da Maçonaria em países tão diferentes como Áustria, Portugal, Suiça, França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Suécia, México, Inglaterra, Peru é o facto de ser uma associação que admira a harmonia da natureza, a obra do Grande Arquitecto do Universo, que propaga a amizade universal entre os homens. Este ideal é vago mas atrativo, encanta os espíritos pré-românticos e permite a cada um encontrar nas suas lojas o bem-estar graças à tolerância dos demais.

Neste sentido, estava incluso o juramente que tanto inquietava os governos e a Igreja, a cláusula que indicava que o juramento nada tinha contra Deus, a religião, o rei e a pátria.[21]

Considerações Finais

Reveste-se de alguma complexidade perceber os conjuntos de razões que têm mantido a distância e a dificuldade de diálogo entre Igreja Católica e a Maçonaria durante os três séculos de atividade desta organização filantrópica.

No primeiro século do surgimento das lojas maçónicas no contexto Iluminismo e das correntes de crítica ao modelo social e político do Antigo Regime monolítico e doutrinalmente dogmático, a Igreja, sendo um dos pilares essenciais de uma sistema social fundado na aliança entre Trono e Altar não poderia acatar com serenidade um movimento de pensamento livre que sonhava com uma sociedade diferente e que fugia, pelo método do segredo, ao controlo eclesiástico, procurando atingir o domínio íntimo das consciências.

Por outro lado, a formação das origens da maçonaria em universo protestante, a estruturação esotérica de rituais iniciativos que implicavam compromissos, juramentos, fidelidades e obediências paralelas ou em concorrência com processos semelhantes de vinculação aos da Igreja suscitava grandes suspeitas, dúvidas e receios da parte dos guardiões da ortodoxia católica.

Não é de menosprezar ao mesmo tempo, à luz de uma modelo social de cristandade defendido musculadamente por instâncias judiciais de vigilância como a Inquisição e o sistema de censura, o facto da maçonaria se apresentar como uma instituição universalista, cosmopolita e religiosa e ideologicamente ecuménica. Esta abertura extraordinária representava uma dimensão muito avançada para a época que o poder centralizado da Igreja em Roma ainda não estava preparado para aceitar.

A acrescer a tudo isto, o facto de muitos membros da Maçonaria estarem por de trás, ou mesmo em alguns casos, na liderança revolucionária de movimentos responsáveis por fazer derruir a velha ordem política absolutista, levando consigo na mesma avalanche demolidora a Igreja Católica. No decurso deste processo revolucionário que dista da Revolução Francesa até às instaurações dos regimes republicanos na Europa, num movimento que influencia o resto do mundo, a Igreja, especialmente na sua vertente ultramontana, é atacada de frente. Em razão deste afrontamento, a maçonaria passa a ser demonizada pela própria Igreja e vista como um grande inimigo a temer. Num verdadeiro jogo de espelhos marcado pelo comércio propagandístico dos estereótipos, Igreja e Maçonaria emergem na história contemporânea como inimigas em rota de colisão, produzindo uma dança de demónios, em que cada lado tenta representar demoniacamente o adversário com as cores mais terríveis.

Apesar do abismo de incompreensão e de proibição de relações possíveis entre as duas organizações de dimensão mundial não se cavaram “um fosso intransponível que impedisse a adesão de católicos e, mais ainda, de membros do clero à instituição secreta”, como historia António Reis. O mesmo historiador maçon explica de forma significativa: “E o fenómeno, aparentemente incrível, não se reduz à verificação de admissões em conjunturas da vida europeia que aparecem perturbadas por convulsões (como foi o caso da Revolução Francesa), ou angústias existenciais que predispõem as almas à tentação de experimentar o oculto. A explicação há de encontrar-se na convergência de elementos de compreensão (a começar pelo fio cronológico) – uma forma de realização de sociabilidade e uma plataforma alargada de crença religiosa que a Maçonaria tinha para oferecer aos seus membros que, logo por isso, não se reviam nos destinatários do anátema pontifício; e menos ainda temiam o ditame quando ele vinha de quem acumulava ainda o poder temporal.”[22]

O Concílio Vaticano II, acontecimento que marcou uma viragem positiva por parte da Igreja em relação à sua atitude face às realidades temporais, vai inaugurar uma etapa de maior abertura, diálogo e compreensão, tanto mais que a própria Igreja transformou o seu olhar frente ao mundo contemporâneo e evoluiu no sentido de incorporar a defesa de valores defendidos séculos antes pela Maçonaria, como a tolerância, o ecumenismo, etc.

Apesar de a abertura conciliar verificada nos anos sessenta, as cicatrizes por vezes reabrem-se em ferida e, especialmente, na vigência do papado atual, os progressos verificados em favor de uma aproximação têm sido ensombrados por novos problemas, declarações e suspeitas que têm contribuído para reavivar os fantasmas do passado.

Autores: Fernanda Santos & José Eduardo Franco

Fonte: Revista de Estudos Históricos de la Masoneria

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Notas

[1] – José Sebastião da Silva Dias, Os primórdios da maçonaria em Portugal (Coimbra, 1986), Vol. I, Tomo I.

[2] – Diversos outros documentos papais surgiram, por parte da Igreja, para combater a maçonaria. Entre as principais encíclicas papais antimaçónicas, ou que fazem referências desfavoráveis à maçonaria, enumeram-se as seguintes: In Eminenti, de Clemente XII (1738); Providas Romanorum, de Bento XIV (1751); Ecclesiam, de Pio VII (1821); Quo Graviora, de Leão XII (1825); Traditi, Pio VIII (1829); Mirari Vos (1832), Gregório XVI; Multiplices Inter (1865), Apostolicae Sedis (1869), Etsi Nos (1882), todas de Pio IX; Humanum Genus (1884), Inimica Vis (1892), Custodi di quella fede (1892), Praeclara (1894), Annum ingressi (1902), de Leão XIII.

[3] – Rui Ramos, “Antimaçonismo”, in: Dança dos Demónios – Intolerância em Portugal, coord. José Eduardo Franco (Lisboa: Círculo de Leitores, 2009), 336 e ss.

[4] – José Eduardo Franco, O Mito dos Jesuítas: Em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX), Volume II, (Lisboa: Gradiva editora, 2007), 103.

[5] – José Ferrer Benimeli, G. Caprile, Maçonaria e Igreja Católica (Tradução de V. Alberton, São Paulo: edições Paulinas, 1983), 24.

[6] – O historiador Joaquim Veríssimo Serrão refere um papel interventivo da Maçonaria em Portugal a partir de 1762, quando os oficiais do conde de Lippe conquistaram adeptos em diversas franjas do tecido social: na nobreza, no Exército, na diplomacia, na mercancia e na cultura. Os ideais da fraternidade humana eram acolhidos por um novo tempo histórico, na luta a empreender contra o despotismo régio e a autoridade secular da Igreja. No próprio ministério que antecedeu a partida da corte para o Brasil estava um alto dignitário da Maçonaria: António Araújo de Azevedo, conde da Barca. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal – O Despotismo Iluminado (1750-1807) (Lisboa: Editorial Verbo, 1981), Volume VI, 434.

[7] – Sobre a história da Maçonaria em Portugal ver a obra monumental de A. H. de Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal (Lisboa: Presença, 1990-1997), 3 Volumes.

[8] – Francisco Ribeiro Silva, “A Maçonaria e o Liberalismo no Porto”, in: Maçonaria, Igreja e Liberalismo, coord. Pedro Alvarez Lázaro (1994), 19-20.

[9] – Na obra O Padre no Romance Português, Zacarias de Oliveira analisa as razões do anticlericalismo em Portugal, enumerando-as: o comportamento dos clérigos, que nem sempre correspondeu aos ideais defendidos; a tentativa de manter, acima de tudo, a segurança material, instalando-se na vida e perdendo o comprometimento com a pregação do Evangelho; o poder do rei ligado à Igreja (embora por vezes não passasse das aparências); a falta de abertura da Igreja à novidade e à mudança, prendendo-se ao passado por um “tradicionalismo psicologicamente compreensível”, mas que ao mesmo tempo rejeitava novos movimentos ideológicos, sociais e políticos (como o Liberalismo); a confusão que o clero fez, muitas vezes, entre vida moral e comportamento civil ou político, o que o levou a ligar-se a instituições de carácter policial. A Inquisição é exemplo disto, porque enquanto tribunal político, policial e de costumes esteve quase sempre nas mãos do clero, embora tantas vezes se insurgisse contra ele – a maioria das vítimas da Inquisição contam-se entre o clero. Zacarias de Oliveira, O Padre no Romance Português, (Lisboa: União Gráfica, 1960).

[10] – Fernanda Santos, «A Ideia de Sacerdote Católico nos textos maçónicos no período do liberalismo português (1820-1910)», in XI Simposium Internacional de Historia de la Masonería Española (Fundación Práxedes Mateo-Sagasta & Centro de Estudios Históricos de la Masonería Española Universidad Zaragoza, Zaragoza, 2007), 1117-1127.

[11] – A Geração de 70 acrescenta o papel nocivo e hipócrita do padre ignorante como elemento desestabilizador da família, critica o reforço e a politização da confissão, bem como a sobrevalorização do aspecto externo do culto em detrimento da relação directa do crente com Deus, condena o celibato eclesiástico, ataca o ensino religioso, que considerava deficiente e errado para a preparação dos elementos mais novos da sociedade (Ana Isabel Marques Guedes, Algumas considerações sobre a «questão religiosa» em Portugal (meados do séc. XIX a início do séc. XX). O anticlericalismo e o espírito republicano (Porto: editorial O oiro do dia, 1990).

[12] – O anticlericalismo assume uma atitude reactiva, que, segundo Machado de Abreu, “provém directamente da resistência ideológica e político-partidária à progressiva recomposição da presença das ordens e congregações religiosas no país”. Luís Machado de Abreu, “O Discurso do Anticlericalismo Português (1850-1926)”, Separata da Revista da Universidade de Aveiro 16 (1999): 135.

[13] – Hermann Schreiber & Georg Schreiber, História e Mistérios das Sociedades Secretas no Mundo Antigo e no Moderno (Tradução Eurico Douwens, São Paulo: Instituição Brasileira de Difusão Cultural, 1967), 246-247.

[14] – Pedro Álvarez Lázaro, “Iglesia-Masonería: Génesis y Desarrollo de un Conflicto Inacabado”, in: Maçonaria, Igreja e Liberalismo (1994), 129.

[15] – António Arnaut, Introdução à Maçonaria (Coimbra: Coimbra editores, 2001), 75-76.

[16] – Ferrer Benimeli, La Masonería (Madrid: Eudema, 1994), 22.

[17] – O autor destas Constituições é James Anderson, um pastor presbiteriano e doutor em Teologia, que durante algum tempo foi Venerável numa Loja londrina, encarregado em 1721 pelo duque de Montagu (Grão-Mestre da Grande Loja de Londres em 1721-22) de “examinar, corrigir e ordenar a história, as obrigações e os regulamentos da antiga confraria” dos pedreiros. Deste seu trabalho resultaram as chamadas Constituições de Anderson, publicadas em 1723 com o título de The Constitutions of the Free-Masons, containing the History, Charges, Regulations and of that most Ancient and Right Worshipful Fraternity (Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa (Lisboa: editorial Delta, 1986), Volume I, 67-68.

[18] – A. Campos Porto, A Igreja Católica e a Maçonaria: A Decadência do Catolicismo e a sua luta contra a Maçonaria, o Protestantismo e o Judaísmo (Rio de Janeiro: editora Espiritualista), 13.

[19] – Ibid., 25.

[20] – A trajectória de perseguição da Maçonaria no século XVIII desenvolveu-se a partir da promulgação das bulas já aqui referidas dos Papas Bento XIV e Clemente XII. Um dos motivos para essa condenação era o facto de a Maçonaria permitir a união de homens de qualquer religião, o que supõe um perigo evidente para a pureza da religião católica. Os outros aspectos derivam de uma mesma causa: o segredo guardado sob juramento nas reuniões maçónicas consideradas ilícitas e suspeitas, contra o estado e as suas leis. As razões papais assentam nas disposições do direito romano (Dig. 47, tit. 22: De collegiis et corporibus illicitis) contra os collegia illicita, que proíbem as reuniões formadas sem o consentimento da autoridade pública. Importa salientar que a proibição de tal associação do ponto de vista jurídico ajudou a considerá-la e a tê-la por ilícita não só sob o aspecto jurídico-político, mas também sob o aspecto moral (Ferrer Benimeli, La Masonería, 40-41).

[21] – Ibid., 42-43.

[22] – António do Carmo Reis, “Maçonaria”, in: Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira Azevedo (Lisboa: Círculo de Leitores, 2001), 164.

Bibliografia

Álvarez Lázaro, Pedro, “Iglesia-Masonería: Génesis y Desarrollo de un Conflicto Inacabado”,
in: Maçonaria, Igreja e Liberalismo (1994).

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Veríssimo Serrão, Joaquim, História de Portugal – O Despotismo Iluminado (1750-1807)
(Lisboa: Editorial Verbo, 1981).

O desenvolvimento da arquitetura gótica a partir da filosofia escolástica – Parte II

O estilo gótico | M4
Catedral Basílica de Saint Denis

IV.1. A influência da filosofia escolástica sobre a arquitetura gótica

Nos anos 50 do século XX o pesquisador Erwin Panofsky expôs uma tese que estabeleceu uma inusitada ligação entre a filosofia escolástica e a arquitetura gótica. É sabido que ambas surgiram paralelamente no mesmo espaço geográfico, no caso o norte de Paris, e no mesmo período de tempo, aproximadamente entre os séculos XII e XIII. Panofsky vê nesta coincidência temporal e espacial dos dois eventos mais do que uma simples casualidade e defende a existência de uma relação mais concreta que a simples sincronia no tempo e no espaço. Aponta, entre outros fatores, uma provável influência de conselheiros escolásticos sobre os artistas e mestres [23] góticos.

No entanto, o autor vai além e chega a uma conclusão mais profunda, defendendo a hipótese de que esta influência, muito mais do que de forma direta e individual, se deu genericamente, através do que ele chama de “hábito mental”. Este conceito é entendido por Panofsky como “um princípio que rege a ação” e o autor sustenta seu pensamento com a simples constatação histórica de que “a escolástica detinha o monopólio da formação intelectual naquele âmbito restrito”.[24]

Em geral, a educação espiritual deslocou-se das escolas monásticas para instituições mais urbanas que rurais, de caráter antes cosmopolita que regionalista e, por assim dizer, apenas semi-eclesiásticas, a saber: as escolas catedrais, as universidades e as studia das novas ordens mendicantes que surgiram quase todas no século XIII e cujos membros desempenharam papel de crescente importância mesmo nas universidades.[25]

Isto é, a educação e a produção de conhecimento não estavam mais restritas à clausura dos mosteiros. Deixava de existir o isolamento natural das práticas intelectuais que passaram então a acontecer também nas cidades.

Podemos imaginar em qual clima psicológico e intelectual passou a existir a arquitetura gótica: dentro da cidade, envolta pela fé e pela razão, com a missão de substituir uma arquitetura que não satisfazia mais à religiosidade católica, que agora contava com um complexo sistema filosófico como respaldo teológico e intelectual. Neste sentido, devemos atentar para as observações de Maria Gozzoli:

[…] a escolástica – que enquadrava harmoniosamente todo o saber do tempo e afirmava a possibilidade de ascender a Deus não só pela fé, como pela razão. Chegava-se a Deus por um esforço de pensamento, complexo mas requintado, rigidamente formal mas rico de sutilezas: esses mesmos conceitos que, em arquitetura, inspiraram as catedrais góticas, a sua ascensão para Deus através de construções complexas mas requintadas, formalmente rigorosas, mas de igual modo ricas de pormenores.[26]

Aqui, as palavras-chave são: harmonia e ascensão; fé e razão; complexidade e requinte; formalidade e sutileza. São palavras que podem ser usadas tanto para caracterizar a escolástica quanto o gótico. Mais uma vez nos parece evidente a relação entre os dois fenômenos.

E sobre este contato, entre os mestres-construtores e os clérigos com os quais tinham que trabalhar, todos mergulhados em uma nova ambientação intelectual, Panofsky diz:

É pouco provável que os arquitetos do gótico tenham lido Gilberto de la Porrèe ou Tomás de Aquino no original. Mas entraram em contato com o ideário escolástico por inúmeros outros, sem perceber que, por força de sua atividade, tinham de trabalhar com quem esboçava os programas litúrgicos e iconográficos. Haviam frequentado a escola, tinham ouvido sermões e podiam acompanhar as disputationes de quolibet que tratavam de todas as questões imagináveis da atualidade e que se haviam transformado em eventos sociais, comparáveis a nossas óperas, concertos e conferências públicas.[27]

É feita uma ressalva: os mestres provavelmente não manusearam os livros que continham toda a essência do pensamento escolástico. Mas teriam sido fortemente influenciados por esta aura escolástica que dominava todo o ambiente. A escolástica estava no ar e os arquitetos do gótico estavam inseridos neste contexto.

IV.2. Completude, ordenamento e clareza

Existem três exigências mínimas e fundamentais para que se cumpra aquilo que é denominado pelos estudiosos de esquematismo ou de formalismo escolástico. A clareza é algo buscado incessantemente nos textos escolásticos e para se atingi-la de modo satisfatório deve-se utilizar: a completude, que é a enumeração suficiente – nem mais, nem menos – das questões a serem abordadas; o ordenamento seguindo o esquema de “partes das partes”, como forma de bem estruturar a exposição; e, obviamente, a clareza e força probatória, entendidas aqui como uma relação suficiente de reciprocidade entre o que se mostra e o que se comprova a partir disso. Como complemento a estes pré-requisitos para a correta exposição escolástica há ainda as similitudines de Tomás de Aquino, ou seja, uma espécie de analogia, com o uso de palavras adequadas, visando à melhor compreensão dos conceitos expostos.

É nesse sentido que, ao observarmos a estrutura de uma catedral gótica, podemos aplicar o conceito escolástico de completude, pois não há nada sobrando, nem nada que falte. Elementos como a cripta, as galerias, e as torres, com exceção daquelas frontais, foram eliminados, em nome da clareza e da síntese exata de todo o conhecimento cristão, seja no aspecto teológico, como também no natural, histórico e moral.

