Tiradentes e a semente da independência: a quebra de dormência aconteceu em Minas (Parte II)

Do grupo de intelectuais que se revelaram na literatura, três poetas tiveram participação decisiva na Conjuração – Cláudio, Gonzaga e Alvarenga Peixoto, ao lado de juristas formados em Coimbra, além de padres, comerciantes e militares, alimentando um fervedouro cultural e social orientado pelo sonho de independência do Brasil do domínio português, principalmente após a repercussão da independência dos EUA em 1776, com a ajuda de liberais franceses, quando “exemplares da Constituição Americana, em traduções francesas, tendo como preâmbulo a Declaração de Direitos, andavam às escondidas, como livros heréticos, sendo lidos e comentados, em segredo, pelos grupos de iluministas disfarçados e alojados em toda a parte, nos navios, na tropa, nas repartições públicas, nos conventos e seminários” (LIMA JÚNIOR, 2010). Repercutia-se a notícia de que, dos 56 homens que assinaram a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de 1776, muitos eram maçons, incluindo Benjamin Franklin e o próprio George Washington.

A moderna Maçonaria tem como referência o ano de 1717 (ou 1721 para os puristas), quando se estabeleceu Londres, em seguida estendendo-se por toda a Europa[1]. No que se refere à maçonaria no contexto do Brasil, inobstante pilhérias e manifestações desrespeitosas de luminares lacradores, atualmente turbinadas pelos componentes de um etéreo tribunal das redes sociais, é recorrente o argumento de que ela não teria atuado na Inconfidência Mineira pela inexistência de Lojas regulares à época, já que a instalação da primeira Loja Simbólica reconhecida teria ocorrido apenas em 1801, com o nome de “Reunião”, no Rio de Janeiro, filiada a uma Obediência francesa. É por demais sabido que a maçonaria naquele tempo era uma sociedade secreta e clandestina, não admitida em território brasileiro, assim como na Metrópole, onde seus membros eram perseguidos e presos.

Qualquer tentativa de regularização de uma “Loja” local junto a uma das Obediências Inglesa ou Francesa naquele período poderia ser considerada um ato suicida. Segundo vários registros, bastaria ter livros escritos em francês ou possuir a constituição dos Estados Unidos para que um cidadão fosse perseguido, preso e processado por alta traição. Merece destaque a observação de JARDIM (1989), no sentido de que “a atuação da Maçonaria foi importante, mas, paradoxalmente, secundária, porque seu papel foi apenas o de aglutinar elementos e ideias predispostos por condições estruturais ao movimento de independência”.

Daquele grupo de estudantes mineiros que frequentavam cursos de universidades europeias, alguns foram iniciados na maçonaria francesa por volta de 1776 e passaram a arquitetar a libertação da sua terra natal, com destaque para José Álvares Maciel, José Joaquim da Maia, Domingos Vital Barbosa, José Pereira Ribeiro, José Mariano Leal…. “todos de vinte e poucos anos, que iam e vinham portadores de ideias contagiosas, que pegavam nos outros” (OLIVEIRA, 1985). Para CASTELLANI (1992) “Consta que Maia, Maciel e Vital Barbosa, entre outros, foram maçons, o que é plausível, pois a Maçonaria europeia já era bastante pujante, principalmente na França e na Inglaterra”. Complementa, afirmando que “Em 1776, na França, já existiam 547 Lojas, dez das quais estavam localizadas em Montpellier, que, por sua grande atividade universitária, tinha, também, grande atividade maçônica, pois a Maçonaria da época reunia o topo da intelectualidade europeia”.

Na sua obra “Gonzaga e a Inconfidência Mineira”, ALMIR DE OLIVEIRA (1985) comenta que “na Vila Rica daqueles tempos havia um grupo de literatos, que formava a Arcádia Ultramarina. Eram intelectuais, que se reuniam em sessões, onde se debatiam coisas do espírito. Poetas e juristas. E clérigos. É natural que, num ambiente de inteligências polidas, afeitas ao trato de problemas humanos, surgisse a ideia de fazer-se de Minas, quiçá do Brasil, um Estado livre, nos moldes da República americana do norte”. PEDRO CALMON (História do Brasil, 4º Vol. p. 1.248), citado em nota por ROBERTO LETTIÈRE (2001), registra que “o ‘clima’ do fim do século era nefasto aos congressos intelectuais. Nem estes eram apenas intelectuais. A Maçonaria repontara, instalava-se, estendia-se. Não seria de admirar que as esdrúxulas Academias….fossem… conventículos de pedreiros-livres…”.

A Comarca de Vila Rica, perto dos anos 1780, passou a ser dominada pelas ideias sobre progresso das ciências, necessidade de se estudarem as riquezas do país e a possibilidade de se construir uma nação separada de Portugal. Mas, as efetivas tratativas pelo grupo mais restrito dos conjurados tiveram curta duração, iniciando-se em meados de 1788 com a chegada “ao Rio de Janeiro, de regresso da Universidade de Coimbra, de uma larga viagem por alguns países da Europa, entre eles a Inglaterra, o jovem José Álvares Maciel, que se filiara à maçonaria e que participara das conversações para que se obtivesse o apoio de alguns países para o levante no Brasil” (LIMA JÚNIOR, 2010).

Tiradentes, nas suas andanças, expunha as muitas queixas que os mineiros tinham de seus governadores e acrescentava, sem restrições, que eles assolavam a Capitania e a garroteavam com seu despotismo, demonstrando que vinham aqui para enriquecer-se à custa do povo, conforme esclarecimento prestado pelo Padre Manoel Rodrigues da Costa, em depoimento na Devassa (Vol. 1º, pag.154). Argumentava que estes ficavam abastados ou então voltavam com grandes haveres à Metrópole, enquanto os mineradores, ainda quando senhores de muitas catas, não conseguiam a prosperidade que lhes era lícito ambicionar, pois eram despojados pela nefanda política dos quintos do ouro (JOSÉ, 2019). Os habitantes de Minas Gerais estavam asfixiados política e economicamente. Distantes dos portos achavam-se “fechados, encurralados numa estrutura econômica que precisava ser mudada, a fim de dar vazão à sua capacidade empresarial, cujos interesses são eram mais os da Metrópole, nem se atinham apenas e exclusivamente à atividade mineradora” (JARDIM, 1989).

Às vésperas do malogro da conjuração, a Tiradentes foram ainda atribuídos os apelidos de “República e Liberdade”, “Corta-vento e Gramaticão”, como resultado do entusiasmo e insistência com que empregava essas palavras nas conversações pré-revolucionárias, demonstrando como era do conhecimento amplo sua pregação, aberta, livre de receios, destemerosa. A propósito dos apelidos de Tiradentes, segundo OILIAM JOSÉ (2019), desde os primeiros momentos de sua atribulada civilização, apreciavam os mineiros o hábito de atribuir apelidos aos que viviam em sua sociedade, ora por certas semelhanças e do exercício de profissões, ora os tiravam de vícios e virtudes possuídos ou de hábitos, filiação e outros elementos. A alcunha “o Tiradentes” atribuída a Joaquim José da Silva Xavier é um exemplo.

O Visconde de Barbacena, Luís Antônio Furtado de Mendonça, como governador e Capitão-General da capitania de Minas Gerais, assumira o cargo em 11 de julho 1788, sucedendo a Luiz da Cunha Meneses, e recebera instruções da Corte Portuguesa para superar a herança maldita daquele momento, representada pela queda da arrecadação dos impostos resultante da decadência da mineração, e a viabilizar a urgente necessidade de cobrança dos atrasados. Nesse contexto entra em cena a ameaça da trágica derrama e aceleram-se as tratativas sobre a conjura. A insatisfação representava o clima espiritual da Capitania.

Curiosamente, nas instruções recebidas pelo Visconde constava o alerta de Martinho de Melo e Castro, então Primeiro Ministro e secretário de Estado da Marinha e do Ultramar entre 1770 e 1795, que já tinha conhecimento da predisposição das gentes de Minas para uma revolta, quando alertou: ”Entre todos os povos de que se compõem as diferentes capitanias do Brasil, nenhum talvez custaram mais a se sujeitar e reduzir à devida obediência e submissão de vassalos ao seu soberano, como foram os de Minas Gerais”. Outro Ministro Ultramarino, Antônio Rodrigues da Costa, bem antes, em 1732, já havia assinalado: “Essas imensas riquezas são que naturalmente fazem aqueles soberbos, inquietos, mal sofridos e desobedientes” (BRANT, 1991). A semente já fora detectada no solo mineiro desde longa data.

Nos preparativos da rebelião, nas casas de Cláudio Manuel e Tomás Gonzaga tratavam-se programas de doutrina e planos de organização política do projetado Estado. A casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade era o quartel-general onde se traçavam as operações militares do levante.

Porém, como resultado da traição de Silvério dos Reis, todo o sonho da independência em Vila Rica encerrou-se em maio de 1789, transformando-se em pesadelo com a prisão dos envolvidos. Com a destruição dos documentos antes da apreensão dos conjurados e a adulteração de muitos depoimentos pelos juízes, a verdadeira história do movimento “tornou-se muito obscura e difícil de reedificada”.

Resumiu-se, assim, aos papeis oficiais contidos nos Autos da Devassa de natureza sumária e inquisitorial, eivadas de vício, sem ter havido qualquer contraditório, pela impossibilidade de arrolar e fazer ouvir testemunhas, e prestando-se, portanto, aquele período a especulações de toda ordem. Vitoriosa a repressão, resta-nos o consolo de saber que a beleza da germinação e a verdade, símbolos do perene anseio de libertação da alma humana, estavam ao lado dos derrotados, mas não vencidos. E esse é um desafio aberto aos pesquisadores e muito existe ainda a ser esclarecido, inclusive no que se refere ao efetivo rol dos conjurados.

As narrativas existentes sobre a Conjuração Mineira não identificam uma liderança em especial por parte de algum membro. Tiradentes chegou a declarar que o movimento não tinha chefe. Todos os envolvidos negaram participação no movimento, exceto o próprio Tiradentes que, conservando extrema dignidade durante os longos meses de interrogatório, afinal assumiu toda a responsabilidade de chefia, imolando-se por uma pátria livre e demostrando um grandioso gesto de fraternidade.

Rematando o processo, ficou a sentença aos réus da Conjuração, fruto das devassas iniciadas, a primeira no Rio de Janeiro em 7 de maio e, a segunda, em Minas, em 12 de junho de 1789, com duração de quase três anos, com o encerramento na capital, no Rio de Janeiro, em 18 de abril de 1892, com 11 conjurados condenados à morte, o sequestro de bens e familiares declarados infames e todo o sofrimento daí decorrente. O simples envolvimento, mesmo que superficial, e nada reportar às autoridades, era considerado crime de lesa-majestade, isto é, de traição contra a pessoa do Soberano ou de seu Real Estado, conforme definido no Título VII, do Livro V, das Ordenações Filipinas, sancionadas em 1595, punível com execução pública e sequestro de bens, além de ter os familiares condenados à infâmia. “Inconfidência” significava crime de lesa-majestade.

Entretanto, um decreto de D. Maria I (que já estava pronto e aguardando o momento apropriado) anunciado no dia seguinte, comutou a pena de morte de todos em degredo, à exceção de Tiradentes, que foi executado em 21 de abril de 1792 (sábado), às onze horas e vinte minutos, tendo seu corpo tratado com crueldade, como o fora Filipe dos Santos, exemplo para os moradores da Província e advertência para que ninguém ousasse tramar contra o reino de Portugal. Enforcaram e esquartejaram o homem Tiradentes, mas não as suas ideias e sonhos.

Pagou-se, naquele momento, o preço pela audácia de vislumbrar a data da derrama, estrategicamente suspensa no dia 23 de março de 1789, como sonho para deflagrar a frustrada revolta emancipadora contra a opressão e a exploração por parte da Coroa Portuguesa, interrompida pelo gesto da traição, permitindo a reação violenta do governo.

Faltou ousadia aos conjurados, dizem alguns críticos, que teriam colocado nas mãos do inimigo o estopim do levante ao fazer da Derrama o início da rebelião. Por outro lado, nas palavras de CELSO BRANT (1991):

 “a Inconfidência Mineira não é um movimento episódico, mas essencial: é um dos grandes momentos da multissecular luta da libertação dos povos e dos indivíduos. Ao lado das razões objetivas que então surgiram, entre as quais se incluíam, naturalmente, a insatisfação dos que criavam riquezas e as viam levadas para a metrópole, encontravam-se as razões essenciais, eternamente presentes na história humana: o desejo que cada povo tem de se autodeterminar, isto é, de escolher a sua forma de governo e os seus governantes”….”Admitir que a Inconfidência tenha chegado ao fim com o sacrifício de Tiradentes, seria o mesmo que aceitar que o Cristianismo terminou com a morte de Cristo na cruz quando, na realidade, foi ali que começou”.

Naquele grandioso episódio, prelúdio da independência nacional, a emergência e florescimento da semente da liberdade já era uma realidade, quando foram então edificadas as bases para as mudanças que se tornaram realidade com a frutificação da liberdade apenas 30 anos depois, proclamada por D. Pedro, neto de Dona Maria I, em 1822, e que neste ano temos o privilégio de comemorar o bicentenário.

E para não dizer que não falamos das flores (Vandré), raízes dessa semente não ficaram contidas e se disseminaram, com emergências na Revolução dos Alfaiates ou Conjuração Baiana (1798) e na Revolução Pernambucana de 1817. Para o escritor, filósofo e poeta estadunidense Ralph Waldo Emerson (1803-1882), “o pensamento é a semente da atividade”. Diz um Provérbio Latino: “a esperança da colheita reside na semente” (spes messis in semine).

