Leis e Regulamentos x Usos e costumes

EU & A MAÇONARIA: MAÇONARIA - O QUE É A MAÇONARIA

Evocar “tradições, usos e costumes” para burlar a lei é qualquer coisa que assume as raias do absurdo. Diplomas legais em vigor que emanam procedimentos maçônicos de uma Obediência somente existem para serem rigorosamente cumpridos. Se porventura esses regulamentos, constituições, etc., possam estar em desacordo com as tradições da Maçonaria, eles devem e podem ser revistos na forma da Lei, para posteriormente serem alterados, aprovados e revogadas as disposições em contrário.

Essa “estória” de cumprir tradições, usos e costumes não raras vezes servem para satisfazer os “achismos” de uns e contentar as “vaidades” de outros.

Se falar em tradições, usos e costumes da Maçonaria não é o mesmo que se ficar desenterrando defuntos de rituais rançosos e repletos de erros que fazem e fizeram dos ritos maçônicos verdadeiras colchas de retalhos.

Devo salientar que nossos costumes e tradições se enveredam pelos quase oitocentos anos de história documentada da Sublime Instituição e, para tal, aqueles que se enveredam por essa senda, precisam conhecer profundamente a nossa história, pois essas “tradições” se reportam desde os Canteiros Medievais do operativo até o Século XVIII. Um assaz conhecimento dos Landmarks e das Antigas Obrigações é elemento primário para se discutir essas tradições, levando-se em conta principalmente a sua espontaneidade, sua universalidade de aceitação e o seu caráter imemoriável.  Da mesma forma há que se considerar o costume de acordo com a cultura local e a época em que ele apareceu. Isso é só para começar. Indubitavelmente as nossas tradições, usos e costumes são elementos basilares da Ordem, todavia há um critério para assim considera-las sem que se venha confundir com opiniões ufanistas, ou mesmo contraditórias daqueles que “pensam e acham que”.

Não em raras oportunidades vemos certos Irmãos invocar os costumes da Loja, fato que é um verdadeiro contrassenso, já que na Moderna Maçonaria não mais existe o “Maçom Livre na Loja Livre”, porém uma Oficina subordinada a uma Obediência que possui evidentemente às suas Leis regidas por uma Constituição, Regulamento, Estatuto, etc. Ora, que tradição seria essa que estaria acima do rigor da lei. Para evocar nossas tradições, usos e costumes, primeiro se faz cogente que os “feitores” da lei também conheçam a nossa História para que não sejam arquitetados diplomas legais contraditórios.

Já esses casos restritos de Loja e certas “invocações” de caráter evocativo de tradições em descumprimento à Lei é completamente ilegal, até mesmo se o regulamento estiver desacordado com a tradição e costume. Assim, primeiro é necessário alterar o regulamento na forma da Lei para satisfazer os anseios, sejam eles contraditórios ou não. Agora, descumprir a Lei em vigência é ilícito maçônico e cabe ao representante do Ministério Público Maçônico – o Orador – fazer cumprir a Lei, ou em caráter de desobediência da mesma, representar contra aquele que descumpre a Lei.

Finalizando, o Maçom deve “exigir” o cumprimento da Lei, pois se ela ali está é exatamente para ser cumprida e nunca o contraditório para massagear o ego de alguns, posto que em Maçonaria todos, simplesmente todos, deveriam compreender que nela estamos para sermos “cosmo vivido” e nunca “egus vivendi”.

Autor: Pedro Juk

Fonte: JB News, n° 382

Screenshot_20200502-144642_2

Estimado leitor, contribuindo a partir de R$ 2,00 você ajuda a manter no ar esse que é um dos blogs maçônicos mais conceituados no Brasil. Clique no link abaixo e apoie nosso projeto! Contamos com você!

https://apoia.se/opontodentrodocirculo

Publicidade

A questão da liberdade em Rousseau: Nascemos livres, mas vivemos presos na sociedade?

liberdade em rousseau: nascemos livres, mas vivemos presos na sociedade?

Você já parou para pensar (e constatar) que tudo que está à sua volta foi, de certa forma, imposto a você? Ao nascer, ninguém lhe perguntou se você concordava ou não com o modo com que a sociedade dirige seus negócios, suas relações políticas ou mesmo elabora suas leis. Ao nascer, você foi bombardeado com obrigações, com um mundo já previamente pronto e seu nascimento de nada influenciaria o ritmo dessa sociedade. Você teve que aceitar o fato de que mesmo tendo alguns poucos dias de vida e não concordando com o regime político vigente (levando-se em consideração que, enquanto bebê, você já pudesse ter essa consciência), ele não mudaria só porque era sua vontade. Mesmo que chorasse com toda a força de seus pulmões as coisas continuariam como estavam.