Da mesma forma é facilmente observado um “princípio de divisibilidade progressiva”, que consiste em uma homologia entre as partes que constituem uma construção gótica, demonstrando assim que todas as partes que compõem a estrutura situam-se dentro de um mesmo nível lógico. O exemplo mais claro dessa divisão progressiva, que pode sem dúvida ser associada à esmerada divisão e subdivisão de um tratado escolástico bem estruturado, está nos

[…] suportes [que] eram divididos em pilar principal, colunas adossadas, colunas adossadas secundárias e colunetas novamente subordinadas a estas últimas; a caixilharia das janelas, os trifórios e as arcadas cegas eram divididas em suportes e perfis de primeira, segunda ou terceira ordem; nervuras e arcos eram subdivididos numa série de perfis.[28]

Desta forma, assim como estamos habituados a fazer divisões sucessivas em um trabalho acadêmico, de forma a deixá-lo claro e organizado, os construtores, por influência da escolástica, aplicaram o mesmo princípio às suas catedrais.

IV.3. Manifestatio e concordantia

Em relação às duas premissas básicas da escolástica, aplicadas à arquitetura das catedrais góticas em seu apogeu, Panofsky diz:

Enquanto o primeiro, a manifestatio, nos ajuda a entender a imagem fenomênica da arquitetura clássica do apogeu gótico, o segundo, a concordantia, ajuda a compreender a gênese do apogeu gótico clássico.[29]

Ou seja, a manifestatio, compreendida como a maneira clara de explicitar os conteúdos relacionados à fé cristã à luz da razão, determinou a mesma clareza de linhas e divisão dos elementos constitutivos de uma obra arquitetônica gótica. Como exemplo, Panofsky cita o portal central da fachada ocidental da catedral de Notre-Dame em Paris, com os doze apóstolos representados em divisões simétricas de dois grupos no tímpano da catedral. A simetria, sem dúvida alguma, era algo caro aos escolásticos e manifestou-se também na arquitetura gótica.

Já a concordantia, em se tratando da necessidade de conciliação de “possibilidades contraditórias” presente na filosofia escolástica, expressa em sua forma mais completa através do método de Abelardo de Sic et Non[30] até chegar-se a uma síntese, uma solução, parece ter sido outro fator a influenciar a arquitetura gótica. Resumidamente, este método consistia em aceitar as possíveis contradições dos textos de autoria de filósofos, dos padres da Igreja e até mesmo das escrituras sagradas. No entanto, como passo posterior à aceitação da existência destas contradições, passava-se então a tentativa de conciliá-las, que se dava através do método de arrolamento de uma série de autoridades (autorictates) em uma espécie de conjunto (videtur quod) que era colocado em oposição a outro rol de autoridades (sed contra). Como resultado deste confronto entre duas autoridades com comentários opostos, conflitantes, a respeito de um tema, era produzida como solução a respondeo dicendium.

Um fato notório que demonstra de maneira bastante convincente esta relação, levando-se em consideração que as construções românicas do passado aqui funcionavam como auctoritas, é a solução definitiva que os mestres-construtores encontraram para alguns problemas típicos da origem da arquitetura gótica. São três quaestiones cruciais, que, ao serem resolvidas definitivamente, caracterizaram e diferenciaram de vez esta nova forma de arquitetura em relação às construções românicas de antes. As quaestiones que tiveram então o seu respondeo dicendium dado pelos arquitetos góticos foram: a rosácea na fachada ocidental, ao substituir a janela que sempre existiu por uma estrutura circular que era estranha ao gosto gótico; a estrutura da parede debaixo do clerestório, com a criação do trifório que conjugou o Sic românico de Caen com o Non gótico de Amiens; e a conformação dos pilares da nave central, que deixaram de ser somente associados a formas angulares e passaram a utilizar o núcleo cilíndrico[31]. É importante destacar que Panofsky defende que todas essas mudanças ocorreram – ainda que sendo sabida a importância do hábito mental criado pela filosofia escolástica – de forma consciente, sendo aplicadas de forma racional pelos mestres-construtores.

De acordo com Panofsky [32], a influência do princípio da concordantia sobre as obras do apogeu do gótico é tão grande que “a dialética escolástica desenvolveu o pensamento arquitetônico a um ponto em que ele quase deixa de ser arquitetônico”. É quase como afirmar que os construtores das catedrais não estavam construindo igrejas, mas fazendo filosofia em pedra e vidro.

Continua…

Autor: Eduardo Pacheco Freitas

Fonte: Revista Nuntius Antiquus

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Notas

[23] – Mestre era o nome que se dava ao arquiteto neste período.

[24] – Cf. Panofsky op. cit., p. 14-15.

[25] – Cf. Panofsky op. cit., p. 15.

[26] – Cf. Gozzoli, op. cit., p. 8-9.

[27] – Cf. Panofsky op. cit., p. 15.

[28] – Cf. Panofsky op. cit., p. 34.

[29] – Cf. Panofsky op. cit., p. 46.

[30] – Famoso tratado onde Abelardo arrola 158 itens importantes, desde suicídio até concubinato, que são confrontados, em uma relação dialética, a partir de visões conflitantes das autoridades e conciliados por fim. Entre outras, a importância deste texto está em demonstrar claramente a visão dos escolásticos e que a fé poderia buscar apoio na razão.

[31] – Para um maior aprofundamento no tema, recomendamos a leitura do capítulo V de Arquitetura gótica e escolástica, onde Panofsky examina detalhadamente todas estas
novas características da arquitetura gótica, comparando-as com os valores da arquitetura românica e demonstrando a relação da filosofia escolástica com a resolução destes problemas.

[32] – Cf. Panofsky op. cit., p. 62.

O desenvolvimento da arquitetura gótica a partir da filosofia escolástica – Parte I

Noyon Cathedral - Alchetron, The Free Social Encyclopedia
Catedral de Noyon – França

I. Introdução

Quando se fala de Arquitetura Gótica, ou simplesmente da Arte Gótica em geral, a primeira imagem que nos vem à mente é sempre a de enormes catedrais, pontiagudas, apontando para o céu, grandes o suficiente para acolher a população de uma cidade inteira. No entanto, a arquitetura gótica representa na história do ocidente medieval muito mais do que simplesmente um novo estilo arquitetônico. É sim, uma revolução na forma de se construir, sobretudo igrejas, mas a sua importância vai mais além, tornando-se o símbolo de uma revolução religiosa, de uma mudança de mentalidade e de uma mensagem filosófica enviada, através da pedra das construções, pela arquitetura. E seu aparecimento está associado de maneira íntima ao desenvolvimento das cidades no período da Baixa Idade Média.

Metodologicamente, temos como objetivo neste trabalho explorar estas relações a partir do conceito de “locus” conforme expresso no livro A arquitetura da cidade[1], que consiste na “relação singular mas universal que existe entre certa situação local e as construções que se encontram naquele lugar”[2]. Com isto, entendemos que o surgimento do estilo gótico está estreitamente ligado às especificidades do âmbito geográfico do continente europeu, mais precisamente na França setentrional.

Da mesma forma pretendemos estudar a relação existente entre o desenvolvimento da arquitetura gótica e o surgimento da filosofia escolástica[3], assim como procuraremos entender esta nova forma de arquitetura, surgida entre os séculos XII e XIII, como signo desta e de outras relações, e como fator de preservação da memória e registro do espírito de um período de transição de mentalidades.

II. Transformações mentais e materiais nas cidades medievais

Nos séculos XII e XIII aconteceram “profundas transformações nas estruturas materiais e mentais da sociedade europeia”[4], inserindo-se neste contexto de transformação o surgimento do estilo gótico e da filosofia escolástica como fenômenos eminentemente urbanos situados em uma conjuntura religiosa e social hegemonicamente católica.

Ainda de acordo com Silveira,

“o espaço urbano na Idade Média centralizou os principais equipamentos materiais e simbólicos do sagrado, […] constituiu-se como paisagem e ambientação social fundamental para a proliferação das manifestações coletivas da espiritualidade cristã.”[5]

Embora a autora esteja se referindo de maneira mais específica aos movimentos da sociedade no sentido de se atingir “novos modelos da religiosidade urbana”[6], ou seja, o desenvolvimento de ordens religiosas populares que encontraram terreno fecundo neste novo panorama, de caráter urbano, que estava se tornando mais e mais complexo, podemos ampliar a interpretação do texto e aplicá-lo ao que aconteceu à época do surgimento da arquitetura gótica.

É inegável a influência que o grande desenvolvimento urbano destes dois séculos teve sobre a sociedade como um todo. Em relação à ligação íntima entre o que acontece nas cidades e o que elas aparentam externamente, Lopez diz que

“visto o aspecto físico da cidade espelhar as intenções e as necessidades práticas dos cidadãos (e como negá-lo?), a sua estrutura e a sua evolução urbanística constituem uma província da sua história que não pode ser marginal.”[7]

Daí a importância de se reconhecer os efeitos sobre a arquitetura oriundos da evolução não somente material mas também mental das cidades e de se estabelecer estas relações como objeto de estudo historiográfico. Neste sentido, portanto, é que se faz necessário compreender que a passagem da arquitetura românica para a arquitetura gótica significa bem mais do que apenas uma mudança de estilo. As transformações religiosas e mentais daquela sociedade tiveram seu registro perfeito em suas obras arquitetônicas, e, logicamente, com mais impacto, nas construções dos grandes templos religiosos. As catedrais perderam seu aspecto de fortalezas e passaram a representar o transcendente, o contato com o divino. Sobre o surgimento do estilo gótico, Le Goff diz:

A arte gótica, que também foi chamada de arte francesa, inundou toda a Europa cristã, a partir da França do Norte e, mais particularmente, do centro dessa região, que se chamava a França propriamente dita, no século XIII, e mais tarde Île-de-France. Esta arte nova, muito diferente da romana, responde ao mesmo tempo a um grande crescimento demográfico, que reclama igrejas maiores, e a uma profunda mudança de gosto. Além das dimensões mais vastas, o gótico manifestou-se pela atração da verticalidade, da luz e até da cor.[8]

O autor nos traz informações muito importantes: em primeiro lugar é feita a delimitação geográfica do surgimento da arquitetura gótica, situando-a na França setentrional (não por acaso o mesmo local onde surgiu a Escolástica, pois, como veremos mais à frente, existem teorias a respeito desta relação); em segundo lugar, a nova forma dada às construções, agora maiores internamente e mais altas, que é importante, tanto por contentar uma nova necessidade estética, que indica claramente uma mudança de pensamento daquela sociedade em transição, quanto por poder acolher mais fiéis, já que estes aumentavam juntamente com o crescimento das cidades. Le Goff afirma que, “embora as causas demográficas não tenham sido mais que um dos fatores de substituição das antigas igrejas”, este aspecto é importante, porém salienta que ele não é o único responsável pela mudança.

Em face disso, podemos afirmar que à medida que o urbanismo se desenvolvia, havia uma mudança de gosto. E, ao mesmo tempo que a população crescia – e com isso surgia a exigência de templos maiores –, as antigas igrejas de aspecto soturno e militar não correspondiam mais aos valores religiosos e, consequentemente, estéticos, já que tratamos aqui da construção de edifícios destinados ao culto religioso.

O autor prossegue, informando sobre as características destas mudanças em termos arquitetônicos:

Nasceu uma Europa do gigantismo e da desmedida. Sempre mais alto! Esta parece ter sido a palavra de ordem dos arquitetos góticos. Depois de uma primeira geração de catedrais entre 1140 e 1190, marcada pelas catedrais de Sens, de Noyon e de Laon, o século XIII foi o grande século das catedrais, a começar por Notre-Dame de Paris.[10]

Esta busca desenfreada pela altura provocou uma espécie de competição entre os construtores de catedrais. Quem conseguiria construir a catedral mais alta? Devido a esta ânsia por verticalidade, acidentes aconteceram e obras desmoronaram[11]. As naves tinham cada vez mais maiores dimensões verticais, como atestam as catedrais de Notre-Dame de Paris (35 metros), Reims (38 metros) e Notre-Dame de Amiens (42 metros). Além disso, era planejada também a relação entre largura e altura da nave, com objetivo de proporcionar sempre uma maior sensação de impulso para o alto, para os céus.

III. O desenvolvimento da arquitetura gótica: uma revolução arquitetônica e religiosa

O estilo gótico surge quando o estilo românico mal havia se estabelecido, fazendo as igrejas deste último parecerem desprovidas de graça, com densidade exagerada e já obsoletas. A origem do termo “gótico”, significando esta nova maneira de construção, está no fato de seu aparecimento ter sido fora da Itália e de ter funcionado como uma substituta da arquitetura românica, numa clara alusão a velha dicotomia do mundo civilizado e do mundo bárbaro, pois o termo remete aos godos. Neste sentido, Gozzoli diz:

“é muito provável que os humanistas do Renascimento tenham adotado o termo gótico como sinônimo de bárbaro, no sentido de proveniente da região de além-Alpes, por oposição a românico.”[12]

A grande descoberta da arquitetura gótica, em relação à arquitetura românica, foi o fato de se desenvolver o arco ogival, uma grande evolução, se comparado aos antigos arcos redondos românicos, justamente por permitir maior altura das abóbadas. Aliada a esta inovação há uma outra, diretamente relacionada a esta nova modalidade técnica: a distribuição uniforme de peso, que ajuda a reduzir o material necessário para a construção da obra. Não só o arrojo das linhas, destas paredes que transmitem a impressão de serem inteiramente construídas em vidro, importou para os construtores. Eles cuidaram também para que a proeza artística pudesse ser claramente sentida e aproveitada por quem vislumbrasse a construção[13].

Afinal, a própria etimologia da palavra catedral revela a magnitude de tais obras (cathedra = trono episcopal)[14], pois estas não eram simplesmente igrejas, mas igrejas próprias dos bispos. Daí a importância atribuída à beleza das obras, já que, segundo Le Goff, esta foi uma “época em que o primeiro critério de beleza é o da grandeza”[15]. Desta forma, compreende-se a necessidade imperiosa de características de transcendentalidade e de utilização da luz natural, filtrada pelos vitrais, que construíam assim um ambiente celestial dentro dos templos.

Devido a toda esta imponência, poucas dessas edificações foram completadas conforme seus projetos originais, que eram por demais grandiosos:

É difícil imaginar a impressão que esses edifícios devem ter causado àqueles que só tinham conhecido as pesadas e sombrias estruturas do estilo românico. Aquelas igrejas mais antigas, em sua força e poder, talvez transmitissem algo da Igreja Militante que oferecia abrigo e proteção contra as investidas do mal. As novas catedrais propiciavam aos fiéis o vislumbre de um mundo diferente. Eles teriam ouvido falar, em sermões e cânticos, da Jerusalém Celestial, com seus portões de pérolas, suas joias de ouro de incalculável preço, suas ruas de ouro puro e cristal transparente (Apocalipse, XXI).[16]

Gombrich salienta que “tudo que era pesado, terreno ou trivial fora eliminado”; assim como a escolástica fez em relação à exposição metodológica do conhecimento, a arquitetura gótica fez com as suas linhas. Diz, ainda, que o artista gótico, ao realizar sua obra, “não a narra apenas para divulgar, mas para nos transmitir uma mensagem, e para consolo e edificação dos fiéis”[17].

Havia uma tendência, à época, por parte dos frades pregadores, de estimular a imaginação dos fiéis que eram convidados a visualizar mentalmente as cenas dos evangelhos. Nada mais natural do que expor artisticamente e através das linhas inovadoras e escolásticas das catedrais góticas esta forma de evangelizar. Podemos, de modo similar, encarar esta maneira de tratar o tema da espiritualidade, a partir de construções imagéticas mentais, como uma maneira de promover a memorização dos temas evangélicos, um estratagema que visava a tornar estes ensinamentos mais presentes, internalizados no cristão, em suma, uma forma de relembrar e perpetuar o conhecimento acerca dos evangelhos de um jeito mais lúdico e fácil.

Segundo Gombrich, devido ao espírito da época o objetivo era provocar as seguintes reflexões:

“Como se portaria um homem, como agiria, como se impressionaria se participasse de tais eventos? Mais do que isso: como se apresentariam aos nossos olhos tais gestos ou movimentos?”[18]

Diferentemente da Igreja Militante do século anterior, com suas construções objetivando combater o mal e vencê-lo, como fortalezas da cristandade, as catedrais góticas do século XIII, afinal o século da Igreja Triunfante, traziam, em forma de pedra e vidro, o Reino dos Céus até a Terra e promoviam uma experiência sensorial nos fiéis de caráter metafísico e plena de religiosidade. Segundo Pugin, “o próprio plano do edifício é o símbolo da redenção humana”[19]. Ele acrescenta que não bastava apenas criar e executar esta obra de arte arquitetônica sem haver sentidos maiores implícitos em cada pedra assentada e em cada imagem esculpida, pois,

[…] para que as construções produzam efeitos semelhantes sobre o espírito é preciso que seus autores tenham sido totalmente absorvidos pela fé e pela devoção, que a glorificação da religião tenha sido o próprio fim de sua educação.[20]

E é nesse sentido que o arquiteto, convertido ao catolicismo em 1833 e um dos promotores do renascimento gótico na Inglaterra, discorre acerca do sentimento e da filosofia que movia estes homens, desde o arquiteto ao pedreiro na execução de uma catedral:

Aqueles homens sentiam estar comprometidos com a ocupação mais gloriosa que possa caber a um homem, a de levantar um templo para a veneração do Deus da Verdade e da Vida. Este sentimento é que guiava ao mesmo tempo a mente que concebia os planos do edifício e o escultor paciente cujo cinzel recortava o detalhe admirável e diverso. Este sentimento é que levou os antigos pedreiros, apesar do perigo e das dificuldades da tarefa, a perseverar até que tivessem erguido suas flechas gigantescas numa região próxima das nuvens.[21]

Com isto, percebemos o quanto pode haver de coesão e determinação conjunta entre os diferentes estamentos – arquitetos, artistas, pedreiros, clérigos – quando há um objetivo comum que permeia toda a sociedade: levar a mensagem cristã adiante, preservando-a na arte, perpetuando-a na escultura e, de maneira mais perene, nas pedras que erguem as catedrais góticas até o céu. Esta imagem e este sentimento foram buscados à exaustão por todos aqueles envolvidos na realização de uma catedral gótica: causar a impressão de que o edifício se estende até o céu.

Contudo, Jacques Le Goff oferece uma visão que contrapõe este entendimento de Pugin em relação aos construtores de catedrais:

Não se deve crer, segundo o testemunho de certos textos célebres que mostram o entusiasmo das populações no sentido de contribuir para a reconstrução da catedral românica de Chartres, destruída por um incêndio em 1194, que as grandes catedrais do século XIII tenham sido construídas com o dinheiro e os incentivos dos burgueses. A ação financeira, artística e psicológica é essencialmente a dos bispos e dos cônegos, mais ou menos ajudados pelo rei e pelos príncipes territoriais.[22]

Ou seja, mais do que um evento de caráter absolutamente coletivo, de união de esforços, de sinergia pura e simples, de acordo com a visão de Le Goff, a construção das catedrais góticas foi um movimento, naturalmente, arquitetado de cima para baixo. Os clérigos, aliados à nobreza, contribuíram, mais do os que burgueses e muito mais, evidentemente, do que qualquer movimento espontâneo popular ligado a alguma forma de pregação evangélica, para que surgisse esse novo tipo de estrutura arquitetônica em pleno coração das cidades. Não se restringindo somente ao caráter financeiro, ao lançar a hipótese de que o dinheiro para as obras não vinha da burguesia, o autor vai ainda mais longe e afirma que justamente a ideia, a concepção do novo estilo parte quase exclusivamente do clero, com apoio maior ou menor da nobreza.

Continua…

Autor: Eduardo Pacheco Freitas

Fonte: Revista Nuntius Antiquus

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Notas

[1] – Cf. Rossi, op. cit.

[2] – Cf. Rossi, op. cit., p. 147.

[3] – Segundo o Dicionário de filosofia de Cambridge (São Paulo: Paulus, 2006, p. 286), a Escolástica é um conjunto de técnicas escolares e instrucionais desenvolvidas nas escolas das universidades da Europa Ocidental no final do período medieval, que incluíam o uso do comentário e da questão disputada.

[4] – Cf. Silveira, op. cit., p. 165.

[5] – Cf. Silveira, op. cit., p. 165-166.

[6] – Cf. Silveira, op. cit., p. 167.

[7] – Cf. Lopez, op. cit., p. 96.

[8] – Cf. Le Goff, op. cit., 1992, p. 205-206.

[9] – Cf. Le Goff, op. cit., 1992, p. 211.

[10] – Cf. Le Goff, op. cit., 1992, p. 206.

[11] – Em 1225, na cidade de Beauvais, planejou-se construir o coro da catedral com uma altura de 48 metros, o que provocou o seu desabamento no ano de 1284. (cf. Le Goff, op. cit., 1992, p. 211).

[12] – Cf. Gozzoli, op. cit., p. 3.

[13] – Um caso emblemático acerca da união de funcionalidade e beleza desenvolvida pelos construtores góticos foi a utilização dos vitrais, que, ao mesmo tempo, passavam a sensação de transcendentalidade e representavam os ensinamentos da Igreja. Segundo um religioso medieval citado por Gozzoli sem ser identificado, os vitrais ensinavam às pessoas simples que não conhecem as Escrituras aquilo em que devem crer (op. cit., p. 22). É uma perfeita junção de beleza e instrução, afinal trata-se aqui de uma sociedade que tem a maior parte de sua população analfabeta e suscetível a este tipo de estímulo.

[14] – Cf. Gombrich, op. cit., p. 188.

[15] – Cf. Le Goff, op. cit., 1992, p. 211.

[16] – Cf. Gombrich, op. cit., p. 188/ Podemos estabelecer uma interessante relação entre
a novidade gótica que é a utilização da luz natural, filtrada pelos vitrais, e sua capacidade de provocar sentimentos transcendentais nos fiéis, com o texto do versículo 23 do último livro da Bíblia: A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a Glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada. Neste sentido, basta-nos recordar que, devido ao caráter hierofânico do homem medieval, havia o entendimento de que a luz provinha diretamente de Deus (cf. Gozzoli, op. cit., p. 22) e como tal é possível entendermos a importância da presença da luminosidade em um templo gótico.

[17] – Cf. Gombrich, op. cit., p. 193.

[18] – Cf. Gombrich, op. cit., p. 201-202.

[19] – Cf. Pugin, op. cit., p. 118.

[20] – Cf. Pugin, op. cit., p. 118.

[21] – Cf. Pugin, op. cit., p. 118.

[22] – Cf. Le Goff, op. cit., 1992, p. 212.

Verdade e fé: as linguagens da catedral nos séculos XII ­ XIII

Catedral de Notre Dame - A catedral gótica mais famosa de Paris

A relação entre verdade e fé significava a aliança entre os homens e Deus na idade média. O compromisso com o divino tinha lugar num local sagrado onde transcorria o ritual da união simbólica, a igreja do cristianismo. Na passagem do século XII para o XIII, com o crescimento das cidades europeias, surgem as catedrais românicas e, posteriormente, as góticas. Nessa mudança, a grandiosa catedral gótica, a igreja do bispo, caracteristicamente urbana e moderna, passa a ser o espaço síntese das artes e o centro de toda a vida da urbe, sediando, inclusive, escolas e universidades. Sob a gestão dos arquitetos, chamados de doutores em pedra, as construções proliferaram e integravam os trabalhos dos artesãos de toda espécie, como os escultores, denominados de talhadores de pedra e os vitralistas. A dinâmica dos seus espaços abrangia também as performances religiosas, as gesticulações ritualísticas, a música e os cantos sagrados, e dispunha o altar como o palco principal do drama cristão

Verdade e fé. Duas palavras capazes de provocar uma discussão interminável. Na Idade Média, para os cristãos, homens e mulheres, ambas as palavras significavam fidelidade a Deus, a Aliança feita com ele, a misericórdia, a santidade e o mistério da Salvação. A palavra “amém”, que podemos traduzir como “assim seja”, no final de uma prece, exprime mais do que o desejo formulado: As palavras que acabam de ser pronunciadas são verdadeiras. Neste sentido, a palavra fé, significa, crer.

Faz-se necessário esclarecer que não podemos nos referir à Idade Média como um todo. Vamos nos deter em apenas dois séculos: o XII e XIII, na Europa ocidental, onde o sistema de crenças era profundamente distinto do atual. A verdade e a fé formam um só sentimento que não se faz presente apenas na prática religiosa e espiritual dos medievais. Constituem a essência da cultura política da sociedade feudal vassálica. O que significa isto? Uma sociedade sem mobilidade social, que se desenvolveu a partir de guerras, após a queda do império romano, dos campos devastados e uma profunda insegurança. Em meio ao caos, uma única instituição sobreviveu: a Igreja. Ela vai processar a síntese das duas culturas: a romana e a germânica. A fé está implícita na fidelidade, essencial nas relações homem a homem no medievo. De acordo com a etimologia latina, fides, quer dizer “palavra dada”. Isto é, estabelece a relação entre os homens, mediante a palavra dada e firmada, conforme descreve uma farta documentação desde a época dos merovíngios na França (finais do século V).

Com a urbanização da Europa, surgiram as grandes catedrais. Inicialmente as românicas, posteriormente as góticas. Os canteiros de obras se espalhavam nas cidades de maior importância. No comando do canteiro o arquiteto também é o responsável pela decoração. Ele estabelecia o programa que seria executado pelos que talhavam a pedra e delas faziam brotar as imagens. “Talhadores de pedra” como eram denominados os escultores de então. As imagens góticas se distinguem das românicas não apenas pelo conteúdo. Os intelectuais refletiam sobre o que estava em volta. Foi esta atenção voltada para o mundo real que foi transmitida aos construtores das catedrais. A natureza se fez presente nos capiteis góticos, diferenciando-se dos capiteis românicos, onde os elementos eram criados reproduzindo um mundo de criaturas e seres fantásticos. Nos capitéis góticos a cópia dos vegetais permite inclusive distinguir as espécies.

A igreja de Notre Dame constitui um belo exemplo do gótico. Todavia os capitéis da igreja que nos vemos atualmente foram restaurados por Viollet le Duc. A igreja como se sabe, foi atingida duramente pelos revolucionários. Viollet le Duc, esclarece a impossibilidade de a restauração recuperar a igreja original. Seja como for, os capiteis interagem com a arquitetura, participando da síntese das artes processada no interior do edifício. Não se trata apenas de uma decoração. Ao mesmo tempo, honram a presença do sagrado que é o elemento sintetizador. Todo lugar de culto é por natureza um lugar sacralizado. Não existe culto sem sacralização. Para os medievais as palavras em latim – decor e decus – possuíam um sentido específico. Não significavam nem decorar nem ornar. Para o Abade Suger de Saint Denis, implicavam em homenagear e exaltar.

Os séculos XII e XIII correspondem a uma Idade Média que avança na urbanização. São outros homens, outras mulheres. Mas a crença em Deus continua. Estuda-se “Deus”. E a cidade garante uma melhoria de vida, mas ao mesmo tempo é cercada por uma periferia de miséria. O poder da Igreja fortaleceu-se. Em cada cidade existe um bispo.

A pesquisa que venho desenvolvendo tem como objetivo explorar as linguagens da catedral. Para mim a linguagem possui um significado muito amplo. Concordo com Alphonse Dupront:

“A linguagem implica na multiplicidade de discursos falados e escritos, expressos plasticamente ou pela técnica; pelo gestual, pelos comportamentos, ou mesmo pelos silêncios”.

Neste amplo leque de possibilidades, o nosso foco direciona-se ao mesmo tempo para o discurso plástico e para o discurso litúrgico, buscando entender de que forma os dois discursos se encontram, interagem, e promovem sob o comando da arquitetura, novas linguagens que resultam na síntese das artes.

A síntese das artes é uma expressão vinculada ao século XX caracterizando a presença das manifestações plásticas em um espaço arquitetônico ou urbano. Ao me apropriar da expressão para falar da catedral medieval como espaço produzido pela arquitetura capaz de reunir as artes do medievo, em nenhum momento a expressão me pareceu inapropriada. O anacronismo é próprio da história. E o tempo das imagens não é necessariamente o tempo da história. Estou partindo do meu presente, e acredito que a expressão síntese das artes cabe muito bem no estudo das catedrais. A partir do momento em que o lugar do culto aumentou suas dimensões – distanciando-se da concepção de que a Casa de Deus se concebia espiritualmente – para construir templos monumentais, promoveu no seu interior, a síntese de todas as artes: não só a arquitetura (construção do edifício), mas a escultura (decoração de colunas internas e estatuárias nas fachadas), a pintura (colunas e vitrais, iluminuras dos evangelhos) e também a ourivesaria, música e as artes cênicas.

Este percurso não foi feito com rapidez. Inicialmente, os cristãos não se preocuparam com um lugar de culto. Foi a aliança estabelecida entre a Igreja e os Carolíngios, em particular com a política de Renovação do Império Romano, que propiciou uma ocupação de território por parte da Igreja. Ergueram-se gradualmente, e cada vez mais, igrejas, mosteiros, abadias e outros edifícios com funções e práticas vinculadas a Roma. Dominique Iogna-Prat, em um livro que se tornou rapidamente uma referência, intitulado La Maison Dieu, analisa como a construção de um Império cristão pelos carolíngios foi determinante para a Igreja. Até então, a “Casa do Senhor” não se apresentava como algo decisivo para os cristãos. O ritual celebrado ocorria de forma simples e em local, por muito tempo, minúsculo. Alguns historiadores alegam que os primeiros convertidos não possuíam meios e por isso se reuniam nas próprias casas para um culto muito simples. Mas, convém considerar também, que nos primeiros dois séculos, já haviam divergências a respeito da construção de um local para o culto. Para alguns o senhor “estava em toda a parte”. Logo não se fazia necessário erguer um templo.

Foi a partir da dinastia carolíngia que a Igreja adquiriu visibilidade terrena. Isto é, construíram-se lugares específicos para o culto e “o termo ecclesia se impôs como terminus technicus para designar a igreja-monumento, lugar consagrado segundo os termos de um ritual que se fixou por volta dos anos 840.” É interessante notar que pela construção das igrejas e mosteiros a igreja ocupa um território. Torna-se concreta. Uma
olhada no mapa do Ocidente europeu nos faz perceber que a partir do século IX o número das construções aumenta e se torna maior do que o número dos castelos fortalezas.

Foi nos ateliês fundados por Carlos Magno que nasceu no final do século X um novo estilo de arquitetura que veio a ser denominada de românica. Tratava-se de uma igreja grande, de grossas paredes e caracterizada desde o século XI por uma arquitetura que se faz reconhecer pelo emprego sistemático das arcaturas e de bandas lisas. Foram construídas em cidades que pertencem a um território onde a instituição monástica ainda é “uma força de organização e foco de ação. Em especial, a ordem de Cluny teve um papel político e moral importante. Foram eles que organizaram as peregrinações, levando a população a se movimentar pelos caminhos e percorrerem as cidades, onde a igreja românica é uma espécie de relicário imenso, aberto a todos. A igreja monástica desta época é ao mesmo tempo a igreja dos monges e dos peregrinos graças a ação dos beneditinos da Ordem de Cluny, (fundada em 910). As peregrinações foram muito importantes para as cidades, que passaram a ter uma catedral onde se abrigavam uma ou mais relíquias de santos. A construção das igrejas românicas na sua notável variedade de estilos regionais é o resultado de um processo que perdurou até o séc. XII, quando se iniciam as experiências góticas.

O gótico é, sobretudo, a arte das grandes catedrais (não que não tenham ocorrido catedrais românicas grandes). Mas as grandes catedrais se deslocaram para as cidades mais populosas, mais ricas, com mais recursos. Enfim, onde existissem estradas que levassem os materiais extraídos das pedreiras. Para alguns historiadores da arquitetura, a arte românica e a arte gótica não são sucessivas. Não decorrem naturalmente, uma da outra. A arte românica pertence a uma ordem antiga, ligada a um passado histórico, enquanto o gótico se origina da pesquisa que resulta em uma arte que vários historiadores consideram “essencialmente moderna”.

A catedral gótica é a igreja do bispo. Uma igreja urbana que responde a uma liturgia mais complexa e exige um espaço grandioso para se realizar em toda sua expressão. O seu público é diferenciado. Isto é, constituído por indivíduos que moram na cidade. Os seus doadores possuíam uma profissão: eram artesãos os mais diversos, médicos (barbeiros), professores, livreiros, comerciantes. Estes habitantes que dominavam a vida da cidade econômica e socialmente, não entravam na catedral apenas para rezar. No seu interior se reuniam as confrarias e se realizavam as assembleias civis das quais toda a comuna participava. A catedral centralizava toda a vida urbana”. Graças às suas proporções, era nela que toda a população encontrava refúgio em caso de catástrofes naturais e guerras. Esta ideia de centralidade se mantém ainda hoje: a catedral de Notre Dame é o Km 0. O ponto de partida para toda a França.

Como sabemos, as cidades eram nesta época fortificadas. Isto é, fechavam as portas ao escurecer indicando claramente a grande importância econômica que haviam adquirido e o cuidado dos seus moradores com a proteção dos bens e das riquezas ali guardadas. Neste cenário, a Igreja, parte dominante da urbes, domina pela palavra, pelos dogmas, pelas regras e pela edificação da ética. Cada cidade demonstrava a sua importância econômica, social e política pela grandiosidade da catedral que podia construir – o que era naturalmente, proporcional às doações que recebia. A construção das catedrais alcançara uma monumentalidade impressionante. Ao mesmo tempo, passaram a ser construídas com maior rapidez. E isto tem uma boa explicação: no interior das mesmas, além dos locais citados acima – nos quais os habitantes não se reuniam para a prece -, cada catedral possuía uma escola, uma universidade.

São os arquitetos que comandam e promovem a síntese das artes na construção das catedrais. No século XIII, os primeiros arquitetos assinam suas obras e são respeitados como mestres das escolas. Eles se auto denominam “doutores em pedra”. O ensino no mundo urbano distingue-se profundamente do ensino anteriormente ministrado nos mosteiros, que apesar da imensa importância, estava voltado para si mesmo. No interior da catedral, as escolas e as universidades se abriam para o mundo. Para Georges Duby, esta

“É a razão que concebe a catedral, que faz aí se coordenarem conjunto séries de elementos discretos. Esta lógica se faz cada vez mais rigorosa e o edifício cada vez mais abstrato”

Panofsky destacou, entre as consequências importantes que a deslocação da educação para o âmbito urbano provocou no conhecimento, o caráter cosmopolita das escolas catedrais, universidades e as studia das novas ordens mendicantes. No clássico, Arquitetura Gótica e Escolástica, ele afirma que a escolástica detinha o monopólio da formação intelectual no âmbito restrito em torno de Paris. Distinguiu o arquiteto da cidade do arquiteto monástico. O primeiro aprendia o seu ofício e desde o início supervisionava suas obras pessoalmente. O papel predominante do arquiteto na condução dos trabalhos se revela pela atenção e pelo contato estreito com os escultores, pintores de vidro, entalhadores e outros. Era ele, o arquiteto, que os contratava e supervisionava pessoalmente, transmitia os projetos e o programa iconográfico.

O abade de Saint Denis considerou que a decoração era necessária por contribuir para a doutrina e participar do ritual. No exterior da catedral, as imagens nas portas e nas fachadas exerciam uma função pedagógica. As decorações podiam manifestar as hierarquias, divisões internas e polaridades do lugar da igreja. No espaço arquitetônico, as imagens se espalhavam, estruturando o espaço interior. Entretanto, ao meu ver, a distribuição das imagens não é tão aleatória. A relação de uma imagem, ou mesmo de um conjunto de imagens ao ritual, pode possuir um significado. É o caso principalmente das imagens do altar e mesmo dos nichos que se encontram nas laterais, na porta e no tímpano.

O crescimento das cidades, movido pela economia dos mercadores e do comércio, favoreceu a concentração das principais atividades urbanas na catedral, que era ao mesmo tempo escola e centro da urbes. Não importa se os arquitetos do gótico não tenham lido Gilberto de La Porree ou Tomás de Aquino no original, conforme considerou Panofsky. O que importa é que de qualquer forma, entraram em contato com o ideário escolástico por outros escolásticos e pela circulação das ideias. É possível que nem tenham percebido que, por força de sua atividade, tinham de trabalhar com quem esboçava os programas litúrgicos e iconográficos, isto é a própria Igreja.

De acordo com George Duby,

“A catedral gótica nasceu destinada a ser magnífica, por que é a morada de Deus, porque é o símbolo dos poderes espiritual e temporal. Para que a igreja do bispo fosse o coração da cidade e não uma cidadela fechada, reservada a clérigos. Os programas e os custos foram pensados, a racionalização do trabalho concebeu que os espaços litúrgicos fossem rapidamente abertos aos ofícios e ao curso anual das festividades e que o fluxo de rendimentos que os acompanha não sofresse interrupções”.

É neste contexto, que se inserem os Tratados de liturgia. No século XIII, o arcebispo de Mende, Guillaume Durand (cerca de 1230-1296), redigiu um dos mais importantes tratados de liturgia da Idade Média de que se tem notícia: O Rationale Divinorum Officiorum (Análise racional do serviço divino). A obra está inserida na longa tradição de interpretação alegórica da liturgia. O manuscrito que se encontra na BNF (Paris) possui oito livros que tratam da igreja, da hierarquia clerical, do vestuário litúrgico, da missa, do ofício divino, dos ofícios do domingo, das festas, dos santos e das finanças. Ou seja, repete várias passagens de outros tratados litúrgicos (conforme referência acima). Sua repercussão foi excepcional para a época: As fontes indicam mais de 200 manuscritos que datam da Idade Média. Para que se tenha uma ideia da importância do Tratado, em 1457 ele foi um dos primeiros manuscritos a ser impresso em Mogúncia, no mesmo ateliê onde dois anos antes foi impressa a Bíblia de Gutenberg. Quase um século mais tarde, o Tratado de Durand se mantinha atual, a tal ponto, que o rei Carlos V, em 1374, encomendou a Jean Golein a sua tradução para o francês. O códice foi iluminado à altura de um rei. As iluminuras revelam a riqueza dos materiais que percorrem os fólios do manuscrito, embelezando-o no sentido caro aos medievais.

Na abertura do texto traduzido, uma grande iluminura, com motivos vegetais de estilo italiano, enquadra o manuscrito, representando o momento em que Durand entrega o manuscrito ao rei Carlos V em 1374, de acordo com o prólogo (f. 1-2v); os fólios 28-34 se referem ao Tratado do Sagrado, definindo que sagradas são “todas as coisas que pertencem ao divino ofício, tanto ornamentos como quaisquer outras coisas”, confirmando o abade Suger.

Os sete livros do tratado dão uma ideia da obra. Tratam dos lugares, dos ornamentos, da consagração e dos sacramentos. Voltam-se inicialmente para o próprio edifício, sua arquitetura, que deve ter como função a rememoração da vida e da morte de Cristo. Ou seja, é aí, na arquitetura, que o cerimonial ganha a materialidade que está na própria pedra, seguindo a rigor o tratado litúrgico. Tanto a construção como as esculturas obedecem ao tratado. Não se trata de um edifício comum, mas de um edifício sagrado, onde se celebram vários rituais. A catedral recebe a todos. Inclusive o Rei. Por isso, é possível dizer que na catedral gótica se reúnem os dois poderes: o espiritual e o temporal.

O exame cuidadoso da planta interna de uma catedral, independente do seu estilo, evidencia um plano que revela o itinerário a ser percorrido, onde os personagens repetirão os mesmos gestos, as mesmas palavras e ao som da música instrumental e dos hinos realizam sempre a mesma performance. O figurino dos sacerdotes faz parte do ritual que é celebrado. A igreja todavia não é apenas uma arena teatral. É concebida como um locus, uma Terra sancta. Isto significa que ela é consagrada, tornando-se apta a realizar todos os demais sacramentos. A planta é em cruz romana orientada para o Ocidente. Nela estão localizados os lugares dos participantes e o seu ponto mais importante, o altar. É dentro deste pensamento que a arquitetura realiza uma das funções da igreja. Mas não é a única. Não podemos esquecer que os moradores da cidade não entravam nas catedrais apenas para rezar. No interior, da igreja monumental, construída com as suas doações (conforme salientamos acima), reuniam-se também, para outras atividades. A catedral dominava a cidade, era a própria cidade, a casa de todos.

As formas românicas ou góticas não produziam sobre os medievais o mesmo sentimento estético que podem provocar em qualquer um de nós, independente da crença religiosa, ou mesmo da ausência de fé. Para os homens e as mulheres da Idade Média, aquele edifício, possuía uma função importante, central na cidade. Isto porque para essas pessoas, o invisível possuía a mesma realidade do visível. Para elas, a vida não terminava com a morte. Elas acreditavam na eternidade. A relação visível e invisível, vida e morte era lembrada logo na entrada da igreja. As igrejas dos séculos XII e XIII trazem, ocupando todo o pórtico, esculturas em relevo que reproduziam a cena do juízo final (onde todos compareceriam, incluindo o clero, a realeza e a aristocracia). Na pedra o Cristo em majestade julgava os mortos, enquanto anjos e demônios realizavam uma triagem tomando cada um a parte das almas que lhes cabia. Ao lado, a Virgem Maria advogava a causa dos justos.

Outros temas bastante divulgados são o do Apocalipse, Pentecostes e o da Ascenção.

O pórtico possuía um valor simbólico extraordinário na medida em que constituía uma área de fronteira entre o sagrado e o profano. O simbolismo da porta representa a palavra do próprio Cristo. Em um sermão, Agostinho afirmou: “Cristo é a porta”, repetindo as palavras ditas por Jesus (Eu sou a porta). Nessa entrada, o profano e o sagrado ora se enfrentavam, ora buscavam a conciliação. Aí também, o mesmo discurso litúrgico que ditava regras para a arquitetura, separando territórios no interior, traçando itinerários para os peregrinos, promovia também cerimônias religiosas que possuíam um papel social importante. Na porta da catedral, realizavam-se procissões e demais festas determinadas pelo calendário litúrgico, tal como os domingos de ramos e da Páscoa. Aí também ocorrem importantes encenações como a da paixão. O discurso litúrgico tem, portanto, papel fundamental na sintetização das artes. É este discurso que subsidia e dita as regras. Ë segundo as suas determinações que se constrói, se esculpe e se pinta o cenário em que se fala, se cala, se canta, se senta e se levanta. Os tratados litúrgicos mencionam também os rituais internos, que se processam no interior da catedral em lugar determinado, tais como batizados e ofício dos mortos.

Contrariamente ao que se costuma pensar, os medievais não se sentiam pertencendo a um mundo de trevas. Os homens e as mulheres da Idade Média acreditavam que Deus é luz. A vivacidade da luz obtida com o vitral da catedral gótica, que já existia no românico, foi prolongada até a abóboda. A construção da catedral submetida à luz repousa na tradição de um discurso de longa duração, no qual se destacam nomes como o de Suger, mas, bem anteriormente, o do Pseudo Dionísio. As rosáceas são próprias à arquitetura gótica. São três rosáceas em Notre Dame que fazem com que o altar fique cada vez mais iluminado à medida que a pessoa se aproxima. São construídas com vitrais, o que produz um efeito especial na luz.

Simbolicamente, pode significar a caminhada do fiel em direção à luz.

Finalmente, a música e o jogo de luz e cores promovido pelos vitrais interagiam no cenário propiciando o desenvolvimento da performance, de acordo com o discurso do evangelho que determina os movimentos e os gestos do ou dos celebrantes e da plateia. – Vários historiadores da arte, entre eles Jean Claude Bonne, fazem referência à performance que compõe o ritual cristão.

Dois relicários de marfim provenientes respectivamente de Cambrigde e de Frankfurt, datados do século IX, e que se encontram atualmente no museu do Vaticano, representam o momento da celebração de uma missa, termo específico utilizado apenas pelos católicos. A missa é um ofício litúrgico no decorrer do qual os indivíduos presentes atualizam a última ceia que antecedeu a crucificação de Jesus. O ritual se divide em duas partes, como vimos nas representações dos relicários: primeiro, a liturgia da palavra: Isto é a leitura dos textos bíblicos, o sermão, as preces de suplicação e os cantos que também podem ser recitados; a segunda parte é composta pela liturgia da eucaristia que começa pela oferenda do pão e do vinho e, em seguida, pela consagração de ambos e repartição entre os presentes. Isto é a comunhão precedida pela prece do Agnus Dei (Cordeiro de Deus). A cerimônia é concluída pela formula Ite missa est (A missa é dita).

Na primeira parte da liturgia da palavra, o Livro, o evangelho representa a palavra de Deus. No códice, seguidamente em tamanho A4, os fólios em pergaminho iluminados são costurados à mão. A capa pode ser em madeira, marfim e prata; em ouro, com o uso ou não de pedras preciosas e esmaltes.

Em tal cenário, o altar possui um papel essencial. Sobre ele, um conjunto de objetos – cálice, patena, evangelho – adquirem no momento apropriado a sua função. O altar do cristianismo está ligado à tradição judaica do sacrifício de um cordeiro no período da Páscoa. O cristianismo serviu-se de tal tradição em muitos aspectos, legitimando a vinda do Salvador ao mundo dos homens. A importância do altar é enfatizada pelo Antigo Testamento, no Gênese (Abraão Gn 12,7 e Jacó Gn. 12,7) no Exodus (Moisés Ex 20,24) e no Livro de Esdras ( Esd 3,2-3). O altar do Antigo Testamento é construído de pedra. Com a expansão do cristianismo, fiel a tradição judaica, a pedra se tornou por excelência, o material do altar. A palavra altar está vinculada a montanha – lugar sagrado de muitas crenças – lugar alto, onde ocorre a manifestação do sagrado (a teofania).

No interior da igreja, o altar une a palavra à eucaristia, referenciando-se a mesa da Páscoa. O altar é, portanto, o palco principal do drama cristão. Nele são feitas as narrativas e é atualizada uma das cenas mais importantes da história cristã.

Autora: Maria Eurydice de Barros Ribeiro

Fonte: Revista Estética e Semiótica / Volume 7 / Número 2

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O Desenho e o Canteiro no Renascimento Medieval (séculos XII e XIII): Indicativos da formação dos arquitetos mestres construtores – Capítulo V (2ª parte)

Saint Barbara (van Eyck) - Alchetron, the free social encyclopedia“Santa Bárbara” de Van Eyck. Ao pé do edifício, uma loggia de talhadores de pedra. 

5.2. As ferramentas utilizadas nos trabalhos em pedra: pedreira e canteiro

Através da sequência dos trabalhos em pedra, da extração da pedreira até o posicionamento de componentes e esculturas na obra, examinaremos as variadas ferramentas utilizadas e os resultados produzidos sobre o material.

Trataremos assim, de ferramentas que eram utilizadas para determinadas tarefas na pedreira e outras cuja utilização já se dava no canteiro, aos pés da obra. Percebemos que o tipo de ferramental vai mudando conforme as tarefas crescem em precisão.

São com as cenas dos canteiros, mostradas na iconografia desenhada, pintada ou esculpida entre os séculos XI e XIV, é que se torna possível reconstituir as sucessivas etapas do trabalho em pedra e reconhecer as principais ferramentas utilizadas.

Entretanto, importantes lacunas subsistem nos estágios de extração e retirada da rocha, esquadrejamento de pedras duras, acabamentos dos paramentos e relevos e esboço das esculturas (BESSAC, op.cit.,2001).

Os enganos iconográficos são numerosos, sendo suas principais causas as obras de imaginação (ou memória), as cenas alegóricas e as artimanhas destinadas a proteger segredos profissionais.

A despeito dessas numerosas dificuldades, é possível propor um esquema geral das diferentes operações do talhe da pedra e da escultura medieval.

A sequência dos trabalhos em pedra pode ser então exprimida em treze itens, dos quais os itens de 1 a 4 deveriam ocorrer na própria pedreira, de 5 a 10 com os componentes no canteiro e os restantes – 11 a 13 – referindo-se à arte escultórica em pedra.

Trabalhos em pedra

Na pedreira (itens de 1 a 4 )

1 – Exploração da rocha na pedreira:

  • picareta de extração
  • pinça de extração

2 – O corte da pedra:

  • serra

3 – Esquadrejamento de pedras duras:

  • picareta
  • picareta de talhe

4 – Esquadrejamento, esboço e talhe de pedras macias:

  • polka
  • polka denteada

No canteiro (itens de 5 a 10)

5 – Esquadrejamento e talhe:

  • martelo de talhe
  • martelo denteado

6 – Desbastes:

  • punção

7 – Traçado dos perfis e relevos:

  • gabaritos

8 – Talhes diversos e relevos:

  • cinzel metálico para pedras duras
  • cinzel com cabo de madeira para pedras macias
  • cinzel denteado (gradine)
  • martelo cilíndrico curvo
  • macete de extremidades alargadas

9 – Talhe de pedras com furadeiras:

  • furadeira de arco
  • furadeira de enrolar

10 – Acabamentos de superfícies, paramentos e relevos:

  • ripe

Esculturas (itens 11 a 13)

11 – Modelagem inicial (esboço) de esculturas:

  • picareta de talhe
  • punção

12 – Relevo e talhe de esculturas:

  • cinzel
  • gradine
  • macete curvo

13 – Acabamento das esculturas:

  • ripe

A complexidade das tarefas do operário das pedreiras resume-se perfeitamente na descoberta, retirada e tratamento das pedras. A exploração era feita a céu aberto, revelando o aspecto original das rochas graníticas que se apresentam em maciços isolados ou encaixadas em leitos de rios. O trabalho dos operários é então cortar os blocos em terra firme ou preparar ensecadeiras para drenar o maciço rochoso.

A exploração da rocha em pedreira parece antes de tudo realizar-se com a ajuda de instrumentos correntes de terrapleno.

A retirada de mármores, por exemplo, é efetuada com a serra, porém com um modelo sem dentes, contrário à figuração conhecida. Nenhuma representação descreve esta operação para outras categorias de pedras.

Assim, a descoberta das pedras enfrenta toda sorte de obstáculos, desde a fragilidade de ferramentas e utensílios, aos problemas de desvio das águas, da remoção da lâmina do terreno, às ameaças de desabamento e outros perigosos acidentes.

Os bancos de pedra revelam-se aos trabalhadores com seus meios rudimentares, somente após esforços consideráveis. Uma vez o banco de pedra colocado a nu, é preciso destacar cada bloco da ganga e desbastar ou arrancar com outros instrumentos.

Falamos do martelo de cabo longo e grande cabeça, pesando de 4,50 Kg a 5,50 Kg, das picaretas de ponta cortante “para romper as grandes pedras” com 4,50 Kg a 9 Kg de metal, das cunhas às vezes com 9 Kg ou 11 Kg para alargar as fissuras, dos pés de cabras, de barras, de serras para extrair o calcário, etc…

Dispunha-se ainda de uma forja com um ferreiro em jornada contínua para reformar, reforçar com lâminas de metal e afiar as ferramentas estragadas. Um jovem servidor fazia a ligação entre a pedreira e a forja.

O trabalhador realiza um trabalho penoso, com ferramentas fracas e às vezes inadequadas, o que levava inevitavelmente ao comprometimento da rapidez da execução.

O uso de guindastes ou “engenhos” – aparelhos elevadores constituídos de pranchões de madeira, rodas, cordas e um sistema de travamento – é bastante raro nas pedreiras.

Muitas vezes, os trabalhadores mais competentes da pedreira esboçavam as formas e volumes, dando o aspecto quase definitivo para colunas, ogivas, arcos e pináculos que seriam enviados ao canteiro.

Esta preparação – a operação de esquadrejamento das pedras duras com picaretas era sempre realizado na pedreira – atestada pelos cálculos de custos, mostra a grande vantagem de limitar o peso dos materiais, facilitando seu transporte e evitando o atravancamento do canteiro.

A palavra francesa que designa este trabalho de preparação é chapage. As pedras talhadas e as peças de escultura são marcadas com signos que permitem identificá-la, pagar o trabalhador responsável (tarefeiro) ou para indicar o posicionamento do elemento na obra monumental (signo de posição).

– Signos dos tarefeiros – “assinaturas” em pedra. Extraído de HARVEY, John. op.cit.,1971.

Com a chegada do material da pedreira ao canteiro, os trabalhos de lavra da pedra continuam. As pedras macias são geralmente esquadrejadas e paramentadas com a ajuda da lâmina vertical da polka e mais frequentemente com o martelo de talhe. Nos mesmos tipos de trabalho, o martelo denteado é pouco representado, principalmente após o século XIII; em compensação a polka denteada é vista correntemente após o século XV.

201 5.2. As ferramentas utilizadas nos trabalhos em pedra ...Desenho de um vitral com os construtores de Chartres e seus instrumentos de trabalho em pedra. 1- polka denteada 2- martelo cilíndrico curvo 3- picareta de talhe 4- esquadros de lados paralelos 5- gabaritos 6- compasso 7- nível 8- fio de prumo 9- planta. Extraído de BECHMANN, Roland. op.cit.1993,,p.63.

Para escavar e moldar os relevos na pedra macia, os entalhadores de pedra utilizavam a polka do lado em que sua lâmina é disposta perpendicularmente ao cabo. Quando tinham de produzir elementos de relevo em série, os traçados são lançados nas pedras esquadrejadas por meio dos gabaritos em madeira ou mais comumente em metal.

downloadTrabalhadores utilizando a ripe (esquerda) e o cinzel (direita). Extraído de BECHMANN, Roland. op.cit., 1993,p. 63

O entalhador de pedra trabalha os relevos com o cinzel e a partir do século XIV com o cinzel denteado (gradine). Estas ferramentas são empregadas para realizar entalhes e paramentar os blocos para assentamento.

A ripe é utilizada para regularizar as faces da pedra e dar acabamentos em qualquer superfície.

Um processo análogo parece reger a confecção da escultura em pedra. O equipamento vai sendo utilizado conforme o desenvolver da obra: picareta leve, punção, o cinzel ou gradine, a ripe e provavelmente em certos casos a furadeira.

Porém, a maior parte das ferramentas que intervém nas etapas preliminares do trabalho de escultura, não são jamais mostradas nas imagens que chegaram até nossos dias.

Notamos ainda que, paralelamente às condições técnicas, a iconografia medieval dos canteiros traz-nos também informações sobre as condições de trabalho dos talhadores de pedras. Estas parecem melhorar bastante por volta do século XV, nesta época que transparecem perfeitamente os cuidados com a proteção dos segredos profissionais, enfatizados no encontro de Ratisbonne em 1459.

Enquanto o uso dos guindastes nas pedreiras era bastante raro, nos canteiros eles aparecem mais amiúde, principalmente em razão da altura das paredes projetadas pela arquitetura gótica.

201 5.2. As ferramentas utilizadas nos trabalhos em pedra ...Trabalhadores medievais no seu trabalho. Aparece o fio de prumo, martelos cilíndricos curvos e um guindaste (corda e roldanas).Extraído de GIMPEL, Jean. op.cit.,1973,p.59.

Os talhadores de pedra tinham um lugar para abrigo ao pé da obra (a loggia), onde guardavam as ferramentas, recebiam as orientações do Mestre e riscavam as pedras com os gabaritos.

Os painéis ou gabaritos constituem um poderoso auxiliar no corte de pedras. A imagem do uso dos gabaritos mostrada a seguir é bastante clara.

201 5.2. As ferramentas utilizadas nos trabalhos em pedra ...Pormenor de gravura de trabalhadores no canteiro – 1-Instrumento de percussão provavelmente uma “polka”) 2- gabaritos em uso. Extraído de HARVEY, John. op.cit.,1971.

O trabalhador frequentemente reproduz numerosos exemplares idênticos de pedras com relevo (bases, capitéis, elementos de cornija, de janelas e de rosáceas) utilizando-se de um gabarito dos recortes frontais e da modenatura.

Finalmente, a iconografia medieval levantada sobre as principais ferramentas mostra-nos um instrumento que é “polivalente” ou seja, é utilizado tanto na pedreira quanto no canteiro: o esquadro de lados paralelos, que auxilia o uso das ferramentas de esquadrejamento de pedras.

201 5.2. As ferramentas utilizadas nos trabalhos em pedra ... Gravura de “O romance da Rosa” – séc. XIV. 1- picaretas de talhe 2- esquadro de lados paralelos 3- colher. Extraído de GIMPEL, Jean. op.cit.,1973, p.75.

Continua…

Autor: Francisco Borges Filho

Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Estruturas Ambientais Urbanas.

Fonte: Digital Library USP – Theses and Dissertations

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O Desenho e o Canteiro no Renascimento Medieval (séculos XII e XIII): Indicativos da formação dos arquitetos mestres construtores – Capítulo V (1ª parte)

Clase Arq.GóTica By Mao

5. Ferramentas e instrumentos nos séculos XII e XIII

A partir da segunda metade do século XII, produz-se uma mudança muito significativa no aspecto das construções. Esta mudança responde a modificações de conceitos religiosos e litúrgicos, refletindo-se em nova definição dos espaços internos das igrejas.

Este novo estilo aparece e desenvolve-se com a melhoria das condições materiais nas cidades. Enquanto o estilo românico tinha um caráter rural, aparecendo sempre em igrejas próximas aos monastérios, o gótico é, desde sua origem, um fenômeno urbano que surge pela vontade de comunidades mais complexas e desenvolvidas.

A catedral gótica, máxima expressão da construção da época, é uma necessidade não só religiosa, como social – ponto de reuniões e demonstração de pujança econômica e espiritual da comunidade.

Construir é, então, o principal e quase único trabalho coletivo da época. A única “ferramenta técnica” é uma geometria muito simples e é com ela que procuram resolver os problemas que aparecem com o aumento da altura das naves e da complexidade das coberturas.

O talhe das pedras tem grande precisão, embora sua forma não seja uniforme em virtude da necessidade de se economizar e racionalizar o seu uso. Apenas no Renascimento é que as pedras dos arcos terão tamanhos iguais: no período medieval o uso pelo gótico de arcos ogivais de mesmo raio e diferentes alturas, permitirá a economia e a agilização da produção das peças. Os sistemas de medidas não são comuns às várias cidades e “loggias” das obras, não há papel e as ferramentas são caras e de baixa qualidade.

Apesar disso, recebiam no canteiro todas as milhares de peças, para as quais criou-se um sistema de marcação, transporte, armazenagem e colocação, sem que fossem possíveis muito retoques ou erros em virtude da natureza do material que era a pedra.

Isto remete-nos à suposição de um alto grau de profissionalismo entre os participantes do processo, o que na verdade era conseguido com longos períodos de aprendizado com os mestres de ofício.

A construção das catedrais era mencionada com vários detalhes em muitas crônicas, como a do monge Gervase, sobre a reconstrução da catedral de Canterbury, após o incêndio de 1174. (COWAN,op.cit.,1977).

Poucas contém desenhos sobre a obtenção e beneficiamento de materiais ou seu assentamento. Nenhuma, porém, dá qualquer indicação sobre o método de projeto que era objeto do “segredo” dos mestres pedreiros. Nós sabemos menos sobre os projetos das catedrais medievais do que sobre a arquitetura romana ou renascentista.

Algumas razões para este fato podem ser o baixo nível de alfabetização que, no século XII, ficava restrita aos religiosos e a transmissão oral dos conhecimentos profissionais.

Mesmo os manuscritos mais recentes (século XV) dos mestres pedreiros – caderno de desenhos anônimo encontrado na Biblioteca Nacional de Viena em 1450; geometria de Heutsch escrita provavelmente em 1472; geometria de Schmuttermeyer escrita provavelmente em 1486; o livro sobre a Verticalidade dos Pináculos de Roriczer de 1486 – explicam somente procedimentos de montagem (como tirar a elevação do plano), mas não de projeto, que ficava restrito aos “traçados reguladores” ou a escolha da “Grande Unidade” pelo arquiteto, conforme as pesquisas de Kossman (FRANKL,op.cit.,1945).

Outra provável razão para a ausência de registros sobre o projeto pode ser que após as opções do arquiteto, as principais orientações seguiam um conjunto de parâmetros definidos “a priori” pelo mestre, que às vezes socorria-se de um modelo, maquete ou desenho de épura em v.g. (verdadeira grandeza).

Os desenhos não são objeto de preocupação quanto à conservação: são destruídos ou seu suporte (raro ou caro) reutilizado. Apesar disto, alguns textos mostram a importância do desenho e aspectos de sua utilização, garantindo a propriedade ao seu autor. Um exemplo é o trecho de contrato entre o rei da Inglaterra no final do século XIV e dois mestres pedreiros:

“(…) de acordo com o sentido do projeto e dos gabaritos feitos sob recomendação do mestre Henry Yevely e entregue para os ditos pedreiros por Watkins Walton seu encarregado.”

O importante era o fazer dirigido por quem tinha o encargo de conceber ou a um sucessor a quem fosse permitido conhecer o projeto original (naturalmente, através de desenhos).

Através do estudo dos conjuntos de instrumentos e ferramentas poderemos conhecer um pouco mais sobre os procedimentos do trabalho – geometria do projeto e do canteiro – no Renascimento Medieval, que é como ficaram conhecidos os séculos XII e XIII.

Estes conhecimentos geométricos eram utilizados nas diversas instâncias – pelo uso de instrumentos e ferramentas – no projeto ou na obra, no beneficiamento do material (pedra), em sua extração e colocação no canteiro e até o seu posicionamento na edificação.

5.1. O Renascimento Medieval: a construção e o conhecimento

A civilização na chamada Baixa Idade Média (ou Idade Média Central – VINCENT,op.cit.,1995), começa a apresentar grandes diferenças do período anterior (Alta Idade Média), notadamente nos âmbitos religioso e intelectual.

Os sentimentos mudam para um crescente interesse pelas coisas terrenas em contraposição ao pessimismo com o destino e a vida do homem nos séculos anteriores. Algumas causas apontadas para estas mudanças devem-se a progressos na educação monástica e disseminação de escolas episcopais, a um governo mais estável e a uma economia mais sólida em função da retomada do comércio nas rotas terrestres e marítimas (Mediterrâneo,Mar do Norte,Mancha e Báltico).

A influência das civilizações islâmica (presente na Península Ibérica até 1492 – século XV) e bizantina (herdeiros do Império Romano que desapareceram apenas em 1453 -século XV – com a tomada de Constantinopla pelos turcos) e ainda o renascimento, fundação e prosperidade de vilas e cidades, levam a realizações materiais e intelectuais nos séculos XII e XIII, que justificam a denominação de “Renascimento Medieval”.

Apresentamos a seguir, de maneira resumida, as principais realizações destes dois séculos. Importante ressaltar-se ainda que todas as Cruzadas, da Segunda (1147-1149) até a Oitava (1270 – morte de São Luiz em Tunis) ocorreram dentro do período em questão.

Século XII
1109 – Abadia de Cluny;
1120 – Tradução de “Os Elementos” de Euclides do árabe para o latim por Adelard de Bath;
1126 – Escola de Tradutores de Toledo;
1132 – Abadia de Vézelay (Borgonha);
1141 – Tradução do Corão para o latim por Pierre, o Venerável, Abade de Cluny;
1144 – Reconstrução da Abadia de Saint-Denis pelo Abade Suger – nascimento do gótico;
1160 – Catedral de Laon[1];
1163 – Catedral de Notre Dame de Paris;
1175 – Catedral de Canterbury;
1194 – Catedral de Chartres[1].
Século XIII
1211 – Catedral de Reims[1];
1214 – Privilégios à Universidade de Oxford;
1215 – Fundação oficial da Universidade de Paris;
1220 – Catedral de Amiens;
1226 – Santa Inquisição;
1245 – Abadia de Westminster;
1248 – Catedral de Cologne;
1250 – Catedral de Strasbourg;
1265 – Summa Teológica de São Tomás de Aquino.

De quais materiais, utensílios, instrumentos e organização dispunham os construtores para possibilitar nos séculos XII e XIII o desenvolvimento de um novo estilo arquitetônico como o gótico? É necessário imaginar os conhecimentos teóricos e práticos ao alcance do criador – que aqui chamamos de “Arquiteto” – e de seu auxiliar, o “parlier”

Este é quem transmite as tarefas do projeto aos executantes, verifica a conformidade dos detalhes previstos, dá indicações aos talhadores de pedra e carpinteiros, explica os traçados ou os reproduz em escala, conforme os desenhos do arquiteto.

Na sala de traços, recobrindo o chão de gesso ou nas argamassas das paredes, o arquiteto desenha suas épuras em verdadeira grandeza (tamanho natural) com seus equipamentos.

Os executantes são geralmente capazes e zelosos, porém iletrados.

Contrariamente à ideia romântica de que todo o povo participava, a construção das catedrais era feita por profissionais pouco numerosos. Algumas dezenas de permanentes e até algumas centenas em período de pico. O máximo número de trabalhadores conhecidos é de 700 trabalhadores na Abadia de Westminster, por desejo do rei.

O arquiteto precisa se preocupar com os materiais colocados no obra, sua origem, seu custo e demais características técnicas: isso vai refletir a organização e os equipamentos existentes no canteiro.

É preciso sempre evocar as condições técnicas em que aqueles construtores se encontravam: as novas possibilidades que surgiram, mas também as dificuldades e obstáculos que enfrentavam em todos os níveis, desde o aprovisionamento e transporte, nos diferentes estágios da concepção, lançamento do projeto, execução e comunicações das disposições prévias.

A este propósito, o trabalho do arquiteto orientava-se para simplificar (selecionar poucos padrões) e facilitar a comunicação do projetado aos executantes sempre que isso fosse possível (BECHMANN,op.cit.,1993).

Após a escolha dos padrões, o carpinteiro fabrica os gabaritos para serem entregues ao mestre talhador que os utiliza em função dos blocos de pedra retirados da pedreira.

Assim, notamos um aparente conflito com um parágrafo de Walter Gropius:

“…cada artesão, participante da obra, podia não apenas executar, mas também projetar a parte que lhe cabia, desde que se subordinasse à clave de proporções geométricas de seu mestre: esta servia às guildas de construção – tal como a clave musical serve ao compositor – com recursos geométricos. Quase nunca existiam projetos no papel; o grupo de trabalho vivia junto, discutia a tarefa comum e transpunha as idéias diretamente para o material.”( Walter Gropius. Bauhaus: Nova Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 25 – citado por BICCA,1984).

As noções da inteira liberdade do trabalhador medieval quanto ao exercício de seu ofício não parecem ser muito verdadeiras, uma vez que a organização econômica do canteiro impunha medidas de padronização e repetição de tarefas.

Além dos problemas internos à organização das obras, é preciso considerar também quais as condições gerais em que se achavam os construtores da época: o contexto ecológico (pedreiras e florestas/pedras e madeira) e sócio-econômico que atuava sobre eles sujeitava e condicionava não somente seu modo de vida, mas também suas escolhas técnicas.

A superexploração das florestas, que era uma consequência não somente dos grandes desmatamentos produzidos pela expansão demográfica, mas também pelo manejo tradicional da época (matéria para combustível (lenha e carvão) e madeira para utilização em obras), levou o nordeste da França, berço da arquitetura gótica a uma grande escassez de madeira com secções adequadas para construção.

Esta dificuldade provocou uma necessária evolução técnica, que a hagiografia, as crônicas e os Cadernos de Villard de Honnecourt nos informam.

Os custos dos transportes, sobretudo por via terrestre, incidem decisivamente sobre as técnicas empregadas e refletem-se notadamente no talhe das pedras em uma “estandartização” ou modulação na pedreira.

O emprego das janelas e arcos ogivais, que podem ser construídos com diversas curvas de mesmo raio, porém com alturas diferentes, utiliza-se de peças de mesmo perfil e curvatura, prestando-se assim aos propósitos de usar um pequeno repertório formal para compor arcos de várias inclinações.

Além das novas possibilidades trazidas pelo emprego das janelas e arcos ogivais e dos arcobotantes, desenvolve-se também, por exigências das mudanças litúrgicas, a arte dos vitrais, que permite trazer a luz para dentro das naves, proteger contra a chuva e o frio e aliviar as fachadas pelo emprego de menor volume de pedras.

O Abade Suger em Saint-Denis, berço do gótico, queria uma igreja na qual a luz brilhasse e a escuridão fosse dali varrida. Afirmava que a alma é fortemente arrastada para Deus ao contemplar o brilho cintilante da luz refletida em pedras preciosas (BROOKE,op.cit.,1972).

A ciência da construção, inteiramente empírica, apoiando-se nas experiências mais arrojadas, progredia rapidamente e os construtores do país que desenvolveram a nova arquitetura, adquiriram uma competência que os fizeram requisitados por toda a Europa, como mestres de obras ou arquitetos.

Foi provavelmente por um desses títulos que Villard de Honnecourt foi levado a viajar ao exterior e assim sair de sua terra natal, a Picardia, para visitar a Île-de France, a Champagne, a Suíça e a Hungria.

Os conhecimentos extremamente rudimentares em matéria de Geometria foram evidenciados pela correspondência de 1025 (século XI) entre os escolásticos Radolf de Liège e Ragimbold de Cologne sobre suas pesquisas e pelos esforços de outros escolásticos com Francon, Wazron, Razegan e Adelman que se esforçavam para demonstrar corretamente o Teorema dos ângulos internos de um triângulo. Mesmo através dos desenhos de Roriczer em 1486 (século XV) no “Livro da Construção Exata dos Pináculos”, percebemos a limitação dos conhecimentos em Geometria.

O conhecimento teórico e matemático da Geometria era pequeno por parte dos mestres construtores e havia uma imensa dificuldade no diálogo com os sábios e intelectuais pelas barreiras entre o latim culto e o latim vulgar.

Esta afirmação sobre os limitados conhecimentos dos mestres construtores era provavelmente exata para os teóricos, mas não parecia ser verdadeira no mundo do trabalho.

Ao domínio da demonstração como entendemos hoje – aquelas que interessam aos matemáticos, teóricos, filósofos ou sábios e que demonstrariam a plena compreensão da obra de Euclides – contrapõe-se a prática do “traço”, o plano de traçados reguladores com sua geometria prática.

É admirável que se possa imaginar como, deste modo, as catedrais góticas puderam ser erguidas sem maiores conhecimentos dos domínios da Geometria.

Restam os traços ou riscos como é mais comum entre nós e os modelos e maquetes. O risco em escala natural era importante etapa na passagem do plano para a forma esculpida ao longo de toda a história da construção erudita (TOLEDO,op.cit.,1978).

Lúcio Costa explica o significado da palavra risco na Arquitetura:

“Da mesma forma que e expressão inglesa design, a palavra risco, na sua acepção antiga, está sempre associada à idéia de concepção ou feitio de alguma coisa e como tal não significa apenas o desenho, drawing, senão desenho visando a feitura de um determinado objeto ou a execução de uma determinada obra, ou seja, precisamente o respectivo projeto.”

A função do risco em escala natural – aqui como desenho aberto na argamassa de uma parede ou em camada de gesso no piso – seria servir de guia para marcar a pedra segundo a projeção da peça num plano (vertical ou horizontal) e orientar seu corte (TOLEDO,op.cit.,1978). Restam exemplos ainda nas Catedrais de Wells e York, ambas na Inglaterra.

Os modelos – que aparecem muito na iconografia medieval – prefiguram os resultados finais da edificação, servindo também para ser mostrado ao Capítulo da futura catedral para conhecimento e aprovação do projeto.

Se os métodos utilizados não são auxiliados por desenhos na época, é notável que os traçados estão destinados a servir por um curto período de tempo e que são feitos geralmente sobre suportes efêmeros ou reutilizáveis. São desenhados sobre pergaminhos (suporte bastante caro e de dimensões reduzidas), placas de madeira, superfícies de gesso, argamassas de cal e muito raramente sobre placas de pedra.

Em razão da necessidade já referida de aprovação do projeto perante o Capítulo e o próprio Bispo, os Arquitetos eram levados a desenhar grandes fachadas, caprichosamente preenchidas com cor.

Mas, os métodos são guardados em segredo, apenas acessíveis para aqueles que possuíam os conhecimentos do ofício dos construtores, os quais eram transmitidos de forma oral e através de esquemas desenhados e identificados por textos quase “criptográficos”.

A experiência é baseada em métodos estabelecidos empiricamente, transmitidos de geração em geração e que são enriquecidos pelo acréscimo de conhecimentos obtidos nas “loggias” das novas obras.

Entre o mundo dos práticos e aquele dos sábios e intelectuais existiam barreiras que não permitiam que o saber fosse compartilhado.

Os arquitetos mestres construtores, iniciados na prática geométrica da construção, guardavam ciosamente seus segredos corporativos, enquanto que os “teóricos” desprezavam a utilização prática dos conhecimentos geométricos.

Além disso, as barreiras entre as línguas culta e vulgar e as dificuldades dos arquitetos mestres construtores com a matemática, complicavam ainda mais uma possível cooperação com os teóricos.

Mesmo assim, como a Geometria sempre foi considerada uma Arte Liberal e de alguma forma ela era utilizada pelos arquitetos, seu ofício era altamente considerado, embora implicasse em um trabalho manual.

Por isso, é provável que apesar do livro Os Elementos de Euclides ter sido vertido para o latim logo nas primeiras décadas do século XII, ele pouco deve ter acrescido de imediato ao trabalho prático dos mestres construtores (PADOVAN,op.cit.,1999).

Podemos então perguntar: qual geometria auxiliava os construtores?

Geometria, sem dúvida, com fonte na Geometria de Euclides ou em tratados como o de Vitruvius, cujas cópias, hoje sabemos, existiram sempre pela Europa?

É particularmente difícil penetrar nos métodos de certas técnicas, pois a discrição no seu detalhamento é rigorosamente observada pelos pedreiros e arquitetos.

Esses “segredos de ofício” aparecem ratificados num famoso documento resultante de um encontro de talhadores de pedras em Ratisbonne (1459 – século XV) que rezava que

“nenhum trabalhador, mestre, parlier ou jornaleiro, ensinará a quem não for de nosso ofício e nem tenha jamais exercido o ofício de pedreiro, como tirar a elevação do plano.”

Se a discrição ou segredo dos métodos é respeitável e justificável por várias razões, ela constituiu-se num freio à cooperação de todos os que poderiam, com conhecimentos complementares, fazer avançar as técnicas antigas que constituíam o patrimônio comum.

Continua…

Autor: Francisco Borges Filho

Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Estruturas Ambientais Urbanas.

Fonte: Digital Library USP – Theses and Dissertations

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Nota

[1] – Registradas nos Cadernos de Villard de Honnecourt

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Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte III

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2.2 – Maçonaria e Igreja Católica: acusações, condenações e conflitos

Como já foi demonstrado, na Idade Média a relação entre as Lojas e a Igreja Católica era relativamente amistosa. Os maçons monopolizavam os segredos da arte de construir as grandes catedrais góticas, castelos, pontes, monumentos dentre outros… A prestação de seus serviços à Igreja Católica e aos reis rendeu-lhes privilégios, como: a livre circulação, o não pagamento de impostos e a não servidão. Talvez seja por isso que a própria denominação de freemason ou Pedreiro-Livres fosse, desde então, a forma comum de identificar aqueles especialistas da construção[49]. Nas palavras de alguns autores católicos, as finalidades e pretensões maçônicas ultrapassavam as barreiras do comprometimento profissional. Os grêmios ou Lojas do que se conhece por Maçonaria operativa possuía também uma feição “religiosa”. Entretanto, isso não significa dizer que a instituição fosse uma religião propriamente dita. Ao contrário, o que pode ser observado são apenas algumas características assemelhadas expressas, sobretudo, na adoção de símbolos cristãos e na estreita relação que mantiveram com o clero[50].

Não obstante, a atitude modernizadora e pluralista da Maçonaria[51] foi encarada com muita desconfiança pela Igreja Católica. O desconhecimento do que era a Ordem, o segredo das reuniões e os juramentos impostos aos seus membros, levaram a uma desconfiança generalizada por parte das autoridades da grande maioria dos Estados europeus. Isso veio a se confirmar quando surgiu a primeira condenação dos maçons, no ano de 1738, com a bula In Eminenti Apostolatus Specula do papa Clemente XII. Para Cottier, começou naquele ano um período de tensão e lutas quase incessantes entre as duas instituições[52]. Entretanto, é preciso ressaltar que os papas não foram os primeiros a condenarem e perseguirem a Maçonaria. Como demonstrou Benimeli, por exemplo, em 14 de setembro de 1737 o Cardeal Fleury (1° ministro de Luis XV) proibiu toda reunião secreta, sobretudo a chamada freymaçons[53].

Quando em 1738 condenou a Maçonaria, o papa Clemente XII reivindicava com a máxima autoridade – além da Carta de Plínio Cecílio – as disposições do direito romano contra os collegia illicita. Nestes termos da lei, as associações formadas sem consenso da autoridade pública eram consideradas ilícitas. A ilicitude, do ponto de vista jurídico, de tais associações acabaram por contribuir para que a Maçonaria, fosse considerada ilegal não somente sob aspecto jurídico-político, mas também moral[54].

Do começo ao fim, Clemente XII nada mais fez do que seguir o exemplo dos outros governos molestados e pouco tranquilos com os quais se cercava a maçonaria. Os governos protestantes também proibiram a Maçonaria, por ex: Holanda, Hamburgo, Suécia e Genebra. Católicos e Protestantes não eram simpáticos à situação de clandestinidade que os impedia de estar a par de que se estaria podendo maquinar naquelas reuniões.[55]

A Maçonaria representava um elemento perigoso à segurança dos reinos por isso foi proscrita e banida pelos monarcas. Do mesmo modo, a tolerância religiosa praticada e
defendida pela Maçonaria rapidamente se transformou na principal motivação das críticas da Igreja.

E por outras justas e razoáveis por Nós conhecidos, resolvemos e decretamos condenar e proibir as mencionadas sociedades, assembleias, reuniões… dos franco-maçons. (…) proibimos, portanto, seriamente, em nome da santa obediência a todos os fiéis de Cristo, de qualquer estado, posição, condição, classe, dignidade e preeminência que sejam; leigos ou clérigos, seculares ou regulares, ousar ou presumir entrar, sob qualquer pretexto, debaixo de qualquer cor, nas sociedades de franco-maçons, propagá-las, sustentá-los, recebe-las em suas casas, ou dar-lhes abrigo e ocultá-la alhures, ser nelas inscrito ou agregado, assistir às suas reuniões, ou proporcionar-lhes meios para se reunirem, fornecer-lhes o que quer que seja, dar-lhes conselho, socorro ou falar às claras ou secretamente… e ordenamo-lhes absolutamente, que se abstenham totalmente dessas sociedades, assembleias, reuniões… e isto de baixo de pena de excomunhão, da qual ninguém poder ser absolvido senão por Nós, ou pelo pontífice romano reinante, exceto em artigo de morte.[56]

Na opinião de Benimeli, Clemente XII condenou uma instituição que de fato conhecia muito pouco e não sabia qual era seu verdadeiro objetivo. As provas aduzidas por Clemente XII eram tanto a opinião pública quanto as “fundadas suspeitas de pessoas honestas e prudentes”. No catálogo das penas cominadas pela Santa Inquisição, a execução capital figurava somente para os maçons que fossem “heréticos impenitentes”, enquanto aos arrependidos era reservado o cárcere.

Homens de todas as religiões e seitas, sob aparência de honestidade natural, por um pacto estreito e impenetrável, conforme leis e estatutos por eles criados, obrigando-se sob juramento, pronunciado sobre a Sagrada Escritura e sob penas graves a ocultar por um segredo inviolável, tudo o que praticam nas sombras do segredo.[57]

A inquisição foi um tribunal eclesiástico, que funcionava com poderes delegados pelo papa para a perseguição das heresias. Inicialmente, ela esteve voltada contra a prática em segredo pelos cristãos-novos de valores e costumes judaicos. Entretanto, conforme demonstrou Francisco Bethencourt, no decorrer de quase três séculos de existência, esse tribunal eclesiástico desenvolveu uma enorme “plasticidade”, sofrendo alterações sensíveis no que se refere às suas funções. Exemplos dessa plasticidade podem ser percebidos tanto na relação com o poder real, quanto no rol dos crimes sob sua jurisdição. Assim, se em alguns momentos ela se encontrou mais subordinada ao poder real, em outros ela possuiu quase que uma autonomia absoluta. Criada inicialmente para perseguir os chamados cripto-judeus, já no século XVII vários outros crimes como a bigamia, a sodomia, a blasfêmia, a solicitação, as práticas mágicas e supersticiosas, foram absorvidos pela Inquisição revelando assim aquilo que o autor chamou de “plasticidade” dos tribunais inquisitoriais[58].

Além dessa plasticidade, apontada por Bethencourt, existia uma outra distinção significativa da Inquisição moderna, exemplificado pelo caso português, que é o seu “caráter dualista”, a Inquisição era ao mesmo tempo um tribunal eclesiástico e um tribunal da coroa. Deste modo, ter em conta essa dualidade é fundamental para o entendimento da introdução do crime de pertencimento à Maçonaria na jurisdição inquisitorial. Ao serem acusados de “suspeitos de heresia”, os maçons eram ao mesmo tempo considerados maus católicos e maus vassalos. A primeira condenação da Igreja Católica chegou em Portugal em julho de 1738 e foi divulgada, oficialmente, em 28 de setembro do mesmo ano, através de um Edital assinado pelo Inquisidor Geral, cardeal D. Nuno da Cunha[59]. O documento além de reproduzir os termos gerais da bula papal, exortava a todos, quer eclesiásticos quer seculares, sob pena de excomunhão, que denunciassem num prazo de trinta dias, pessoas conhecidas que frequentavam as Lojas maçônicas[60].

De qualquer forma, em 18 de maio de 1751, como expôs Cottier, a Maçonaria mais uma vez foi condenada. Desta vez através da bula Providas Romanorum Pontificum de Bento XIV (1740 – 1758). Na Providas… reproduzia-se, integralmente, o texto da Constituição In Eminenti. Igualmente, ficavam estabelecidas algumas razões para a condenação: A primeira seria o fato de a Maçonaria propagar a liberdade de culto; a segunda e a terceira razões estavam relacionadas ao caráter iniciático da Ordem, ao segredo maçônico, fielmente guardado sob juramento, o que tornava ilícitas e suspeitas estas reuniões; a quarta razão estaria na acusação de que a Maçonaria não respeitava as leis canônicas e civis[61].

Pio VII (1800 – 1823) em 13 de setembro de 1821 publicou a constituição Eclesiam a Iesu Christo, contra os carbonários – grupo revolucionário que agitava a península italiana. Para Benimeli, os carbonários formavam uma seita de caráter político, independente da Maçonaria, tendo por finalidade principal a unificação da Itália. Todavia Pio VII dava um passo à frente na condenação da Maçonaria equiparando-a com todas as outras sociedades secretas[62]. Em 13 de março de 1825, Leão XII (1823 – 1829) divulgou a constituição Quo Graviora. Esta condenação reiterava as censuras anteriores, além de explicitar sua aplicação a toda associação secreta que tivessem por finalidade conspirar em detrimento da Igreja e dos poderes do Estado. Dessa forma, o documento constituía um índice interessante da complexa evolução das condenações ocorridas no século XIX. A Igreja se colocava em conflito aberto com a Maçonaria, sobretudo a italiana e a francesa[63].

Nas palavras de Benimeli, aquela era uma época difícil, pois durante 1831 a 1832 e 1843 a 1845 graves desordens eclodiram nos Estados Pontifícios, sendo sufocadas graças ao auxílio das tropas austríacas e francesas. Uma das principais causas das agitações era o descontentamento com o sistema de governo em uso nos Estados Pontifícios, que não permitia aos leigos ocuparem cargos administrativos do governo. Diante desta situação, foi relativamente fácil aos “agitadores” excitar o descontentamento do povo contra o clero enquanto casta dominante e, por conseguinte, contra a Igreja. Nesta luta as sociedades secretas conquistaram um papel preponderante nas acusações dos papas.

A isto [criminosa conspiração] tendem estas sociedades secretas, surgidas do profundo das trevas somente para fazer reinar por toda a parte, na ordem sagrada como na profana, clandestinas, tantas vezes anatematizadas pelos pontífices romanos, nossos predecessores…[64]

A agitação contra o governo papal foi, pouco a pouco, amalgamando-se com a campanha pela unificação italiana. Os conflitos entre a Igreja e a Maçonaria estavam cada vez mais dramáticos. Até que em 1848, após o papa ter recusado a participar da guerra de libertação do reino de Sardenha contra a Áustria, as sociedades secretas desencadearam, finalmente uma revolução em Roma[65]. Em meio àquela conjuntura conturbada, o papa Pio IX (1848 – 1878), seguindo a trilha de seus predecessores, condenou mais uma vez todas as sociedades secretas, em especial a Maçonaria. Neste momento, não era somente o caráter clandestino destas sociedades que justificava a reprovação da Igreja Católica, pois o Sumo Pontifício responsabilizava a Maçonaria pela crise na Península Itálica, uma vez que maçons e carbonários pareciam trabalhar juntos na luta pela unificação italiana, o que contrariava os interesses de autonomia de Roma. Na visão de Pio IX a Maçonaria italiana era a usurpadora do poder temporal dos papas e inimiga da religião, desde o momento em que se tornou adversária política do papado. Sendo assim, na aloc. Multíplices inter (25 – 09 – 1865) Pio IX declarava expressamente a incompatibilidade entre a Ordem maçônica e a Igreja Católica.

Entre as múltiplas maquinações e insídios com os quais os inimigos do nome cristão ousavam assaltar a Igreja de Deus, esforçando-se, bem que inutilmente, enumerar aquelas perversas associações de homens, denominados comumente maçonaria. Esta refugiada nos esconderijos e nas trevas, saiu à luz impiedosamente, em prejuízo da religião e da sociedade humana.[66]

Todo o material jurídico anterior contra a Maçonaria foi unificado por Pio IX na sua célebre Const. Apostolicae Sedis (12 – 10 – 1869). Por esta época houve um significativo aumento do material antimaçônico produzido, sobretudo pela convicção do papa, após o cerco de Roma pelas tropas italianas. Ferrer Benimeli observa que a questão do poder temporal dos papas foi considerada por muitos católicos de primeira importância.

A unificação da Itália com Roma por capital, era tida, na verdade, como sinônimo mais ou menos vago de fim da Igreja, da mesma forma como, quinze séculos antes, muitos não puderam conceber uma ordem cristã capaz de sobreviver à ruína da ordem romana e da unidade do mundo sob o império.[67]

Não obstante, a herança transmitida a Leão XIII (1878 – 1903) foi extremamente delicada e difícil. O papa continuou a manter-se recolhido no Vaticano. Todo seu esforço consistia em alimentar aos olhos dos católicos, a iniquidade do estado de coisas que reinava em Roma. Perante tais condições históricas, não causa admiração ao saber que durante os 25 anos do pontificado de Leão XIII, saíram do Vaticano nada menos do que 226 documentos para condenar e pôr em guarda o mundo inteiro contra a Maçonaria, a Carbonária e as sociedades secretas[68].

Em 20 de abril de 1884, Leão XIII elabora o mais direto e amplo documento deletério contra a Maçonaria. Em sua enc. Humanum Genus, o papa corrobora as condenações dos seus precedentes e reafirma o compromisso da Igreja Católica no confronto à Maçonaria.

A primeira advertência do perigo foi dada por Clemente XII no ano de 1738, e sua constituição foi confirmada e renovada por Bento XIV. Pio VII seguiu o mesmo caminho; e Leão XII, por sua constituição apostólica Quo Graviora, juntou os atos e decretos dos pontífices anteriores sobre o assunto, e os ratificou e confirmou sempre. No mesmo sentido pronunciou-se Pio VIII , Gregório XVI, e, muitas vezes, Pio IX.[69]

Mas foi o episódio de 1877 o mais relevante para galvanizar definitivamente a narrativa antimaçônica. Nesse ano, o Grande Oriente de França em resposta à Igreja Católica resolveu suprimir de sua constituição os preceitos referentes a Deus e à alma, por serem considerados dogmatismos. O lema Deus meumque ius (Deus e o meu direito) foi substituído por suum cuique ius (a cada qual o seu direito)[70]. O secularismo das Lojas francesas possibilitou o ingresso de ateus dentro da Ordem. Como resposta a Grande Loja da Inglaterra, considerada regular[71] aos Antigos Deveres (Old Charges), acusou a Maçonaria francesa de “irregularidade” em relação à tradição dos obreiros[72].

Diante dessa provocação o papa Leão XIII, corroborava seus argumentos, demonstrando que o principal dos intentos da sociedade dos Pedreiros-Livres era a destruição da ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo. Assim, os maçons iriam promover, à sua maneira, outra ordem com fundamentos e “leis tiradas das vísceras mesmas do naturalismo”.

Quanto ao que se refere à vida doméstica nos ensinamentos dos naturalistas é quase tudo contido nas seguintes declarações: que o casamento pertence ao gênero dos contratos humanos, que pode ser legalmente renovado pelo desejo daqueles que o fizeram, que os governantes civis do Estado têm poder sobre o laço matrimonial; Os maçons concordam completamente com estas coisas; e não somente concordam, mas têm longamente esforçado-se para transformá-las em lei e instituições.[73]

No âmbito da educação o relacionamento entre a Maçonaria e Leão XIII era cada vez mais conflituoso, pois de um lado, estavam os maçons, defensores de uma educação laica pautada pelo ideal iluminista, enquanto que de outro estava a Igreja, defensora do ensino religioso fundado na verdade do Cristianismo. Nas palavras do papa, a Maçonaria desde muito tempo trabalhava para aniquilar da sociedade todo o influxo do magistério e da autoridade da Igreja – “ se exalta e preconiza a separação da Igreja do Estado “(…) na educação dos jovens nada deve ser ensinado em matéria de religião como opinião certa e fixada; e cada um deve ser deixado livre para seguir, quando chegar a idade, qualquer que preferir”[74].

A imprensa também serviu de palco para as disputas entre a Maçonaria e Leão XIII. Nos anos que se seguiram a publicação da Humanus Genus, o número de associações e revistas antimaçônicas aumentou consideravelmente. Além disso, os estudos destinados a esclarecer a opinião pública multiplicaram pelos países latinos. Em nota Ferrer Benimeli demonstrou que a Humanus Genus causou grande impacto num e noutro campo. No mundo maçônico ela foi objeto de críticas e símbolo máximo da intolerância católica. Do lado da Igreja, o que sem tem é uma intensa publicação de bispos que corroboravam as condenações da bula, exortando ainda mais a narrativa antimaçônica[75].

Portanto, se num primeiro momento o caráter subversivo da Maçonaria era apenas uma “forte suspeita”, pautada pela ideia clássica de que “as coisas boas amam sempre a publicidade, e os crimes encobrem-se com o segredo”. Em fins do século XIX, a antiga suspeição transformou-se em “certeza absoluta”, com isso, ocorreu um crescimento considerável da narrativa antimaçonaria, principalmente quando observarmos setores da sociedade que estavam ligados à doutrina da Igreja Católica.

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[49] – STEVENSON, David. (op. cit), p. 28.

[50] – HORTAL, Jesus. (op. cit), p. 32.

[51] – De agora em diante quando utilizarmos a palavra Maçonaria estaremos nos referindo a Maçonaria moderna ou especulativa.

[52] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 28.

[53] – FERRER BENIMELI, J. A., CAPRILE, G. & ALBERTON, V. (op. cit.), p. 24.

[54] – Idem, p.30.

[55] – Idem, p.27.

[56] – Ibidem, p. 26.

[57] – Idem, p.25.

[58] – BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália séculos XV-XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 2000. p. 31.

[59] – Conforme o levantamento de Barata, já circulavam bem antes de setembro de 1738 notícias de que o papa havia proibido e condenado a Sociedade dos Pedreiros Livres. A própria Inquisição, dois meses antes da publicação do edital de fé, formou um sumário de testemunhas, com o objetivo de melhor conhecer as atividades da Maçonaria portuguesa. Ver. BARATA, Alexandre Mansur. (op. cit), p. 128.

[60] – Idem, p.131.

[61] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 29.

[62] – FERRER BENIMELI, J. A., CAPRILE, G. & ALBERTON, V. (op. cit.), p. 31.

[63] – Idem, p.32-33.

[64] – Idem, p.36.

[65] – Idem, p.35.

[66] – Idem, p.37-38.

[67] – Idem, p.39.

[68] – Idem, p.40.

[69] – Ver: BULA Humanus genus. On-line. Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_18840420_humanum-genus_po.html >. Acesso em: 03 de novembro de 2008.

[70] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 33.

[71] – Embora qualificada de Grande Loja Mãe, a Grande Loja Unida da Inglaterra não é um “Vaticano da Maçonaria”. Por isso, sua pretensão de dar patentes de ortodoxia é contestada por muitos. A própria noção de “regularidade” – uma noção inventada por Alec Mellor e o Pe. Riquet – é antes de tudo um simples conceito de fidelidade a uma tradição considerada legítima. O grande problema reside exatamente neste ponto, uma vez que se torna difícil determinar de onde exatamente se deriva a tradição considerada legítima. Por isso, a idéia de uma Maçonaria coesa e organizada internacionalmente não se sustenta mais, ao contrário do que muitos estudiosos afirmaram em outrora. A Maçonaria nunca foi um corpo monolítico, pois na prática ela se encontra subdividida em numerosas ramificações. Mas o fato é que ainda assim, muitas condenações e acusações pesaram sobre os maçons por mais de dois séculos e meio. E na liderança deste movimento antimaçônico a Igreja Católica teve uma participação destacada. Ver: HORTAL, Jesus. (op. cit), p. 17.

[72] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 34.

[73] – Ver: BULA Humanus genus. On-line. (op. cit)

[74] – Idem

[75] – FERRER BENIMELI, J. A. ; CAPRILE, G. & ALBERTON, V. (op. cit), p. 41.

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte II

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2 – ARQUEOLOGIA DAS NARRATIVAS ANTIMAÇÔNICAS

Sou por caráter inimigo de seitas, porque como seitas não podem contribuir para o bem da sociedade. Combati os Sebastianistas; porque me pareceu uma seita de mentecaptos, cujas fantásticas esperanças levavam a Nação à indolência no meio da violenta, e bárbara opressão, e usurpação Francesa. Este foi o meu fim, julguei hum serviço feito à Nação, e como tal o reputavam, e ainda hoje consideram algumas pessoas sensatas, honradas, e amigas do decoro, e bom nome dos Portugueses. Combati a Maçonaria, porque a considerei como oculta, e misteriosa, e contra a qual clamavam tantos livros, tantos fatos, e tantas leis.[16]

2.1 – Origens da Maçonaria

Os historiadores, de uma maneira geral, confessam as dificuldades praticamente insuperáveis de desvendar as verdadeiras origens históricas da Maçonaria, principalmente, porque elementos lendários se fundem com fatos mais confiáveis. Todavia, como sugeriu Alexandre Mansur Barata, o primeiro exercício, no sentido de uma melhor compreensão da procedência da Ordem, é adotar um novo olhar para a vasta literatura produzida, em sua maioria, pelos próprios maçons desde o início do século XVIII. Para legitimar sua atuação, os maçons buscavam em “tempos imemoriais” as origens da instituição, o que era reforçado pela ritualística e simbolismo utilizados em suas reuniões. Desta forma, os maçons do século XVIII se auto-retratavam como herdeiros diretos dos egípcios antigos, dos essênios, dos druidas, de Zoroastro, de Salomão, das tradições herméticas, da Cabala, dos Templários, etc.[17]

Um exemplo dessa atitude pode ser encontrado nas Cartas sobre a Framaçonaria publicadas no início do século XIX e cuja autoria é atribuída ao jornalista e maçom Hipólito José da Costa. Nestas Cartas… ele demonstrava a existência de pelo menos quatro versões bem conhecidas sobre as origens maçônicas:

  • 1° – No Reinado de Carlos I na Inglaterra (1640), Cromwell foi um dos principais fundadores;
  • 2° – No Reinado de Felipe, o Belo na França (1300), atribuindo esta instituição aos Templários;
  • 3° – No Reinado de Salomão (1000 anos AC), Salomão teria sido um reformador da Maçonaria;
  • 4° – No Reinado dos primeiros faraós do Egito, as formalidades, a etiqueta que os maçons usavam nos diferentes graus e iniciações são semelhantes aos usados pelos egípcios.[18]

Nas palavras de Hipólito da Costa a busca por um passado antiquíssimo não era uma característica excepcional da Maçonaria:

Mas custa-me, ainda assim, a assentir a esta opinião; porque observo ser uma mania geral, em todos os homens, procurar a si, e às suas coisas, antiguidade de origem: todas as nações, por exemplo, procuram mostrar, que a sua origem é mui antiga; os nobres, que os seus avoengos se contam em muitas gerações conhecidas; e o genealógico, que descobrir mais um avô a um nobre, está certo de ser recompensado: e quem me diz a mim que os Framaçons, que naturalmente são infectados deste contágio geral de desejo de antiguidade de origem, não foram buscar os exórdios de sua Sociedade ao Egito, para se mostrarem no comum pensar, mais honrados e nobres.[19]

Em seu livro As origens da Maçonaria: O século da Escócia (1590 – 1710), o historiador David Stevenson lançou-se ao desafio de reconstituir a estirpe maçônica. Para isso estabeleceu, inicialmente, uma distinção entre a fase medieval e a fase moderna da Ordem. A primeira fase, também ficou conhecida como operativa, já que neste período a função da Loja estava diretamente vinculada ao ofício do pedreiro. A segunda foi denominada de especulativa, uma vez que a corporação passou a aceitar membros que não estavam ligados à arte da construção, como filósofos, políticos, alquimistas, dentre outros.[20]

Na operativa, a palavra maçom ou mason era utilizada no sentido de pedreiro, um profissional ligado à arte da construção. O termo indicava um artesão hábil para trabalhar com pedra de cantaria, um indivíduo plenamente qualificado, diferente dos assentadores de pedra comum. Além disso, a palavra Maçonaria – em sua forma inglesa freemasonary – não possuía significado misterioso[21]. Entretanto, pelo menos em um sentido, pode-se dizer que a arte do pedreiro era incomum mesmo na Idade Média. Pois enquanto o modo de vida da maioria dos artesões era fixa, produzindo bens para venda local ou por meio de intermediários em mercados distantes, o ofício dos construtores exigia mudanças de um emprego para outro. Comparada com a vida regular e estática da maioria dos artesãos, a do pedreiro ou maçom costumava ser móvel e imprevisível[22].

Foi, exatamente, devido à especificidade do oficio do “mação”, em termos de organização e relações profissionais, que surgiu a distinção com os outros artesãos. A fraternidade maçônica representava, nas palavras de Stevenson, “uma espécie de família artificial”, unidos não por sangue, mas por interesses comuns reforçados por meio de juramentos e rituais. Nessa época operativa, a Maçonaria mantinha uma relação estreita com a Igreja Católica, a corporação maçônica era uma espécie de “confraternidade ou irmandade religiosa”. Geralmente, empregava-se um padre e festejava dentro das igrejas locais os santos padroeiros das artes, com a celebração de missas especiais e procissões. Naquele contexto, as autoridades procuravam controlar e regulamentar a arte e o ofício dos artesãos através das guildas[23], a afiliação era um privilégio guardado com ciúme pelos maçons[24].

Em seu sentido original, a Loja de um maçom significava simplesmente uma construção temporária onde se realizava alguma obra importante. Talvez fosse uma estrutura montada contra a parede de um edifício já existente ou em construção ou um barracão separado, onde os pedreiros podiam esculpir e moldar a pedra longe do sol ou da chuva. Entretanto, as Lojas se desenvolveram e passaram a ser um local onde os maçons comiam, descansavam e até dormiam, quando estavam em outra cidade e não podiam voltar para a casa todas as noites. Com o passar do tempo, a Loja se tornou o centro da convivência temporária dos maçons. Referências às Lojas nesse sentido podem ser encontradas na Inglaterra e na Escócia no final da Idade Média. Na fase operativa, igualmente aos outros ofícios medievais, a Maçonaria também possuía seus documentos históricos, onde neles enfatiza-se a antiguidade, a importância religiosa e a moral de seu trabalho[25].

Pelo menos em um sentido os maçons escoceses eram peculiares, no século XV, pois a história mítica de seu ofício, contida nos Antigos Deveres, era extraordinariamente elaborada. Esse legado daria uma significativa contribuição para a Maçonaria, por sua ênfase na moralidade, sua identificação da arte do pedreiro com a Geometria, e a importância que dava ao Templo de Salomão e ao antigo Egito no desenvolvimento do ofício do pedreiro. Nessa época, aspectos da Renascença foram inseridos às lendas medievais, junto a uma estrutura institucional baseada em Lojas, além de rituais e procedimentos secretos para reconhecimento, conhecidos como a Palavra do Maçom[26].

A fase especulativa ou moderna da Maçonaria, apesar de melhor conhecida, é também repleta de indefinições e contradições entre os historiadores. Conforme sugeriu o pesquisador português Oliveira Marques durante muito tempo os historiadores acreditaram que a Maçonaria especulativa derivava diretamente, por evolução, das antigas Lojas de pedreiros de origem medieval. Entretanto, atualmente esta tese foi superada por hipóteses muito mais elaboradas, como a de que a Maçonaria moderna disfarçou-se na “aparência de uma corporação”, com o intuito de encobrir atividades e ideias que na época não poderiam ser assumidas abertamente. Ou que a origem da Maçonaria atual remontasse às associações de socorros mútuos, mais ou menos laicas, derivadas do convívio interprofissional conseguido em tabernas, botequins e outros locais onde pudessem desenvolver-se novas formas de socialização[27].

Para D. João Evangelista Martins Terra, por exemplo, foram os partidários dos Stuarts destronados e refugiados na Escócia – na guerra contra a Casa de Hanover – que criaram a Maçonaria. Para ele a organização maçônica foi copiada e introduzida nos regimentos militares para transformá-los em facções políticas. Imitando essas Lojas militares, surgiram as Lojas civis. Esta seria a origem da Maçonaria escocesa, que se espalhou pela França juntamente com os stuardistas refugiados, cujos fins, eram apenas imediatos, não possuindo organização central e muito menos declaração de princípios. Mesmo a restauração dos Stuarts tendo se mostrado impraticável, essas Lojas conseguiram perpetuar-se conservando uma vinculação geral com ideais maçônicos comuns[28].

Existe, porém, uma forte corrente, dentro e fora da Maçonaria que rejeita completamente a hipótese das Lojas stuardistas e considera, apenas, o movimento iniciado na Inglaterra em 1717, quando as quatro Lojas de Londres se uniram para formar a Grande Loja da Inglaterra, como marco fundador da fase especulativa. O pioneirismo inglês é bem difundido, principalmente porque em 1723, o clérigo presbiteriano James Anderson publicou nas Lojas de Londres a “Carta Magna” dos maçons: The Constituitions of the Free-Masons. Containing the History, Charges, Regulations, & c. of the most Ancient and Rigtht Worshipful FRATERNITY[29]. Também conhecido como as “Constituições de Anderson”, este documento pode ser dividido em três partes: a História da Ordem dos maçons, isto é, da fraternidade dos primitivos construtores – ditos maçons operativos; as Obrigações dos Franco-Maçons; e o Apêndice, uma pequena coletânea de hinos maçônicos a serem entoados pelos irmãos nas suas Lojas[30]. Em concordância com esta origem inglesa, o historiador André Combes, demonstrou que Anthony Sayer foi o primeiro grão-mestre eleito e que no ano seguinte, George Payne assumiu o grão-mestrado, sendo sucedido, em 1719, pelo Reverendo John T. Desaguliers. Em seguida, a Maçonaria se tornaria aristocrática e o grão-mestrado passaria a ser exercido por membros da nobreza como o Duque de Montagu (1721) e o Duque de Wharton (1722)[31]. Embora esse episódio tenha sido supervalorizado, sobretudo pela historiografia inglesa, naquele dia 24 de junho de 1717, dia de São João Batista, é importante ressaltar que a grande novidade foi a criação de um organismo central que iria dirigir os trabalhos dos maçons londrinos.

Segundo o principal argumento de Stevenson, foi na Escócia, em fins do século XVI e inicio do século XVII, que surgiram alguns dos ingredientes essenciais para a formação da Maçonaria moderna: o primeiro uso da palavra “Loja” no sentido maçônico moderno; as primeiras atas e outros registros das Lojas; as primeiras tentativas de organizar Lojas em âmbito nacional; os primeiros exemplos de “não-operativos” (homens que não eram pedreiros trabalhadores) e outros mais. Até o fim do século XVI, não existem provas circunstanciais de que os obreiros da Escócia divergissem muito de outros tipos de artesãos, exceto pelo fato de que, como já foi dito, eram obrigados a se deslocarem em busca de novos trabalhos. Contudo, em 1598, William Schaw – primeiro Mestre-de-Obras do rei – elaborou um regulamentado para a organização e a conduta dos maçons[32].

Daí em diante, no decorrer do século XVII, homens de todos os níveis da sociedade pareciam fascinados pelos segredos dos maçons, o que fez com que a Ordem adquirisse um status intelectual único. Foi quando maçons operativos, pedreiros trabalhadores, escoceses começaram a ter companhia de “não-operativos”, homens de outros modos de vida[33]. Em outras palavras, a Maçonaria tornou-se uma associação muito distinta das suas congêneres, organizada em forma de Lojas, com rituais singulares e muito mais elaborados. Deste modo, o segredo, cercando a Palavra do Maçom, rapidamente despertaria o interesse de homens que não eram ligados à arte da construção, dentre eles, muitos cavalheiros[34].

No início do século XVIII a Inglaterra assumiu a liderança no desenvolvimento da Maçonaria, mesmo assim, a influência escocesa permaneceu ainda muito forte. Para o autor a fase escocesa ou renascentista da Maçonaria – tanto na Escócia como na Inglaterra – só foi sucedida quando valores Iluministas foram incorporados ao movimento. Na medida em que a “Idade da Razão” alvorecia, a Maçonaria – nascida na Renascença – era adaptada para se acomodar a um novo clima intelectual. No bojo das influências medievais, renascentistas e iluministas, surgia uma instituição que parecia refletir o espírito progressivo da época, com ideais de irmandade, igualdade, tolerância e razão. O resultado foi que a Maçonaria se transformou num pólo de atração de numerosos ocultistas, magos, alquimistas, cabalistas, dentre outros. Assim, a Maçonaria surgida e difundida como um movimento mundial diversificava-se rapidamente[35].

O caráter pluralista da Maçonaria especulativa proporcionou uma estrutura institucional excepcional, onde as mais diversas religiões e crenças políticas podiam ser acolhidas. Parecia que aquele sistema de Lojas, envolta pelo mistério, ideais de lealdade e modos secretos de reconhecimento, tinha criado uma estrutura organizacional ideal, em que os membros podiam incorporar novos valores e adaptá-los para usos pessoais. Devido à abrangência institucional e a variedade de seus componentes, a Maçonaria nunca foi capaz de atingir plena homogeneidade interna. Muitas vezes era o posicionamento particular de seus membros que determinava os rumos da Ordem.

Desta maneira, com o tempo, os desacordos se multiplicaram e as partes divergentes formaram obediências maçônicas próprias. Um complexo movimento de mútua excomunhão se seguiu dentro da Maçonaria. A primeira grande cisão da Maçonaria ocorreu ainda em solo inglês, alguns anos após a segunda edição das Constituições de Anderson em 1738. Os maçons ditos “antigos” acusavam os “modernos” maçons de descristianização do ritual maçônico e traição do verdadeiro sentido da Instituição. Em 1751, o grupo descontente fundou a Grande Loja dos antients ou maçons antigos, em oposição à Grande Loja da Inglaterra[36].

No que se refere ao mundo luso-brasileiro, segundo Oliveira Marques, a Maçonaria foi instalada por volta do ano de 1727, sendo registrada nos arquivos da Inquisição como Loja dos Hereges Mercantes. Essa primeira Loja portuguesa, era basicamente formada por comerciantes britânicos protestantes que viviam em Lisboa. Em 1733, por iniciativa do maçom inglês George Gordon, seria fundada uma segunda Loja com o nome de Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia composta por irlandeses, mercadores, mercenários do exército português, médicos, um frade dominicano e um estalajadeiro. Não obstante, ao ser promulgada a bula condenatória de Clemente XII, In Eminenti Apostolatus Specula (1738), a Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia foi dissolvida mas alguns dos maçons se transferiram para a primeira Loja[37].

Uma terceira Loja haveria de ser fundada em Lisboa, em 1741, pelo lapidário de diamantes John Coustos, nascido na Suiça, naturalizado inglês. Durante os dois anos em que a Loja funcionou, foi constituída de estrangeiros residentes em Portugal, alguns dos quais franceses, ingleses, um belga, um holandês e um italiano, mas também por portugueses letrados e gente da alta sociedade lisboeta. John Coustos desempenhou um papel central na constituição dos primórdios da Maçonaria portuguesa, sendo alvo desde cedo do interesse do Santo Ofício. A desconfiança da Igreja foi despertada pelas indicações da Imperatriz austríaca e católica Dona Maria Teresa, obstinada na perseguição e ilegalização das associações de franco-maçons. Para a imperatriz a Maçonaria e suas ramificações era considerada um centro de influência protestante inglesa, por isso, contrária aos interesses das famílias dinásticas europeias, de orientação católica[38].

A perseguição iniciada em 1743 com a prisão de vários Pedreiros-Livres conduziria ao desmantelamento desta primeira tentativa de instalação maçônica em Portugal. A própria Loja dos Hereges Mercantes entraria em fraca atividade, “adormecendo” em 1755. Em 1751, o Papa Bento XIV, a pedido dos reis da Espanha e de Nápoles, lançou uma nova bula contra os maçons, Providas Romanorum, reiterando a posição de seu predecessor Clemente XII. A bula seria seguida de decretos reais dos dois monarcas suprimindo a Maçonaria nos respectivos países, o que favorecia as condições para incitar o Santo Ofício à vigilância e à perseguição[39].

A Maçonaria portuguesa só se libertaria desta pressão na década de 1760-70, com o Marquês de Pombal. Durante o “pombalismo” não se tem nenhum registro de maçom nas listas condenatórias da Inquisição nem nos relatórios da intendência da polícia. Pombal nunca permitiu que a Inquisição perseguisse os franco-maçons, defendendo assim os direitos do Beneplácito contra a usurpação dos eclesiásticos. Deste modo, a Maçonaria retomou sua força e seu vigor, desenvolvendo-se sobretudo no exército, na aristocracia e nas classes instruídas. É provável que Pombal antes de ser ministro de D. José, tivesse contato, enquanto embaixador em Londres, com meios e círculos aristocráticos favoráveis à Maçonaria, mas não existe prova documental de que ele fosse iniciado na “Arte Real”. Além disso, o recrutamento pelo Marquês de Pombal de vários cidadãos estrangeiros, designadamente de países protestantes, para o exército, para a indústria e outras atividades econômicas propiciou condições para a expansão das Lojas[40].

No caso específico do Brasil, segundo o manifesto de José Bonifácio, a primeira Loja simbólica regular foi instalada no Brasil somente em 1801, com o título de Reunião, filiada ao Grande Oriente da Ilê de France. Quando o Grande Oriente Lusitano soube da existência, no Brasil, de uma Loja regular, vinculado a uma Obediência francesa, enviou, em 1804, um delegado a fim de garantir a adesão e a fidelidade dos maçons brasileiros. Mas não foi feliz o delegado lusitano no modo como queria impor suas pretensões. Assim, resolveu deixar fundadas duas novas Lojas, submissas ao Oriente do Reino: eram as lojas ConstânciaFilantropia[41].

Desta forma, a Maçonaria ao chegar às terras brasileiras – oficialmente nos primeiros anos do século XIX – trazia em sua bagagem acusações e desconfianças tanto das autoridades civis quanto eclesiásticas. Ao mesmo tempo em que se inauguravam novas Lojas maçônicas, particularmente, no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, também crescia o número de documentos e cartas enviadas pelos súditos ao rei D. João VI pedindo o fechamento de tais corporações. Isto pode ser corroborado na carta escrita por José Anselmo Correa Henriques datada de 10 de janeiro de 1816.

Real Senhor.
O objeto, de que vou tratar, tem de sua natureza a maior importância Política, por que inclui em si três motivos tão poderosos, que devem formar a desconfiança da sua existência dentro de qualquer Estado: estes são Silêncio, união e obediencia.
Qualquer Corporação de indivíduos, que combina um sistema qualquer, não poderá unir três pontos em ligação política, que faça estremecer os alicerces do mais poderoso Governo do Universo, debaixo de um escudo tão impenetrável, como este, de que escolhem os Pedreiros Livres por base da sua Sociedade. Estas terminantes Leis Constitucionais da mencionada Corporação são tão encadeadas na segurança do objeto, a que ela se proporem, ou os maiores Cargos dela, que persuade ao homem racionavel, que debaixo desta cautela exista uma mascarada conjuração, a qual não pode o Soberano de um país deixar de desconfiar com suma razão, que é tendente a pertubar o seu socego este oculto conluio, e maiormente quando se aumentam as forças dele debaixo de um segredo impenetrável no centro de Estados bem regulados…[42]

Ao que parece as reclamações de José Anselmo Correa Henriques foram contempladas, quando em 30 de março de 1818, D. João VI emitiu um Alvará Régio proibindo quaisquer sociedades secretas, de qualquer denominação, no território luso-brasileiro.

Eu El Rei faço saber aos que este alvará com força de lei virem, que tendo-se verificado pelos acontecimentos que são bem notórios o excesso de abuso a que tem chegado as Sociedades Secretas, que, com diversos nomes de ordens ou associações, se tem convertido em conventiculos e conspirações contra o Estado, não sendo bastantes os meios correcionaes com que se tem até agora procedido segundo as leis do Reino, que prohibem qualquer sociedade, congregação ou associação de pessoas com alguns estatutos, sem que elas sejão primeiramente por mim autorizadas, e os seus estatutos approvados…[43]

Apesar da proibição, no início da década de 1820 é possível constatar uma dinamização da atividade maçônica no Rio de Janeiro resultado, sobretudo, da reinstalação da Loja Comércio e Artes. Nela ingressaram funcionários públicos, militares, eclesiásticos, homens do comércio. Muito deles acabaram por atuarem na defesa da autonomia e, posteriormente, independência do Brasil. Porém, era indispensável que primeiramente a própria Loja ficasse independente das orientações do Grande Oriente Lusitano. No dia 28 de maio de 1822, reuniram-se os maçons do Rio de Janeiro em assembleia magna, na Loja Comércio e Artes, com a finalidade de instalar um Grande Oriente no Brasil. Para conseguirem o mínimo de três Lojas, fundaram naquele mesmo dia mais duas: a União e Tranquilidade e a Esperança de Niterói[44].

No dia 24 de junho de 1822 fundou-se o novo Grande Oriente do Brasil para o qual foi aclamado como primeiro Grão Mestre, José Bonifácio de Andrade e Silva. O GOB adotou o Rito Francês Moderno, criado em 1783, e composto por sete graus. Naquela ocasião estavam presentes, entre os 94 fundadores, alguns antigos maçons como José Bonifácio, o coronel Luiz Pereira da Nóbrega e o padre Belchior de Oliveira, além de Domingos Alves Branco Muniz Barreto, frei Francisco Sampaio, cônego Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira e Joaquim Gonçalves Ledo[45].

O historiador Marco Morel, em trabalho conjunto com Françoise Jean de Oliveira Souza, compreende que havia uma espécie de jogo entre os maçons e o poder dos príncipes. A Maçonaria em busca de proteção e espaço abria seus “segredos” aos nobres, dando-lhes em troca a oportunidade de legitimação no campo das novas idéias e também o controle dessa nova forma de sociabilidade. 46 O mundo ibérico não fazia exceção a esta regra, por isso a filiação de D. Pedro ao Grande Oriente do Brasil não representou uma particularidade brasileira. Sendo assim, a Maçonaria em 13 de maio de 1822 conferiu o título de Defensor Perpétuo do Brasil ao Príncipe Regente. Pouco tempo depois, em 2 de Agosto de 1822, D. Pedro foi recebido no Grande Oriente, com o pseudônimo de Guatimozim, e contra todas as regras, o Aprendiz Guatimozim foi eleito Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil.

Eu, meu pai, entrei para maçom; sei que os fidalgos em 1806 convidaram os maçons e que eles não quiseram entrar, e por isso o desgraçado Gomes Freire foi enforcado por ser constitucional, querendo eles que V. Magestade continuassem a ser rei. Não houve quem dissesse a V. magestade que era preciso uma Constituição (eu então era pequeno). Em vingança a Gomes Freire rebentou a revolução do Porto em 24 de agosto de 1820 e, pela mesma razão, os maçons que estavam na Corte, tanto bateram os fidalgos que eles agüentaram calados, até que pilhando-os agora debaixo, atribuem tudo que fazem aos pedreiros-livres. Porque sabem com que horror os portugueses olham para uma tão filantrópica instituição.[47]

Ainda em 1822, o próprio Grão Mestre D. Pedro I, por desentendimentos com os maçons, fechou o Grande Oriente. Mas com a abdicação do Imperador em 1831, o Grande Oriente do Brasil foi restaurado e novamente José Bonifácio de Andrade e Silva foi elevado ao cargo de Grão-Mestre. Seguiram-se novas divisões e subdivisões, até que se tornou mais profunda a dissidência em 1863 separando-se em corpos: o Grande Oriente do Lavradio e o Grande Oriente (da rua) dos Beneditinos. Mesmo assim durante todo o Segundo Reinado teve a Maçonaria grande prestígio e influência política, contando entre seus membros altas personalidades e não poucos sacerdotes. Infiltrou-se profundamente na Igreja, através das irmandades, chegando a ter, em alguns casos, as chaves do sacrário, de maneira que as autoridades clericais adotariam um discurso cada vez mais radical no sentido de desmoralizar os maçons[48].

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[16] – MACEDO, José Agostinho de. Manifesto à Nação ou últimas palavras impressas. Lisboa: Typogr. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1822.

[17] – BARATA, Alexandre M. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência (1790 – 1822). Juiz de Fora: Ed.UFJF; São Paulo: Annablume, 2006. p. 23.

[18] – MENDONÇA, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de. Cartas sobre a Framaçonaria. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de Seignot-Plancher e Ca., 1833. p. 19.

[19] – Idem, p.19.

[20] – A obra de David Stevenson será nossa principal referência nesta parte inicial do capítulo. Ver: STEVENSON, David. As Origens da Maçonaria: o século da Escócia, 1590 – 1710. Trad. Marcos Malvezzi Leal. São Paulo: Madras, 2005.

[21] – Idem, p.26.

[22] – Idem, p.31.

[23] – A palavra guilda, representava uma associação de auxílio mútuo constituída na Idade Média entre as corporações de operários, artesãos, negociantes ou artistas de caráter local. Ver: STEVENSON, David. (op. cit.), p.32.

[24] –

[25] – Nas referências de Stevenson uma das primeiras Lojas de que se tem informação remonta ao ano de 1485. Ver: STEVENSON, David. (op.cit), p. 33.

[26] – Idem, p.22.

[27] – MARQUES, A. H. de Oliveira. História da Maçonaria em Portugal. Das Origens ao Triunfo. vol. 1. Lisboa. Editorial Presença, 1989. p. 17.

[28] – TERRA, João Evangelista Martins. Maçonaria: Communio 62. Lisboa: s.n, 1993. p. 135.

[29] – SUPREMO conselho do grau 33 para a Republica Federativa do Brasil: Rito Escocês antigo e aceito. Belo Horizonte. Jan de 2006. p. 6.

[30] – Idem, p.7.

[31] – COMBES, André. Les trois siècles de la Franc-maçonnerie française. 3.ed. Paris: EDIMAF, 1998.
p. 13.

[32] – STEVENSON, David. (op. cit), p. 24 – 25.

[33] – Idem, p.26.

[34] – A iniciação de cavalheiros em Lojas na Inglaterra também é registrada desde a década de 1640, mas os segredos possuídos pelos maçons ingleses e suas organizações em Lojas parecem ter origem escocesa. Stevenson sugeriu que enquanto na Escócia a Maçonaria evoluiu das verdadeiras práticas de pedreiros trabalhadores, na Inglaterra, pelo menos em parte, esta foi importada, com Lojas sendo criadas por cavalheiros e para os cavalheiros. Ver: Idem, p. 23.

[35] – Idem, p.23.

[36] – Contudo, em 1813, depois que os “modernos” aceitaram rever a questão a respeito da religião, a união veio a se confirmar. As duas Grandes Lojas finalmente reuniram-se e deram origem a Grande Loja Unida da Inglaterra ou se preferirmos a Loja Mãe da Maçonaria Universal. Ver: HORTAL, Jesus. Maçonaria e Igreja Católica: conciliáveis ou inconciliáveis? São Paulo: Paullus, 2002. p. 17.

[37] – MARQUES, A. H. de Oliveira (op.cit), p. 23.

[38] – Idem, p.33.

[39] – Idem, p.35.

[40] – Idem, p.37.

[41] – BARATA, Alexandre M. (op.cit), p. 71.

[42] – CARTA de José Anselmo Correia Henriques dirigida ao Rei Dom João VI, datada do Rio de Janeiro, 1816, na qual se pede que o Rei dissolva as lojas maçônicas. (BNL – COD 10793 – reservados)

[43] – APUD. KLOPPENBURG, Boaventura. Igreja e Maçonaria, conciliação possível? Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. p. 11

[44] – BARATA, Alexandre M. (op. cit), p. 78.

[45] – Idem, p.79.

[46] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

[47] – APUD. MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. (op. cit), p. 102.

[48] – Idem, p. 15-16.

Maçonaria e Igreja Católica, reconciliação improvável – Parte IV

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Uma reconciliação ou eventual aliança entre a Igreja Católica e a Maçonaria, como instituição, tão sonhada e sempre distante, permanecerá improvável enquanto as partes se valerem de arroubos retóricos e continuarem a alardear o privilégio e a propriedade da Verdade, sem examinar as reais causas do conflito com espírito fraterno, e não vislumbrarem as características complementares do Exoterismo (Igreja) e Esoterismo (Maçonaria), estratégia essa que continuará a alimentar uma série de equívocos e incompreensões, enquanto os seus reais adversários de fato evoluem, renovam-se e conquistam terreno. Nesse impasse, perde-se a oportunidade de construir uma sociedade melhor para todos.

Caso a maçonaria ceda às pressões para tornar transparente seus rituais simbólicos e sua tradição de sociedade iniciática, restando a sua essência e sua aparência aberta aos não iniciados em seus arcanos, a Ordem perderá certamente seu glamour e a aura de sociedade discreta, transformando-se em algo parecido com um clube social ou de serviço, comprometendo sua sobrevivência na autenticidade construída ao longo dos últimos 300 anos, formando protagonistas e construtores sociais.

Vale reiterar que maçonaria não é uma instituição secreta, pois as Lojas têm endereço, CNPJ, Estatutos e Regimentos registrados em Cartório, porém somente entra quem é convidado, não existindo, portanto, um guichê de inscrições. Ademais, “maçons desfilam pelas ruas com seus ternos pretos, alguns levam sempre na lapela um distintivo, outros até usam decalque no seu carro, ou trazem seus chaveiros com emblemas maçônicos” (Vasconcellos, 1999).

Até aqui, a maçonaria sobreviveu aos ataques sofridos, tanto internamente, no sentido de controlá-la, por interesses particulares e disputas de poder, bem como à indiferença de muitos de seus membros, como externamente, visando a enfraquecê-la e suprimi-la. A maçonaria não pode, isso sim, perder de vista a sua condição de escola de civismo, de liberdade, de fraternidade, de progresso, de solidariedade e de formação de líderes, onde se estuda moral, arte e ciência e debatem-se questões sociais de relevo com o foco na responsabilidade social e cidadã, visando à felicidade da humanidade.

É notório que maçonaria não é religião, não faz apologia de nenhum líder espiritual, pois não existe um magistério maçônico, não oferece sacramentos, não podendo, pois, opor-se ao da Igreja. Contudo, seus membros são espiritualizados e comungam uma dimensão religiosa não limitada a uma religião específica, consubstanciando-se no efetivo ecumenismo. A comparação com uma “seita” é inapropriada, pois essa expressão é atribuída a uma religião falsa sob o ponto de vista da Igreja Católica.

Também não é uma escola ocultista e não tem uma filosofia própria, a não ser a prática do bem e da solidariedade, que não lhe são exclusivos. A maçonaria sempre respeitou a opção religiosa de seus membros e não proíbe as divergências de pensamentos. É reconhecido o apoio que prestou a várias denominações evangélicas que enfrentaram preconceitos e dificuldades para instalação em algumas localidades no Brasil.

A Franco-Maçonaria apresenta-se como uma das vias de pesquisa do Conhecimento, via que não se choca com nenhuma crença. A arte de construir o templo, cara aos maçons da Idade Média, não interessará a todo homem preocupado com a autenticidade?” (Jacq, 1977).

Conforme demonstra Alec Mellor (1976), não existem dogmas maçônicos. “A própria noção de Landmark não se confunde com o do dogma”. Segundo ele, “a diferença está em que a Maçonaria não reivindica a Revelação…. longe de opor-se à Igreja, neste ponto, a incompatibilidade teria surgido se ela tivesse seus dogmas”.

Por outro lado, vislumbra-se estéril essa preocupação e expectativa de muitos maçons no sentido de que a Ordem e a Igreja assinem um tratado de paz e recebam as bênçãos para continuar os trabalhos como o fora nos tempos da maçonaria de ofício. A situação atual não se mostra incômoda a não ser para aqueles maçons inseguros, que não tem equilíbrio emocional, independência intelectual, coragem moral suficiente para assumir com todas as letras que são católicos ou de outra religião e maçons, e que tal postura não é dual, e sim complementar.

Já é hora de erguer-se uma ponta do véu. A Igreja, que já desfrutou de poder hegemônico e influência imediata junto à sociedade, tem os seus motivos regulamentares e contradições como todas as instituições e não pode sucumbir a pressões maçônicas para que se superem eventuais divergências. O Papa Francisco, na sua missão apostólica de liderança e renovação, enfrenta resistências da ala ultraconservadora e de alguns Príncipes da Igreja, além de outras verdades inconvenientes em seus bastidores.

Da mesma forma, sabe-se que muitos maçons ocupantes de posições não eclesiásticas nas igrejas, os ministros leigos, recebem por vezes pressão para que escolham ficar nos postos ou abandonar a maçonaria. Isso também depende da linha de pensamento de cada Diocese.

Não resta dúvida de que situações de decepção e frustração poderão ser enfrentadas por vários obreiros e familiares em suas comunidades religiosas, no sentido de sentirem-se discriminados ou considerados nocivos pelo fato de pertencerem à Ordem, e por vezes estigmatizados. Mas, isso é fruto de desconhecimento dos fatos e da história, sobre os quais muitos desafetos se felicitam pela incompreensão.

Ademais, acreditar que o fim do conflito oficial poderá acarretar o fim do conflito das ideias seria, no entanto, ilusório, pois resistências de religiosos e anticlericalismo de certos maçons, ainda que regulares, se circunscreve na seara da liberdade de pensamento e expressão. Nem por isso, Igreja e a Maçonaria deixarão de seguir seus caminhos. Lembrando Galileu Galilei:  Eppur si muove!.

Por sua vez, ainda que a qualificação de “universal” da maçonaria faça transparecer uma falsa ideia de unidade, na realidade enseja uma instituição dividida em várias Potências ou Obediências, com milhares de Lojas, que gozam de autonomia administrativa, e vários Ritos e estes com seus respectivos graus, estando esse ideal de união em estado latente, como uma aspiração, uma quimera. Há outros, entretanto, que veem essa diversidade como vantagem.

E o desafio que se impõe aos Mestres Maçons é justamente reunir o que está disperso. Apesar dessas “várias maçonarias”, algumas com orientações mais particulares, pelo menos o espírito de união, de fraternidade, de reconhecimento e a interação entre os obreiros na base permanecem inabaláveis.

Como a pretensa reaproximação entre Igreja e Maçonaria vislumbra-se improvável, que os obreiros incomodados façam a escolha que ditar a consciência! Se não estiverem seguros dos pilares da maçonaria é melhor que aceitem o conselho do arrependimento e peçam para sair de forma honrosa e não sofram mais por isso. A vida é muito curta para que se suporte mais esse conflito. Se servir de consolo, importa relevar que mesmo fora, continuam maçons, visto terem passado pela “iniciação”, podendo ser reintegrados quando assim o desejarem e estiverem plenamente seguros de que na maçonaria não há coisa alguma que atente contra suas crenças.

Enfim, a Igreja é eterna e a Maçonaria tem prazo de validade. Conforme ensina Michel Cugnet, citado por Benimeli (2007, p.666):

O mais belo futuro que poderia ser oferecido à Franco-Maçonaria seria que ela desaparecesse por não ter mais razão de ser, pois isto significaria, então, dizer que todos os seres humanos responderam sem restrição alguma ao ideal de Fraternidade e de Tolerância, vivendo em ‘Fé, Esperança e Caridade’, e que o Templo simbólico da Humanidade estaria terminado.”

“… examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1 Ts 5,21)

Finis

Autor: Márcio dos Santos Gomes

* Trabalho apresentado na reunião de 02.10.2018 da Academia Mineira Maçônica de Letras – A Casa de Tiradentes.

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, um colaborador do blog.

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