Dissertando sobre o valor do sacrifício, OILIAM JOSÉ (2019), afirma que o mesmo foi utilíssimo à causa da Independência, pois fez crepitar, com maior intensidade, na alma brasileira, a chama emancipadora que, no momento propício, separado da execução do líder da Conjuração Mineira por apenas 30 anos, nos deu a liberdade para orientar nosso destino político.

Ainda segundo esse autor: O esmagamento da Conjuração e os excessos com que feriram seus revolucionários se colocam entre as causas que mais direta e poderosamente antecipa o triunfo do 7 de setembro…. E, para a compreensão dessa cadeia de causas e consequências, basta lembrar a poderosa influência exercida pelos mineiros José Joaquim da Rocha e Pe. Belchior Fernandes Pinheiro, respectivamente nos episódios do Fico e do Grito do Ipiranga. Eles trazem consigo os mesmos ideais que haviam animado a ação revolucionária de Tiradentes e procuraram concretizá-la em vitoriosa ação política, ao poderem influir sobre o ânimo de D. Pedro, o Regente.

O primeiro [José Joaquim da Rocha] aparece como sendo o verdadeiro responsável pelo Fico e é inegável que esse episódio marcou praticamente a separação política entre Brasil e Portugal. Conspirou com outros ilustres brasileiros em prol da independência nacional.

José Joaquim da Rocha (1777-1848), mineiro de Mariana, que ocupou influentes posições sociais e políticas no Rio de Janeiro, organizou em sua casa da Rua da Ajuda, 64, em dezembro de 1821, o “ardoroso Grupo da Independência, formado para convencer o Príncipe Regente a ficar no Brasil em cuja composição estava pelo menos mais cinco mineiros: Tenente Coronel Joaquim José de Almeida, Innocêncio Maciel da Rocha, Juvencio Maciel da Rocha, Pedro Dias Paes Leme e Paulo Barbosa da Silva” (JOSÉ, 2019). Com a chegada ao Rio de Janeiro das novas ordens de Lisboa para o retorno do Príncipe Regente a Portugal, José Joaquim da Rocha criou o Clube da Resistência, enviando emissários às províncias de São Paulo e Minas Gerais em busca de apoio; José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, começou a colher assinaturas pedindo ao príncipe que ficasse. A partir de então, nova página se abre na nossa História, marcando o início do processo da efetiva Independência.

Ao segundo [Padre Belchior], mineiro decidido, pertence o conselho dado a Dom Pedro, às margens do Ipiranga, de que não era mais possível recuar no processo de desligar nosso País da tutela do soberano luso. Conforme registra LAURENTINO GOMES (1822, p.36): Quatro anos mais tarde, em depoimento por escrito, padre Belchior registrou o que havia testemunhado a seguir: “E agora, padre Belchior?” – Eu respondi prontamente: “Se vossa alteza não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das cortes e, talvez, deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação…”.

No que se refere ao reconhecimento da figura de Tiradentes, o Decreto nº 155-B, de 14 de janeiro de 1890, do Governo Provisório, declarou os dias de festa nacional, decretando, dentre outras datas, o 21 de abril, no aniversário da morte Tiradentes (1746-1792), precursor da independência, dia de festa nacional e resgatando a sua importância na história brasileira, na condição de Herói Nacional.

Em nove de dezembro de 1965, pela Lei 4897, Tiradentes foi proclamado Patrono Cívico da Nação Brasileira, evidenciando que “a sentença condenatória de Joaquim José da Silva Xavier não é labéu que lhe infame a memória, pois é reconhecida e proclamada oficialmente pelos seus concidadãos, como o mais alto título de glorificação do nosso maior compatriota de todos os tempos”.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, figura emblemática e reconhecida como Protomártir da Independência, Patrono das Polícias Militares e Civis do Brasil e Patrono Cívico da Nação Brasileira, foi o primeiro personagem a estrear, em 21 de abril de 1992, o “Livro dos Heróis e das Heroínas da Pátria”, produzido com páginas de aço e que registra os nomes dos heróis oficialmente reconhecidos pelo Brasil, instalado no Panteão da Pátria Tancredo Neves, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A semente se mantém viável por longo período, aguardando condições adequadas para germinar, o que ocorre em diferentes pontos, momentos e locais.

Finis

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

*Trabalho apresentado em 02.04.2022, na solenidade de comemoração de 29 anos de fundação da Academia Mineira Maçônica de Letras – A Casa de Tiradentes, como parte do Ciclo de Palestras Sobre a Inconfidência Mineira, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – A Casa de João Pinheiro, Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, IHG de Congonhas, IHG de Tiradentes e Academia de Letras Guimarães Rosa da PMMG.


[1] Ver artigos publicados em 23 e 26.04.21 em:

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Referências

Academia Mineira Maçônica de Letras – A Casa de Tiradentes. A Verdade dos Inconfidentes. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 2013;

ALENCAR, Francisco. História da Sociedade Brasileira, 3ª Edição. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985;

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, 2ª Edição. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1978;

BARROSO, Gustavo. História Secreta do Brasil – Volume 1. Porto Alegre: Editora Revisão, 1990.

BRANT, Celso. Tiradentes e a Libertação Nacional. Rio de Janeiro: Editora da Mobilização Nacional, 1991;

CÁCERES, Florival. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1995.

CASTELLANI, José. A Maçonaria e o movimento republicano brasileiro. São Paulo: Editora Traço, 1989;

CASTELLANI, José; COSTA, Frederico Guilherme. A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não houve. Londrina: Editora A Gazeta Maçônica, 1992.

D’ALBUQUERQUE, A. Tenório. A Maçonaria e a Inconfidência Mineira.  Rio de Janeiro:  Aurora, 1960.

DÓRIA, Pedro. 1789: A História de Tiradentes e dos contrabandistas, assassinos e poetas que lutaram pela independência do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014;

FERREIRA, Tito Lívio; Manoel Rodrigues. A Maçonaria na Independência Brasileira – Volume I. São Paulo: Gráfica Biblos, Ltda.- Editora, 1972;

FURTADO, João Pinto. O Manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002;

GOMES, L. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram Dom Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010;

GOMES, Márcio dos Santos. Tiradentes: o legado de um herói em xeque. Revista Libertas Nº 22, janeiro a abril de 2021, da AMML: em https://drive.google.com/file/d/1FamQOVX8-OrXzfls8nkx8p1tI2h2_qWu/view;

_______________________. A Inconfidência Mineira, a Maçonaria e a Arcádia Ultramarina.

https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2017/04/18/a-inconfidencia-mineira-a-maconaria-e-a-arcadia-ultramarina-parte-i/; https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2017/04/19/a-inconfidencia-mineira-a-maconaria-e-a-arcadia-ultramarina-parte-ii/;

JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989;

JOSÉ, Oiliam. Tiradentes. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2019.

LETTIÈRE, Roberto. A Inconfidência Mineira e a Maçonaria Brasileira. Londrina: Gráfica e Editora Boa Vista, 2001;

LIMA JÚNIOR, Augusto de. História da Inconfidência de Minas Gerais.  Belo Horizonte: Itatiaia, 2010.

MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa – A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977;

OLIVEIRA, Almir de. Gonzaga e a Inconfidência Mineira. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1985.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Inconfid%C3%AAncia_Mineira, acesso em 10.02.2022.

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Maçonaria: História e Historiografia – Parte II

Arquivo de maçonaria operativa - Freemason.pt

Varnhagen: maçonaria e constitucionalismo

Dois temas interligados constroem o nexo explicativo das páginas de Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro (1816-78), sobre o processo de emancipação política do Brasil:

  • maçonaria e conspiração revolucionária;
  • maçonaria e constitucionalismo.

Concluído três anos antes da morte de seu autor, porém publicado apenas em 1916, História da Independência do Brasil introduz o relato das ações conspirativas maçônicas logo à página 2 do primeiro capítulo dedicado à Revolução Constitucional do Porto e à questão do regresso de d. João VI a Portugal. Esta primeira menção à maçonaria aparece com uma naturalidade de estilo bastante reveladora de uma época em que o tema da maçonaria e da conspiração revolucionária já vinha há muito impregnando o imaginário social. “Intentou a Maçonaria em Portugal, no ano de 1817, uma primeira conspiração, para o aclamar rei constitucional…”[12].

O segundo tema, maçonaria e constitucionalismo, já se evidencia nesta menção introdutória à organização maçônica, em que fica clara a utopia de uma monarquia constitucionalista em lugar do antigo regime monárquico absolutista. De fato é esse tema que ganha relevo ao longo do livro de Varnhagen.

Segundo este autor, a Revolução Constitucionalista triunfante de 1820 marcava uma nova era para o Brasil. Havia duas opções políticas para esta colônia portuguesa: não apoiar os revolucionários portugueses, e desse modo tornar-se um Estado independente; ou então aderir a eles, e libertar-se duplamente do antigo regime absolutista e do “jugo humilhante do Estado colonial”, o que de resto já era um fato desde a vinda da corte para o Rio de Janeiro[13]. Ou seja, as duas opções que se abriam para o Brasil a partir de um acontecimento revolucionário d’além-mar – impulsionado desde os seus primórdios pelas ações maçônicas – marcavam a abertura da era da constitucionalidade. Fosse como país independente, ou como parte de um Reino Unido constitucional, o Brasil teria o caminho aberto para construir novas instituições políticas[14].

Como mostra Varnhagen, as novas instituições políticas do Brasil germinaram a partir dos planos constitucionalistas de líderes maçons congregados no Grande Oriente. De um lado, formulou-se a estratégia da conquista política do príncipe d. Pedro I, o qual após muitos apelos, queixas, pressões, conversações e homenagens acaba se assumindo duplamente como brasileiro e como irmão maçom. De outro lado, tratou-se de se organizar no Brasil um governo perpetuamente livre, o que significava não só obter a sua independência em relação a Portugal, como também fundar “uma Assembleia Geral de Representantes das Províncias do Brasil”[15].

É interessante notar como Varnhagen constrói a identidade maçônica dos personagens atuantes no processo de independência. Esses personagens, congregados em seus “clubes maçônicos”, por um lado pensam e agem imbuídos de sentimentos liberais e constitucionais e, por outro, expressam um profundo sentimento de brasilidade. A maçonaria aqui aparece como essencialmente brasileira, com impulsos nacionais próprios. Seus laços efetivos com irmãos maçons do outro lado do Atlântico parecem tênues e mesmo inexistentes a não ser pelo impulso revolucionário que lhes vem inicialmente de Portugal e pelo significado que aquelas mesmas ideias constitucionalistas adquirirão em solo brasileiro. Os desviantes desses sentimentos liberais e nacionais, como é o caso de José Bonifácio de Andrada e Silva, na visão de Varnhagen, agem movidos por objetivos privados, egocêntricos e despóticos. José Bonifácio, grão-mestre do Grande Oriente, desliga-se da maçonaria e, em meados de 1822, funda o Apostolado, sociedade rival “que veio a ocasionar tantos desgostos e chegou quase até já a pôr em risco a paz interna do Brasil, nos momentos solenes da proclamação da Independência”[16]. José Bonifácio é o único revolucionário brasileiro a ser despojado de sua identidade maçônica nas páginas de Varnhagen.

Oliveira Lima: maçonaria, republicanismo e “democracia coroada”

Ao tratar de um longo período da história do Brasil, que se estende desde as vésperas da Independência até o fim do regime monárquico, Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) distingue duas fases da história do Império brasileiro. A maçonaria que também aparece com relevo em sua abordagem atravessa igualmente essas duas fases. Ou seja, de 1824 a 1848, temos uma história de instabilidade política, sobressaltada constantemente por lutas civis. Nessa fase os maçons são revolucionários, antirreligiosos e republicanos. Abre-se em seguida um longo período de paz e ordem interna que se estende até 1889. Nessa fase os maçons já não são revolucionários e nem contrários à religião. Pelo contrário, eles se incorporam às instituições de Estado, desempenhando papéis de relevo no cenário político e tornando-se tão-somente “irreligiosos”. Quanto ao seu republicanismo, ele foi sacrificado diante da ameaça de anarquia visualizada nos bandos de negros e mulatos armados e nos “ódios de nacionalidades”. Em seu lugar pretenderam “republicanizar a Constituição Imperial, conservando muito embora a forma de governo”. Era o regime de “democracia coroada”[17].

É interessante notar aqui dois aspectos distintivos da abordagem de Oliveira Lima em relação à de Varnhagen. Em primeiro lugar, Oliveira Lima associa a maçonaria com a presença estrangeira no Brasil. Segundo ele, após a dissolução da Constituinte em 1823, o republicanismo que havia sido abafado à época da Independência alastrou-se rapidamente por várias províncias, sobretudo no nordeste. Neste movimento revolucionário a presença de “elementos de outras nacionalidades” era um atestado da atuação de sociedades secretas, isto é, de lojas maçônicas, cujas “ideias subversivas dos tronos” transmitiam-se rapidamente de um país a outro, de um continente a outro[18]. Em Varnhagen, como vimos, essas conexões internacionais não são tão evidentes, embora sejam reconhecidas implicitamente a partir da menção inicial à primeira tentativa de uma revolução constitucional durante a conspiração maçônica de 1817[19].

Em segundo lugar, Oliveira Lima estabelece uma equivalência nítida entre maçonaria e republicanismo. Como vimos acima, maçons estrangeiros espalhavam rapidamente ideias subversivas aos tronos, isto é, o ideal republicano, em vários países do mundo, o Brasil inclusive. Havia, além disso, um empenho dos “revolucionários de fora” em assegurar que o continente americano fosse inteiramente republicano[20]. Varnhagen, por seu turno, estabelece uma equivalência entre maçonaria e constitucionalismo. Embora ele faça menção “a alguns que se inclinavam à democracia e republicanismo”, sem esclarecer, porém, quem seria essa minoria, ele deixa claro que os maçons brasileiros defenderam a Independência combinada com a instituição da monarquia constitucional. Para isso o Grande Oriente tratou de conquistar o príncipe d. Pedro, instilando-lhe um sentimento de brasilidade e recebendo-o como irmão maçom[21].

Apesar de enfatizar as conexões internacionais da maçonaria, o conteúdo republicano de seus ideais e sua atuação revolucionária em várias províncias em meados da década de 1820, Oliveira Lima deixa claro que os fatores internos foram decisivos para as mudanças subsequentes do cenário político brasileiro. Para ele, mais do que “por quaisquer conluios locais, com revolucionários de fora em prol da integridade republicana do continente”, a continuidade da monarquia esteve ameaçada devido à rivalidade que se instaurou entre o Executivo, sustentado pelo soberano, e o Legislativo, sustentado pelo eleitorado. Os “excessos de autoridade”, de um lado, e “repúdios da vontade popular”, de outro, fizeram temer a muitos que, como Teófilo Ottoni, preferiram sacrificar seus ideais democráticos antes que o despotismo militar ou a anarquia se instaurassem. A opção final pela “democracia coroada”, isto é, a Constituição imperial republicanizada, assegurou portanto a união das províncias e a permanência do regime constitucional.

A despeito das diferenças de abordagem com relação à maçonaria e sua presença na vida política nacional, Oliveira Lima e Varnhagen convergem para ressaltar o empenho dos maçons brasileiros em defender a nação emergente, assegurando-lhe um regime de governo pautado prioritariamente pela Lei. Por isso podemos concluir afirmando que também em Oliveira Lima a identidade maçônica é preenchida com dois atributos básicos: nacionalismo e constitucionalismo.

Caio Prado Jr.: da maçonaria à brasilidade

Na comparação entre os primeiros historiadores brasileiros e os historiadores do presente podemos perceber, nos estudos destes últimos, a perda da identidade maçônica por vários personagens de destaque na história política do Brasil do século XIX. Como evidenciam as narrativas de dois ilustres historiadores do passado, analisados acima, muito do que se passava no campo da política era compreendido à luz daquilo que poderíamos denominar de cultura da maçonaria. Refiro-me com isso aos valores, simbologia, ideais e ao cotidiano das lojas, com seus rituais, banquetes, debates, cismas, enfim, o conjunto das utopias e redes de sociabilidade formadoras de uma identidade maçônica.

Nos estudos do presente, os mesmos personagens aparecem sem que por vezes sequer se mencione a sua filiação maçônica. Mas o mais comum é que este aspecto de sua vivência seja relegado ao campo dos detalhes obrigatórios da redação informada historiograficamente, porém sem significado em termos de conteúdo compreensivo. Assim, é frequente encontrarmos apostos do tipo: “congregados nas lojas maçônicas”, “Grão-Mestre do Grande Oriente”, “apoiado pela loja América”, etc. Embora pretendam acrescentar um dado a mais na explicação de determinados personagens, tais apostos são pouco elucidativos se não se fazem acompanhar da compreensão da cultura maçônica vivenciada por eles na época.

Podemos acompanhar o início dessa tendência de negação da identidade maçônica, presente atualmente nos estudos históricos produzidos no âmbito da universidade, na abordagem de Caio Prado Jr. É possível que nenhum outro autor contemporâneo tenha enfrentado mais diretamente a questão da maçonaria e seu significado no conjunto da história política e social do Brasil do século XIX[22].

As reflexões de Caio Prado Jr. sobre a presença maçônica em meio à chamada crise do sistema colonial expressam uma certa tensão entre o reconhecimento do papel político decisivo da maçonaria e a negação deste, visto que as transformações econômicas seguiriam o seu curso histórico inevitável. Segundo este autor, passados três séculos de existência e de ganhos significativos, o sistema de colonização adotado no Brasil pela metrópole portuguesa chegara ao seu ponto de “consumação”. As contradições do sistema colonial, tais como os conflitos interclasses (cisões entre proprietários), conflitos de classe (entre senhores e escravos) e conflitos étnicos, eram tão profundas que vários “reformadores” acenaram com projetos para a sua salvação em fins do século XVIII. Entretanto, as possibilidades do sistema colonial haviam se esgotado, sendo necessário substituí-lo por outro[23].

Em meio à crise geral do sistema colonial, a única organização que se orientava e se conduzia “com mais precisão e segurança” era a maçonaria. Caio Prado Jr. distancia-se das abordagens tradicionais que restringiam o seu enfoque de visão à atuação do Grande Oriente do Rio de Janeiro e ao Apostolado dos irmãos Andradas. Para ele, o papel da maçonaria era “muito mais amplo e profundo”, e sobretudo “orgânico, articulado dentro e fora da colônia, sistemático e consciente”. Isso significa chamar a atenção para o fato de que a política brasileira emergia, já em suas origens, articulada a “um movimento internacional de proporções muito mais vastas”[24].

Caio Prado Jr. não deixa dúvidas até aqui sobre o significado político da maçonaria no Brasil em fins do século XVIII e início do XIX. Os personagens de relevo no cenário político brasileiro, em sua maioria, são maçons e atuam a partir de lojas espalhadas pelos principais centros da colônia, articuladas entre si e também com as da Europa, dos Estados Unidos e demais colônias americanas. Mais do que qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos é a ação da maçonaria que controla, nos bastidores, os acontecimentos da história brasileira[25].

Entretanto, neste momento Prado Jr. inicia um ponto de inflexão distinto em sua análise sobre o papel da maçonaria na solução da crise do sistema colonial. A despeito de sua importância em termos organizativos, a maçonaria não acrescentará e nem tirará nada de substancial dos acontecimentos brasileiros, “como aliás seria absurdo imaginar”. À maçonaria interessava apenas atingir mais um reduto do absolutismo europeu, isto é, a monarquia portuguesa. Já aos maçons que agiam dentro do Brasil interessava a solução das questões internas colocadas pela crise do sistema colonial. A maçonaria servia-lhes tão somente como “estimulante” na medida em que lhes proporcionava uma organização, isto é, “a possibilidade de uma maior unidade de vistas e de ação conjunta”. Na verdade os maçons brasileiros agiam antes como brasileiros do que como maçons; na falta da maçonaria, teriam agido do mesmo modo, porém de forma mais desorientada; ou teriam “recorrido a outra organização semelhante, feita sob encomenda e que a teria substituído”[26)].

Podemos inferir desta abordagem de Prado Jr. dois tipos de dissociação analítica. Primeiramente temos a valorização da ação política em nível nacional – o brasileiro estimulado pela maçonaria internacional, perseguindo porém objetivos estritamente nacionais – em detrimento da ação política articulada internacionalmente.

Em segundo lugar, podemos perceber a dissociação operada entre política e economia. A ação política da maçonaria era fundamental para desestabilizar a tirania dentro e fora da colônia; porém o sentido desta mesma ação política já estava dado pelos fatos objetivos da economia colonial. Com ou sem maçonaria, na falta de qualquer organização, ou contando com outra qualquer, os revolucionários brasileiros agiam movidos pela necessidade de reformas na infra-estrutura econômica, o verdadeiro “fio condutor” da análise deste autor, nas suas próprias palavras[27]. Os brasileiros e todos aqueles com interesses diretos na colônia sabiam da necessidade de reformas e “encontraram na maçonaria um instrumento ideal”.

Em conclusão, podemos identificar em Prado Jr. o início da tendência de negação de uma identidade maçônica aos personagens atuantes no processo de emancipação política do Brasil. Há mais uma troca de favores entre maçonaria e brasileiros do que uma simbiose entre eles. Os brasileiros tomaram a maçonaria apenas como um instrumento para facilitar as reformas necessárias. Já a maçonaria servia-se dos brasileiros para derrubar o absolutismo português. Nas palavras de Prado Jr., “[…] a maçonaria não poderia torcer os fatos da nossa história. Limitou-se a tirar partido deles para os seus fins, como os primeiros [os brasileiros] tirariam dela para os próprios”[28].

A história da maçonaria no Brasil não teria passado, portanto, na visão de Prado Jr., de uma relação instrumental, de importância momentânea e – por que não explicitar? – secundária. Nossos maçons não foram na sua essência maçons, mas sim brasileiros, e ao final das contas a importância da sua ação política parece residir precisamente neste fato[29].

Margaret C. Jacob: novos rumos da historiografia ocidental

O desinteresse no âmbito da universidade com respeito à história da maçonaria não é um fato a ser assinalado somente para a historiografia brasileira. Nos países de língua inglesa, e mesmo na França, onde os historiadores da chamada Escola dos “Annales” têm se destacado pela descoberta de novos temas e objetos, pouco se pesquisou e escreveu sobre a maçonaria[30].

As razões para um tal descaso foram assinaladas por Margaret C. Jacob, cujas pesquisas contribuem para a redescoberta do tema da maçonaria. Primeiramente é preciso lembrar o impacto do mito da conspiração maçônico-judaica que perpassou o imaginário europeu desde o início da década de 1930. Outra razão é que o tópico da maçonaria tem sido dominado pelos próprios maçons e seus oponentes, nenhum deles muito cuidadosos em seu uso das evidências históricas. O caráter secreto da maçonaria também tem contribuído para um certo preconceito em relação a ela, na medida em que muitos a consideram por isso como irracional e, em decorrência, como “coisa de lunáticos”. Além disso, em países como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, as lojas maçônicas deixaram há muito de ser enclaves de liberais e progressistas como acontecia no século XIX[31].

Este silêncio em torno da história da maçonaria, imperante no mundo acadêmico desde meados dos anos 1940, ficou evidente durante o Congresso Internacional do Bicentenário  da Revolução Francesa, realizado em julho de 1989 na Universidade de Sorbonne. Entre as mais de duzentas comunicações apresentadas durante o evento, não houve uma sequer sobre a maçonaria francesa[32].

Entretanto tem sido grande o interesse pela história social do Iluminismo, o que se revela em tentativas recentes de transpor os limites tradicionais da história intelectual com enfoque preferencial nos grandes filósofos e seus escritos. Como resultado do impacto das proposições inovadoras da Escola dos “Annales”, temos atualmente a visão de dois Iluminismos se desenrolando ao longo do século XVIII. De um lado o Iluminismo intelectual dos grandes filósofos, até o momento o mais trabalhado pela historiografia, e, de outro, o Iluminismo popular, não-intelectual, ainda pouco pesquisado, mas de veio muito promissor[33].

Para Jacob, o problema que se coloca agora para a historiografia é encontrar a ponte entre estes dois Iluminismos, o Iluminismo dos filósofos e o Iluminismo popular. Em busca destas ligações, historiadores da Escola dos “Annales” têm se voltado para a pesquisa das academias provinciais da França e nelas encontrado redutos importantes de debate e difusão da racionalização iluminista.

Mas Jacob acredita que as lojas maçônicas representaram um papel muito mais abrangente na construção de pontes entre os dois Iluminismos. Primeiramente é preciso lembrar que, ao contrário das academias provinciais da França, as lojas maçônicas não foram uma criação do Estado e nem mantiveram ligações íntimas com ele. Podiam identificar-se eventualmente com reis e aristocratas, mas ocupavam sempre um espaço intermediário entre o oficial e o oficialmente suspeito.

Além disso as lojas maçônicas não se restringiam a nenhum limite regional ou nacional, mantendo ligações organizativas e culturais permanentes com lojas-irmãs de outros países. As lojas maçônicas significavam, portanto, não só a possibilidade cotidianamente renovada de construção de pontes entre os dois Iluminismos, como também de transmissão cultural da ideologia da Razão em nível internacional[34].

Desse modo, para Jacob, redescobrir o tema da maçonaria significa sobretudo contribuir para a história social do Iluminismo. Isso porque ao mesmo tempo que as lojas refletiam as tensões sociais do Antigo Regime, com seu apreço aos símbolos tradicionais de status e hierarquia, elas ofereciam a alternativa inerente à nova cultura política e secular iluminista: um foro público em que os indivíduos disputavam o poder, votavam, elegiam representantes e encontravam identidade em um organismo separado da identidade comunitária proporcionada pelo parentesco Igreja e Estado[35].

Além de servirem como escolas práticas de governo, nas quais se aprendia a debater e competir dentro de regras constitucionais e representativas, as lojas maçônicas construíam uma rede de caridade sistemática, prevendo auxílios diretos aos irmãos necessitados, abrigo aos viajantes maçons de outras paragens, escolas para crianças pobres e orfanatos para filhos e viúvas desamparadas. Buscava-se desse modo concretizar a utopia da fraternidade maçônica universal[36].

A vontade de agir fraternalmente não excluía porém o reconhecimento das distinções sociais dentro das lojas. Entre os tipos de auxílio aos irmãos pobres, havia em lojas holandesas do século XVIII a prática de se distribuir dinheiro na passagem de ano entre os maçons-servos, isto é, servos em lares de filiados, admitidos nas lojas como irmãos, porém com a atribuição de servir aos outros irmãos durante os seus rituais[37].

Este último aspecto evidencia com nitidez o encontro entre os dois mundos – o Antigo Regime e o mundo moderno emergente – tal como enfatizado por Jacob. No cotidiano das lojas maçônicas misturavam-se as culturas desses dois mundos: valores tradicionais patriarcalistas associavam-se à nova linguagem do constitucionalismo; e antigas tradições de caridade e amizade, herdadas das guildas medievais, permeavam organizações voluntárias de apoio mútuo.

Mas a percepção do encontro desses dois mundos no interior das lojas não nos deve levar a imaginar que se houvesse alcançado um ponto estático de convivência entre eles. A prática do constitucionalismo significava a possibilidade de novas mediações a cada nova decisão tomada pelos filiados reunidos nas lojas. Essas novas mediações, porém, nem sempre eram alcançadas harmoniosamente, como se pode  perceber ao longo da história de conflitos e cisões em lojas maçônicas. Nesse sentido a maçonaria pode ser visualizada como uma espécie de microcosmo da sociedade moderna emergente, em que leis e sociedades são entendidas como instituições humanas, sempre sujeitas a alterações por vontade da maioria[38].

Maçonaria e Nova História

Os novos rumos da história da maçonaria assinalados acima nos convidam a repensar a história da sociedade brasileira em seu primeiro século de independência política. A história da maçonaria em sua dimensão social e cultural, tanto no plano interno quanto no seu entrelaçamento com lojas maçônicas de diversos países, traz a possibilidade de ultrapassarmos os esquemas empobrecedores que ora enfatizam os movimentos reflexos da sociedade brasileira em relação à economia internacional e às ideias políticas e filosóficas “importadas”, e ora realçam de tal modo a vida interna do país a ponto de sua história perder qualquer vínculo com movimentos históricos internacionais.

Se quisermos alcançar uma melhor compreensão da sociedade brasileira no século XIX, será preciso começar resgatando a maçonaria do seu atual estágio de invisibilidade. Como ponto de partida para compreendermos o significado histórico da maçonaria no Brasil, devemos formular novas questões às fontes de pesquisa, a começar pelas razões por que tantos dos nossos mais conhecidos personagens filiavam-se a lojas maçônicas. O que significava ser maçom? O que se almejava com isso? Que espécie de utopias se projetavam em seus rituais? O que se alcançava através dos laços de sociabilidade maçônica? Enfim, por que ser maçom tornou-se uma espécie de lugar-comum de quase todos aqueles que se empenhavam em fazer parte de uma elite ilustrada, fossem eles nascidos em famílias abastadas, como o visconde do Rio Branco, ou de origem humilde, como o ex-escravo Luís Gama? A busca de respostas para essas questões aponta, portanto, para a necessidade de se pesquisar a história social e cultural da maçonaria. Ao mesmo tempo, ao expandirmos o campo de visibilidade da maçonaria a partir da sua compreensão dentro de uma história abrangente da sociedade, tanto na sua vida interna quanto nas suas conexões internacionais, estaremos também contribuindo para se repensar a história política do Brasil.

Autora: Celia M. Marinho de Azevedo

Fonte: Revista USP

Célia é é graduada em jornalismo (1974) e em ciências sociais (1983), ambos pela Universidade de São Paulo; mestre em história (1985) pela Universidade Estadual de Campinas; M. Phil. (1991) e PhD em história (1993), ambos pela Columbia University, New York, Estados Unidos. É professora doutora aposentada da UNICAMP.

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Notas

[12] – Francisco Adolfo de Varnhagen, História da Independência do Brasil (publicado conjuntamente com História Geral do Brasil, 3 vols.), vol. 3, tomo 5, Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1981.

[13] – Idem, ibidem, p. 23.

[14] – Varnhagen acreditava que esse caminho seria de resto facilitado pelo fato de que d. João VI era “talhado de molde para um bom rei constitucional” (idem, ibidem, p. 18).

[15] – Idem, ibidem, pp. 85-6, 118- 9, 127, 129. As palavras entre aspas são de Joaquim Gonçalves Ledo, membro do Grande Oriente, em requerimento ao príncipe d. Pedro. Ledo havia sido eleito dois dias antes para o Conselho de Procuradores, cujo caráter consultivo e aristocrático desagradava aos políticos liberais, entre eles os filiados ao Grande Oriente do Brasil.

[16] – Idem, ibidem, pp. 123-4, 158-60.

[17] – Manuel de Oliveira Lima, O Império Brasileiro (1821-1889), Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1989; a primeira edição é de 1927; pp. 15, 19-20, 123-4.

[18] – Idem, ibidem, p. 19.

[19] – Varnhagen, op. cit., p. 18

[20] – Oliveira Lima, op. cit., p. 19.

[21] – Varnhagen, op. cit., pp. 77, 129. D. Pedro recebeu o nome de Guatimozin, e logo em seguida tornou-se grão-mestre do Grande Oriente.

[22] –  É interessante observar aqui que outro importante historiador contemporâneo, Sérgio Buarque de Holanda, limitou-se a registrar em algumas linhas o declínio da maçonaria numa suposta substituição desta pelo movimento positivista. Não oferece, no entanto, explicações e evidências para esta tese apenas acenada no início de um capítulo significativamente intitulado “Da Maçonaria ao Positivismo”. Haveria aqui implicitamente uma vontade de encerrar definitivamente o assunto maçonaria na história do Brasil? Ver: O Brasil Monárquico – Do Império à República, tomo 2, vol. 5, São Paulo, Difel, 1985, pp. 289-305.

[23] – Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo, Brasiliense, 1973; a primeira edição é de 1942; pp. 358-69.

[24] – Idem, ibidem, pp. 370-1.

[25] – Idem, ibidem, pp. 372-3.

[26] – Idem, ibidem, pp. 373-4.

[27] – Idem, ibidem, pp. 358-9.

[28] – Idem, ibidem, pp. 372-3.

[29] – De um modo geral a historiografia tem incorporado esta tese de Prado Jr. através de breves menções à maçonaria, ou mesmo permitindo-se silenciar totalmente em relação a ela. Prado Jr. também está presente na análise de Barreto (op. cit.), em seu capítulo sobre as sociedades secretas. Há porém três teses acadêmicas sobre a maçonaria no Brasil que levam em consideração a identidade maçônica de seus personagens e sua participação na história do Brasil: David Gueiros Vieira, O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1980; Jamil Almansur Haddad, O Romantismo Brasileiro e as Sociedades Secretas do Tempo, tese para a Cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1945; e Sister Mary Crescentia Thornton, The Church and Freemansory in Brazil, 1872-1875: a Study in Regalism, Washington, D. C., The Catholic University of America Press, 1948. A tese de Thornton, embora amparada em vasta pesquisa, poderia entretanto ser classificada entre a literatura de cunho partidário, tal a defesa que ela faz da Igreja Católica na luta contra a maçonaria. Mais recentemente percebe-se uma renovação de interesse em compreender a história da maçonaria em termos de sua cultura e redes de sociabilidade, bem como suas contribuições para a constituição de uma identidade política nacional. Importante contribuição nesse sentido é a de Alexandre Mansur Barata, “Luzes e Sombras: a Ação dos Pedreiros Livres Brasileiros (1870-1910)” (dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1992). Partes desta dissertação podem ser conhecidas em dois artigos: “A Maçonaria e a Ilustração Brasileira”, in História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 1, n. 1, Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, julho/outubro 1994, pp. 78-99; “Os Maçons e o Movimento Republicano (1879-1910)”, in Locus, Revista de História, vol. 1, n. 1, Juiz de Fora, NHR/EDUFJF, 1995, pp. 125-41.

[30] – É preciso, entretanto, mencionar um importante estudo sobre a sociabilidade meridional francesa – incluindo-se aqui um capítulo sobre a maçonaria – publicado na França em 1968: Maurice Agulhon, Pénitents et Francs-Maçons de l’Ancienne Provence – Essai sur la Sociabilité Méridionale, Fayard, 1984. A noção de sociabilidade, introduzida por ele no vocabulário dos historiadores dos “Annales”, tem adquirido crescente relevo na história social e cultural dos últimos anos. Sem essa noção dificilmente compreenderíamos a história da maçonaria. Entretanto, conforme sugere Jacob, Agulhon não teve muitos seguidores na França no tocante à pesquisa da história da maçonaria propriamente dita.

[31] – Jacob, op. cit., pp. 221-2.

[32] – Idem, ibidem, p. 17; Jacob chama a atenção para o fato de este congresso ter sido organizado por marxistas franceses.

[33] – Idem, ibidem, p. 222.

[34] – Idem, ibidem, p. 222-4.

[35] – Idem, ibidem, p. 179, 204.

[36] – Idem, ibidem, pp. 48, 165-7, 210-1.

[37] – Idem, ibidem, p. 165.

[38] – Idem, ibidem, p. 47.

A Maçonaria e o Iluminismo

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Ao pensarmos sobre a influência do Iluminismo na Maçonaria surgem as seguintes questões: “Seria a Maçonaria filha predileta do Iluminismo ou seria o Iluminismo broto predileto da Maçonaria? Ou nem uma coisa nem outra?”

Sem ter a pretensão de esgotarmos o tema e muito menos apresentarmos uma resposta definitiva, convido-o a juntos retomarmos brevemente o pensamento iluminista e seus desdobramentos. Como sabemos a Maçonaria está intrinsecamente ligada à toda esta efervescência intelectual do século XVIII.

O movimento iluminista desenvolveu-se a partir do Absolutismo[1], no início como sua consequência interna, em seguida como sua contraparte dialética e como inimigo que preparou sua decadência.

Também chamado de Esclarecimento (em alemão Aufklärung, em inglês Enlightenment), foi um movimento e uma revolta ao mesmo tempo intelectual surgido na segunda metade do século XVIII (o chamado “século das luzes”) que enfatizava a razão e a ciência como formas de explicar o universo. Foi um dos movimentos impulsionadores do Capitalismo e da sociedade moderna. Que obteve grande dinâmica nos países protestantes e lenta, porém gradual, influência nos países católicos. (CARVALHO, p. 16)

Ao pensarmos em Iluminismo surge imediatamente a Revolução Francesa, que foi um divisor de águas nas relações sociais e que contribuiu expressivamente para a formação do mundo contemporâneo.

Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa.[2]

Em Crítica e Crise[3], cuja leitura concebe a dimensão do que foram as sociedades secretas nos Setecentos europeu e sua predisposição em levar a humanidade a um avanço intelectual. Um objetivo exercido, sobretudo, pela franco-maçonaria com seu conteúdo pedagógico de formar homens críticos com ideário modernizador e progressista. Assim, em um relacionamento indissociável com a ideia de sociabilidade e de poder indireto proposta por Koselleck e com os trabalhos historiográficos que na temática deste trabalho se insere na problemática acerca do papel da franco-maçonaria no período que antecedeu a Revolução Francesa.

É importante ressaltar o que Koselleck afirma que duas formações sociais marcaram de maneira decisiva a época do Iluminismo no continente: a República das Letras e as lojas maçônicas. O Iluminismo e segredo aparecem como gêmeos históricos.

Quanto ao segredo, que atualmente é associado à Maçonaria, na época era muito utilizado pelo Poder Absolutista; crescendo mais ainda com o nascimento da nova elite, composta por grupos diversos, até mesmo heterogêneos, cuja característica comum residia no fato de que se viam destituídos ou privados de qualquer liberdade de decisão política no Estado Moderno, representado apenas pelo monarca absoluto.

Esse grupo diametralmente oposto, mas poderoso, da nova sociedade desenvolveu-se sob a Regência. Era composto por banqueiros, coletores de impostos e homens de negócio. Eram burgueses que trabalhavam e especulavam, alcançavam riqueza e prestígio social e frequentemente compravam títulos de nobreza; desempenhavam um papel de liderança na economia, mas de modo algum na política.

O crescimento foi tão grande que passaram a ser financistas do Estado, porém somente o dinheiro que era destinado, não havia nenhuma gerência e muito menos acompanhamento do destino destes numerários. Muitos destes financistas ganhavam fortunas milionárias graças à corrupção do sistema fiscal e à arrecadação de impostos, mas ao mesmo tempo, o acesso ao orçamento secreto e inatingível do Estado lhes era vedado. Não tinham nenhuma influência sobre a administração financeira e, como não bastasse, não possuíam nenhuma segurança para os seus capitais: a decisão real levava-os frequentemente a perder dinheiro que haviam ganho com a especulação e trabalho.

Rivarol[4] traduziu a maneira que o Estado administrava o dinheiro que devia à aristocracia financeira e, além disso, roubava de maneira arbitrária – e totalmente “imoral” – os lucros de seus credores; expressou “Quase todos os súditos são credores do senhor…que é escravo, como todo o devedor”.

Na interação do capital financeiro (que também era, nas mãos da sociedade, um bem moral) com o endividamento financeiro do Estado (que, em virtude da sua autoridade política, dissimulava ou negava imoralmente suas dívidas) está um dos impulsos sociais mais fortes da dialética da “Moral e da Política”.

À nobreza antiabsolutista e à burguesia endinheirada juntava-se um terceiro grupo, emigrantes protestantes expulsos da França após a revogação do édito de Nantes de 1685. Os filósofos iluministas mantinham estreita ligação com esses refugiados, espíritos eminentes na época. Mas não havia qualquer forma de acesso ao aparelho de comando do Estado, seja a legislatura, a política ou o exército.

Todos os homens da sociedade, excluídos da política, reuniam-se em locais “apolíticos” – na bolsa de valores, nos cafés ou nas academias – onde se praticavam novas ciências, sem sucumbir à autoridade eclesiástico-estatal de uma Sorbonne, ou então nos clubes, onde não podiam estabelecer o direito vigente; nos salões das cátedras e das chancelarias, ou ainda nas bibliotecas e sociedades literárias, onde se dedicavam à arte e a ciência, mas não à Política Estatal.

Esta nova sociedade criou suas instituições sob a proteção do Estado absolutista, cujas tarefas – toleradas, promovidas ou ignoradas pelo Estado – eram “sociais”. Desde o início, os representantes destas sociedades só podiam exercer influência política – se é que podiam – de maneira indireta. Portanto, todas as instituições sociais da nova camada social, aberta à sociabilidade, adquiriam potencialmente um caráter político, tornando-se com tempo forças políticas indiretas.

As lojas maçônicas apresentam uma melhor opção para o movimento iluminista, onde o segredo é a garantia de sua proteção: “A liberdade secreta se torna o segredo da liberdade”. A outra função do segredo é a de propiciar a coesão entre os irmãos. Nasce aí uma nova elite, denominada humanidade, que sente ser seu dever servir a este novo mundo[5].

Os maçons, aos seus próprios olhos, queriam fazer o bem, mas encontravam obstáculos, quais fossem: a divisão do mundo entre homens e Estados divergentes, a hierarquia social e as religiões em conflito.

Por esses motivos, a crítica permanecia obediente ao Estado, devendo os progressistas limitarem-se ao espírito das ciências[6].

No entanto, à medida que a crítica da razão torna todos iguais, inclusive o soberano, ela reduz todos os homens à condição de cidadãos. E se todo cidadão é igual, todo poder é abuso de poder, e o rei absolutista é um usurpador.

Na Alemanha, observa-se clara percepção da tensão entre moral e política, o que deveria provocar a cisão entre Estado e sociedade[7]. Todavia, nessa região, a burguesia é fraca e minoritária, logo, as sociedades secretas são ferrenhamente perseguidas e colocadas fora da lei. Diz-se delas que são um Estado dentro do Estado, que se trata de uma conspiração jesuítico-maçônica, acima dos Estados soberanos, para destruí-los, a eles e às igrejas.

Göchhausen, um militar prussiano, maçom, mas lacaio do rei, assim denuncia os iluministas:

A razão, aparentemente, irá criar um território sem fronteiras e instaurar a era da frugalidade espiritual, física e política no país de fria abstração; mas, de fato, só haveria duas condições toleráveis: a classe que governa e a classe que é governada (Critica e Crise p. 119).

Historiadores importantes apresentam estudos que relacionam a Maçonaria com o Iluminismo e creditado à instituição o princípio da igualdade entre os homens, embrionário do movimento democrático[8] [9], dando-lhe o papel de protagonista de revoluções, como a Revolução Francesa.

Um dos principais pensadores do Iluminismo, o filósofo alemão Immanuel Kant[10], compreendeu essa vocação das Lojas Maçônicas como uma vocação natural de homens de bem se unindo e se comunicando com seus semelhantes sobre questões que afetam a humanidade como um todo. Habermas[11], famoso filósofo alemão da escola crítica, coaduna com tal pensamento, ao registrar sua leitura do período iluminista:

A promulgação secreta do Iluminismo, típica das Lojas, mas também amplamente praticada por outras associações e Tisclzgesellschaften, tinha um caráter dialético. Razão pela qual o uso público da faculdade racional a ser realizado na comunicação racional de um público composto por seres humanos cultos, em si precisava ser protegido de se tornar público porque era uma ameaça para toda e qualquer relações de dominação. Enquanto a publicidade tinha a sua sede nas chancelarias secretas do príncipe, a razão não podia revelar-se diretamente. Sua esfera de publicidade ainda tinha que confiar no sigilo; seu público, até mesmo como um público, permaneceu interno. A luz da razão, assim velada de autoproteção, foi revelada em etapas. Isso lembra a famosa declaração de Lessing sobre a Maçonaria, que na época era um fenômeno europeu mais amplo: ela era tão antiga quanto a sociedade burguesa – “se de fato a sociedade burguesa não é apenas a prole de Maçonaria” (The Structural Transformation of the Public Sphere, Habermas, 1989, p. 35)

Concluindo este brevíssimo trabalho, que sobrevoou por fatos importantes que conduziram a humanidade a novos tempos, é possível inferir que acompanhando o pensamento dos principais pensadores do Iluminismo, a Maçonaria realmente colaborou com o desenvolvimento desse e, munida do mais profundo princípio de igualdade entre os homens, emprestou seu conceito e experiência de democracia à sociedade contemporânea então recentemente instalada. E, por sinal, instalada graças à liderança libertadora de seus membros. Portanto, a Maçonaria é a filha predileta do Iluminismo e também o seu broto predileto.

Autor: Rogério Vaz de Oliveira

Rogério é Mestre Maçom integrante da Loja Estrela do Sul 84 – Bagé/RS; sócio correspondente das Academias Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul e o Leste de Minas. Especialista em Comunicação Pública e em História da Maçonaria.

Nota do Blog

Agradecemos ao estimado irmão Rogério por nos ter enviado este excelente artigo, permitindo assim que nossos milhares de leitores possam desfrutar dessa enriquecedora peça de arquitetura.

Notas 

[1] – Para SQUIERE o absolutismo é forma de governo em que o detentor do poder exerce esse último sem dependência ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores.

[2] – HOBSBAWM, Eric J. Era das Revoluções: 1789-1848. Tradução: Maria Tereza Teixeira. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 97.

[3]Kritik und Krise: Ein Beitrag zur Pathogenese der bürgerlichen Welt, publicado pela primeira vez em 1959, nasce da tese de doutoramento de Reinhart Koselleck apresentado em 1954 na Universidade de Heidelberg.

[4] – Antoine de Rivarol (1753-1801). Memories, Ed. Berville, Paris, 182.

[5] – Marionilde Dias Brepohl de Magalhães. Comentários sobre Crítica e crise. Universidade Federal do Paraná

[6] – A institucionalização da crítica se dá, num primeiro momento, de forma dissimulada, pelo e no teatro ou pela e na literatura. O resgate do drama tem este sentido, de oposição de forças diametralmente opostas: razão/ revelação, liberdade/ despotismo, natureza/ civilização, comércio/ guerra, moral/ política, decadência/ progresso, luz/ trevas.

[7] – À época do Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto), primeira fase do Romantismo, também compreendido como Romantismo Ilustrado.

[8] – KRAMNICK, I. The Portable Enlightenment Reader. Harmondsworth: Penguin, 1995.

[9] – JACOB, M. C. The Radical Enlightenment: Pantheists, Freemasons and Republicans. Cornerstone Book Publishers, Lafayette, Louisiana. 2006.

[10] – KANT, I. The Metaphysical Elements of Justice; Part I of the Metaphysics of Morals. 2nd ed. Tradução: John Ladd. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1999.

[11] – HABERMAS, J. The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society. Cambridge, MA: MIT Press, 1989.

Referências

CARVALHO, William Almeida de. História da Maçonaria: Das Origens Corporativas à Maçonaria Moderna. Unileyer: Brasília, 2016.

ISMAIL, Kennyo. Artigo Maçonaria e Iluminismo, disponível no http://www.noesquadro.com.br/2012/12/maconaria-iluminismo.html, acessado em 12 FEV 17.

DIDEROT OU AS MIL LUZES DO ILUMINISMO, artigo disponível na Revista Digital Bibliot3ca https://bibliot3ca.wordpress.com/?s=iluminismo&submit=Pesquisa, acessado em 12 FEV 17.

HOBSBAWM, Eric J. Era das Revoluções: 1789-1848. Tradução: Maria Tereza Teixeira. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 97.

MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. Comentários sobre Crítica e Crise. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 1999.

ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.

ROCHA, Luiz Gonzaga. Ciência, Artes e Literatura Maçônica. Brasília: UnyLeya, 2016.

RIVAROL, Antoine. (1753-1801). Memories, Ed. Berville, Paris, 1824.

SQUIERE, P. Absolutismo. In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Giafranco. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1997.

O encanto do Iluminismo

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Depois das mudanças na cultura do homem, promovidas pelo desenvolvimento intelectual do Renascimento (século XIV), marcando a transição da Idade Média para a Idade Moderna, que sucedeu à Idade Média (fim da Idade Antiga até o início da Idade Moderna – 1453), a decadência do pensamento barroco, deu lugar ao arcadismo, em 1700.

O termo Barroco significa “bizarro” e é de origem francesa. Mas o “estilo barroco”, um estilo arquitetônico que se desenvolveu desde o fim do século XVI e perdurou até meados do século XVIII, surgiu na Itália.

O Barroco foi uma reação ao estilo Clássico que, no final do Renascimento, perdia seu vigor como beleza artística. Com a decadência do Barroco, surgiu o Rococó, não como estilo arquitetônico, mas, ornamental, que os críticos da arte consideram de mau gosto, devido a seus ornamentos espalhafatosos e à profusão de curvas caprichosas. A glória maior do Rococó foi na França de Luiz XV (1710-1774).

Quando aportou em Portugal, o Barroco recebeu o nome de “Estilo D. João V ou Jesuíta”. No Brasil ficou conhecido como “Colonial”. No entremeio do Barroco e do Rococó, reinou o Arcadismo.

O Arcadismo (de Arcádia, região central do Peloponeso – península da Grécia), deu origem às academias literárias, existentes ainda hoje, e cultivava, principalmente, a poesia bucólica, como os poetas de Vila Rica, em Minas Gerais, Brasil.

O Arcadismo veio acompanhado do Iluminismo, período no qual a visão teocêntrica girava em torno da religião Católica somente. Com a chegada do Iluminismo, os ventos da Europa mudaram de rumo, anunciando uma profunda renovação social, política, científica e religiosa.

Como movimento intelectual, o Iluminismo trazia o sentido de liberdade e progresso para o homem. E seus ideólogos pregavam a substituição das “trevas” da ignorância, pela “luz” (conhecimento) do poder da razão (ciência), para iluminar os aspectos “escuros” da Idade Média e da intermediação da igreja entre o homem e Deus, pela ida, direta, do homem a Deus. O Iluminismo, cujos ideólogos pregavam a existência de uma sociedade, para proporcionar felicidade, justiça e igualdade entre os homens, condenavam, também, o absolutismo, o mercantilismo e a imposição da Igreja.

Esse movimento de renovação cultural, uma corrente de pensamento, um conceito que sintetizou diversas tradições filosóficas, correntes intelectuais e atitudes religiosas, com ênfase no progresso, na liberdade de pensamento, na emancipação política, no poder da razão, o “Primado da Razão” (a razão – ciência – sobre a ignorância, a superstição e a aceitação crítica da autoridade, comuns, durante a Idade Média), que abominava a ignorância, ocorreu entre a Revolução Inglesa de 1688, chamada “Revolução Gloriosa”, e a Francesa de 1789, devido à intransigência da monarquia, que não cedia às reformas.

Os iluministas assumiram integralmente as ideias do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), barão de Verulam, que foi chanceler da Inglaterra, e que pregava abertamente que “conhecimento é poder”.

O feudalismo dava seus últimos suspiros na Europa e as monarquias absolutistas estavam no apogeu. A burguesia, dominadora, que ganhava força nas cidades, detestava a autoridade do rei, o poder da Igreja e os privilégios do clero, aliados às petulâncias da nobreza.

O apogeu do Iluminismo se deu com a ascensão e consolidação da burguesia na Grã-bretanha, nos Países Baixos e na França, graças à influência dos escritos de Voltaire, Denis Diderot, Jean Le Rond d’Alembert, o suíço Jean-Jacques Rousseau, René Descartes e outros. Tinha, como principal característica, “creditar à razão a capacidade de explicar racionalmente os fenômenos naturais e sociais e a própria crença religiosa”. E, embora pregasse a igualdade dos homens, como conceito social, na literatura o Iluminismo apoiava o neoclassicismo, inspirado em frases latinas do poeta romano Quintus Horatius Flaccus, mais conhecido como Horácio (65-8 a.C.), que dizia: “Fugere Urben” (fugir da cidade) e “Carpe Diem” (aproveite o dia).

No Ancien Régime (Antigo Regime), principalmente na França, a sociedade era dividida na seguinte ordem de importância e poder: clero, nobreza, burguesia e trabalhadores da cidade e do campo. E o objetivo do Iluminismo foi mudar tudo isso.

O termo “Iluminismo”, pois “iluminava” os aspectos “escuros” da idade Média, com a “luz” da razão da Idade Contemporânea, significa Esclarecimento, Ilustração.

Na França, ficou conhecido como o Siècle des Lumières (Século das Luzes); na Alemanha, Aufklärung (Filosofia das Luzes, Iluminação) e, em uma melhor conceituação, “o homem iluminado pela própria razão”; na Grã-Bretanha, Enlightenment (Esclarecimento); na Espanha, Ilustración (Ilustração); e na Itália, onde sua influência maior foi nas cidades de Nápoles e Milão, Illuminismo mesmo (com dois eles). Esses termos designavam uma época da história ocidental essencialmente rica e intelectual, e sua síntese estava nas diversas tradições filosóficas, correntes intelectuais e atitudes religiosas incoerentes, cuja aceitação era contestada pela elite intelectual, que ansiava por transformações.

A inspiração para o Iluminismo francês foi a liberalidade política inglesa, que muitos filósofos franceses, em visita à Inglaterra, encontraram, com mais intensidade lá, do que na França. Eles ficaram encantados, por exemplo, com a ciência natural daquele país. De volta à França, começaram a se rebelar contra o autoritarismo real e, logo depois, o poder da Igreja Católica e da aristocracia. Mas, o início, como movimento, foi mesmo na França, de onde se espalhou por toda Europa, principalmente pela Alemanha, no final do século XVII, no apagar das luzes da Idade Média. Os ideais iluministas ajudaram a promover a Independência dos Estados Unidos da América (1775-1783), libertando-se do domínio inglês e, no Brasil, a Inconfidência Mineira (1789).

Em Portugal, o Iluminismo encontrou apoio em Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal (1699-1782), ministro do D. José I e ex-embaixador na Inglaterra, de 1738 a 1745. Em sua tarefa de renovação cultural, em 1759, expulsou os jesuítas, fundou escolas e tirou o ensino da tutela da Igreja.

Foi o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), quem sintetizou de maneira brilhante, o lema do Iluminismo. Ele disse: “O Iluminismo representa a saída dos humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem, quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento, mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da sua própria razão! – esse é o lema do Iluminismo”. [NB]

No Brasil, o Iluminismo possibilitou importantes mudanças no conceito social de então. Em primeiro lugar, a cultura dos jesuítas, com base no autoritarismo da Igreja Católica da Idade Média, deu lugar aos ventos do neoclassicismo, surgido na Itália, no fim do século XVIII, espalhando-se aos países vizinhos, perdurando por cem longos anos (de 1750 a 1850). Seu objetivo foi restituir a beleza e as formas clássicas à arquitetura e à pintura, e à harmonia das formas plásticas do corpo humano. Em segundo lugar, Minas Gerais e Rio de Janeiro se destacam no cenário político nacional como centros de relevância política, econômica, social e cultural. Estudantes brasileiros descobrem a Europa para sua formação acadêmica.

Se olhada para outra direção, a arte emergente do Iluminismo foi o retorno à simplicidade clássica.

Originado na Inglaterra, Holanda e França, o Iluminismo inseriu-se no contexto histórico das outras nações, tendo como ponto de referência o período da Renascença (século XIV), com a descoberta da razão, como a chave para compreender o mundo. Desses países, chegou aos demais, como Escócia, Estados Unidos, Rússia, Polônia, Áustria, Grécia e Bálcãs. Seu apogeu se deu no começo do século XVIII, que ficou conhecido, também, como a Era dos Cafés, da palavra ágil e contestadora (o século XVII foi chamado a Era da Taberna, do álcool e da embriaguez). O século XVIII, veio a ser conhecido como o “Século das Luzes”, uma época de grandes transformações tecnológicas, como a invenção da máquina a vapor e do tear mecânico, principalmente, caracterizando, assim, o fim entre o feudalismo e o capitalismo, o que possibilitou a formação do lema iluminista da Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.

Os principais precursores do movimento foram o matemático e filósofo francês, René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo, e o cientista inglês Isaac Newton (1642-1727). Mas, tudo começou com a determinação do físico e matemático italiano Galileu Galilei (1564-1642), fundador da ciência experimental na Itália, que devolveu à ciência, sua importância primordial: a pesquisa experimental. E, de Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano alemão que, em 31 de outubro de 1517, reagindo às pretensões de Roma, prega suas 95 teses ou proposições, relativas à doutrina e aos abusos da Igreja Católica, na porta da igreja do castelo ducal de Wittenberg, onde eram afixados os avisos da Universidade. Nelas, ele renegava o absolutismo papal, em matéria de fé, principalmente, diante do escândalo da venda das Indulgências (venda de perdão dos pecados e faltas menores), a “Questão da Indulgência”, cuja finalidade era arrecadar dinheiro para a construção da Basílica de São Pedro, em Roma, e pagar dívidas que Alberto, arcebispo de Brundenburg, tinha com o papa. Com a venda das Indulgências, metade do dinheiro ia para Alberto e metade para o papa, como pagamento da dívida de Alberto.

Em 15 de junho de 1520, em sua bula Exsurge Domine (Erguei-vos, Senhor), carta-patente dos papas para assuntos de grande importância, o papa Leão X (1513-1521), declara Lutero herege, por ter-se afastado dos princípios fundamentais e recusado os dogmas de fé da Igreja Católica, dando-lhe um prazo de 60 dias para retratar-se de 41 das 95 teses por ele defendidas.

Mas, em 10 de dezembro de 1520, Lutero, que dizia que o papa era “o demônio que estava sentado na cátedra de Pedro” queimou, em praça pública, uma cópia da bula, juntamente com alguns volumes do Código do Direito Canônico.

Em 1521, perante a Dieta (assembleia dos príncipes e bispos alemães), convocada por Carlos V (1500-1558), Imperador do Sacro (Santo) Império Romano e rei da Espanha, a pedido do papa, na cidadezinha alemã de Worms (Weimar), Lutero confirma, oficialmente, sua posição de insurgente e se desliga da Igreja Católica, o que deu início ao luteranismo.

Devido à sua intransigência, foi excomungado dois meses depois e desterrado do império. Fugiu e encontrou apoio em Frederico da Saxônia, hospedando-se no Castelo de Wartburg, onde, entre outros escritos, traduziu a Bíblia para o alemão.

Lutero abandonou o sacerdócio em 1524 e, em 13 de julho de 1525, casou-se com a ex-freira Catarina von Bora, com a qual teve seis filhos. Morreu aos 63 anos de idade, em Eisleben, Saxônia, pequeno povoado onde havia nascido. É considerado o “Pai da Reforma” protestante.

Além deles, temos os chamados “filósofos do Iluminismo”: o médico e filósofo inglês, John Locke (1632-1704), considerado o “pai do Iluminismo”, que participou da Revolução Inglesa de 1688; os franceses Voltaire, pseudônimo literário de François Marie Arouet (1694-1778), o crítico da igreja e da intolerância religiosa, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Charles Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), o mais radical do movimento (contestou a propriedade privada), e Denis Diderot (1713-1784). No entanto, o pai do movimento foi mesmo John Locke, embora o mais notável dentre eles, tenha sido o filósofo e sacerdote Etienne (Estêvão) Bannot de Condillac (1715-1780), o francês que foi preceptor na corte de Fernando (Ferdinando) de Bourbon, herdeiro do trono e filho de Carlos III (1716-1788), rei da Espanha, filho de Filipe V (1683-1746), duque de Parma, Itália. Os Traité des Sensations, Traité dês Systèmes, Traité de Raisonner, entre outros, são de autoria de Condillac. Mas, todos eles pregavam ideias que, juntas, deram ao Iluminismo a consistência de uma verdadeira revolução intelectual na França.

Os Bourbons da Itália e Espanha eram da mesma família real francesa, cuja ascendência remonta ao conde Robert de Clermnont, sexto filho do rei São Luiz IX (1215-1270), senhor do castelo feudal de Bourbon-l’Archambault. Eles formaram importantes dinastias na França, Espanha e Nápoles.

Locke dizia que o homem nasce sem ideia e que o conhecimento é adquirido por meio dos sentidos. Rousseau pregava a formação de um Estado, governado pela vontade do povo. Ele dizia que “o homem nasce bom” e sem vícios e, depois, corrompido, torna-se pervertido pela sociedade civilizada, “devendo, portanto, retornar para a natureza”. Defensor da pequena burguesia, Rousseau inspira a Revolução Francesa.

Montesquieu era mais radical: pregava a separação dos três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) do Estado. E Diderot, ao lado do físico e filósofo, Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783), organiza uma enciclopédia, na qual reuniu os conhecimentos científico e filosófico até então.

Diderot e d’Alembert planejaram a L’Encyclopédie (Enciclopédia) em 1750, obra magna do pensamento iluminista. Tanto Diderot quanto d’Alembert, eram filósofos e matemáticos franceses. O título era Dictionaire Raisonné des Sciences, des Arts, et des Métiers, Enciclopédia ou Dicionário Racional das Ciências, das Artes e dos Ofícios, dirigida, de 1751 a 1754, por d’Alembert e, a seguir, por Diderot. Após sua publicação, a L’Encyclopédie sofreu violenta reação da Igreja Católica, que os iluministas criticavam e, também, de grupos ligados à ela, que a classificaram como racionalista e materialista, visto ser a Enciclopédia uma “obra de referência que exprimia concepções políticas revolucionárias”. Mesmo assim, durante vinte anos, entre 1751 (ano da publicação do primeiro volume) e 1772, foram publicados 17 dos 35 volumes concebidos de textos e 11 de pranchas de ilustração, encerrando a obra inteira.

Diderot selecionou 139 colaboradores, o melhor da elite intelectual da França, para a vitoriosa tarefa. Os mais importantes colaboradores foram Montesquieu (leis), Voltaire (literatura, elegância, história, espírito e imaginação), Lamarck (botânica), Helvetius (matemática), Condillac e Condorcet (filosofia), Rousseau (música), Buffon (ciências naturais), Quesnay e Turgot (economia), Holbach (química) Diderot (história da Filosofia) e D’Alembert (matemática).

É por isso que os iluministas também são chamados de “enciclopedistas”. Mas, além da Enciclopédia, muitos livros e panfletos foram publicados nesse período. Quando eram censurados ou queimados na França, por ordem judicial, os iluministas faziam edições clandestinas na Holanda, que depois eram contrabandeadas para a França.

Os enciclopedistas propunham a imediata separação da Igreja do Estado, combate às superstições e aos pensamentos mágicos, como as instituições religiosas. E, mesmo com a censura e condenação papal, o Iluminismo influenciou o mundo intelectual e inspirou o movimento social que originou a Revolução Francesa de 1789.

A grande contribuição da Enciclopédia foi que ela buscou definir, no homem interior, as rupturas necessárias, com base na autoridade intelectual. Sua finalidade foi “reunir os conhecimentos esparsos sobre a terra, expor seu sistema geral aos homens de seu tempo e transmiti-lo às gerações futuras, a fim de que aquilo que foi realizado no passado não caia no esquecimento. Assim, tornando-se mais instruídos, os homens serão certamente mais virtuosos e felizes”.

A maior parte dos iluministas era constituída de deístas. Como tal, eles acreditavam que Deus, depois de criar o Universo, deixou-o sozinho, à sua própria sorte. Seu maior expoente francês foi Voltaire. Na Inglaterra, Cherbury (não confundir com Cherbuliez -1829-1899 – escritor suíço) e Cudworth, Locke e Tindal. Na Alemanha, Reimarus, que não admitia atributos intelectuais e morais em Deus.

Anticlerical, o Iluminismo criou uma encrenca danada com a Igreja Católica, ao condenar a intermediação desta entre o homem e Deus, além de pregar a separação entre a Igreja e o Estado. Mesmo assim, eles criam piamente em Deus.

Há quem veja o Iluminismo sob dois aspectos distintos:

Primeiro: como doutrina de natureza místico-religiosa, onde se aninharam os chamados “iluminados” da inspiração sobrenatural, com o apoio de diversas seitas. Essa corrente surgiu no século XV, na cidade de Toledo, Espanha, mas, com raízes no misticismo francês da época medieval, cujo elemento essencial da civilização ficou conhecido como Cristandade. Da Espanha passou para a França, Alemanha e Bélgica, onde seus adeptos viviam em permanente estado passivo de, segundo eles, aproximação à divindade. Acredita-se que essa corrente tenha se ligado ao luteranismo alemão. Mas, depois de 1570, nada mais se soube deles.

Segundo: como movimento cultural-filosófico. Mas, não há uma unidade isolada que justifique seu surgimento, visto fatores diversos terem contribuído para sua formação, como países e pensadores diferentes, correntes humanistas, naturalistas, criticistas e expoentes como John Locke, Pierre Bayle (1647-1706), considerado o fundador da crítica histórica, Gotthold Ehpraim Lessing (1729-1781), Johann Gottfried von Herder (1744-1803), Voltaire, caracterizando o fim entre o feudalismo e o capitalismo, Claude Adrien Helvetius (1715-1771), Denis Diderot, Charles Louis de Condorcet, Barão de La Brède e de Montesquieu, Paul Heirich Dietrich, barão de Holbach (1723-1789) e Kant.

A característica do Iluminismo é a fé “nas luzes” da chamada razão humana, livre das idiotices das pesquisas dos problemas metafísicos, conhecidos até então. Surgia, daí, a teorização da liberdade humana. E, destacando-se, as político-econômicas e sócio-religiosas, contrapondo-se aos obsoletos limites das superstições, da tradição e autoridade, do progresso dos mais fortes e poderosos e, principalmente, intelectuais.

O ponto de partida foi a liberdade de pensamento e a emancipação política, que pôs fim à supremacia da burguesia feudal e criou uma nova visão da vida e desenvolvimento social. Todavia, a maior façanha do Iluminismo, no campo do conhecimento intelectual, foi a publicação e difusão da Enciclopédia, obra de referência, que exprimia a síntese do pensamento revolucionário dos “iluminados”. Os iluministas davam valor absoluto à razão, em detrimento a toda e qualquer forma de crença. Salvou, no entanto, sua definição religiosa, na qual o Iluminismo se baseia “num contato imediato com a divindade, fonte da luz intelectual”.

Mas, é bom lembrar que, durante o século XVIII, efetuou-se certa dessacralização da história, que passa a ser compreendida como uma trajetória vitoriosa e puramente humana, ou seja, destituída da ação divina. Em outras palavras, pelo conhecimento humano somente, pela luz da RAZÃO – ciência (daí, Iluminismo), com capacidade de esclarecer qualquer fenômeno.

Esse mesmo Iluminismo foi subdividido em diversos micro-iluminismos, diferentes no tempo, nas regiões e nos ideários religiosos, chamados de “iluminismo tardio”, “iluminismo francês” e “iluminismo espanhol”, etc.

O Iluminismo defendia o domínio da razão, sobre a visão teocêntrica (Deus, como centro de tudo), posição defendida pela Igreja desde a Idade Média, cuja humanidade havia encontrado refúgio na fé (elemento da civilização conhecido como Cristandade), com o propósito de “iluminar as trevas” em que se encontrava a sociedade, presentes no antigo regime, no absolutismo político, no mercantilismo, na sociedade rural, no homem, como súdito do rei e na sociedade estamental (dividida em estados com funções sociais definidas), como a aristocracia e o clero, que mantinham seus privilégios através das tradições medievais. O fim das trevas veio com o início da Idade Contemporânea, com a Modernidade.

O Iluminismo possibilitou as revoluções burguesa e industrial que, com suas luzes, primado da razão, dúvida metódica, crença nos direitos naturais, liberalismo político e econômico, antimonárquico, anticlerical e antimercantil, igualdade de todos perante a lei, crítica aos dogmas, criou um novo mundo de ideias e pensamentos. A luz da “Razão” tornou-se o centro dos debates do século XVIII, como uma “luz natural”, em oposição à fé, tida como uma “luz sobrenatural”. Embora, tal qual a ciência, a razão e o chamado “otimismo pedagógico”, tornaram-se marcas visionárias do Iluminismo.

Voltaire, crítico da Igreja, do clero, da servidão feudal e da censura, disse que “a função da luz é dissipar as trevas”. E Kant, exaltando a presença dos dissipadores de luz no Iluminismo, disse que “o Iluminismo é o ato do homem sair da menoridade” de pensamento. Mas, essas mesmas luzes, que tanto Voltaire e seus colegas acenderam, para brilhar muito no século XVIII, chegaram ao século XIX sem brilho, sem intensidade, “iluminando menos do que prometeram”, diminuídas pela contestação do marxismo (crítico do liberalismo), nietzscheanismo (crítico do cristianismo) e freudismo (crítico do racionalismo).

Os iluministas defendiam que a razão deveria substituir as crenças religiosas. E, devido a esse posicionamento, buscaram respostas que, até então, eram encontradas e justificadas, apenas, pela supremacia da fé (Igreja Católica).

O triunfo do Iluminismo foi libertar-se da tutela dos reis e dos pontífices de Roma e a “consolidação do liberalismo político em grande parte do Ocidente a partir do séc. XIX. O antigo regime ruiu, o poder da aristocracia desapareceu e a burguesia assumiu o controle do Estado liberal”.

O movimento foi o mais duro golpe à ideologia do poder eclesiástico, no intuito de anular, nos cristãos europeus, o domínio da Igreja Católica sobre eles. Além do mais, o encanto do Iluminismo foi a colocação de Deus no coração do homem, sem a intermediação da igreja.

E esse é o Encanto do Iluminismo.

Autor: Fernando de Almeida Silva

Fonte: Blog do Bianchi

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Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?”

Resultado de imagem para o iluminismoFilósofos Iluministas reunidos no salão de madame Geoffrin. Óleo sobre tela de Anicet-Charles Lemonnier, 1812

Apresentação

O opúsculo de I. Kant Resposta à pergunta: “Que é o iluminismo?” (1784) é, como se sabe, um texto clássico. Por razões várias.

– É um dos manifestos mais ‘interessantes’ da Ilustração europeia. Como tal, figura não só como um dos mais contundentes apelos ao exercício autônomo da razão, à liberdade de pensamento, mas constitui ainda uma expressão sintomática de um momento fundamental na estruturação da consciência moderna, com o seu afã de novidade, de expansão e conquista do mundo e da natureza, de destruição da ordem estática das sociedades, mas também com o seu desprezo da tradição, com a vertigem do solipsismo.

– É, por outro lado, um texto-alvo no recente debate sobre o projeto da modernidade e a reação pós-moderna (assim na obra de M. Foucault e de J. Habermas, entre outros).

– Propõe ainda, de certo modo, um ideal imperativo e inatingível – precisamente a consecução da genuína e plena ilustração intelectual – e disso Kant parece dar-se conta no final do ensaio, embora permaneça, contra o que promove, enredado nos preconceitos da sua época, a saber, uma versão algo abstrata da razão arrancada ao húmus da história, encarada sem os nexos relacionais que ligam os seres humanos no seu destino; a inatenção ao papel quase transcendental da linguagem na estruturação do pensamento; a falta de consideração do vínculo entre razão e autoridade (nas suas múltiplas formas), além da pedante convicção de que as idades anteriores aos tempos modernos mergulhavam na ‘menoridade culpada’.

Estas observações, e muitas outras que se poderiam aduzir, não serão um obstáculo para apreciar a luminosidade deste opúsculo, merecidamente famoso; mesmo apesar dos seus limites, encerra ainda uma exigência moral de auto-iluminação, que nunca é bastante.

Artur Morão

Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?”

Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.

A preguiça e a covardia são as causas de os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes), continuarem, todavia, de bom grado menores durante toda a vida; e também de a outros se tornar tão fácil assumir-se como seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um diretor espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de bom grado tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de terem, primeiro, embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo não é assim tão grande, pois acabariam por aprender muito bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.

É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tomou quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer semelhante tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado ao movimento livre. São, pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação do seu espírito arrancar-se à menoridade e encetar então um andamento seguro.

Mas é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça. Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for concedida a liberdade. Sempre haverá, de facto, alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa que, após terem arrojado de si o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma estimativa racional do próprio valor e da vocação de cada homem para pensar por si mesmo. Importante aqui é que o público, antes por eles sujeito a este jugo, os obriga doravante a permanecer sob ele quando por alguns dos seus tutores, pessoalmente incapazes de qualquer ilustração, é a isso incitado. Semear preconceitos é muito danoso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só muito lentamente consegue chegar à ilustração. Por meio de uma revolução talvez se possa levar a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento.

Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Agora, porém, de todos os lados ouço gritar: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade. Mas qual é a restrição que se opõe ao Iluminismo? Qual a restrição que o não impede, antes o fomenta? Respondo: o uso público da própria razão deve sempre ser livre e só ele pode, entre os homens, levar a cabo a ilustração; mas o uso privado da razão pode, muitas vezes, coarctar-se fortemente sem que, no entanto, se entrave assim notavelmente o progresso da ilustração. Por uso público da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz perante o grande público do mundo letrado. Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua razão num certo cargo público ou função a ele confiado. Ora, em muitos assuntos que têm a ver com o interesse da comunidade, é necessário um certo mecanismo em virtude do qual alguns membros da comunidade se comportarão de um modo puramente passivo com o propósito de, mediante uma unanimidade artificial, serem orientados pelo governo para fins públicos ou de, pelo menos, serem impedidos de destruir tais fins. Neste caso, não é decerto permitido raciocinar, mas tem de se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera também como elemento de uma comunidade total, e até da sociedade civil mundial, portanto, na qualidade de um erudito que se dirige por escrito a um público em entendimento genuíno, pode certamente raciocinar sem que assim sofram qualquer dano os negócios a que, em parte, como membro passivo, se encontra sujeito. Seria, pois, muito pernicioso se um oficial, a quem o seu superior ordenou algo, quisesse em serviço sofismar em voz alta acerca da inconveniência ou utilidade dessa ordem; tem de obedecer, mas não se lhe pode impedir de um modo justo, enquanto perito, fazer observações sobre os erros do serviço militar e expô-las ao seu público para que as julgue. O cidadão não pode recusar-se a pagar os impostos que lhe são exigidos; e uma censura impertinente de tais obrigações, se por ele devem ser cumpridas, pode mesmo punir-se como um escândalo (que poderia causar uma insubordinação geral). Mas, apesar disso, não age contra o dever de um cidadão se, como erudito, ele expuser as suas ideias contra a inconveniência ou também a injustiça de tais prescrições. Do mesmo modo, um clérigo está obrigado a ensinar os instruendos de catecismo e a sua comunidade em conformidade com o símbolo da Igreja, a cujo serviço se encontra, pois ele foi admitido com esta condição. Mas, como erudito, tem plena liberdade e até a missão de participar ao público todos os seus pensamentos cuidadosamente examinados e bem-intencionados sobre o que de errôneo há naquele símbolo, e as propostas para uma melhor regulamentação das matérias que respeitam à religião e à Igreja. Nada aqui existe que possa constituir um peso na consciência. Com efeito, o que ele ensina em virtude da sua função, como ministro da Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar segundo a sua opinião própria, mas está obrigado a expor segundo a prescrição e em nome de outrem. Dirá: a nossa Igreja ensina isto ou aquilo; são estes os argumentos comprovativos de que ela se serve. Em seguida, ele extrai toda a utilidade prática para a sua comunidade de preceitos que ele próprio não subscreveria com plena convicção, mas a cuja exposição se pode, no entanto, comprometer, porque não é de todo impossível que neles resida alguma verdade oculta. De qualquer modo, porém, não deve neles haver coisa alguma que se oponha à religião interior, pois se julgasse encontrar aí semelhante contradição, então não poderia em consciência desempenhar o seu ministério; teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor contratado faz da sua razão perante a sua comunidade é apenas um uso privado, porque ela, por maior que seja, é sempre apenas uma assembleia doméstica; e no tocante a tal uso, ele como sacerdote não é livre e também o não pode ser, porque exerce uma incumbência alheia. Em contrapartida, como erudito que, mediante escritos, fala a um público genuíno, a saber, ao mundo, por conseguinte, o clérigo, no uso público da sua razão, goza de uma liberdade ilimitada de se servir da própria razão e de falar em seu nome próprio. É, de facto, um absurdo, que leva à perpetuação dos absurdos, que os tutores do povo (em coisas espirituais) tenham de ser, por sua vez, menores.

Mas não deveria uma sociedade de clérigos, por exemplo, uma assembleia eclesiástica ou uma venerável classis (como a si mesma se denomina entre os Holandeses) estar autorizada sob juramento a comprometer-se entre si com um certo símbolo imutável para assim se instituir uma interminável super tutela sobre cada um dos seus membros e, por meio deles, sobre o povo, e deste modo a eternizar? Digo: isso é de todo impossível. Semelhante contrato, que decidiria excluir para sempre toda a ulterior ilustração do gênero humano, é absolutamente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pela autoridade suprema por parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não se pode coligar e conjurar para colocar a seguinte num estado em que se tornará impossível a ampliação dos seus conhecimentos (sobretudo os mais urgentes), a purificação dos erros e, em geral, o avanço progressivo na ilustração. Isso seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste justamente neste avanço. E os vindouros têm toda a legitimidade para recusar essas resoluções decretadas de um modo incompetente e criminoso. A pedra de toque de tudo o que se pode decretar como lei sobre um povo reside na pergunta: poderia um povo impor a si próprio essa lei? Seria decerto possível, na expectativa, por assim dizer, de uma lei melhor, por um determinado e curto prazo, para introduzir uma certa ordem. Ao mesmo tempo, facultar-se-ia a cada cidadão, em especial ao clérigo, na qualidade de erudito, fazer publicamente, isto é, por escritos, as suas observações sobre o que há de errôneo nas instituições anteriores; entretanto, a ordem introduzida continuaria em vigência até que o discernimento da natureza de tais coisas se tivesse de tal modo difundido e testado publicamente que os cidadãos, unindo as suas vozes (embora não todas), poderiam apresentar a sua proposta diante do trono a fim de protegerem as comunidades que, de acordo com o seu conceito do melhor discernimento, se teriam coadunado numa organização religiosa modificada, sem todavia impedir os que quisessem ater-se à antiga. Mas é de todo interdito coadunar-se numa constituição religiosa pertinaz, por ninguém posta publicamente em dúvida, mesmo só durante o tempo de vida de um homem e deste modo aniquilar, por assim dizer, um período de tempo no progresso da humanidade para o melhor e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem, para a sua pessoa, e mesmo então só por algum tempo, pode, no que lhe incumbe saber, adiar a ilustração; mas renunciar a ela, quer seja para si, quer ainda mais para a descendência, significa lesar e calcar aos pés o sagrado direito da humanidade. O que não é lícito a um povo decidir em relação a si mesmo menos o pode ainda um monarca decidir sobre o povo, pois a sua autoridade legislativa assenta precisamente no facto de na sua vontade unificar a vontade conjunta do povo. Quando ele vê que toda a melhoria verdadeira ou presumida coincide com a ordem civil, pode então permitir que em tudo o mais os seus súbditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação da sua alma. Não é isso que lhe importa, mas compete-lhe obstar a que alguém impeça à força outrem de trabalhar segundo toda a sua capacidade na determinação e fomento da mesma. Constitui até um dano para a sua majestade imiscuir-se em tais assuntos, ao honrar com a inspeção do seu governo os escritos em que os seus súbditos procuram clarificar as suas ideias, quer quando ele faz isso a partir do seu discernimento superior, pelo que se sujeita à censura ‘Caesar non est supra grammaticos[1] quer também, e ainda mais, quando rebaixa o seu poder supremo a ponto de, no seu Estado, apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos contra os demais súditos.

Se, pois, se fizer a pergunta – Vivemos nós agora numa época esclarecida? – a resposta é: não. Mas vivemos numa época do Iluminismo. Falta ainda muito para que os homens tomados em conjunto, da maneira como as coisas agora estão, se encontrem já numa situação ou nela se possam apenas vir a pôr de, em matéria de religião, se servirem bem e com segurança do seu próprio entendimento, sem a orientação de outrem. Temos apenas claros indícios de que se lhes abre agora o campo em que podem atuar livremente, e diminuem pouco a pouco os obstáculos à ilustração geral ou à saída dos homens da menoridade de que são culpados. Assim considerada, esta época é a época do Iluminismo, ou o século de Frederico.

Um príncipe que não acha indigno de si dizer que tem por dever nada prescrever aos homens em matéria de religião, mas deixar-lhes aí a plena liberdade, que, por conseguinte, recusa o arrogante nome de tolerância, é efetivamente esclarecido e merece ser encomiado pelo mundo grato e pela posteridade como aquele que, pela primeira vez, libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e concedeu a cada qual a liberdade de se servir da própria razão em tudo o que é assunto da consciência. Sob o seu auspício, clérigos veneráveis podem, sem prejuízo do seu dever ministerial e na qualidade de eruditos, expor livre e publicamente ao mundo para que este examine os seus juízos e as suas ideias que, aqui ou além, se afastam do símbolo admitido; mas, mais permitido é ainda a quem não está limitado por nenhum dever de ofício. Este espírito de liberdade difunde-se também no exterior, mesmo onde entra em conflito com obstáculos externos de um governo que a si mesmo se compreende mal. Com efeito, perante tal governo brilha um exemplo de que, no seio da liberdade, não há o mínimo a recear pela ordem pública e pela unidade da comunidade. Os homens libertam-se pouco a pouco da brutalidade, quando de nenhum modo se procura, de propósito, conservá-los nela.

Apresentei o ponto central do Iluminismo, a saída do homem da sua menoridade culpada, sobretudo nas coisas de religião, porque em relação às artes e às ciências os nossos governantes não têm interesse algum em exercer a tutela sobre os seus súbditos; por outro lado, a tutela religiosa, além de ser mais prejudicial, é também a mais desonrosa de todas. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado, que favorece a primeira, vai ainda mais além e discerne que mesmo no tocante à sua legislação não há perigo em permitir aos seus súbditos fazer uso público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas ideias sobre a sua melhor formulação, inclusive por meio de uma ousada crítica da legislação que já existe; um exemplo brilhante que temos é que nenhum monarca superou aquele que admiramos.

Mas também só aquele que, já esclarecido, não receia as sombras e que, ao mesmo tempo, dispõe de um exército bem disciplinado e numeroso para garantir a ordem pública – pode dizer o que a um Estado livre não é permitido ousar: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes; mas obedecei! Revela-se aqui um estranho e não esperado curso das coisas humanas; como, aliás, quando ele se considera em conjunto, quase tudo nele é paradoxal. Um grau maior da liberdade civil afigura-se vantajosa para a liberdade do espírito do povo e, no entanto, estabelece-lhe limites intransponíveis; um grau menor cria-lhe, pelo contrário, o espaço para ela se alargar segundo toda a sua capacidade. Se a natureza, sob este duro invólucro, desenvolveu o germe de que delicadamente cuida, a saber, a tendência e a vocação para o pensamento livre, então ela atua também gradualmente sobre o modo do sentir do povo (pelo que este se tornará cada vez mais capaz de agir segundo a liberdade) e, por fim, até mesmo sobre os princípios do governo que acha salutar para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que uma máquina, segundo a sua dignidade.

Königsberg na Prússia, 30 de Setembro de 1784.

Autor: Immanuel Kant
Tradução: Artur Morão

Nota

[1] – “César não está acima dos gramáticos.”

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Das trevas para a Luz

Luz e trevas - Calotipo Mag - Medium

O Iluminismo surgiu com a promessa de oferecer aos homens as luzes da emancipação. Nosso principal desafio, agora, é superar os desvios cometidos após o advento dessa doutrina filosófica, saber lidar com a própria liberdade e construir uma sociedade mais justa e fraterna.

Inicialmente, as ideias do Iluminismo foram disseminadas por filósofos e economistas que se diziam propagadores da luz e do conhecimento. Julgavam que a via para se adquirir o conhecimento era através da razão, e para isso, o estimula ao questionamento sobre a origem ou a ordem das coisas que se fazia presente em suas discussões; utilizavam-se da pesquisa e da investigação para entender, na natureza, a sociedade, a economia, a política e o próprio ser humano – o antropocentrismo, ou seja, o avanço da ciência e da razão.

Considerado como uma doutrina filosófica, o Iluminismo marcou a passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Teve seu inicio na Inglaterra, no século 17 e seu auge na França, no século 18. A doutrina teve como “pai” o filósofo John Locke, além de René Descartes, pai do racionalismo, que possibilitou acontecer esse movimento.

Podemos resumir o Iluminismo em uma única frase, pode-se dizer que ele é, segundo Kant, a “saída do ser humano do estado de não emancipação em que ele próprio se colocou. Essa não emancipação é a incapacidade de fazer uso da razão sem recorrer a outros”. A partir dessas máximas, o Iluminismo precedeu e possibilitou a Revolução Francesa e suas consequências influenciaram também a história dos Estados Unidos e até mesmo do Brasil, além de influenciar a sociedade até hoje, afinal, todos os cidadãos que vivem em uma democracia são livres, iguais e tem o direito de adquirir uma propriedade.

Os princípios iluministas eram o racionalismo (duvidando-se de tudo é que se chega à verdade absoluta), individualismo (cada um deve ser responsável pela sua evolução) e a liberdade religiosa (eram contra a religião, mas não contra Deus – consequência da Reforma Protestante). Esses princípios refletem hoje em nossa sociedade, onde as pessoas não têm mais tanto afinco com as religiões.

Esse movimento intelectual defendia o uso da razão (luz) contra o antigo regime (trevas) e pregava maior liberdade econômica e política. Defendiam a liberdade da escolha e a igualdade perante a lei, até mesmo religiosa. Opunham-se às ideias do absolutismo e de todas as suas características que privilegiava a nobreza e o clero, além de críticos fervorosos do mercantilismo, da Igreja católica e de seus métodos, respeitando, porém a crença em Deus. Por meio dessa liberdade, a proposta do Iluminismo se estendia também ao direito a educação para todos, assim com essa visão mais solidária, e menos separatista, encontraram facilmente a adesão, das suas ideias na população, principalmente porque o povo se sentia aprisionado e limitado. Essa vertente acaba por atingir e intimidar alguns reis absolutistas que, com medo de perderem o governo, passaram a aceitar algumas ideias do movimento. Esses eram chamados Déspotas Esclarecidos (tentavam conciliar o Iluminismo com o absolutismo).

Consequência do movimento

O movimento causado pelo Iluminismo promoveu mudanças políticas, econômicas e sociais, baseadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Principalmente por ter apoio da burguesia, pois os pensadores e os burgueses tinham interesses comuns.

Alguns representantes do despotismo esclarecido foram: Frederico II, da Prússia; Catarina II, da Rússia; e Marquês de Pombal, de Portugal, cuja obra de reconstrução e melhoria em Lisboa após o terremoto, o tornaram símbolo de liberdade, cuja estátua está presente hoje na Avenida da Liberdade em Lisboa.

Resultado de imagem para marques de pombalMarques de Pombal
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), dono dos títulos nobiliárquicos conde de Oeiras e Marques de Pombal, foi secretário de Estado durante o Reinado de d. José I [1750- 1777]. Embora não fosse o soberano, tinha poderes de estadista e tornou-se um dos representantes do despotismo esclarecido na Europa.

O Iluminismo sintetiza diversas tradições filosóficas, correntes intelectuais e atitudes religiosas. Considerado uma atitude geral de pensamento e de ação, os iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição e possuem o poder de tornar este mundo melhor – mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do engajamento político-social. Um dos mais conhecidos expoentes do pensamento iluminista, Immanuel Kant, em um texto escrito precisamente como resposta à questão sobre o que é o Iluminismo, descreveu: “O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! – esse é o lema do Iluminismo”.

A fraternidade humana, os direitos de igualdade, o respeito pela diversidade étnica, religiosa e os valores humanos da atualidade são frutos da separação ocorrida em decorrência desse movimento, mas creio que o poder que ainda persiste na atualidade não preserva como deveria os direitos humanos.

A incapacidade de sair das constantes repetições de padrões, ciclos que não permitem uma evolução, a falta de uma ética aplicada no cotidiano e a moral para que haja respeito, demonstra que possuímos algum tipo de obstáculo que impede a nossa evolução, embora tenhamos o conhecimento de ética, moral e respeito, pouco se percebe implantado com a intensidade que deveria. Hoje em dia, embora tenhamos muita informação, enfrentamos as limitações da consciência humana e seu ego destrutivo e suicida.

Possuímos hoje a sonhada liberdade, o neoliberalismo e a intensa e massiva informação. Dotados de maior liberdade de escolhas, o próprio ser humano se aprisiona, antes vítima de um poder e agora vítima de todos os poderes, inclusive o seu próprio e solitário; não consegue integrar a sociedade humana como um todo: cria divisões, partidos, times de futebol, entre vários outros grupos, mantendo o separatismo que existia antes do próprio Iluminismo. O ser humano hoje, e depois do Iluminismo, percebe claramente que ele sempre foi o seu pior inimigo, e embora livre, não sabe lidar com a sua própria liberdade, falta à consciência amorosa e o respeito a todos os níveis deste por si próprio, até para com os outros, para que assim possamos transitar e atingir o que os iluministas tentaram que foi o sair das trevas e ir para a luz.

Autor: Carlos Florêncio

Fonte: Revista CP Filosofia

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O Iluminismo Inglês e a Maçonaria

A pesquisa sobre a participação de profissionais não artesãos nos agrupamentos dos maçons, a partir do século XVII, revela que os aceitos constituíram núcleos diversificados de obreiros nas Lojas operativas. Algumas dessas deixaram de ser convencionais para se tornarem formadoras de opiniões. As Lojas frequentadas por intelectuais ganharam prestígio e marcaram a figura do livre pensador, um erudito que tinha salvo-conduto da realeza para divulgar suas ideias e melhorar os conhecimentos da elite. As reuniões maçônicas, a partir dessa época, proporcionaram nova visão do homem e do mundo e elevaram a complexidade dos conhecimentos à disposição da comunidade. Os interesses das monarquias, das religiões dominantes e das ciências criaram episódios relevantes, que colaboraram para a evolução organizacional e funcional da maçonaria. Foi o caso que se verificou na difusão do movimento filosófico e cientificista inglês, o iluminismo, a partir da Royal Society, que desempenhou papel fundamental na criação e na consolidação da primeira Grande Loja maçônica, em Londres. Despontou a liderança de John Theophilus Desaguliers, um francês que mudou-se pequeno com seus pais para a Inglaterra, onde anos mais tarde frequentou a Universidade de Oxford e se doutorou em Lei Canônica.

A ciência foi importante na vida de Desaguliers, principalmente a teoria das leis mecânicas de Newton, com quem estreitou laços de amizade. Foi eleito para a Royal Society em Londres e fez conferências em tavernas para divulgar a ciência newtoniana. Dedicou-se a interpretar princípios do Deísmo pois, para a sociedade de intelectuais londrinos, Deus era a Causa Primeira e Final do mundo, responsável pela Segunda razão da existência do Universo, a força de gravidade que ordena a relação dinâmica de todos os corpos celestes, interpretada e descrita por Isaac Newton.

Desaguliers estudou os conceitos filosóficos voltados para a importância do estudo da matéria e seus movimentos como elementos constitutivos do Universo. Acreditou que o Sábio e Todo-Poderoso Autor da Natureza iniciara Sua Obra divina pelo átomo e que dotara a matéria de movimento e de propriedades de atração e repulsão.

Como se constata, o sentimento materialista religioso esteve sempre muito presente na base das especulações científicas do iluminismo inglês, levado também para os alicerces conceituais que sustentaram a criação da Grande Loja de Londres e o novo modelo de Loja maçônica, apoiado na estrutura física do Parlamento e na pedagogia da Sociedade Real. Os princípios da arquitetura clássica igualmente tiveram forte receptividade entre os aristocratas britânicos no início do século dezoito. As características mais valorizadas foram a simetria, os arcos, as colunas dórica e jônica e os templos com domos.

Desaguliers integrou o partido político Whig, que surgiu depois da revolução de 1688, que pretendeu subordinar o poder da Coroa ao do Parlamento. As doutrinas que compuseram a ideologia da oligarquia Whig endossavam a ideia de soberania parlamentar com liberdades naturais, constituindo uma proposta de revolução política, que fez surgir no século seguinte o Partido Liberal inglês.

Desaguliers tornou-se Grão-Mestre eleito, dois anos depois da instalação da Grande Loja em 24 de junho de 1717, em Londres. Recrutou cientistas e outros pensadores para posições de liderança no projeto maçônico organizado, visando fazê-lo florescer em harmonia, reputação e número. Criou a figura do Deputado do Grão-Mestre, nomeado para representar o Grão-Mestre em situações de impedimento ou de coincidência temporal de eventos. Trabalhou estreitamente com o ministro presbiteriano James Anderson, membro da Royal Society, na redação de uma Constituição para a novel Grande Loja. Juntos, fizeram as primeiras analogias entre a antiga arquitetura e o moderno mundo da maçonaria intelectualista, sustentando que os princípios da antiga maçonaria possibilitaram a construção das pirâmides egípcias e o templo do Rei Salomão. Desaguliers e Anderson lançaram a ideia central que serviu de referência para a confecção da Tábua de Delinear do primeiro grau da maçonaria inglesa, onde estão desenhadas as colunas dos princípios dórico, jônico e coríntio, presentes nos desenhos simétricos dos antigos edifícios e que refletem a harmonia com a natureza. Nas Constituições da Grande Loja há especial menção aos direitos do Grão-Mestre, investido nas funções de Poder Executivo, concebido como um Primeiro Ministro da maçonaria.

O sistema de graus foi idealizado pelos líderes da Grande Loja para servir ao propósito de explicar as ideias da intelectualidade inglesa, a respeito do processo de aperfeiçoamento moral, cultural e filosófico do ser humano, em que a escada simboliza a ascensão individual e estimula a busca do conhecimento que qualifica a caminhada existencial.

A Grande Loja ajudou as Lojas locais a funcionarem como assembleias, elegendo os dirigentes da sua entidade maior e mantendo encontros permanentes para discutirem assuntos importantes para a comunidade, além de servirem como centros ritualísticos, conferindo os graus aos candidatos admitidos. As Lojas promoviam ações filantrópicas, contribuíam para o Fundo de Caridade da Grande Loja e prestavam assistência financeira aos maçons necessitados. Nessas condições, em que observa-se a presença da Grande Loja como uma coordenação centralizadora das principais iniciativas, houve a intensa promoção, entre 1719 e 1736, de atividades sociais e culturais nas Lojas e em toda a Londres, Lojas que funcionavam em cafés, tavernas e hospedarias, promovendo a sociabilidade, a expansão da cultura e a vida clubística.

Inegável é que o sistema ritualístico, com sua pedagogia maçônica diferenciada, provou ser um veículo efetivo para a explicação das ideias do século dezoito, dos conceitos newtonianos aos princípios éticos do Deísmo. O sistema ritualístico funcionou também como uma religião civil e foi reconhecido como uma importante fonte do anglofilismo. Os maçons ingleses entenderam que as leis da mecânica newtoniana revelavam muito sobre o ordenamento da natureza e que as doutrinas deitas, da mesma maneira, ajudavam a definir princípios apropriados para a conduta moral da sociedade.

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