Isso também acontece com a tecnologia. Não sabemos como funciona nosso celular ou tablet. Na verdade, para a maioria das pessoas não importa como um mecanismo pode se comunicar a uma rede mundial de informações sem nem mesmo precisar de fios. Não queremos saber dos detalhes, mas nos achamos verdadeiros homens das cavernas quando não encontramos sinal para o celular ou quando a internet está lenta devido a algum problema técnico ou mesmo por causa do mal tempo, já que a umidade e as descargas elétricas presentes na atmosfera podem distorcer o sinal, que é transmitido por ondas.

Já nascemos num mundo pronto e até você ganhar certo grau de determinação e consciência pouca coisa poderá ser mudada através de suas atitudes, ainda que em um espaço limitado de abrangência, restrito ao seu convívio social. As mudanças ocorrem sim, mas o que a história da humanidade nos mostra é que os movimentos revolucionários são frutos de anos de lutas e conquistas, galgadas por pessoas que possuíam o mesmo ideal, que não desistiram devido ao fato do mundo já estar pronto quando nasceram. Esses homens queriam mudar as coisas, alterar o que, até então, parecia ser o certo a ser feito (e não poderia ser alterado), mas que, muitas vezes, favorecia o interesse de uma pequena parcela de pessoas, em detrimento da condição de vida de uma grande parcela de indivíduos, que viviam na miserabilidade.

Sobre o fato das leis já existirem quando nascemos e que elas são colocadas a nós de forma obrigatória, a isso dá-se o nome de “heteronomia”. É uma característica da lei, que impõe ao destinatário o seu cumprimento, independentemente da vontade do indivíduo. Pouco importa se você concorda ou não com o fato de uma prática ser considerada crime ou se acha injusto pagar tributo para o governo. Se não obedecer a lei (no primeiro caso, o deixar de fazer, e, no segundo, o dever de efetuar o pagamento) você sofrerá as penalidades cabíveis.

A heteronomia funciona como um processo de interiorização do dever da lei. Inicialmente, os indivíduos obedecem à lei por medo do castigo, por não quererem sofrer as penalidades. Depois de certo tempo, esses indivíduos passam a perceber que o cumprimento da lei trará benefícios para a coletividade. Nesse sentido, a vontade individual dá lugar ao que é bom para todos. Passa-se de um estado egoísta para uma consciência baseada nos princípios e valores morais que justificam a aplicação da lei e sua devida aceitação pelas pessoas.

Assim, mesmo que, inicialmente, o cumprimento da lei cause estranheza, o segundo patamar, o da aceitação, reflete que, ainda que um indivíduo ache injusto pagar imposto ao governo, este passa a refletir que se ninguém pagasse imposto não seria possível o Estado por em prática as políticas necessárias para a melhoria da qualidade de vida da população.

Agora, a reflexão e o questionamento se esses impostos são abusivos e/ou não estão tento a destinação correta é uma correta linha de pensamento, que passa a assimilar o teor da lei, que não é beneficiar um seleto grupo de pessoas (como políticos e empresários corruptos ou a elite da sociedade), mas que o fim último da lei é a segurança jurídica, que inclui o conceito de qualidade de vida para todos os cidadãos.

Será que podemos relacionar a heteronomia a um tipo de prisão ou cerceamento de vontade? Para Jean-Jacques Rousseau, importante filósofo, escritor, teórico político e compositor suíço, notável influenciador dos ideais iluministas, o homem se encontra preso. É dele a frase “O homem nasce livre, e, em toda parte, encontra-se acorrentado”.

Mas a qual homem Rousseau estava se referindo? Ele se referia ao homem do século XVIII. A questão da heteronomia pode ser abordada aqui em função de a sociedade daquela época ter aceitado um fato que causa horror e repúdio em nossos dias: homens que nasceram livres sendo escravizados por outros homens. Não somente uma escravidão pela etnia (como ainda ocorria na época), mas pelo trabalho e pelas regras impostas pela própria sociedade.

Rousseau teve vários de seus livros banidos pela Igreja Católica por apresentarem conceitos religiosos pouco convencionais, como a ideia de que a verdadeira religião vinha do coração e que as cerimônias e liturgias não eram importantes. Mas foram as ideias políticas que lhe trouxeram grandes problemas e perseguição.

A ideia de que o homem é livre ao nascer, mas se encontra preso na sociedade, presente na sua obra “O contrato social”, publicado em 1762, questiona a causa dos indivíduos viverem sob o julgo da sociedade ao abandonarem o “estado de natureza”, onde se encontravam livres e iguais.

Não é difícil entender o porquê das ideias de Rousseau terem tido grande reverberação nos movimentos revolucionários. Rousseau se tornou um grande inspirador do movimento iluminista francês, que desejava quebrar as correntes que a classe rica havia imposto à população pobre. Pessoas morriam de fome enquanto a classe rica gozava de uma vida de luxo as custas do trabalho dos pobres.

É pouco provável que Rousseau, que faleceu quase uma década antes da Revolução Francesa vir à tona, concordasse com as atrocidades que foram praticadas pelos líderes do movimento. Na verdade, para o filósofo suíço, o homem é naturalmente bom e, provavelmente, viveríamos num certo grau de reciprocidade amigável se vivêssemos numa floresta à base dos nossos próprios recursos. É o que ele chama de “estado de natureza”, bastando sermos realocamos para um ambiente como as cidades para que tudo comece a dar errado.

Fora do estado de natureza, o homem busca, a todo custo, dominar os outros e ser o centro da atenção dos demais indivíduos. Por viver em sociedade, sentimentos como ganância e inveja e o desejo de manipular os outros invadem o ser humano. Na natureza, os homens seriam fortes, saudáveis e livres, mas a civilização corrompe o homem.

Em sua obra, Rousseau desejou encontrar uma solução para que as pessoas vivessem juntas e fossem livres da mesma forma que seriam na natureza, ao passo que também obedeceriam às leis impostas pelo Estado. Impossível ou não e ainda que a ideia de liberdade não comungue com as regras da sociedade, que são como verdadeiras correntes que impedem os homens de fazerem o que bem intenderem, Rousseau apontou uma saída: a vontade geral.

Assim como a heteronomia parte de um pensamento e um querer egoísta e evolui para a assimilação do bem maior (para o que seja melhor para a coletividade), a vontade geral propõe que os indivíduos devem abrir mão de muitas liberdades individuais em prol da comunidade. Nesse sentido, deve haver leis que restrinjam o comportamento das pessoas.

Para Rousseau, as ideias de liberdade e obediência às leis estatais se complementavam. Quando os indivíduos agrupam-se em sociedade, acabam por formar um tipo de pessoa, em que cada cidadão faz parte de um todo bem maior em relação à individualidade de cada um. Para o filósofo, as pessoas seriam livres na sociedade quando estivessem sob o julgo de leis que, verdadeiramente, refletissem a vontade geral, a vontade desse corpo formado pelos cidadãos, e não a leis que beneficiassem somente uma parcela da coletividade.

Nesse contexto, o legislador teria a função de criar um sistema que permitisse que os indivíduos se mantivessem livres de acordo com a vontade geral, ao invés de buscarem suas próprias realizações as custas da perda da liberdade de outros. A verdadeira liberdade, para Rousseau, seria viver num grupo de cidadãos que procuram agir de acordo com o interesse da coletividade, em que os desejos pessoais convergissem para o que fosse melhor para todos e que as leis evitassem que pessoas agissem de forma egoísta.

E para os que não desejassem seguir o “contrato”? Eles seriam forçados a isso! Seriam forçados a serem livres! Parece contraditório, mas para Rousseau não era. O indivíduo é forçado a ser livre quando é livre de sua própria vontade mesquinha e egoísta, quando é levado a pensar no que é melhor para todos, pois, já que vivemos em sociedade, se cada um pensar somente em si o resultado será o extermínio das relações e instituições sociais tal como conhecemos.

Assim, tal como a ideia de heteronomia, a ideia de vontade geral pressupõe a assimilação de que os homens, para viverem em sociedade, devem aceitar as regras que lhe são impostas. Em contrapartida, essas leis devem refletir o anseio do Estado em praticar o que é melhor para todos. Quando as leis representam ou favorecem a um grupo restrito de pessoas, é aceitável que a própria sociedade, como um único corpo, admita movimentos revolucionários que objetivam resgatar o ideal de bem comum e segurança jurídica para todos, tal qual anticorpos combatem um corpo estranho presente no organismo que deseja alterar o estado normal de funcionamento do corpo humano.

Autor: Francisco Renato Silva Collyer

Francisco é Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Especialista em Direito Público, Ciência Política, Direito Ambiental e Educação Ambiental. Graduado em Direito e Sociologia. Possui cursos de formação complementar nas áreas de Direito, Filosofia, Sociologia, Ética, Meio Ambiente e Gestão. Professor nas áreas de Direito (com ênfase em Direito Empresarial, Tributário e Administrativo), Logística e Ética Profissional.

Fonte: jus.com.br

Screenshot_20200502-144642_2

Só foi possível fazermos essa postagem graças à colaboração de nossos leitores no APOIA.SE. Todo o conteúdo do blog é disponibilizado gratuitamente, e nosso objetivo é continuar oferecendo material de qualidade que possa contribuir com seus estudos. E você também pode nos auxiliar nessa empreitada! Apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos blogs maçônicos mais conceituados no Brasil. Para fazer sua colaboração é só clicar no link abaixo:

https://apoia.se/opontodentrodocirculo

%d blogueiros gostam disto: