Veneráveis vitalícios e donos de loja – Maçonaria Francesa do século XVIII

Essa não é uma história que se possa contar em poucas linhas, pois ela é construída sobre fatos e acontecimentos pertinentes ao desenvolvimento da Maçonaria Francesa nos séculos XVIII e XIX.

Em resumo, os episódios se alinharam pelo aparecimento de dois ramos de Maçonaria em solo francês: um “stuartista” (escocesismo), livre, que não se sujeitava a nenhuma Obediência e a outra dependente da Primeira Grande Loja que fora fundada no ano de 1727 em Londres.

Essa última vertente francesa absorvia o sistema dos Modernos ingleses que havia se expandido pelo continente europeu na época. Segundo alguns autores, na França, a Maçonaria foi introduzida em Paris por volta de 1725 em uma Loja instalada por iniciativa de Charles Radclyffe, o Conde de Derwentwater e teria sido frequentada principalmente por maçons de origem irlandesa e jacobitas (católicos) exilados.

Desse modo, no curso da história as Lojas francesas ficariam então divididas em dois grupos – as Lojas derivadas do “stuartismo” e as derivadas da Grande Loja inglesa de 1717. Essas últimas que eram em menor número.

Embora sem existir ainda uma Obediência genuinamente francesa, em 1728 o Duque de Wharton, Ex-Grão-Mestre da Primeira Grande Loja londrina (1722 e 1723), foi reconhecido como o 1º Grão-Mestre dos maçons franceses, sendo sucedido por outros dois Grão-Mestres que eram também ingleses – James H. MacLean e Charles Radclyffe.

Em 1735, pelo grande número de Lojas stuartistas (tronco do escocesismo) então surgidas, pleiteou-se a necessidade de se designar um Grão-Mestre para uma Obediência genuinamente francesa, com isso as poucas Lojas de Paris ligadas à 1ª Grande Loja em Londres acabariam fundando uma Loja Provincial Na França, mesmo que a contragosto dos ingleses.

Assim, a 24 de junho de 1738 era instalado Louis de Pardaillan de Gondrin, o Duque d’Antin como “Grão-Mestre Geral e Perpétuo dos Maçons do Reino da França”. A bem da verdade, esse acontecimento estancava a subserviência da Maçonaria francesa à Primeira Grande Loja londrina.

Mais tarde, no curso dos acontecimentos e com o falecimento do Duque d’Antin em 1743, assume o grão-mestrado francês o personagem Louis de Bourbon Condé, o Conde de Clermont.

Esse grão-mestrado, contudo, trouxe consequências graves para a Maçonaria francesa, sobretudo pelo seu desinteresse pelas práticas maçônicas, o que fez com que fossem nomeados prepostos para dirigir a Grande Loja, cujos quais exercendo todo o seu poder, acabariam por fraccionar a recém criada Obediência francesa, principalmente pelas oposições que entre si eles mesmo provocavam.

Nesse contexto, pode-se citar como exemplo, o extraordinário tumulto ocorrido na festa dedicada a São João Evangelista em 27 de dezembro de 1766, quando maçons excluídos por motivos de rixas internas invadiram o local onde se realizavam os trabalhos. Houve necessidade de intervenção policial para que a ordem pudesse ser restabelecida.

O resultado desse tumulto foi a proibição das atividades maçônicas que durariam até 1771 (cinco anos de paralização).

Em 1771, com o falecimento do Conde de Clermont, muitos maçons que haviam sido excluídos conseguem o aval do Duque de Luxemburgo para conduzir Louis Philippe Joseph d’Orléans, o Duque de Chartres, primo do rei, para ser o Grão-Mestre da França, contudo esse Grão-Mestre deixa toda a administração da Grande Loja francesa para o Duque de Luxemburgo. A bem da verdade, era essa a intenção, pois visava-se aproveitar o prestígio do Duque de Chartres, que era primo do Rei, para ajudar a reerguer a então combalida Maçonaria francesa – proliferação e descontrole de Altos Graus e a fundação de centenas de Lojas com veneráveis vitalícios que ficariam conhecidos como “donos de loja”.

Ainda em 1771, um grupo de maçons, então reintegrados e consorciados com o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente que havia sido criado em 1758 por Pirlet, formam uma comissão com a finalidade de organizar uma reforma administrativa na Maçonaria francesa, elaborando assim novos estatutos para fazer uma reorganização na desordem que prevalecia no ambiente dos Altos Graus, dentre outros.

Destaca-se nessa reforma administrativa a introdução de eleições periódicas para Venerável Mestre, o que desagradou de imediato os tais “veneráveis vitalícios”, também conhecidos como donos de Lojas, comuns nas lojas parisienses como já comentado.

Esses veneráveis vitalícios nada mais eram, de fato, do que donos das suas Lojas já que, na conturbada organização da Maçonaria francesa, muitos criavam suas próprias Lojas e assumiam seus mandatos pela vida toda, isso quando não criavam ainda Altos Graus para se promover perante a aristocracia francesa.

Esses Veneráveis com mandatos para a vida inteira acabariam resistindo contra essa reforma e por isso se ligaram a outra Grande Loja que ficaria conhecida como a Grande Loja de Clermont ou o Capítulo de Clermont. Esse Capítulo, que fora criado em 1754 pelo Cavaleiro de Bonneville, objetivava sacramentar definitivamente uma classe especial de maçons com os seus Altos Graus, dando-lhes, principalmente, uma conotação aristocrática. Teve vida efêmera e acabou se extinguiu-se em 1789.

Por conta das reformas, no final do ano de 1771, uma assembleia especialmente convocada para esse fim, declarava extinta a Grande Loja da França e, em 1772 era criada uma nova Obediência denominada Grande Loja Nacional da França. Ainda nesse mesmo ano, a 22 de outubro, a Grande Loja Nacional da França se reunia em assembleia geral e adota para si no nome de Grande Oriente da França.

Nesse sentido, a grande inovação promovida, agora pelo Grande Oriente da França, foi a chamada “democracia maçônica” que é baseada num poder central assessorado por um grupo de deputados de todas as Lojas. Enfim, esse tem sido, desde então, uma característica dos Grandes Orientes.

Vale mencionar que, já ano de 1758, era criado por Pirlet o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente. Desse Conselho se originaria em solo francês o Rito de Perfeição, ou Heredom, com 25 graus. A bem da verdade uma concepção formada para organizar o caos que vivia o sistema de Altos Graus na França.

É bom que se diga que boa parte desses Altos Graus foram criados aleatoriamente por “donos de lojas” e serviam mais para explorar as vaidades e satisfazer egos do que trazer crescimento iniciático.

Assim, em 1778, o Grande Oriente da França nomeia uma comissão de maçons esclarecidos para realizar um profundo estudo do sistema de graus vigente, visando com isso eliminar doutrinas estranhas ao pensamento maçônico, principalmente.

Na realidade, o que se buscava era um Rito com menor número possível de graus em contraposição ao emaranhado de graus existentes no contexto francês de Maçonaria.

Depois de três anos, essa comissão concluiu que o melhor para o Rito era trabalhar apenas no franco-maçônico básico – Aprendiz, Companheiro e Mestre (o termo simbolismo ainda não era conhecido). Mas, infelizmente, para não fugir à regra latina, o Grande Oriente “achou” que isso poderia gerar descontentamentos e até mesmo cisão, tendo em vista o grande número de maçons existentes já condecorados com os Altos Graus. Com isso, mesmo antes de um parecer oficial, a comissão achou por bem renunciar.

Refletindo melhor sobre a situação, o Grande Oriente acabou acatando o parecer da comissão e expediu uma circular em 03 de agosto de 1777 na qual declarava que só reconheceria os 3 primeiros graus.

Foi o que bastou para que aflorassem enormes ressentimentos no seio da Maçonaria Francesa, pois a contaminação pelo amor a esses graus de paramentos vistosos estava por demais radicado. Para muitos maçons do Grande Oriente, sobretudo aqueles que tinham perdido o cargo de venerável vitalício, a redução de graus os levaria ainda mais a um caráter de inferioridade.

Assim, mais uma vez, diante dos descontentamentos aflorados, é que em 1782 o Grande Oriente instituiu uma Câmara dos Graus, sob a liderança de Alexandre Roëttiers de Montaleau, para formatar o Rito dando-lhe Altos Graus, porém apenas os essenciais. Com isso, em 1784 sete Lojas Capitulares Rosa-Cruz constituem o Grande Capítulo Geral da França para trabalhar nessa nova formatação capitular. Em 1786, um projeto de um Rito com apenas 7 Graus seria aprovado pela assembleia e posto em prática.

A título de ilustração, é somente em 1801, época pós Revolução Francesa, com a publicação do Le Régulateur du Maçon, é que o Rito Francês passa a ter os seus rituais e fica conhecido com sistema dos 7 graus do Grande Oriente da França.

Em 1804, a vertente maçônica francesa do escocesismo passa a ter em Paris o 2º Supremo Conselho do REAA, cujo Rito, herdado do Rito de Perfeição, ou de Héredon, com seus 25 Graus que passa para 33 Graus nos EE. UU. da América do Norte, passa a ser chamado de Escocês, Antigo e Aceito.

Aí começa um segundo capítulo da Maçonaria Francesa com uma Loja Mãe Escocesa, Lojas Capitulares em 1816 e o ingresso do 1º ritual para o simbolismo do REAA no Grande Oriente da França.

Desse modo, o simbolismo do REAA constrói a sua história na Europa a partir do seu primeiro ritual para o franco-maçônico básico datado de 1804 e já deturpado em 1821 por imposição do Grande Oriente da França ao adaptá-lo para Loja Capitular, mas essa é outra história.

Ainda sobre o Rito Moderno, o mesmo passaria ainda por revisões no curso da sua história, principalmente entre os séculos XIX e XX a exemplo da de Murat, em 1858; Amiable, em 1887; Blatin, em 1907; Gérard em 1922; Groussier, em 1946.

Foi então do ambiente conturbado da Maçonaria francesa do século XVIII, principalmente antes da Revolução Francesa, que os Veneráveis vitalícios – que criavam suas próprias Lojas – se desenvolveram e desapareceram após a reforma e a criação do Grande Oriente da França, oportunidade na qual Veneráveis Mestres passavam a ser eleitos pelos membros das Lojas.

Graças a esses acontecimentos, onde a depuração fez com que muitos maçons perdessem seu irregular status simbolizado por aventais vistosos e títulos hauridos de graus aristocráticos e cavalheirescos é que surgiu, em 1777, a Palavra Semestral como penhor de regularidade na Maçonaria francesa.

A história, mesmo que contada de modo superficial, carece muitas vezes de abordagem em tópicos que construíram as causas dessa mesma história. Assim, peço perdão pela prolixidade, mas foi o modo mais abreviado que pude encontrar para dissertar um pouco sobre a existência no passado dos então chamados “donos de loja” e os seus “mandatos vitalícios”. Na academia da história, muitas vezes os fatos somente se explicam quando lhes revelamos a sua causa.

Autor: Pedro Juk

Fonte: Blog do Pedro Juk

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Resposta a um maçom desiludido (II) 

O que é e o que faz a Maçonaria? | São Carlos em Rede

O artigo anterior [1] foi a expansão de uma resposta que dei privativamente a um irmão que comentou outra matéria, para compor o texto sobre a desilusão ou quebra de expectativa, algo que, em minha opinião, representa um dos maiores, se não o maior problema da Maçonaria em nível mundial.

Esse irmão replicou ao meu comentário ainda com algumas noções equivocadas sobre a Ordem Maçônica. Volto a publicar minha resposta à sua réplica.

A instituição Maçonaria (especulativa), conforme a conhecemos, foi inventada em 1717 e é essa à qual pertencemos. Basta ler o Artigo 1 da Constituição de Anderson para ver que os inventores dela pretendiam somente que a loja fosse “um centro de união para reunir homens que de outra forma nunca se conheceriam”. Eles não falaram em sociedade iniciática ou coisa parecida.

“Artigo 1 – Um maçom é obrigado por seu mandato a obedecer à lei moral e, se compreende bem a arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso. Embora nos tempos antigos os maçons fossem obrigados em cada país a praticar a religião daquele país, qualquer que fosse ela, agora é considerado mais conveniente apenas obrigá-los a seguir a religião com a qual todos os homens concordam, isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e probidade, quaisquer que sejam as denominações ou confissões que ajudam a diferenciá-los, de forma que a Maçonaria se torne o centro de união e o meio para estabelecer uma amizade sincera entre homens que de outra forma permaneceriam separados para sempre.”

O “ritual” operativo era simples, chamava-se “Palavra de Maçom” e o maçom era (ainda é) “feito” e não “iniciado”. O Aprendiz não era bem um membro da loja. Ele estava vinculado diretamente ao Mestre da Loja a quem devia obediência. Terminado o seu período de treinamento, geralmente de sete anos, ele era apresentado à Loja para receber sua obrigação, o toque de maçom e a(s) palavra(s) de passe. Nesse momento, liam para ele a História do Ofício (algo como aquela introdução das Constituições de Anderson – que não era exatamente igual à dos Operativos, já que Anderson inventou uma mitologia própria dessa nova invenção de 1717) e suas Obrigações (Old Charges) que ele jurava cumprir. Passava então a ser Companheiro. O grau de Mestre só viria a ser inventado vinte anos depois.

Esse ritual foi adotado pelas lojas da Maçonaria de 1717. Toda a filosofia adicional foi gradativamente sendo introduzida e deformando a instituição original, transformando-a em outra coisa totalmente diferente. Isso aconteceu principalmente no Continente europeu, quando a Franco-Maçonaria foi transplantada para o ambiente latino. Foi também quando Rosacruzes e outros hermetistas descobriram as lojas maçônicas que lhes ofereciam a estrutura ideal para estudar suas matérias. E assim foi, um pendura uma coisa aqui, outro pendura algo acolá, e aquela pequena construção que abrigaria os homens sérios e de bons costumes foi se transformado em uma catedral barroca parecida com a Sagrada Família de Barcelona.

Quanto aos operativos, eles eram efetivamente rudes e analfabetos, com exceção talvez do Mestre da loja (proprietário da empreiteira) que detinha um conhecimento um pouco mais ampliado, provavelmente conseguindo ler as plantas traçadas pelo Arquiteto (que quase nunca era um maçom, e na maior parte das vezes era um eclesiástico). Se puder ler em inglês, leia as constituições manuscritas dos operativos (publiquei na Amazon um livro “Old Charges of the British Freemasons” que dá uma visão mais clara do mundo deles.

As catedrais eram concebidas por eclesiásticos ou nobres que eram os arquitetos. Veja-se o caso da Catedral de St. Paul em Londres, em que o arquiteto foi o Mestre de Loja (Operativa) Sir Christopher Wren e as lojas operativas irlandesas, escocesas e inglesas a construíram.

Os maçons eram apenas uma das guildas que construíam aquelas obras, havia guildas de pedreiros, de ferreiros, de vidreiros, de carpinteiros, de escultores, etc. Cada uma delas especializada em uma parte da obra. Essa noção de que só os maçons pedreiros construíram as catedrais é parte da plêiade de desinformação publicada por “achistas” que não pesquisam e que ousam publicar suas ideias sem base. A Madras aceita tudo.

Mas, conforme dissemos no artigo anterior, a Maçonaria pura e simples se reduz ao cultivo da fraternidade, ao aperfeiçoamento pessoal e sua projeção no meio e dentro desse aperfeiçoamento pessoal, existem os “Altos Graus” ou Graus Filosóficos. Ninguém é menos maçom se não for além do terceiro grau. E um maçom de grau 33 (ou de grau 99 como no rito Memphis Misraïm) não é mais importante que um maçom de grau 3.

Agora uma confissão. Eu mordo a língua e me penitencio de público nesse momento. Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa

Eu costumava fazer blague de algumas lojas que eu chamava de R.E.A.A. – Ritual E Ata e Ágape. Minha crítica era que aquelas lojas não exercitavam um aspecto tradicionalmente desenvolvido na Maçonaria brasileira: a participação na política de sua comunidade. É claro que não me referia ao Rito Escocês, e também eu dizia isso sobre as lojas das grandes cidades que geralmente não têm ação política porque os centros de poder são muito descentralizados, o que não ocorre em pequenas e médias cidades, onde a Maçonaria pode exercitar sua tradicional influência sobre as instituições da sociedade, em linha com nossos fundadores de 1822.

A Maçonaria brasileira, tanto reconhecida quanto não reconhecida, não tem consciência de que têm o DNA francês e que o intervencionismo é uma de suas características. Pretende seguir a orientação de Londres de “não discutir política nem religião”, mas na prática cada candidato que ingressa na Ordem tem no seu inconsciente a imagem da maçonaria “francesa” que foi a Maçonaria brasileira até início do século XX. E muitas vezes se frustra ao descobrir que isso é coisa do passado e que hoje muitas lojas são apenas e tão somente redutos conservadores.

Mas, Oh meu Zeus! como estava enganado. A velhice trouxe-me o aumento do entendimento, juntamente com o gosto pelo estudo da história, e acabei descobrindo que o “ágape”, ou “copo d’água” e a loja de mesa são a tradição mais cara e mais importante da Maçonaria, herdada, isso sim, do Mitraísmo, com seus jantares ritualísticos, através da Maçonaria Operativa reunida em tabernas pois, é à mesa, em torno de um bom prato e uma cerveja, que se formam os vínculos mais estreitos.

Na Maçonaria cabem todas as personalidades – para isso existem diferentes ritos que atendem a diferentes tendências – mas que têm um núcleo comum que no fundo é o rito “Palavra de Maçom” original, acrescido de mil penduricalhos e adereços “descobertos” e agregados pelos “achistas” de plantão, descontentes com aquela simplicidade clássica.

Nela há lugar para todo mundo, desde os mais simples até verdadeiros gênios inquietos que se perguntam: “Mas é só isso?” e insatisfeitos partem para uma busca mais profunda de um significado que lhe satisfaça. Todos são importantes e, apesar de seus graus, sempre serão Mestres Maçons e serão melhores maçons na medida em que exercitarem, não os seus altos conhecimentos, mas a simples fraternidade.

Autor: José Filardo.

Fonte: Biblioteca Fernando Pessoa

Nota

[1] – Clique AQUI para ler o artigo anterior.

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Corda com nós, laços de amor, borlas com franjas e a orla dentada: decoração ou símbolo?

A corda de 81 nós - Freemason.pt

Em alguns painéis de graus simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito, bem como no Rito Francês e Rito Moderno, há uma corda com nós que termina em borlas com franjas, que, às vezes, estão também localizadas nas paredes do interior da loja.

Esta corda com nós, em francês é chamada de “houppe dentelée” que, em uma tradução literal para o português, não é uma corda com nós, mas sim “borla dentada”.

Borla dentada??? Isso mesmo, não é corda, não é orla dentada, não é borla com franjas, é uma borla dentada?

Será que tal confusão surgiu de um erro de tradução de alguma antiga Divulgação?

Reproduzimos aqui uma obra do pesquisador belga, Jean Van Win, que, com base no simbolismo heráldico, apresenta uma explicação muito possível.

A leitura do trabalho abaixo, deve ser feita, levando-se em conta que seu escritor é um maçom europeu, que tem uma visão diferente, de nós brasileiros, sobre decoração interna da loja e seus símbolos, o que poderá ser notado em uma crítica feita neste texto.

Será também possível observar que, de um símbolo (corda com nós), acabaram surgindo outros (orla dentada e borla com franjas), que atualmente estão presentes na maioria das lojas brasileiras e fazem parte de instruções de graus simbólicos, mas nem sempre foi assim.


Desde que entrei na Ordem Maçônica, sempre me intriguei com um dos símbolos mais familiares: o “houppe dentelée” (a corda com nós).

Como todo Maçom, eu li as descrições imaginativas de Boucher, Plantagenet, Bayard, bem como Wirth, agora atualizado por Mainguy.

É assim, que uma primeira explicação de inspiração operativa, consistia em ver naquela corda, a “corda de nós” dos construtores de catedrais, instrumentos que permitiam que os Mestres de Obra, marcassem uma distância e utilizassem estas proporções sem recorrer a matemática ou geometria.

Na prática, tal utilização realmente permite fazer um ângulo reto com uma simples corda com nós.

Mas, se a intenção fosse reproduzir a ferramenta desses gênios analfabetos de mãos calosas, não seriam utilizados nós bem apertados, em vez dos suaves laços do amor e suas borlas com franjas?

Eu não fiquei convencido com essa interpretação.

Tampouco me convencem estas explicações vagas sobre “o símbolo do infinito” ou a do “número oito deitado” que alguns acreditam, como laços de amor. Muito menos a necessidade de traçar três laços de amor no grau de aprendiz, e nos outros graus de acordo com a idade do maçom naquele grau.

Há outra vertente que nega veemente essa necessidade e que dita que os laços devam ser doze, em homenagem ao zodíaco, que tem doze signos e até mesmo em memória aos doze apóstolos … uma iconografia abundante tão incoerente que a diversidade de teorias que pretendem explicar, mostra apenas a infinita capacidade imaginativa de nossos irmãos.

Finalmente, eu me pergunto qual seria o problema se o universo místico tão querido por muitos de nós, fosse abandonado e o símbolo fosse visualizado a partir de um ângulo puramente histórico e baseado em fatos.

De onde vem? O que este símbolo expressa?

Se trata de uma corda com uma série de nós, de dois a pelo menos doze, (no Brasil utilizamos até 81 nós) terminada em cada extremidade por uma borla.

Na Bélgica, uma borla é descrita como uma “franja”, como a que decora os chapéus da polícia e dos soldados antes da guerra de 1940, onde cada regimento utilizava sua cor.

Na Maçonaria, esta corda delimita os lados norte, leste e sul dos painéis das lojas francesas, pois os ingleses ignoram essa corda, que foi espalhada, a partir da França, pelos painéis utilizados em toda a Europa.

A borla (houppe no século 18) é então o fim da corda e não a corda na sua totalidade.

Ela foi considerada como um todo, mas a “borla” francesa, na sua origem era totalmente equivalente a “franja” belga!

Mas, porque na Maçonaria francesa essa borla é chamada de “dentada”?

Em um dicionário encontramos a seguinte definição:

“Dentada: Tecido ornamentado com desenhos, que normalmente apresenta uma borda irregular.”

O que não esclareceu nada.

O que tem a ver essas decorações dentadas em um painel de loja, mesmo que acompanhem uma borla?

Vamos mais longe.

“Dentada: que apresenta pontas e buracos. Vide lâmina dentada.”

O que tem a ver com nossos painéis, que são conhecidos por representar o Templo de Salomão, algo dentado com franjas, pontas e buracos?

Em francês, não tem um significado preciso e não tem a menor relação com a construção.

Então, onde surgiu a primeira aparição da expressão “houppe dentelée” (borla dentada) e qual poderia ter sido o seu significado original?

Provavelmente surgiu através do famoso Louis Travenol (chamado de Leonard Gabanon) que, em 1744, publicou pela primeira vez na França uma representação da loja, contida em uma divulgação intitulada “Le Catechism des Francs-Maçons”. Três outras divulgações a precederam: “La Réception d’un Fre maçon” em 1735, “La Reception Mysterieuse” de 1738 e “Le Secret des Francs-Maçons” em 1742.

Aqui reproduzimos o primeiro painel de loja onde aparece uma corda e a referência a uma borla dentada:

Como sempre, para investigar os mistérios das fontes francesas da Maçonaria, voltemos às primeiras práticas maçônicas inglesas que foram expandidas em Paris, a fim de encontrar, eventualmente, uma versão intacta de uma prática mal compreendida ou mal traduzida entre nós.

E este é o caso agora!

Em 1742, o abade Pérau publicou “Le Secret des Franc Maçons”, com base no texto em inglês de uma divulgação famosa e importante: “Maçonaria Dissecada”, publicada na Inglaterra em 1730 por Samuel Prichard.

Mas o conhecimento linguístico do bom abade era muito limitado e suas traduções, aproximativas.

Por exemplo, a partir de sua caneta, saiu isso:

  • Mosaic Pavement (Pavimento Mosaico) tornou-se “Palácio Mosaico”.
  • Blazing Star (Estrela Flamejante) passou a ser “Baldaquino cheio de estrelas”.
  • Intended Tarsel tornou-se “Borla Dentada”.

Tarsel é uma palavra que não existe em dicionários contemporâneos. O erro de Pérau vem, talvez, de uma leitura errônea e da confusão cometida com a palavra tassel, que significa borla e taselled é adornado com borlas.

Vamos ver o que o texto original (em inglês) de Prichard diz em 1730:

  • Q : Have you any furniture in your lodge ?
  • A : Yes.
  • Q : What is it ?
  • A : Mosaic pavement, Blazing Star and Indented Tarsel.
  • Q : What are they ?
  • A : Mosaic Pavement, the ground Floor of the Lodge; Blazing Star, the Center; Indented Tarsel, the Border round about it.

Assim, o pavimento em mosaico constituía o piso da loja; a estrela flamejante é o centro; o “Intended Tarsel” seria a borda “ao seu redor”.

Como se sabe, as bordas dos painéis das lojas inglesas sempre tiveram um friso composto por triângulos alternados em preto e branco ou em quadrados preto e branco dispostos diagonalmente, como se fossem dentes, ou seja, “dentados”.

Os painéis de lojas francesas da mesma época, que adotaram esse uso inglês, são extremamente raros.

Atualmente, pode-se observar uma sobrevivência inalterada no tapete das lojas francesas do Rito Escocês Retificado, que preservaram seus usos intactos desde 1778.

Os franceses, provavelmente desde Pérau, chamam indevidamente de “La Houppe dentellee” (a borla dentada) a representação de uma corda com muitos nós, terminada em duas “franjas” ou duas borlas com franjas!

Numerosas divulgações posteriores, gravuras e rituais, assumem a mesma expressão que, apesar da falta de lógica e sua absoluta incorreção, constituirá com o passar do tempo, um uso estabelecido, que já é batizado como “tradição”.

Este não é um caso isolado, podemos citar o ato de tirar as luvas brancas para formar a cadeia de união, o que é, na minha opinião, outro desvio ocultista sustentado por muitos racionalistas!

Por que os primeiros maçons franceses substituíram a “borda serrilhada” das pinturas inglesas por uma corda que foi batizada como “borla dentada” da maneira mais estranha?

Na França, em 1744, a “houppe dentelee” constituiu um ornamento presente nos painéis da loja, se comparado aos painéis ingleses contemporâneos. Os ingleses ignoram a borla atual como sempre fizeram.

Inquestionavelmente, se trata de um dos elementos originários e constitutivos do “estilo” francês, do “espírito” ou da “especificidade” da França, bem como do hábito de manter o porte da espada na loja, o chapéu ou a imitação da fita ou cordão azul da Ordem do Espírito Santo, usos comuns na boa sociedade que frequentava os salões.

No entanto, uma pista aparece com o famoso Luis Travenol, alias Leonard Gabanon, que na segunda de suas divulgações, publicou em 1747: “La Desolation des Entepreneurs Modernos du Templo de Jerusalem” (A expulsão de comerciantes modernos do Templo de Jerusalém), descrevendo o “houppe” como “uma espécie de Corda de Viúva que envolve todo o desenho”.

É surpreendente que Travenol seja o único autor francês da época que considerou esta explicação de uma característica heráldica.

Esta interessante descrição coincide cronologicamente com outra expressão que aparece nos rituais de 1745 em relação ao recente grau de Mestre Maçom (1725, Londres) e qualifica os Maçons como “Filhos da Viúva” por referência a Hiram, pois a Bíblia nos diz (1 Reis 7:14) que ele era “filho de uma mulher viúva, da tribo de Naftali, e fora seu pai um homem de Tiro”.

Este ornamento, que aparece em numerosas lápides, mas também acompanha certas armaduras civis ou eclesiásticas, encoraja-nos a entrar em um domínio cheio de simbolismo: a arte heráldica. E essa invasão nos dará, com grande simplicidade, a chave para esse pequeno problema.

Decoração que em heráldica denota uma Viúva

Em seu notável “Dictionaire Héraldique”, que apareceu em 1974, Georges de Crayencour descreve dois tipos de brasões que nos ilustraram:

O primeiro é o das viúvas e nos diz:

“As viúvas têm dois brasões: um de armas de seu marido e um seu; as duas coladas (muito próximas) e cercadas, a partir do século XVI, em uma corda entrelaçada ou com um cordão de seda trançado, em prata e areia… (prata e preto). A corda tem nós em intervalos em uma espécie de laços de amor… Se distingue pela presença de três nós apertados, postos um no centro e dois nos flancos …”.

Aqui está uma primeira explicação considerada da arte heráldica.

Existe uma segunda, proveniente da mesma fonte, mas ainda mais surpreendente, uma vez que se refere, não mais a arte heráldica para as viúvas, mas refere-se à igreja, como também de ambos os sexos.

A correspondência entre os laços de amor de príncipes e princesas da Igreja e os maçons, é muito sugestiva e ainda hoje pode ser visto nos frontões (fachada) de muitas abadias e palácios episcopais, sobre as lápides, inúmeras nas igrejas barrocas das Ilhas de Malta e Gozo, onde podem ser vistos em composições de mármore multicoloridos, assim como em diversos outros lugares.

Georges de Crayencour nos ensina que

“o chapéu com o escudo e seu cordão com nós (ou laços) e acabados com borlas dispostas em um triângulo que o cercam…. Sobre o significado dos nós e borlas, as opiniões são compartilhadas.”

Não precisamos dizer que isso foi compartilhado fraternalmente entre os nobres e os maçons!

Brasões de uma Viúva, de um Bispo e de um Abade

Atualmente, a maioria dos painéis de loja da Europa continental, deriva da maçonaria francesa, e têm uma “borla dentada”. Será que esse ornamento é apenas estético? Será que ele terá algum outro significado que foi perdido?

Será o resultado de um simples erro de tradução, muito bizarro, apesar da frequência de utilização na maçonaria francesa?

Essa bela borla veio da simples fantasia de um artista maçônico que queria “ser legal”?

Seria um caso único na iconografia maçônica, que faria uma referência de modo geral a algum significado oculto decifrado por poucos?

Uma lamentável prática, na minha opinião, é que certas oficinas localizam a corda na parte superior das paredes norte e sul da loja (que se tornou um templo!) sob o teto.

Isso é mais que lamentável se também estiver associado a um conjunto zodiacal, para mim totalmente incongruente e que é dito ser “operativo”. Isso mostra bem até que ponto uma “tradição” pode ser evolutiva … Essa composição simboliza – eles dizem – a união universal dos maçons!

Veja como uma pobre viúva poderia fazer uma prolífica descendência, graças à imaginação de seus “filhos”.

A confusão entre a fina borla dentada heráldica e a espessa corda de nós dos construtores está, com todas as evidências, em sua máxima expressão.

Essa corda com nós é outra coisa e podemos demonstrar a construção de um ângulo reto, graças a uma simples corda de doze nós, usando o quadrado da hipotenusa com 3, 4 e 5 nós, mas esse instrumento operativo nada, absolutamente nada, tem a ver com o debate sobre a borla!

Voltando ao assunto: disposta sobre o painel da loja, formando originalmente dois laços de amor, que se amaram ao ponto de terem sido convertidos para doze, o que poderia simbolizar os elegantes entrelaçados aos olhos meditativos de nossos irmãos contemporâneos?

Pode se ver muito mais do que um simples ornamento heráldico, que, por outro lado, nunca esteve na Maçonaria.

E nessa última hipótese, seria o único elemento que não teria nenhuma função estética, o que constituiria um caso incomparável entre os elementos constitutivos do painel da loja.

Mas então, tal interpretação seria inviável e, na minha opinião, deveria ser rejeitada.

A escolha deliberada deste cordão lembra ao Maçom que o painel da loja sintetiza, assim como um brasão, um conjunto de elementos simbólicos quanto ao grau praticado. No entanto, um elemento maior em relação ao grau de Mestre já está presente no painel do grau do Aprendiz.

Na verdade, tal antecipação é talvez o caso de passar de um grau inicial a outro, onde não será explicado o que se encontra no germe desse grau. Por exemplo, no século XVIII, o painel da loja do Rito Francês do grau de aprendiz já contém uma estrela flamejante, mas isso não é explicado.

E quanto à “corda da viúva”, ela lembra ao Mestre Maçom, que Hiram vive eternamente em todos nós, todos somos “filhos da Viúva”.

Isso foi imediatamente perceptível em uma sociedade de classe, como a do século 18, onde a heráldica é amplamente disseminada e familiar para todos e serve como meio de identificação; que a arte era comumente praticada de forma banal com os sentidos de identificação que todos conheciam.

Os símbolos são autofalantes, mesmo que sua linguagem pareça ter um duplo sentido que precisa de criptografia; o sentido, no entanto, se perde quando a sociedade evolui e sua composição sociológica se modifica, como ocorreu com a democratização e o estabelecimento do Império.

Os maçons dos séculos XIX, XX e XXI estão cada vez menos familiarizados com a arte heráldica, exceto talvez na Alemanha, Espanha, Áustria ou Suíça, onde permanece vivaz e popular. Não há município ou cidade nestes países que não exibam orgulhosamente os seus brasões.

A minha interpretação do “Cordão da Viúva”, me parece mais enriquecedora no plano simbólico do que as dissertações “esotéricas” sobre os temas de universalidade, do número oito deitado (sic!), do infinito, do zodíaco, dos pedreiros medievais “que conservaram os segredos que vieram das pirâmides” (sic), dos filhos de Isis, dos druidas e isso sem contar os templários, os rosa-cruzes e os alquimistas!

Esta conclusão, obviamente que não é a verdade. Se assim fosse, deixaríamos o marco de uma filosofia interpretativa para entrar na ciência do emblemático, da alegoria, do símbolo, do pensamento único.

Onde estaria o prazer da descoberta e, acima de tudo, o que é ainda mais emocionante, o prazer da investigação, ou essa verdadeira “caçada do sentido oculto”, tornando-se inevitável a dupla natureza do maçom?

“A cada uma de suas Verdades”, é dito em uma peça famosa. Aquela que Pôncio Pilatos responde do fundo de sua Judéia. “A Verdade, qual Verdade?”… antes de lavar as mãos, um gesto altamente simbólico!

Autor: Jean Van Win
Traduzido por: Luciano R. Rodrigues

Extraído de uma obra do Círculo de Estudios del Rito Francés Roëttiers de Montaleau

Fonte: O Prumo de Hiram

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O maçom Simón Bolívar: entre o mito e a verdade histórica – Parte III

Palomo é o companheiro de batalhas de Simón Bolívar - Cavalus

Maçonaria francesa, não americana

Aqui ainda temos que fazer mais reflexões. A primeira é que estamos tratando, não de uma sociedade patriótica americana no estilo dos Cavaleiros Racionais, mas de uma Maçonaria Francesa que logo terminaria, por um lado identificando-se como uma maçonaria bonapartista para o serviço e uso de Napoleão; e por outro está a origem e principal órgão da Maçonaria Escocesa da França. Maçonaria que não tem nada a ver com as lojas Lautaro Mirandistas ou San Martinianas, que da Maçonaria não tinha nada mais do que o uso da palavra Loja, porque nem em seus estatutos ou Constituições, nem em seus objetivos e recrutamento tinham a menor semelhança com a Maçonaria. Como é bem atestado, entre muitas outras coisas, pelo juramento de que os membros das “lojas” lautarinas tinham que tomar [61].

Por outro lado, a Maçonaria em que Bolívar entrou em  Paris  não tinha nada “americano” sobre isso. Apesar do que foi escrito por Vicente González Loscertales, que garante que Bolívar foi impregnado em Paris com ideias iluministas, as noções de independência, soberania popular, progresso e civilização, “o que o levou a se juntar à Maçonaria Americana em Paris, onde ele alcançou o grau de mestre”[62].

Se analisarmos a composição social dos 47 membros que compõem a loja de Santo Alexandre da Escócia no ano em que o nome de Bolívar aparece, encontramos o seguinte resultado: em primeiro lugar não há outros “americanos” além de Bolívar, que, no entanto, está registrado como um oficial espanhol. Todos os outros são franceses, exceto dois nobres venezianos e Manuel Campos, um nobre espanhol. Entre as profissões estão 10 militares, incluindo Bolívar, 6 advogados e homens de direito, 6 médicos e doutores da medicina (incluindo o regente da Faculdade de Medicina de Paris), 6 altos funcionários, 5 proprietários, 2 funcionários, empresários e músicos, respectivamente, e um de cada uma das seguintes profissões: rentista, pintor, acadêmico, marinheiro, senador…, bem como os três nobres mencionados [63]. Além   disso, é impressionante que na frente da juventude de Bolívar que   em 24 de julho de 1804 tinha completado vinte e um anos, há muitos aposentados ou ex-militares, ex-médicos, ex-advogados, ex-funcionários, ex-marinheiros, ex-magistrados. Assim, tendo em vista os componentes da loja e suas qualidades, parece que qualquer possível “conexão “americana está excluída.  Na loja de Bolívar destacam-se, entre outros, dois membros por suas obras e atividades posteriores, os dois graus 33: Conde Antoine Thory [64] e Auguste de Grasse Tilly [65].

Américo Carnicelli também disponibiliza um novo documento intitulado “Lista nominal dos Mazones [sic] de altos graus que são conhecidos em diversos órgãos no mês de abril de 1824”, feito pelo Grão-Comandante M. Ilt. José Cerneau [66]. Há um total de 84 supostos maçons em posse do 33º grau.  Nesta lista está Simón Bolívar na 58ª   colocação.  Outras listas seguem com notas 32 e 30. Trata-se de um documento sem papel timbrado ou selo oficial, que pertencia ao herói José Félix Blanco, e que hoje está em Caracas no Arquivo Geral da Nação [67].

Pessoalmente, penso que o valor histórico deste documento é bastante escasso, se não nulo, embora o tenha do ponto de vista do testemunho. Apresenta uma extraordinária semelhança com as numerosas listas de supostos maçons que existem entre os papéis reservados de Fernando VII do Arquivo do Palácio Real de Madrid, e que foram feitas pela polícia com base em presunções, denúncias, suspeitas, etc. Curiosamente, Seal-Coon em seu já citado e prestigiado trabalho intitulado Simón Bolívar Maçom descarta este documento que ele nem sequer menciona, apesar de usar Carnicelli como uma de suas principais fontes de informação.

Nelson Martínez vai mais longe em seu Simón Bolívar quando diz que, desde que deixou a Europa, trabalhou fora das decisões de “uma maçonaria cujo aparelho e mistério não parecem atraí-lo” [68]. Na verdade, Bolívar não aparece  mais em nenhuma outra pousada europeia ou americana. O próprio Carnicelli, que usa tanta documentação maçônica, embora nem sempre aponte as fontes, é incapaz de nos dizer uma única loja americana na qual Bolívar está listado como membro. E quando ele fornece a Lista de Maçons de 1809 a 1828 [69] ele não pode deixar de apontar para Simon Bolivar, Libertador, como um membro da loja St. Alexandre da Escócia em Paris, sendo o único que não aparece em Pousada americana.  Que é um reconhecimento indireto de sua não atividade maçônica na    terra que ele libertou ou se tornou independente. Em outras palavras, diante de um ou dois anos de militância maçônica em Paris, estamos enfrentando 25 ou 26 anos depois de afastamento maçônico, ou pelo menos de nenhuma notícia de participação direta.

Testemunho que coincide com o que o ajudante de campo de Simón Bolívar, Louis Perú de Lacroix escreve em seu Diario de Bucaramanga.  Lá ele diz que o Libertador confessou a ele: primeiro que ele tinha se tornado um maçom em Paris; depois disse que     abandonou a Maçonaria porque ele não encontrou nada de novo nela, apenas repetições insubstanciais [70].

Continua…

Autor: Jose Antonio Ferrer Benimeli

Fonte: REHMLAC

*Clique AQUI para ler a primeira e a segunda parte do artigo.

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Notas

[61] – La fórmula del juramento del segundo grado era la siguiente: “Nunca reconoceré por gobierno legítimo de mi patria sino a aquel que sea elegido por la libre y espontánea voluntad de los pueblos; y siendo el sistema republicano el más adaptable al gobierno de las Américas, propenderé por cuantos medios estén a mi alcance, a que los pueblos se decidan por él”. Mitre, Historia de Belgrano, vol. II, 213.

[62] – Vicente González Loscertales, “Bolívar: El hombre y el mito”, Historia 16 87 (julio 1983): 50.

[63] – No deja de ser curioso, pero así figuran en el Cuadro: de profesión, noble. Biblioteca Nacional de París. Gabinete de Manuscritos. Fondo F.M.2 100 bis. Dossier 3.

[64] – El historiador Antoine Thory es autor de Annales originis magni Galliarum O. ou Histoire de la fondation du Grand Orient de France et des révolutions qui l’ont précédée, accompagnée et suivie, jusqu’en mil sept cent quatre vingt dix neuf, époque de la réunion à ce corps de la Grande Loge de France, connue sous le nom de Grand Orient de Clermont ou de l’Arcade de la Pelleterie (París: Dufart, 1812) que posteriormente adoptó el título de Acta Latomorum ou Chronologie de l’Histoire de la Franche-maçonnerie française et étrangère (París: Dufart, 1815).

[65] – El conde Auguste de Grasse-Tilly, capitán de artillería, comisionado por el Supremo Consejo de Charleston, tras su estancia en las Antillas, desembarcó en Burdeos a comienzos de julio de 1804. Poco después está ya en París como propagandista y difusor del rito escocés antiguo y aceptado, fundador del Supremo Consejo del Grado 33 y miembro de la logia San Alejandro de Escocia. En 1806 lo encontramos en Italia, en 1809-1811 en España y en 1817 en Bélgica, según Carnicelli, Díaz y Pérez y Clavel. Carnicelli, La masonería, tomo I, 43; Nicolás Díaz y Pérez, La Franc-Masonería Española (Madrid: R. Fe, 1894), 211-213; F.T.B. Clavel, Histoire Pittoresque de la Franc-Maçonnerie et des Sociétés Secrètes anciennes et modernes (París: Pagnerre, 1843), 206 y 241.

[66] – De este mismo autor se conoce una obra titulada Senda de las luces masónicas (New York: Wingslang, 1821).

[67] – Archivo General de la Nación (Caracas). Papeles del prócer José Félix Blanco. tomo I, no. 298.

[68] – Nelson Martínez, Simón Bolívar, 16.

[69] – Carnicelli, La masonería, tomo II, 374-376.

[70] – Luis Perú de Lacroix, Diario de Bucaramanga (Caracas: Ed. de Nicolás E. Navarro, 1935), 77. Luis Perú de Lacroix, nacido en Francia el 14 de septiembre de 1780 en realidad se llamaba Luis Gabriel Juan de Lacroix Peroux, según Seal-Coon, y descendía de un linaje distinguido. Su biografía, según el mismo autor, se resume así: Sirvió de oficial en el ejército de Napoleón pero con la restauración de Luis XVIII tuvo que huir a las Antillas donde se unió al corsario francés Luis Aury en 1814. Este operaba bajo bandera mejicana y conquistó a los españoles la isla Old Providence. Establecido allí nombró a Lacroix comandante general, y Secretario de Estado de su “gobierno”. Por este tiempo Lacroix adoptó una forma españolizada de sus nombres y apellidos. Aury murió en agosto de 1821 y entonces Perú de Lacroix ofreció sus servicios a la nueva república de Gran Colombia y fue enviado a Cartagena; luego encontró a Simón Bolívar con quien trabó amistad y fue condecorado por él en Bucaramanga donde escribió su famoso Diario de Bucaramanga. Elevado a general en 1830 fue llamado por Manuela Sanz, la querida de Bolívar en noviembre del mismo año, para que acudiera a San Pedro Alejandrino, Santa Marta, pues Bolívar quería verle. Llegó pocos días antes del fallecimiento de El Libertador. El otoño siguiente Perú de Lacroix fue exiliado por el gobierno anti-bolivariano y se marchó de Bogotá para Jamaica. En 1833 estaba en Caracas y en julio de 1835 se puso a la cabeza del movimiento rebelde reformista. Fue derrotado y Perú de Lacroix abandonó Venezuela y su familia, refugiándose en Francia. En París, a la edad de 56 años se suicidó. Seal Coon, “La isla de Jamaica y su influencia masónica en la Región”, en Masonería española y América, coord. Ferrer Benimeli (Zaragoza: CEHME, 1993), tomo I, 219.

O coração e o seu simbolismo esotérico

Simbolismo do Coração - Alquimia Operativa

Movimento fundado no século XVIII no espírito das luzes, mas na penumbra dos seus templos, a Maçonaria afirma, desde a sua criação, uma originalidade sem paralelo na procura espiritual e no seu modo de funcionamento. Enquanto ordem universal, filosófica e progressiva, foi e é um conservatório de tradições. Ela é rica em iconografia (selos, brasões, logotipos, cartas, diplomas, etc.). Quando se olha para a iconografia maçónica, não se pode ficar indiferente com o número importante de Lojas que adotaram emblemas com a imagem de um coração inflamado, como símbolo distintivo. Com este artigo pretende-se refletir sobre o simbolismo do coração na Maçonaria.

Introdução

De uma forma metafórica, entregamos o coração a uma pessoa que se ama, significando que lhe confiamos a vida. É também um símbolo corrente utilizado para representar o centro da atividade emocional, espiritual, moral ou intelectual. Mais amplamente, a palavra “coração” designa que se encontra ao centro. Para além da questão física (órgão muscular), na linguagem comum ele representa o amor, a generosidade, a franqueza, a coragem, etc. Os egípcios acreditavam que era no coração que se encontrava a essência do homem, e compreende a vida sobrenatural. Os hebreus faziam dele o lugar de todas as faculdades da alma e da sua inteligência, na sua expressão mais pura. Os índios da América viam no coração o santuário, no qual habitava o “grande espírito”, isto é, Deus. Num dos provérbios chineses, é dito que “o fundo do coração é mais longe do que o fim do mundo”. Para eles, é, portanto, o coração e não a cabeça que está na origem do pensamento. Nas religiões atuais, o coração reveste igualmente de uma grande importância. No judaísmo utiliza-se a expressão “falar com o seu coração” (Ouaknin, 2004). Os muçulmanos dizem o coração é o local onde a Divindade habita: “a minha terra e o meu céu não me contêm, mas eu estou contido no coração do meu fiel servidor”, declarou Alá pela boca do profeta (Dassa & Dassa, 2004). Na mística cristã do oriente, do século IV ao XVII, o coração assume um lugar fundamental (La CroixHaute, 2002; Losky, 2002, Schnetzler, 2002, Deseille, 2004, Rousse-Lacordère, 2007). Os teólogos Isaac de Nínive (morte no século VI d.C.) e Angelus Silésius (1624-1677) referiram que o coração não pertencia ao corpo, à alma ou ao espírito, mas que ele se situava a um nível superior que integrava a totalidade do ser (Khaitzine, 2001; Labouré, 2009).

Segundo Mollier (2014), a Maçonaria, enquanto ordem universal, filosófica e progressiva, foi e é um conservatório de tradições. Selos, cartas, diplomas, certificados, patentes, e a sua rica iconografia[1], podem ser, atualmente, curiosos(as), e anacrónicos(as), aos olhos dos usos do mundo profano (não iniciados). A sua utilização foi generalizada nas sociedades tradicionais. “Desde o século XVIII existe uma tradição heráldica maçónica”, sustenta Mollier (2014, p.131). Quando se olha para a iconografia maçónica, não se pode ficar indiferente com o número importante de Lojas[2] Maçónicas que adotaram emblemas com a imagem de um coração inflamado, como símbolo distintivo.

Com este artigo, que se pretende qualitativo e interpretativo, procuramos refletir sobre o coração e o seu simbolismo esotérico na tradição iniciática maçónica.

1 – A iconografia das Lojas em França

Quando olhamos para a iconografia[3] maçónica, não podemos ficar indiferentes e até mesmo surpreendidos com o número importante de Lojas, nomeadamente francesas, que no século XVIII e seguintes adotaram o emblema/brasão com a imagem de um coração inflamado, como símbolo distintivo. As figuras desses corações, muitas vezes colocados em duplicado ou triplicado, inscrevem-se diretamente numa longa tradição iconográfica cristã. A pesquisa efetuada em Portugal sobre emblemas com a representação do coração, das Respeitáveis Lojas portuguesas, de diversas Obediências (Grande Oriente Lusitano, Grande Loja Soberana de Portugal e Grande Loja Simbólica de Portugal), foi infrutífera. Destacamos, então, alguns exemplos das Lojas francesas:

A Loja “Le tendre accueil d’Angers” (fundada em 1779)[4] mostrava um coração inflamado numa estrela com seis ponta.

Une approche ésotérique du cœur
Figura 1: Brasão da Loja Maçónica Francesa “Le tendre accueil d’Angers”
Fonte: Laurant (2003)

A Loja “Les coeurs unis de Paris” (fundada em 1820) apresentava dois corações inflamados em cima de uma coluna (ou entre o esquadro e o compasso) (cf. Figuras 2 e 3).

Une approche ésotérique du cœur
Figuras 2 e 3: Brasão da Loja Maçónica Francesa “Les coeurs unis de Paris”
Fonte: Laurant (2003)

De sublinhar aqui uma pequena curiosidade: num leilão realizado em Cannes, em 2019, esteve à venda um medalhão (oval, que finaliza com uma mão, em latão dourado, do início do século XIX, com as dimensões de 5 cm x 4 cm, com o preço de licitação de 80/100 €) desta Loja (cf. Figura 4).

Figura 4: Medalhão da Loja Maçónica “Les coeurs unis de Paris”
Fonte: http://www.cannes-encheres.com (consultado em 26/01/2020)

A Loja “La parfaite unité des coeurs”, igualmente em Paris, dispunha de três pequenos corações num triângulo (esquadro e compasso) (cf. Figura 5).

Figura 5: Brasão da Loja Maçónica Francesa “La parfaite unité des coeurs”
Fonte: Laurant (2003)

A “L’ancienne cauchoise de Caudebec”, na Normandia, inscrevia os dois corações numa estela flamejante (resplandecente)

Esta Loja foi fundada em 1786, numa cidade onde o protestantismo ganhava terreno. Dotada de um Capítulo, a Union Cauchoise contava com oito eclesiásticos entre os doze fundadores. A Loja “Ardente Amitié”, a Oriente de Rouen, também adotou no seu emblema o coração (cf. Figura 6).

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Figura 6: Brasão da Loja Maçónica Francesa “Ardente Amitié”
Fonte: https://www.cgb.fr/franc-maconnerie-rouen-lardente-amitie-ttb,fjt_527704,a.html (consultado em
26/01/2021)

A Loja “Les coeurs sincères” seguiu semelhante caminho (cf. Figura 7).

Figura 7: Brasão da Loja Maçónica Francesa “Les coeurs sincères”
Fonte: Laurant (2003)

Também interessantes são os emblemas/brasões de duas Lojas de Avignon: “Les amis à l’épreuve”[5] e “Les amis sincères” mostram dois corações trespassados por um prego e outro com três corações inflamados, mas atravessados por uma flecha. Existe aqui também uma associação com o número 4, a forma chave que alimenta inúmeras especulações esotéricas nas marcas de algumas casas de impressão nos séculos XVI e XVII, assim como em diversos maçons (Subrini, 2012). Elas testemunham igualmente um enraizamento deste símbolo na cultura cristã nos meios intelectuais, onde floresce, nessa época, uma reflexão esotérica[6].

As Constituições do Grande Oriente de França (GODF) foram seladas por três corações unidos.

Encontrámos também a representação do coração, no caso particular trespassado por uma espada, na iconografia da III Ordem de Sabedoria do Rito Francês (cf. Figura 8).

Figura 8: Iconografia com a representação do coração, III Ordem de Sabedoria do Rito Francês
Fonte: Mainguy (2003)

Uma posição particular assume na figura do pelicano que bica o seu próprio peito para alimentar os seus filhos com o sangue (figura que se vê no Grau 18, do Rito Escocês Antigo e Aceito – REAA). Esta alegoria, ausente da Bíblia, estava, no entanto, omnipresente nos manuscritos medievais e conhecem um sucesso contínuo tanto na iconografia cristã, como na Maçonaria escocesa (REAA e Regime Escocês Retificado – RER). Pode-se também associar o coração não visível ao gesto do São João, o Apóstolo amado, com a cabeça no peito do seu mestre, como que à escuta de um segredo (Laurant, 2003).

LE PELICAN de Jean-Pierre - la Franc Maçonnerie au Coeur
Figura 9: Le Pelican

2 – O cristianismo latim: uma religião do coração
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Depois do fim da Idade Média, a experiência mística associava o tema da entrada no coração de Cristo a uma nova devoção, visando o acesso direto, pessoal, e sem a mediação sacerdotal, no absoluto divino. Depois da Reforma, o Jean Eudes (1601-1680), presbítero francês, canonizado pela Igreja católica em 1925, colocou as bases do que viria a tornar-se o culto do sagrado-coração e símbolo da “Reparação” da “grande transgressão” da Revolução Francesa para terminar, em 1956, com a elaboração teológica da Encíclica Haurietis Aqua Aquas (é uma encíclica de referência do Papa Pio XII sobre devoção ao Sagrado Coração, escrita em 15 de maio de 1956).

No coração admirável da sagrada mãe de Deus, Jean Eudes desenvolveu a figura dos corações associados a Maria e ao seu filho divino, imagem que é duplicada no plano da reincarnação entre os dois polos: celeste e terrestre, e depois articulada com a questão da alma. O coração espiritual de Maria é o coração de Jesus. Esta argumentação vai alimentar ricas especulações que ultrapassam o quadro teológico para integrar o campo esotérico através das noções como o “centro do plano divino”, o coração que ganha à cabeça e ao intelecto, ou às relações masculino e feminino.

Não nos vamos alongar aqui sobre a interpretação cardiocêntrica, mas podemos apontar Clemente de Alexandria (150 d.C.-215 d.C.), escritor, teólogo, nascido em Atenas, que estabeleceu nos Stromate V (o terceiro trabalho na trilogia de Clemente sobre a vida cristã) uma série de correspondências entre a função particular do coração na cultura grega, nas religiões e nos mistérios e na tradição judaico-cristã. Invocava que a primeira permitia o conhecimento de Deus que dá a vida eterna e a segunda evidenciava a relação com a iniciação aos mistérios pitagóricos. Para os pitagóricos, os números mantinham uma relação direta com a matéria, considerando o número 1 como um ponto, o 2 como uma reta, o 3 como uma superfície e o 4 como um sólido. As sequências dos pontos nas quatro fileiras formam a representação geométrica do quarto número triangular. Assumindo que 1 + 2 + 3 + 4 = 10, o número “dez” era visto como uma espécie de conjunto de 4 elementos (terra, ar, água, fogo), o “alicerce” das coisas do mundo[7]. Willermoz destaca que

Os números, por si próprios, não têm uma virtude particular. Eles são os signos representativos da natureza dos seres e das coisas. Eles são uma espécie de linguagem intelectual, mais específica do que a linguagem normal para exprimir e para tornar sensível à inteligência humana o valor das forças, das faculdades e das propriedades dos seres e das coisas, assim como a ação particular que cada classe dos seres espirituais é chamada a operar na ordem providencial ou sabedoria e a vontade que o Criador lhes colocou, e que poderá ser modificado pela mesma Vontade (Subrini, 2012, p.44).

De referir aqui que Roger Dachez, médico, historiador, presidente do Instituto Maçónico de França, referiu que no início da Maçonaria (1717) não havia nada de hermetismo nos rituais[8]. Só surge mais tarde no século XIX. Inicialmente havia a referência à água e ao fogo. O primeiro seria pregado por São João Baptista. O segundo seria a obra purificadora de Jesus Cristo. Mesmo o grau de Rosa-Cruz (grau 18.º do REAA, ritual datado de 1765) não fazia referência inicialmente aos 4 elementos. Isso foi acrescentado mais tarde, o que não deixa de ser “uma grande acrobacia”, referiu Dachez num testemunho que se pode encontrar num vídeo divulgado na Internet[9].

3 – Um outro século XIX

Numa mistura de várias correntes, e de várias especulações sobre o coração no centro divino do plano humano, surge num manuscrito maçónico, datado de 1812, destinado à instrução dos Irmãos, e que foi publicado na revista Renaissance Traditionnelle (criada por René Guilly, que fundou a Loja maçónica Du Devoir et la Raison, em 1955, Paris): “A geometria do maçom”, reenviando para os números do Santo Agostinho. As figuras apresentadas remetem para o coração, como verdadeiro suporte de meditação. Remete para referências escriturísticas (da sagrada escritura) e comentários teológicos. Fazem alusão ao puro amor e à oração cordial que podem ser revelados.

Na esteira teológica, é de referir o Martinismo, como via cardíaca. O Martinismo é uma via altamente iniciática que remonta ao século XVIII (Ambelain, 1946, 1948, 1985; Vivenza, 2012). Amadou (1946, 2011) considera que a palavra “martinista” abrange significados diversos. Em primeiro lugar, ele designa o sistema de teosofia constituído por Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803), iniciado na “L’Ordre des Chevaliers Maçons Elus Coëns de l’Univers” em 1768 (Vivenza, 2003). “Martinista” é, assim, aquela ou aquela que estuda este sistema e o coloca em prática. “Martinista” designa também a doutrina e o sistema de Martinès de Pasqually (1727-1774), que foi o mestre de Saint-Martin, na Ordem dos Elus Coëns (sacerdotes, na palavra hebraica) (Nahon, 2011; Caillet, 2011). Os martinistas são assim os Eleitos Coëns. O “martinismo” é ainda o Regime Escocês Retificado de Jean-Baptiste de Willermoz. Por fim, o “Martinismo” designa a Ordem Martinista de Gérard Encausse (1865-1916), médico, mais conhecido por Papus, na “Belle Époque”, e por Augustin Chaboseau (1868-1946), no século XIX. Estes homens e mulheres incarnam movimentos tradicionais, mas seguem a doutrina da Reintegração, que os liga à tradição judaico-cristã (Amadou, 2016).

Segundo Amadou (1946), as teorias de Martinès e de Saint-Martin eram as mesmas, mas uma profunda diferença separava as duas. A de Martinès procurava situar-se na Maçonaria superior e a de Saint-Martin dirigia-se aos profanos, isto é, aos não iniciados. A segunda afastava as práticas e as cerimónias, que para a primeira eram de uma importância capital. O Martinismo é “um ambiente, um estado de espírito, um ‘espírito’” (Amadou, 1946, p.15). Assim sendo, apelam a uma via interior que permite realizar a comunhão com Deus (seja ele qual for) a partir do coração do ser humano. Esta doutrina é considerada uma via cardíaca (designação de Papus), a via do amor que conduz ao abrasamento do coração do homem pelo Divino. “Nessa senda, não é a cabeça que devemos abrir, mas o coração”, afirma Saint-Martin nas suas obras. Segundo a tradição Martinista, o universo e o homem não estão mais no estado original, pois a harmonia que caracterizava a Criação nas suas origens foi rompida. Isso está patente na doutrina do RER, misturado com a parte mais visível da Estrita Observância (Templária), que Jean-Baptiste de Willermoz (1730-1824) fundiu.

4 – O coração e o conhecimento

É do nosso conhecimento que desde 1717, vários sistemas (ritos) surgem abordando diversas temáticas, e que são construídas a partir da dramaturgia de hiramita (Adonhiram, o arquiteto do templo do Rei Salomão), ou de assuntos da bíblia revisitados, de récitos cavaleirescos, de referências herméticas ou templárias. Nos rituais da Maçonaria a palavra “coração” surge imensas vezes. No caso da II Ordem do Rito Francês, é possível constatar várias alusões a ele. Eis alguns exemplos:

… pondo a mão direita sobre o coração, em sinal de fidelidade…
… Um coração puro…
… pela Aclamação (mão no coração)…
… O Gr∴ Exp∴ pega no punhal e coloca a sua ponta sobre o coração do recipiendário.
… Se tens ressentimentos fechados no teu coração contra os Irmãos, consentes em deixá-los
aqui?
… Ela necessita duma vontade permanente a fim de eliminar do teu coração, em cada
instante, todos os sentimentos de inimizade.
…. Tira as luvas, coloca a tua mão direita sobre a espada, e a mão esquerda, em compasso,
sobre o teu coração.
… O P∴M ∴ [Perfeito Mestre] passa a trolha frente ao coração do candidato, e diz… … pela Bateria da Segunda Ordem (3, 5, 7, 9), e pela Aclamação (mão no coração)
… Um coração puro, zeloso e amante da virtude e da verdade.

O coração puro é, na verdade, uma abstração e uma questão filosófica. Para Arnault (1996), o templo maçónico representa o coração humano (cf. Figura 10). Símbolo da construção maçónica por excelência, da paz profunda para que tendem todos os maçons, o coração puro remete para as questões da justiça e da vingança como no ritual da I Ordem das Ordens de Sabedoria.

Figura 10: Símbolos maçónicos, com o coração no centro

Outra questão a salientar é que o coração não é uma força duvidosa, nomeadamente na sua dimensão afetiva. Ele não trabalha contra a força da razão. O coração revela a faculdade de conhecimento, nomeadamente para as verdades da Segunda Ordem, ou seja, as verdades geométricas. A síntese desta Ordem consta do Grande Capítulo Geral[10] de 18 de dezembro de 1784. É o exemplo típico da fusão de vários graus operados, nomeadamente o Perfeito Mestre Inglês (cordeiro de ouro) e o Verdadeiro (ou Perfeito) Mestre Escocês, no século das Luzes. Na época chama-se “Écossais de la Voûte”. Completa a mestria depois do desaparecimento dos assassínios de Hiram, o mestre de construção do templo do Rei Salomão (esta personagem alegórica de Hiram Abiff constrói-se com a prática do III Grau, Mestre, que as Lojas de Londres vão adotar e adaptar progressivamente a partir de 1725, o que explica que o nome de Hiram não tem nenhum destaque alegórico nas Constituições de Anderson de 1723. Anderson tem em conta esta figura com o Grau de Mestre na versão de 1738. Aparentemente terá sido Samuel Prichard que, na “Masonary Dissected”, em 1730, faz alusão à morte de Hiram). É o coroamento do tema essencial desta Ordem, que é a purificação e o sacrifício, a descoberta do Delta e do tetragrama, símbolo da palavra do mestre. Todos os caminhos simbólicos levam ao coração. Não é por isso estranho que as interpretações se tenham cruzado ao mesmo ritmo que os homens e passou do campo da fé ao da especulação esotérica e o inverso.

Mainguy (2003) observa que a primeira parte da II Ordem do Rito Francês consiste nas purificações, fumigações, unções, manducações. Quanto à segunda parte da cerimónia, tudo leva a crer que é uma versão francesa de um Arco Real arcaico de origem britânica, mas tem dúvidas se inglês, irlandês ou escocês. Mainguy (2003) refere também que de escocês, esta Ordem apenas tem o nome. Independentemente da origem, o recipiendário encontrará referências familiares. Um judeu encontrará lembranças do Shabbat (é o dia de descanso do judaísmo, sábado), um cristão uma evocação de comunhão, um muçulmano as abluções rituais (ablução, do latim ablutio, “lavagem”, rito de purificação). De facto, o esoterismo é uma via espiritual que se apoia legitimamente em formas exteriores e interiores. Ele designa um padrão geral, que engloba variadíssimos movimentos religiosos e espirituais – diversas e até contraditórias “vias”.

Para Faivre (2019 [1992]), o termo “esoterismo” é usado para definir um “padrão de pensamento” que engloba diversos movimentos (vias) espirituais. Os elementos são encontrados aqui expurgados dos seus aspetos morais e dogmáticos. Mainguy (2003) cita um manuscrito dos Escoceses Perfeitos, referindo que este grau não pretende ser uma religião que não seja a natural, isto é, a de reconhecer primeiro um Ser Supremo (o conhecimento do Ser Supremo é difícil de demonstrar, a menos que falemos ao coração do neófito e que se evite, com cuidado, o dogmatismo), de amar e de socorrer os seus Irmãos nas suas necessidades. Este grau é muito próximo da versão inicial do 14.º grau do REAA. Os Eleitos Escocês são convidados a tomar consciência que eles estão ligados ao Universo e que o seu comportamento no quotidiano não pode deixar de ser de benevolência relativamente ao seu próximo, porque tudo é Um e o Um é tudo. E isso está no coração.

Bédarride (2013) realça que quando um homem consegue enraizar no seu coração o amor do Ideal maçónico, isto é a prossecução da mais alta cultura moral, a noção do prazer e da felicidade são completamente diferentes das que podemos conceber na vida profana e mundana.

5 – Conclusão

A Maçonaria é uma Ordem universal, progressista, filosófica e filantrópica. Ela procura o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros e a defesa da moral universal. Compreende um extenso acervo de sinais, toques, palavras, símbolos e elementos decorativos com riqueza alegórica. Quando se olha para a iconografia maçónica, notamos o número importante de Lojas que adotaram emblemas com a imagem de um coração inflamado, como símbolo distintivo.

O simbolismo do coração, enquanto significação espiritual e esotérica, assume um papel importante e convergente, enquanto ponte de união entre o Homem e a crença em Deus. Na tradição iniciática maçónica, o simbolismo do coração está presente, como vimos pelos brasões/logotipos das Lojas. Enquanto símbolo, ele pode ser interpretado de diferentes formas. A argumentação a seu respeito alimenta especulações, que ultrapassam o quadro teológico para integrar o campo esotérico.

Autor: Vitor Rosa

Fonte: Revista Ad Aeternum

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Notas

[1] – Iconografia é uma forma de linguagem visual que usa imagens para representar algum tema.

[2] – Loja maçónica (também designadas por Oficinas) é o local onde os maçons se reúnem periodicamente para trabalhar de forma ritualística.

[3] – Do grego “eykon” (imagem), e “grafia” (escrita), a iconografia é uma forma de linguagem visual que usa imagens para representar algum tema (Sanchez, 2016).

[4] – A Biblioteca Nacional de França (BnF) tem diversa documentação sobre esta Loja. Blanvillain (1985) refere que, em 1774, havia 22 membros. Outros autores datam de 1776 a sua fundação: https://www.hiram.be/journees-du-patrimoine-a-angers/ (consultado em 28/10/2020).

[5] – O Arquivo Departamental de Vaucluse tem vários documentos relativos a esta Loja. A Maçonaria terá surgido em Avignon em 1737 (Mesliand, 1969). Para Mesliand (1969), é preciso esperar até 1774 para se ter testemunhos seguros sobre a atividade maçónica nesta cidade.

[6] – Ao longo do século XVIII, os maçons franceses, como os seus homólogos ingleses, consideravam a crença em Deus como natural. Os britânicos só introduziram explicitamente a crença no Grande Arquiteto do Universo em 1813, a favor da união dos Antigos e dos Modernos, afastando-se da visão muito tolerante das Constituições de Anderson de 1723. Os franceses, quanto a eles, viveram felizes sem o GADLU até 1848, quando foi introduzido nas suas Constituições. Quando um vento de liberalismo sopra, convém dizer depois da Comuna de Paris, o pastor Frédéric Desmons consegue convencer os seus Irmãos, depois de várias tentativas falhadas, de suprimir das constituições do GODF a obrigação de crer na existência de Deus e a imortalidade da alma. E quando o GODF toma esta decisão histórica, a Grande Loja Unida da Inglaterra rompe as ligações diplomáticas com esta Maçonaria. E passa-se a falar de irregulares e regulares.

[7] – O número 4 encontra-se nos símbolos do grau do Mestre Perfeito, do REAA. O 4 é o primeiro dos números quadrados e o primeiro dos números perfeitos. É definido como perfeito para os Pitagóricos. E diz-se que é perfeito quando ele é igual à soma e ao produto dos seus fatores. O número 4 marca a estabilidade e a durabilidade da obra a levar a cabo. É o número da terra. Este número par, simboliza a solidez, a organização e a universalidade representadas nos 4 elementos da tradição ocidental, as quatro direções do espaço, os quatro pontos cardinais, à cruz de 4 pontas. Para o Pitagóricos, o 4 organiza a estrutura fundamental do cosmo. Nas famosas Les Leçons de Lyon aux Elus Cohen, Louis-Claude de Saint Martin, Jean-Jacques du Roy d’Hauterive e Jean-Baptiste de Willermoz durante dois anos (1774-1776) escreveram muito sobre os números, instruindo os seus irmãos (Amadou, 2011).

[8] – Para os historiadores dos graus e dos rituais, parece claro que, na história da Maçonaria francesa, que, de certa forma, impulsionou a Maçonaria europeia, há duas épocas: uma época que se pode qualificar de fundadora, onde se construiu, se inventou e se estruturou os graus dos diferentes sistemas que deram origem a rituais como os que conhecemos; e depois uma época, que podemos dizer de estabilização, ou de adaptação, onde finalmente há uma espécie de generosidade, de fecundação criadora do século XVIII. A bem dizer, não se inventou nada de novo, mas ensaiou-se de fazer viver o que tinha sido criado.

[9] – Cf. https://www.youtube.com/watch?v=uagBZzy19yk (consultado em 3/11/2020) e
https://www.youtube.com/watch?v=d5zTybiYL9o (consultado em 02/11/2020).

[10] – Em Maçonaria, os Capítulos são Lojas superiores ao grau de Mestre. São os designados “Altos Graus”, ou “Ordens de Sabedoria”. O Grande Capítulo Geral do GODF é a jurisdição suprema das Ordens de Sabedoria, depois do grau de Mestre. Administra a continuidade do Rito Francês. Ele é o depositário e o guardião da tradição maçónica deste Rito, nas suas diferentes codificações reconhecidas pelo GODF. Mantém esta tradição no seu espírito, pelo método de aperfeiçoamento intelectual, moral e filosófico praticado nos Soberanos Capítulos.

Referências

Amadou, R. (1946). Louis-Claude de Saint-Martin et le martinisme : introduction à l’étude de la vie, de l’ordre et de la doctrine du philosophe inconnu. Éditions du Griffon d’Or. Amadou, R. (2011). Les leçons de Lyon : un cours de martinisme au XVIIIe siècle. Dervy. Amadou, R. (2016 [2000]). Traité sur la réintégration des êtres dans leur première propriété, vertu et puissance spirituelle divine. Diffusion Rosicrucienne. Ambelain, R. (1946). Le Martinisme, histoire et doctrine. Niclaus. Ambelain, R. (1948). Le Martinisme contemporain et ses véritables origines. Les Cahiers de Destin. Ambelain, R. (1985). La Franc-Maçonnerie oubliée. Robert Laffont. Arnault, A. (1996). Introdução à Maçonaria. Imprensa da Universidade de Coimbra. Bédarride, A. (2013). Le travail sur la pierre brute. Demeter. Blanvillain, B. (1985). La franc-maçonnerie en Anjou pendant la deuxième moitié du XVIIIe siècle. Annales de Bretagne et des pays de l’Ouest, 92(4), 411-418. Caillet, S. (2011). Les sept sceaux des élus coëns. Le Mercure Dauphinois. Dassa, M., & Dassa, H. (2004). [Corps-Âme-Esprit] par une musulmane et un musulman. Le Mercure Dauphinois. Deseille, P. (2004). [Corps-Âme-Esprit] par un orthodoxe. Le Mercure Dauphinois. Faivre, A. (2019 [1992]). L’ésotérisme – « Que sais-je ?». PUF. Khaitzine, R. (2001). De la parole voilée à la parole perdue. Le Mercure Dauphinois. La Croix-Haute, H. (2002). [Corps-Âme-Esprit] par un philosophe. Le Mercure Dauphinois. Labouré, D. (2009). Le christianisme secret -le corps de Lumière. Le Mercure Dauphinois. Laurant, J.-P. (2003). Une approche ésotérique du cœur. Renaissance Traditionnelle, 133, 64-69. Losky, F. (2002). [Corps-Âme-Esprit] par un protestant. Le Mercure Dauphinois. Mainguy, I. (2003). Symbolique des grades de perfection et des ordres de sagesse, REAA et RF. Dervy. Mainguy, I. (2005). De la symbolique des chapitres en franc-maçonnerie, REAA et RF. Dervy. Mesliand, C. (1969). Franc-maçonnerie et religion à Avignon au XVIIIe Siècle. Annales historiques de la Révolution française, 197, 447-468. Mollier, P. (2014). Curiosités maçonniques. Jean-Cyrille Godefroy. Nahon, M. (2011). Martinès de Pasqually : un énigmatique franc-maçon théurge du XIIIe siècle, fondateur de l’ordre des Élus Coëns. Pascal Galodé Éditeurs. Ouaknin, J. (2004). [Corps-Âme-Esprit] par un juif. Le Mercure Dauphinois. Rousse-Lacordère, J. (2007). [Corps-Âme-Esprit] par un catholique. Le Mercure Dauphinois. Sanchez, G. (2016). Introdução à simbologia e iconografia. Clube de Autores. Schnetzeler, J.-P. (2002). [Corps-Âme-Esprit] par un bouddhiste. Le Mercure Dauphinois. Subrini, P. (2012) (dir.). Les maîtres de l’éveil : Jean-Baptiste Willermoz, fondateur du Régime Ecossais Rectifié, textes choisis et présentés par Jean-Marc Vivenza. Editions Signatura. Subrini, P. (2015) (dir.). Les maîtres de l’éveil : Joseph de Maistre, prophète du christianisme transcendant, textes choisis et présentés par Jean-Marc Vivenza. Editions Signatura. Vivenza, J.-M. (2003). Saint-Martin, Qui suis-je ? Pardès. Vivenza, J.-M. (2012 [2006]). Le martinisme : l’enseignement secret des maîtres, Mastinès de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin et Jean-Baptiste Willermoz, fondateur do Régime Écossais Rectifié. Le Mercure Dauphinois.

Degraus de acesso ao Oriente

O ALTAR DOS JURAMENTOS – Brasil Maçom

De pronto é preciso lembrar que o REAA originalmente no seu primeiro ritual (1804) não trazia Oriente elevado e nem balaustrada separando parte do recinto para o Oriente.

Essa separação e a elevação só viria surgir pelo aparecimento das chamadas Lojas Capitulares, sistema esse criado em 1816 pelo Grande Oriente da França, cuja característica principal seria a administração pelo Grande Oriente a partir do grau de Aprendiz até o 18º Grau conhecido por Príncipe Rosa Cruz. Isso então significava que essa Obediência francesa passava a ter sob a sua tutela os graus 1º até o 18º, ficando os demais, do 19º (Kadosh) até o 33º (Consistório) sob a autoridade do Supremo Conselho da França. 

Nesse sistema misto de simbolismo e altos graus, a Loja Capitular era dirigida por um Príncipe Rosa Cruz – em linhas gerais o Athersata era também o Venerável Mestre dos três primeiros graus.

Sobre o primeiro ritual do simbolismo do REAA ainda cabem mais alguns comentários.

Em outubro de 1804, era criado em Paris o Segundo Supremo Conselho do REAA, com a finalidade de difundir o Rito na Europa. É bom que se diga que o REAA fora em princípio concebido originalmente apenas com Altos Graus, isto é, do 4º ao 33º, já que nos EUA, onde se deu o seu nascimento em 1801 (baseado no Rito de Perfeição, ou Heredom), a prática dos três primeiros graus era suprida pelo empréstimo de rituais pertinentes às Lojas Azuis norte-americanas, que correspondem aos graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre praticados na Maçonaria dos EUA.

Com isso, quando o REAA chegou na Europa em 1804, o mesmo não possuía os três primeiros graus. 

Cabe destacar que o termo “simbolismo” ainda não era conhecido na França.

Assim, para suprir essa lacuna, o Segundo Supremo Conselho então fundou em Paris, em outubro de 1804, uma Loja Geral Escocesa para organizar e gerir um ritual na França para o simbolismo do REAA – até então inexistente.

Esse ritual, ainda com resquícios de costumes das Lojas Azuis norte-americanas, trazidos por maçons franceses que retornavam dos EUA para a França, acabou temperado pela prática dos autoproclamados “Antigos” da Grande Loja surgida em 1751 na Inglaterra para fazer oposição aos “Modernos” da Primeira Grande Loja londrina que fora fundada em 1717 (vide essa história). 

Boa parte desse primeiro ritual do REAA então seria influenciado pela exposure atribuída aos Antigos e conhecida pelo título de The Three Distinct Knocks (As Três Pancadas Distintas). Esse acontecimento mais tarde acabou dando um viés anglo-saxônico para o REAA, que é reconhecidamente um rito filho espiritual da França, portanto, latino.

Devido a essa influência é que o ritual de 1804 do REAA mencionava que o seu espaço de trabalho era tal qual a sala da Loja do Craft, isto é, na totalidade da sua extensão tudo ficava no mesmo nível. Não existia separação por balaustrada do Oriente para o Ocidente. 

Nesse mesmo ritual, o que hoje conhecemos como Colunas do Norte e Sul, ambas se estendiam do Oriente até o Ocidente. O Oriente, em linhas gerais, era onde ficavam o Venerável Mestre e as autoridades. Detalhe é que a parede oriental era edificada em semicírculo.

No que concerne ao Oriente elevado em relação ao Ocidente do Templo, este costume somente surgiu pelo advento das Lojas Capitulares, época em que foi, em 1820, construído um outro ritual que se adequasse às então normas capitulares. É dessa época que a terça parte da área de trabalho da Loja foi elevada e separada por uma balaustrada com uma passagem central. Foi desse modo que o Oriente, à moda do Capítulo, acabou separado e elevado do Ocidente nos Templos do REAA.

Com isso, nas Lojas Capitulares, o acesso para o Oriente era feito por quatro degraus. Na verdade, o Oriente elevado fora na época concebido para representar o Santuário do Grau Roza Cruz. Esse espaço, durante os trabalhos da Loja, era ocupado apenas por aqueles colados no Grau 18 ou acima dele.

Mais tarde, com o desaparecimento das Lojas Capitulares, já que o Supremo Conselho do REAA havia reivindicado justamente para si os graus a partir do 4º até o 18º, as modificações produzidas no ritual das Lojas Capitulares pelo Grande Oriente da França em 1820, modificações essas concernentes à divisão e elevação do Oriente, ao invés de serem extirpadas, ao contrário, ficaram incorporadas definitivamente no simbolismo do REAA. Isto é, extinguem-se as Lojas Capitulares, mas o Oriente das Lojas Simbólicas continua dividido e elevado.

A bem da verdade, não é de hoje que o REAA vem sofrendo com enxertos e adaptações com práticas que não lhe dizem respeito.

Com a evolução e o aprimoramento dos rituais do escocesismo a partir do século XIX na França, a performance topográfica do Oriente concernente aos quatro degraus de acesso acabaria se dividindo em um degrau de acesso para o Oriente e três para o sólio.

Contudo, sob o aspecto doutrinário, o simbolismo do REAA requeria a presença de sete degraus no seu Templo, o que seria então somado aos quatro primeiros de acesso ao Oriente e ao sólio, mais dois degraus para a cátedra do 1º Vigilante e um degrau para a do 2º Vigilante. 

Ao final, a soma desses desníveis totaliza o número de 7 degraus, cujo valor simbólico é incontestável no arcabouço doutrinário do REAA (o setenário do Mestre).

Quanto aos principais simbolismos desses degraus, esotericamente o número 7 alude ao shabat, ou o dia da criação (influência hebraica). De modo especulativo é a arte de criar um elemento humano que seja capaz de produzir templos à virtude universal (aprimoramento humano). Ainda, por influência anglo-saxônica, o número 7 também simboliza a presença na Loja das Sete Artes e Ciências Liberais estudadas desde a Idade Média. Divididas por Boécio em trivium e quadrivium, a primeira divisão ternária se relaciona com a Gramática, a Retórica e a Lógica (a arte de bem falar), enquanto a segunda divisão quaternária se pauta com a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia (a arte de conhecer os arcanos do Universo).

Entretanto, no que diz respeito à disposição correta dos degraus nos templos, sem dúvida ainda existem muitos deles que seguem rituais equivocados, ou seja, permanecem com o Oriente elevado, porém acessado por quatro degraus em vez de um apenas como descrito anteriormente. 

Infelizmente essa contradição, dos quatro degraus de acesso, acabou se generalizando porque ao longo dos tempos muitos Templos do escocesismo acabariam sendo construídos com número de degraus à moda capitular ou mesmo copiando outros Ritos. O problema é que corrigir essa disposição equivocada acaba sendo dispendiosa, resultando muitas vezes em reformas caras e economicamente inviáveis para as Lojas. Dado a isso é que muitos, mesmo errados, preferem permanecer como estão.

Ao concluir, reitero que a maneira mais apropriada para a distribuição dos sete degraus consagrados no simbolismo do REAA, desde a extinção das Lojas Capitulares (ainda no século XIX), é a de um degrau para o Oriente, três para o sólio, dois para o 1º Vigilante e um para o 2º Vigilante – total igual a sete.

Autor: Pedro Juk

Fonte: Blog do Pedro Juk

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Teorias da Conspiração: da Revolução Francesa às fake News do Whatsapp

Política mundial Revolução mundialO texto no topo da imagem diz: “Política mundial Revolução mundial”. O texto na parte inferior diz: “A Maçonaria é uma organização internacional pertencente aos judeus com o objetivo político de estabelecer o domínio judeu através da revolução mundial”. O mapa, decorado com símbolos maçônicos (templo, quadrado e avental), mostra onde ocorreram revoluções na Europa desde a Revolução Francesa em 1789 até a Revolução Alemã em 1919. Fonte: Wikipédia.

Elas existem há muito tempo e desafiam a ciência e a lógica. Mas hoje, as Teorias da Conspiração ganham nova velocidade de propagação graças às novas tecnologias e o reforço das fake News.

Atualmente, as pessoas são constantemente bombardeadas por teorias conspiratórias absurdas sobre diferentes eventos diretamente de seus smartphones e computadores pessoais.

Especialistas de diversas áreas do conhecimento explicam que a Terra é esférica, ou melhor, elipsoide; que a humanidade realmente chegou à Lua e que as vacinas são estatisticamente seguras; que as pirâmides foram construídas pelos seres humanos, que o covid-19 [1] é uma doença potencialmente letal etc. Contudo, para muitos, nada disso parece ser suficiente. Os mitos persistem independentes da ciência e da lógica.  

Na verdade, aqueles que creem em “teorias alternativas” e conspiratórias têm justamente aí uma confirmação de suas verdades, e não uma refutação. O fato de cientistas, de professores universitários, em suma, dos especialistas contestarem essas crenças é para o teórico da conspiração apenas a confirmação de que realmente há uma conspiração oculta e maligna para esconder a verdade e que eles, os especialistas, fazem parte dela. Como dizia a famosa e longeva série de TV Arquivo X, “Eu quero acreditar”.

Esse artigo pretende discutir o que são “teorias conspiratórias” e a relação que existe hoje entre essas teorias e as chamadas fake News. Conforme veremos, o encontro das duas está por trás da disseminação do discurso de ódio  (hate speechI) no espaço público e promovem a deterioração da política e da democracia.

O que são “teorias conspiratórias” ?

As teorias da conspiração são objeto de investigação de um vasto campo de estudos e pesquisas nos Estados Unidos e na França, países onde já se produziram centenas de artigos e livros em diferentes áreas do conhecimento, particularmente na História e Filosofia.

Para o pesquisador estadunidense Michael Barkun, as teorias conspiratórias seriam explicações sobre eventos ou processos baseadas na “crença de que uma organização formada por indivíduos ou grupos esteve ou está agindo secretamente para alcançar fins malignos”. 

Já para o historiador francês Pierre-André Taguieff, essas teorias conspiratórias seriam baseadas na “visão de mundo dominada pela crença de que todos os eventos no mundo humano são desejados, realizados como projetos e que, como tais, revelam intenções ocultas – ocultas, porque malignas”. Ainda segundo Taguieff as teorias da conspiração seriam baseadas em quatro princípios: nada acontece acidentalmente; nada é o que parece ser; tudo é ligado, mas de forma oculta; e, tudo que acontece é o resultado de intenções ou vontades ocultas.

Olho da Providência - símbolo dos Illuminati“O “Olho da Providência”, ou “o olho que tudo vê de Deus”. O símbolo, presente na nota de 1 dólar, foi considerado por alguns como evidência de uma conspiração envolvendo os fundadores dos Estados Unidos e os Illuminati”. Fonte: Wikipedia.

Mark Fenster, por sua vez, afirma que a teoria da conspiração é uma teoria sobre o poder que realiza um “reconhecimento errôneo” (misrecognition) das relações de poder. Por exemplo, ao invés de reconhecer o papel econômico, ideológico e político das classes sociais em luta durante a Revolução Francesa, especialmente a ação revolucionária da burguesia, a teoria da conspiração de Barruel e de Robinson acusa o grupo Illuminati de, através da Maçonaria, agirem de forma consciente e planejada através de uma conspiração maligna para destruir a religião católica e a monarquia francesa. O complexo processo político e social da Revolução Francesa é reduzida, assim, a ação de um poder irrefreável e consciente, quase sobrehumano.

Resumindo, poderíamos dizer que a teoria da conspiração (conspiracy theory) é uma explicação sobre eventos sociais, especialmente políticos, baseada na crença de que por trás de todos os atos humanos há a ação dissimulada e maligna de indivíduos e grupos que lutam para dominar o mundo. Essas teorias baseiam-se na crença religiosa de que a realidade é dominada por uma luta eterna entre o bem e o mal. Apesar de frequentemente ser formatada em uma narrativa aparentemente racional e até científica, esse tipo de “teoria” não está sustentada em pesquisa baseada na coleta e análise crítica de todas as informações e explicações disponíveis, na formulação de hipóteses e, finalmente, na proposição de uma teoria. Ao contrário, ela usa e abusa de diferentes “falácias lógicas”, isto é, argumentos falsos, mas com a aparência de verdadeiros.

Essas falsas teorias ocultam os grupos e classes que realmente dominam as relações sociais na sociedade e, ainda criam discurso de ódio [2] contra determinados grupos (judeus, comunistas, “esquerdopatas”, petralhas etc.) transformando-os em bodes expiatórios, acusando-os de serem aqueles que efetivamente dominam o mundo ou conspiram para conquistá-lo.

Quando surgiram as “teorias da conspiração” ?

Elas surgem com a própria modernidade capitalista. Durante a Revolução Francesa são publicados dois livros, do padre francês Augustin Barruel (1741-1820) e do cientista escocês John Robison (1739-1805), que têm em comum a “teoria da conspiração” de que a revolução burguesa que assentou as bases ideológicas, políticas e sociais da sociedade burguesa francesa e europeia da modernidade, na verdade seria uma ação orquestrada secreta e ardilosamente pela Maçonaria para destruir a monarquia e a Igreja católica francesa e europeia.

Afirmam ainda que por trás do “complô maçônico” estaria uma sociedade ainda mais secreta, os Illuminati, que estaria no núcleo mais oculto da conspiração. Essas duas obras receberam diversas edições e traduções para diferentes línguas ainda na primeira metade do século XIX e deixaram marcas na cultura política antirrevolucionária ocidental. Ao longo do século XIX, surgem outras teorias conspiratórias que terão papel importante no período.

No século XX, as teorias conspiratórias foram uma importante ferramenta ideológica de luta contra os setores progressistas da sociedade, vistos como ameaças à própria civilização. A Revolução Russa de 1917, por sua vez, suscitou um processo de criação de novas teorias conspiratórias pela síntese e atualização das “teorias” do passado com um livro recém lançado que acusava os judeus de organizarem uma conspiração para dominar o mundo, o Protocolo dos Sábios de Sião. Por exemplo, a “conspiração maçônica-judaico-bolchevique” disseminada nos anos 1920 e 1930 por intelectuais conservadores e reacionários como Nesta Webster (1876-1960) e Léon de Poncins (1897-1975), e que foi amplamente divulgada pela propaganda nazista ao longo dos anos 30 e durante a Segunda Guerra Mundial.

Segundo Jeffrey Herf , “quando, no meio da Segunda Guerra, Hitler e seus aliados fizeram o salto da perseguição ao extermínio de massa, deram como justificativa a retaliação à conspiração judaica, a qual responsabilizavam por começar e intensificar uma guerra de extermínio contra a Alemanha”. No pós-guerra, essa teoria da conspiração foi reelaborada para a contenção política e ideológica da União Soviética e dos partidos comunistas, no que viria a ser conhecido como anticomunismo.

Nos anos 1990, com o fim do “socialismo real” surgiu nos Estados Unidos a virulenta e agressiva “teoria da conspiração” do “marxismo cultural” que acusava os marxistas da Escola de Frankfurt de desenvolverem ideias de defesa dos direitos humanos dos negros, das mulheres, dos homossexuais etc. Essa teoria da conspiração requentava o anticomunismo da Guerra Fria e a conspiração judaico-bolchevique do entreguerras, acusando os marxistas alemães da “Escola de Frankfurt” migrados da Alemanha fugidos do nazismo, de quererem destruir os valores da sociedade estadunidense, isto é, o patriarcado, a religião, a ordem política etc. O fato de vários desses marxistas serem de origem judaica corroborava, para alguns de seus defensores, essa teoria da conspiração.

No Brasil, essa teoria conspiratória tem no ideólogo Olavo de Carvalho um de seus principais divulgadores. O movimento “Escola sem Partido” (ESP) que se dedica a atacar a obra de Paulo Freire, os professores e a Universidade pública tem sua base ideológica na teoria da conspiração do “marxismo cultural”.  Até agora, o ESP não teve sucesso em mudar a legislação, mas contaminou o ambiente educacional brasileiro, não apenas no Ensino Básico, mas também na Universidade[3]. Isso contribui para que nos últimos anos os professores tenham se tornado alvo de discurso de ódio que chega às vezes a agressões verbais e físicas.

Teorias da Conspiração e Fake News

As notícias falsas veiculadas na Internet frequentemente ajudam a divulgar ampla e maciçamente teorias conspiratórias. A conexão entre as duas é tão forte que, não raro, muitas teorias da conspiração assumiram hoje uma forma noticiosa, ou seja, são socialmente disseminadas como notícias e recebidas como explicações legítimas sobre eventos políticos.

As teorias conspiratórias são parte importante do conteúdo divulgado pelas fake news que, assim, popularizam essas teorias. Além disso, a importância crescente das fake news no debate público ajuda a criar um ambiente propício à disseminação e à aceitação das teorias conspiratórias como uma explicação legítima dos eventos políticos e sociais. Não são poucas, hoje, por exemplo, notícias falsas que afirmam ter os chineses criado o novo coronavírus em laboratório.

A Exposição antibolchevique denunciando uma conspiração judaico-maçônico-comunista internacional na França ocupada pela Alemanha nazista (1942).A Exposição antibolchevique denunciando uma conspiração judaico-maçônico-comunista internacional na França ocupada pela Alemanha nazista (1942). Fonte: Bundesarchiv Bild 183-2004-0211-500, Frankreich, Antisemitismus.

Uma das estratégias dos disseminadores deste tipo de conteúdo é enviar uma grande enxurrada de fake news e teorias conspiratórias simultaneamente em diferentes mídias e canais a fim de entulhar o debate público realizado na Internet com mentiras e ataques verbais, não deixando espaço para o surgimento de um debate baseado em troca e confrontação de informações e ideias – essa tática é chamada de firehosing.

Desafios para o século XXI

No século XXI, o aprofundamento da crise da democracia representativa liberal e dos partidos políticos de esquerda tradicionais, a popularização da Internet, o surgimento e o crescimento das redes sociais, a precarização do trabalho e das condições de vida da classe trabalhadora, a falta de expectativas de superação das crises políticas, econômicas e sociais do capitalismo, a sofisticação dos órgãos de repressão policial e política e das ferramentas de monitoramento e controle oferecidos pela Internet e pelas ferramentas digitais, especialmente a partir de 2008, criaram um ambiente de deterioração do espaço público, da política e da democracia.

Nessas condições, as teorias conspiratórias tornaram-se um elemento ideológico ainda mais importante, cada vez mais sustentado pelas fake news e pelo discurso de ódio espalhado pelos diferentes grupos políticos das direitas. Infelizmente, as teorias conspiratórias tornaram-se parte integrante do senso comum.

Nos últimos anos,  as direitas no Brasil, especialmente a extrema-direita de perfil ideológico fascista e próximo a alt-right internacional, tomaram de assalto o debate político nacional e importantes cargos no Executivo e Legislativo; em grande parte com o uso sistemático de ferramentas de disseminação massiva de notícias falsas, discurso de ódio (hate speech), ideias autoritárias e teorias da conspiração, e assim trabalham diuturnamente para criar as condições para a instauração de seu projeto autoritário.

Autor: Ricardo Figueiredo de Castro

Fonte: Café História

Ricardo é Professor Associado de História Contemporânea no Instituto de História (IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É filiado ao GT “Direitas, história e memória” e pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (TEMPO) do IH/UFRJ. Tem experiência na área de História Social e Política, com ênfase em Brasil República, atuando principalmente nos seguintes temas: História política brasileira do século XX, com ênfase nas esquerdas brasileiras (comunistas, socialistas, trotskistas, principalmente). Trabalha também com a história política e cultural das direitas, com ênfase no Negacionismo do Holocausto e no Conspiracionismo (Conspiracy Theory). É autor, no Café História, do artigo “Negacionismo do Holocausto”, publicado em 2014.

Notas

[1] – O ministro das Relações Exteriores Eduardo Araújo postou no blog “Meta Política 17 – contra o globalismo” um artigo intitulado “Chegou o Comunavírus” onde escreve: “O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista”. Acesso em 28/04/2020.

[2] – “(…) fala, escrita ou comportamento, que ataca ou usa linguagem pejorativa ou discriminatória com referência a uma pessoa ou grupo com base em quem eles são, ou seja, com base em sua religião, etnia, nacionalidade, raça, cor, descendência, gênero ou outro fator de identidade”. United Nations strategy and plan of action on hate speech. p. 6. Disponível aqui.

[3] – Os dois ministros da Educação do governo Bolsonaro até o momento em que esse texto foi escrito são crentes confessos da existência de uma conspiração marxista que controla a Universidade pública brasileira.

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Referências Bibliográficas

BARKUN, Michael. A culture of conspiracy: Apocalyptic Visions in Contemporary America. Berkeley: University of California Press, 2003.

BERLET, Chip. Toxic to democracy: conspiracy theories, demonization & scapegoating. Sommerville (MA): Political Research Associates, 2009. Disponível em: https://www.politicalresearch.org/sites/default/files/2018-10/Toxic-2D-all-rev-04.pdf  Acesso em 20/05/2020. p.3.

FENSTER, Mark. Conspiracy theories: secrecy and power in American culture. Minneapolis: University of Minesota, 1999.

HERF, Jeffrey. Inimigo judeu: propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. São Paulo: EDIPRO, 2014. p.331.

HOPE NOT HATE. The International Alternative Right: an explainer. Disponível em:  https://www.hopenothate.org.uk/wp-content/uploads/2019/07/Alt-Right-report-SHORT-2019-v1.pdf Acessado em: 20/04/2020.

JAMIN, Jérôme. “Anders Breivik et le « marxisme culturel » : Etats-Unis/Europe”. Amnis. Revue de civilisation contemporaine Europes/Amériques, no 12 (1o de julho de 2013). https://doi.org/10.4000/amnis.2004.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Tudo sobre todos: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoas. São Paulo: Edições SESC, 2017. [E-book]

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas. São Paulo: Edições SESC, 2019. [E-book]

TAGUIEFF, Pierre-André. L´imaginaire du complot mondial: aspects d´un mythe moderne. Paris: Mille et Une Nuit, 2006. p.54.

Cowans: os pedreiros sem a palavra – Capítulo Final

A Concise History of Freemasonry

Os Cowans no ritual maçônico francês

Em geral, os rituais franceses geralmente não ecoam o tema dos cowans, pelo menos sob esse termo anglo-saxão definido, embora seja verdade que ele foi traduzido ou recriado, geralmente sob outros significados, como intruso, ou como espião ou simplesmente como profano.

Diante dessa situação paradigmática, o professor D. Stevenson vem ao nosso apoio, quando nos diz que toda essa trajetória pelas terras francesas é quando se nota que tal palavra desapareceu dos rituais atuais e “provavelmente porque houve poucos historiadores da maçonaria que examinaram a questão, bem como as áreas que ela cobre, e até os próprios maçons não sabem muito bem o que essa expressão significa[1], além das expressões canônicas em uso e encontradas em alguns tratados e em muitas páginas da web nas quais são repetidas como papagaios.

Localizados nos primeiros textos pré-rituais originários das heranças dos Modernos, e gerado em solo francês, como foi o ritual Luquet de 1745.  Isso nos diz que o Guarda do Templo (Tuileur) tem o senso e o dever de afastar os profanos:

P. Pourquoi vous armez-vous de glaive in vos L. ? (Por que estais armado com uma espada dentro da loja?).

R. C’est pour écarter les profs. (Para afastar os profanos).

Neste momento, não estamos mais diante de traduções, mas pelo contrário, diante de produções rituais típicas da prática maçônica francesa, que em sua fraseologia nos lembram vagamente o tema dos famosos cowans anglo-saxões, neste caso quem intervém é o Tuileur (Telhador) do Luquet, tratando de afastar os profanos, que parece dirigir-se a eles como os chamados cowans, que estariam interessados em obter esse acesso sem saber muito bem  para quê e, por outro lado, não parece fazer muito sentido afastar  aqueles que poderiam ser candidatos adequados para fazer parte da fraternidade maçônica.

É claro que, no subconsciente coletivo, atua sob pressão da constante presença de bisbilhoteiros no entorno das lojas para poder dar prazer ao público que exigia esse tipo de material, conforme mostra a extensa lista de divulgações e exposições que foram publicadas ao longo do século XVIII, tanto na Inglaterra quanto na França.

A exposér que vaza alguns anos após o Luquet, sob o título: Antimaçons (1748)comunica existência de pessoas indiscretas e dedicadas à espionagem, e serem malignas em suas pretensões.

On peut s’en rapporter aux sots pour remarquer tout ils n’ont que cela à faire. Ils sont espions par malignité, & indiscrets par besoin de conversation.”

Nesse sentido, estamos diante de uma definição mais exata da situação pela qual passava a Maçonaria, pois estarem todos os seus rituais sendo vazados para a opinião pública, evidentemente com a intenção de desacreditar, e cuja forma de obtenção como foi vista no Prichard de 1730 através de espionagem, daí a essencialidade do Guardião do Templo externo.

A Condenação do Régulateur sobre artesãos e Companheiros

Mas enquanto todas as exposições francesas vão se mover nesse mantra da bisbilhotice e a intrusão, será um ritual do final do século como o Régulateur du Maçon, que vai além ao definir uma diretriz muito alinhada com o associativismo terminológico que venho comentando, já que no ritual do grau de Aprendiz, ao detalhar as condições para admissão, ele explica:

“Raramente se admitirá um artesão, mesmo que ele seja um Mestre, especialmente em lugares onde as corporações e comunidades não estejam estabelecidas.”

Procurando explicações para esta citação, que não é mais sobre os cowans operativos sobre os quais foi insuflada uma certa penalidade em forma de maldição, mas que transfere essa pressão para o setor artesanal francês, realizando uma transmutação que havia sido realizada antes sobre os artesãos canteiros sem a palavra, ou seja, os cowans, embora obviamente a história dos dois grupos de cantaria, tanto ingleses quanto franceses sejam radicalmente diferentes.

Para entender em parte a razão dessas omissões no tratamento e estudo sobre os cowans e as condenações sobre os Companheiros nos rituais, nos voltamos para a figura de Pierre Nöel, que nos explica por que significados, autores como Guenón[2], Dat ou Guyot não expuseram a existência dessas incongruências, e a explicação vem do fato de que parte desses estudiosos nunca leram os rituais operativos da Worshipful Society e autores do outro lado do canal como Bothwell-Gose ou Debenham, pelo contrário, nunca leram o Régulateur du Maçon.

E, portanto, a questão da rejeição pode ser observada no que é exposto pelo ritual Luquet, que é, por sua vez, uma espécie de enxerto operativo de origem inglesa na ritualidade francesa; é evidente que nesta história não brilham muito os cowans que, geralmente, são semienterrados sob outros nomes, como se pode observar nas exposérs francesas, exatamente até que o Regulateur, de uma maneira muito discriminatória, volta a colocar no tapete as velhas essências inglesas de rejeição a alguns setores operativos do início do século XVIII.

Não deixa de parecer estranho que o “esquecimento” por parte dos historiadores e estudiosos franceses sempre tenha sido muito exigente e mais sobre o fato de que essa curiosa dissolução terminológica do cowan tenha ocorrido com base em várias traduções pelas quais outros termos mais tradicionais, ligados ao determinismo hexagonal foram incorporados, cujas adaptações surgiram com base em situações e realidades muito diferentes, que viriam a criar fortes distorções semânticas e de interpretação histórica.

Em 1801, quando o Régulateur du Maçon é publicado na França pela mão do Grande Oriente da França, que codifica a prática dos Modernos, mostra uma frase que vem complementar aquela já anteriormente exposta à forte rejeição dos artesãos, a frase termina com esta determinação:

“Jamais se admitirão os trabalhadores chamados Companheiros (Compagnons) nas artes e ofícios.”[3]

Conhecidos são os embates históricos do Companheirismo (Compagnons) na história das construções religiosas e sociais ao longo dos diferentes séculos, tanto de caráter religioso, sindical e social, que levaram os poderes civis a perseguir tais guildas, tidas como revoltosas, o que não deixa de ser paradoxal que a mente coletiva maçônica, pelo menos no âmbito castelhano, continue a propor paralelismos estranhos, acreditando que são os mesmos ou semelhantes construtores de catedrais e maçonaria e, portanto, continua a ser mitologizada como algo próprio da Maçonaria especulativa por herança, quando na realidade, no caso da França, é mais uma questão muito mais de guildas de Ofício e dos Companheiros.

Portanto, depois de ler o vade-mécum sobre o trabalho do Companheirismo na França[4] fica bastante claro que a censura feita pelo Régulateur não deixa de ser  é uma recriação do malditismo dos artesãos e, portanto, dos Companheiros, o que nos vem lembrar os velhos cowans anglo-saxõesapesar de sua história registrar grandes confrontos com seus irmãos de confraria, mas nesse outro contexto de torná-los alvo de invectivas e objetos de perseguição e zombaria, o que no contexto francês afetaria os Companheiros.

E é nesse contexto que se pode entender como lógica a condenação exposta no Régulateur, que se destaca dos usos terminológicos equívocos mais atuais, tais como profano ou intruso, para inclinar-se em direção às raízes operativas, transformando o dardo da marginalização desta vez sobre os Companheiros (Compagnons).

No entanto, um especialista em questões de Companheirismo, como é Jean-Michel Mathoniere, indica que essa referência aos Companheiros no Regulateur não se refere aos  Companheiros de Dever, mas aos “Companheiros do mesmo sistema corporativo e gremial dos operativos”. Essa acaba sendo uma opinião bastante estranha, pois desde os tempos antigos estamos diante de uma queixa quase permanente sobre a possível presença de artesãos, como cowans, cuja maldição está incluída no relato bíblico de Ezequiel 13.  10-15:

“Porque inclusive seduziram o meu povo, dizendo: Paz; não havendo paz; e um construiu um muro e eis que os outros o sujaram com lodo solto.”

Nas referências a seguir, eles são tratados ou assemelhados a intrusos, e de abomináveis,  fazendo-os passar continuamente, como “ouvintes intencionais” que desejam entrar nas lojas e, assim, obter a Palavra de Maçom, ou seja querer passar-se por, em todo caso querer passar-se por maçons, uma opinião encontrada em ambos os lados do Canal da Mancha, nessa sequência, primeiro como cowans e depois como espiões intrusos, embora seja necessário esclarecer que alguns seriam ouvintes involuntários (cowans) e outros seriam os ouvintes intencionais (espiões), a serem finalmente assemelhados aos Companheiros, que definitivamente serão classificados como indesejados.

Pessoalmente, estou inclinado a pensar que o Régulateur, em seu preâmbulo, quer abranger precisamente aqueles artesãos, qualificados em alguns setores como “vis, sem elevação e sem mérito”[5] e os Companheiros, como um reflexo do repúdio a esse estamento, dada sua história como guildas dentro da articulação do ofício na França.

Os maçons de Teoria e de Prática

Se isso era pouco dentro desse imbróglio terminológico da França do século XVIII, que relaciona os cowans ingleses a espiões e intrusos, etc., é perturbado pela chegada de outros significados e concepções controversos encontrados nos rituais franceses, que versam sobre os maçons de prática e de teoria.

Embora não deixe de ser certo que este assunto apresente muitos problemas ao lidar tanto com o conceito quando com a historiografia.

Um dos primeiros rituais que expõe a questão colocada é o ritual Luquet (1745). Em seu catecismo baseado na troca típica de perguntas e respostas, destaca-se a pergunta:

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos.

P. Quais são eles?

R. O M. de Teoria e o M. de Prática.

P. O que você aprende como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, para purificar nossas maneiras e nos tornar agradáveis a todos.

 P. O que é um M. de Prática?

R. Ele é um pedreiro, que trabalha a pedra e que levanta colunas sobre suas bases.

Aqui vemos, como um maçom de teoria se tornaria o virtuoso maçom especulativo com base no aceitação de bons elos cavalheiros, que formarão a associação da Grande Loja de Londres, em vez disso, o maçom de prática é apresentado como um simples e tosco pedreiro que não parece ter outro objetivo senão erguer colunas, ele não é um construtor, mas sua missão parece mais simples, como os antigos cowans, erguer pilares.

P. O que aprendeis como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, purificar nossos costumes, tornando-nos agradáveis a todo mundo. [novamente a presença dos cavalheiros ou gentis homens]

P. Quais são as principais qualidades de um M. de Teoria?

R. Ser um homem livre e discreto, igual aos príncipes reconhecidos por suas virtudes e amigo de Deus e do próximo.”

Eleva-se o elemento cavalheiro à categoria semidivina, ao contrário de como se expõe o artesão e o pedreiro, simplesmente um trabalhador da pedra, em que permanecerão pelo resto de suas vidas, pelo menos sob essa concepção medieval de estar sujeito ao ofício por toda a vida.

P. Que é o Maçom Prático?

R. Quem usa materiais nos edifícios.

P. Não pode ser tão virtuoso quanto nós?

R. Todo homem pode estar nesse estado; mas a grosseria e muitas vezes as razões mecânicas impedem praticamente que ele se una.

Essa discriminação é algo compartilhado por outra divulgação francesa do mesmo ano, a Sceau Rompu (1745) e que prossegue nessa mesma linha o Luquet em seus ditados, e onde essa exposição sobre a grosseria baseada na ruralidade como incapacidade de se projetar e ser portador de suficiente argamassa para que a Maçonaria lhe diga que

“não tem lugar para quem constrói suas paredes simbólicas sem o cimento do amor fraterno.”

Por outro lado, observar que na tradução apresentada pela editora Pardes esses dois termos foram traduzidos diretamente como “Maçons especulativos e Maçons Operativos”, conforme indicado na nota colocada no rodapé da página da tradução. O catecismo continua:

P. Quantas classes de maçons existem?

R. Maçons de teoria e Maçons de Prática.

P. O que aprendeis como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, para purificar nossos costumes e nos tornar agradáveis a todos.

P. O que é um Maçom de Prática?

R. Um trabalhador de pedra que levanta perpendiculares (aprumadas) sobre suas bases.

Em relação ao exposto, insiste-se nesse erguer verticalmente de forma unânime, como aqueles que erguem muros e os Maçons de Teoria  seria o maçom especulativo que deve aprender, por sua condição, a obter uma boa moral, a purificar as maneiras e ser agradável a todos. Deverá observar o silêncio, o segredo, a prudência e a caridade, fugindo das calúnias e da intemperança, pois a Arte Real dos Maçons sempre teve o desejo de unir a prática da virtude e as artes liberais herdadas da antiguidade.

E esse objetivo é proposto à custa de rebaixar o pedreiro simples, maçom de prática, que lhes doou primeiro suas ferramentas e conhecimentos para com eles construir uma fraternidade, para depois despojá-lo de toda a sua ciência, de seu ser e estar no sítio da construção maçônica.

De qualquer forma, essa não é a novidade, mas que uma divulgação deixe tão claro que os maçons operativos não tinham nenhuma conotação espiritual ou esotérica e que obviamente não parecem ter eco na Maçonaria recém-criada por sua falta de empatia e amor fraterno, o que cria um paradoxo, já que tais afirmações vão contra a corrente mítica que elevou os maçons operativos como os grandes construtores das catedrais com toda a sua carga místico-esotérica.

Em textos como a Divulgação de 1745, ou a de 1748, Le Nouveau Catéchisme de Franc-maçons, ou os rituais do Marquês de Gages de 1763, ou mesmo nos rituais do Duque de Chartres de 1784, todos eles se alinham para deixar clara a razão diferencial entre Maçons Práticos e Teóricos (Operativos e Especulativos), e nessas apreciações não há grandes diferenças de conceito entre eles.

É mais um dos últimos rituais descritos como provenientes do ramo dos Modernos, e já terminando o século XVIII, como é o Corpo Completo da Maçonaria, adotado pela Grande Loja de França (1761 ou 1774) isso continua na mesma posição.

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos: Maçons de Teoria e os Maçons de Prática.

P. Quem são os Maçons de teoria?

R. São aqueles que aprendem uma forma de moral, purificam seus hábitos e se tornam agradáveis a todos.

P. Quem são os Maçons de Prática?

R. São os que talham a pedra e erguem a perpendicular (aprumada) sobre suas bases.

Essas definições na instrução do Segundo Grau do Regulateur (1786), voltam a reafirmar, com uma diferença entre uma e outra, mas rebaixando cada vez mais as funções do Maçom de Prática.

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos, uns de Teoria e outros de Prática.

P. O que os aprendem os Maçons de Teoria?

R. Uma boa moral que serve para purificar nossos costumes e nos tornar agradáveis ​​a todos os homens.

P. O que é um Maçom de Prática?

R. É o trabalhador da construção.

Essa ideia da distinção entre ambos será mantida até o final do século XVIII, embora em parte vá se dissolvendo gradualmente, mas mesmo assim, surge alguma divulgação tardia que se afasta de tais paradigmas, como é o caso de Mahhabone (1766), que vai um pouco mais longe ao deixar para trás, pois assume o novo estado no qual o novo membro da loja deve ter tanto de cavalheiro quanto de pedreiro:

P. O que aprendestes ao se tornar Cavalheiro Maçom?

R. O Segredo, a Moral e a boa camaradagem.

P. O que aprendestes ao se tornar Maçom do Ofício?

R. A talhar a pedra em esquadro, dar forma à pedra, possuir o nível de habilidade com a perpendicular (prumada).

É evidente que a exposição Mahabone assume e adota as duas tipologias, é claro a dos cavalheiros como seu fundamento essencial, mas assumindo o elemento operativo como uma herança valiosa que o ajudará a elevar-se até o novo estado que propõem os cavalheiros, os quais

“trabalham de segunda a sábado, com giz, carvão de madeira e uma panela que significa Liberdade, Fervor e Zelo, essa é uma proposta um pouco diferente do futuro universo especulativo.”

A herança dos Antigos e dos Cowans um século depois

No entanto, dentro da corrente dos Modernos e no seio do continente, essa questão praticamente desaparece, exceto pela exceção do Régulateur, que eu já expus antes, por outro lado e a título de contraste, expor que a corrente dos Antigos recupera a antiga linha marcada pelos preconceitos.

É assim que a situação é apresentada em um texto do Catecismo de Instrução do REAA da Grande Loja da Espanha (GLE)[6].

P. Um maçom pode seguir sendo um Cowan?

R. Aquele homem que ingressa por mera curiosidade, para ganhar posição social ou vantagens nos negócios, o falso maçom é o verdadeiro cowan, uma fonte sutil de problemas dentro do corpo do Ofício, que certamente afetará a vida da Irmandade. se não se tiver cuidado.

A pergunta que poderíamos nos fazer é: Por que se segue recolhendo em diferentes textos do REAA a proposta de Anderson de 1738 em um documento de 2011 da Maçonaria de tradição espanhola?

A julgar pelo que alguns maçons anglo-saxões expõem, isso é relativamente fácil de entender, uma vez que os cowans são elementos exógenos das guildas da maçonaria especulativa, uma vez que são trabalhadores sem a palavra, que desejam ingressar em nossas fraternidades… e, portanto, esse termo tem sido o ideal para definir a situação.

Podemos verificar o mesmo no Duncans´Masonic Ritual and Monitor de 1866, e pertencente à herança Antiga:

P. Brother Tyler, your place in the Lodge. (Irmão Guarda do Templo Qual é vosso lugar em Loja?)

R. Without the inner door. (Fora da porta interna)

P. Your duty there? (Qual é o seu dever ali?)

R. To keep off all cowans and eavesdroppers, and not to pas o repas any but are duly qualified and have the Worshipful Master´s permission. (Manter afastados todos os profanos e bisbilhoteiros, e não deixe passar ninguém devidamente qualificado e sem a permissão do Venerável Mestre.)

Como já expliquei, no restante dos cadernos rituais franceses de raiz Moderna do século XIX, perde-se praticamente toda a referência à persistência nessas tessituras, exceto no Rito Francês Filosófico que retoma a questão, mas a partir de perspectivas novas e diferentes.

Conclusões

Com base no exposto sobre os famosos cowans, pode-se resumir o que segue:

  • Temos no início de toda essa história na região anglo-saxônica alguns pedreiros rurais (wallers ou construtores de muros) coexistindo no tempo e, circunstancialmente, nos mesmos lugares com os poderosos setores do Ofício (Craft) de caráter marcadamente urbano: guildas, confrarias, corporações, etc. .
  • Pedreiros rurais apontados pelas corporações de ofício como pedreiros marginais, ou mão de obra eventual, a quem designam em vários documentos como “Cowans”. (Canongate, Glasgow, Morher Kilwinning, York, Lodge Aitchison´s Haven).
  • Cowans, que, nas Old Charges, e em alguns outros regulamentos e documentos, são mencionados em relação ao exercício e regulamentação do Ofício, nos quais lhes são atribuídas uma certa especificidade profissional de natureza rural limitada à construção de muros e pequenas construções no meio rural e, portanto, a eles são reduzidos as áreas de trabalho e dedicação. (Estatutos de Shaw, manuscritos DumfriesWilkinson).
  • Termo que provém dos usos operativos da Escócia e que aparece em solo inglês e seus textos regulatórios no final do século XVII e início do século XVIII, estendendo esse termo em relação à Maçonaria a qualquer pessoa que não fosse um maçom especulativo.
  • Como tais trabalhadores da cantaria rural não estavam inseridos nos grupos das guildas urbanas do Ofício, ficando à margem da posse da Mason’s Word (Palavra do Maçom), que dava opção para mais benefícios de trabalho ou proteção.
  • Tais cowans aparecem no seio da ritualidade no início do período especulativo como tais cowans, mas também sob descrições: espiõesintrusos, etc., e sob o pretexto de entrar secretamente na Maçonaria, conforme apresentado em diversos textos. (Confissão de Maçons, Constituições de Anderson,)
  • São o resultado de campanhas de assédio e ridicularização, tanto nos rituais quanto por outros meios: canções e desenhos, nos quais são apresentadas como tal e conforme ocorre  no Ahiman Rezon, como imorais e abomináveis.
  • Na ritualidade francesa, o termo cowan vai adquirindo outros significados já comentados:  espiõesintrusos, e como profanos indignos, perdendo a raiz original, aparecendo certos problemas de tradução e interpretação ao perder a raiz.
  • A adaptação do termo cowan nos meios de comunicação de massa maçônicos franceses transformou sua presença como maçons de prática, como um ponto de ruptura e separação entre o mundo operativo e o mundo especulativo, que se apresenta como um simples obreiro que levanta colunas e sem atitudes, devido à sua grosseria.
  • Volta ao conceito de marginalização operativa, ou seja, considerando cowans certos setores do Ofício: os artesãos e os Companheiros(Régulateur du Maçon).
  • Desaparecimento prático, dentro da raiz dos Modernos no século XIX, de tais significados denegridores.
  • Presença dos velhos clichês operativos dentro da corrente dos Antigos e até o século XIX. ( Ritual e Monitor de Duncans)

Em geral, este estudo quis demonstrar como um termo que esteve presente por mais de um século em nossos rituais, como os cowans, foi sendo alterado em termos de definições, disseminação e desenvolvimento, em cujo setor do Ofício foi marcado com sangue e fogo sob alguns conceitos como pedreiros, artesãos ou companheiros, mas sob percepções ou tratamento pejorativos como espiões, intrusos, detestáveis ou abomináveis de quem a Maçonaria se serviu para denegrir e atribuir certas atitudes, quando, de fato, como diz Bob Walker da Grande Loja da Escócia, nunca esses [cowans] representaram um problema ou uma ameaça para Maçonaria[7].

No entanto, houve toda uma concomitância em querer apresentar os cowans sob diferentes denominações como pessoas que não são capazes de construir nada no seio da Maçonaria, porque lhes faltariam, como diz um maçom inglês “o cimento que supõe o amor fraternal”, recorrendo à mesma Bíblia em que o livro de Ezequiel 13:10-15 dedica um flagelo cruel a esses simples pedreiros rurais que constroem muros sem argamassa.

“Deste modo, destruirei o muro que vós cobristes com lodo solto, e o jogarei por terra, e sua fundação será descoberta e cairá, e sereis consumidos no meio dela; e sabereis que eu sou Jeová. Assim, cumprirei minha fúria no muro e naqueles que o cobriram com lodo solto; e eu vos direi: Não existe muro, nem quem o revestiu.”[8]

Não deixa de ser curioso que uma fraternidade como a maçônica, baseada no objetivo de “reunir os dispersos”, tenha mantido essa discriminação e denigração por tanto tempo.

Um termo como “cowans” que, se não fosse pela atenção ou estudo de autores como Mackey, Joseph Fort Newton, Henry Carr ou Sudarkis…, teria sido esquecido, perdendo toda a sua marca.

Estas são as investigações e reflexões que pude conceber para trazer à tona as velhas dúvidas maçônicas que desde a idade de aprendiz maçom eu vinha arrastando em relação a esses estranhos pedreiros rurais, os cowans.

FINIS

Autor: Victor Guerra
Tradução: José Filardo

Fonte: BIBLIOT3CA

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Publicado originalmente em: ritofrances.net/

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Notas

[1]Stevenson, David.Les Premiers Francs-Maçons. Les Loges Écossaises originelles et leursmembres. Éditions Ivoire-Clair. 2000.

[2]http://pierresvivantes.hautetfort.com/archive/2013/12/15/rene-guenon-et-les-origines-de-la-franc-maconnerie-les-limit-5247265.html#_ftn3, (René Guénon y los orígenes de la masonería: los límites de una mirada).

[3]Régulateur du Maçon. Editor Masonica. Es.

[4] – Berton, Hugues ; Imbert, Christelle. Les Enfants de Salomon. Approches historiques et rituelles sur le Compagnonnages et la franc-maçonnerie. Éditions Dervy. 2015.

[5] – Anatole de Maontaignon. Etat des ouvriers ramenés d’Italie par Charles VIII, 1497-8. Archives de L´Arte Français. T. 1. 1906.

[6]Lectura de Instrucción por preguntas y Respuestas, basadas en los catecismos y textos tradicionales del REAA. GLE. 2011.

[7] – Are there Cowans in our midst? http://www.themasonictrowel.com/Articles/General/other_files/are_there_cowans_in_our_midst.htm

[8] – Ezequiel 13. 14-15

Cowans: os pedreiros sem a palavra – Capítulo II

Geeks Forever: Creepypastas : A MÁGICA

Os cowans nas exposérs e nos rituais maçônicos

A etimologia da palavra cowans preencheu muitas páginas da historiografia inglesa e pouquíssimas páginas, para não mencionar quase nenhuma, em francês.

Embora isso se deva talvez ao fato de o termo ter sido traduzido para o francês de uma maneira muito diferente, e sua singularidade como tal ter sido ocultada de uma maneira que a maioria dos dicionários maçônicos em uso, apesar de ser um termo amplamente usado em inglês na Maçonaria operativa e especulativa em seus primórdios, na bibliografia francesa, dificilmente esse fato é levado em consideração.

Revisando os dicionários em uso como, por exemplo, o Dictionary of Freemasonry, de Daniel Ligou, ou a Enciclopédia de Saunier, nem mesmo a prolífica Irene Mainguy trazem o termo em suas publicações. Quem o faz são Boucher e Bayard, mas acrescentando as citações já expostas sobre a loja de Kilwinning.

Apenas o dicionário de Solange Sudarkis[1] é um pouco mais explícito. Esta autora nos remete às Constituições de Anderson de 1738, cujas palavras são retomadas por Laurence Dermott no Ahiman Rezon. Estendendo-se a autora do repertório em sua entrada ao que já foi exposto neste artigo, sem se aventurar em nenhuma outra novidade.

Nesta busca pela etimologia, há quem nos leve de volta às origens gregas para nos dizer que daí vem uma expressão semelhante que significa algo como “cachorro”. Continuando com essas andanças, existem aqueles que acabam diante da Revista de Maçonaria que, em seu volume 1, cita o Cavaleiro Ramsay quando fala sobre An Inquire Concerning Cowans; e sem sair do solo inglês, a pena de Sir Walter Scott cita os referidos operativos em seu romance Rob roy:

Ela não valoriza um Cawmil Mair como Cowan, e você pode dizer a Mac Callum More que Allan Iverach disse que sim.

É isso que alguns documentos repetem uma e outra vez, mas é preciso dizer que esse conjunto de contribuições dificilmente nos tira da roda gigante da repetição de citações, muitas delas tendo como base o que já foi bem escrito por Mackey, ou pelo próprio Joseph Fort Newton[2].

Quem vem em nosso auxílio neste árduo desbaste entre fontes primárias é, como quase sempre, o grande aluno do fenômeno maçônico, Henry Carr[3], que nos oferece mais pistas sobre tal termo, pelo menos para seguir adiante.

Os cowans nas Antigas Obrigações (Old Charges)

Analisei a etimologia do termo e sua adequação nos campos profissionais relacionados ao mundo da cantaria e, é claro, seu atrito socioprofissional devido a diferentes mudanças nos setores profissionais, e não vejo que manifestem uma atenção especial nas diversas regulamentações socioprofissionais do século XVI ao XVIII, ou seja, nas Antigas Obrigações (Old Charges).

Pode-se dizer que sua presença em tais textos é mínima, como nos mostra o prestigioso pesquisador da chamada Escola Autêntica, Henry Carr, que escreve que a presença dos cowans é notada em dois manuscritos, o Dumfries No. 4 e o Wilkinson.

O primeiro deles, de 1710, em sua lenda do Ofício, nos expõe outra variante do termo: cowin e em cujo texto se insere nesta frase:

The Assembly Itim that no master masson shall make any mould square or Rule to any Layer or cowin Itm that no mg within or without a loge shall set a lay mould of stone or other ways without».[4]

A tradução francesa se apresenta assim:

Item, nul maître maçon ne fabriquera aucun gabarit, equerre ou regle pour un poseur ou un cowan. 

Que viria a ser traduzido para o português assim:

Nenhum Mestre Maçom fabricará qualquer modelo, esquadro ou régua para alguém que se passa por (se apresenta), ou que não tem qualidades (finge) ou um cowan.

No Prefácio do referido manuscrito fala-se “das obrigações de todos os maçons verdadeiramente qualificados”. Assim, fazendo-se uma distinção entre maçons qualificados e os “outros”, deve se referir, portanto, aos cowans, que além disso qualifica como trabalhadores temporários.

O segundo documento é o manuscrito Wilkinson de 1727, que Harold Wilkinson da Loja Pomfret nº 360 encontrou em 1946 entre os documentos de seu falecido pai Samuel Blaze Wilkinson (1851-1931). E, portanto, ele carrega seu nome.

O manuscrito Wilkinson parece representar um ritual anterior a exposér de Prichard, e parece não haver evidências de que ele tenha sido praticado em qualquer Loja de Northampton, onde foi encontrado. Tampouco se pode afirmar, certamente, por razões que explicaremos mais adiante, que o documento fosse escrito em data anterior ao que se diz. Este evento, como o resto da história, foi publicado por Knoop e Jones em sua resenha sobre tal manuscrito[5].

Em resumo, cowan é um termo que, primeiramente, vem do campo profissional rural, isto é, de uma guilda no amplo mundo do trabalho em pedra, mas que estava fora das questões regulatórias e da articulação das corporações de ofício. Não parece que eles tivessem regulamentos ou qualquer organização, pelo menos os historiadores não o incluem como tal.

Sabemos tangencialmente e por fontes das próprias corporações de ofício que esses trabalhadores, por diferentes razões, eram exógenos ao classismo da cantaria, uma vez que eram trabalhadores que não tinham a etiqueta das distintas organizações corporativas (irmandades, guildas, corporações, etc.), onde seus membros tinham diferentes formas de aceitação e reconhecimento (palavras e toques) que faltavam a esses trabalhadores rurais que não podiam, portanto, valer-se da ajuda fraterna das diferentes organizações do Ofício.

Isso que, em princípio, não deveria ter maior importância, pois os dois setores não estavam em concorrência conforme já foi dito, quando a pressão trabalhista os levou a se mover, alguns em direção a áreas rurais com a construção de igrejas, e outros em direção a cidades para reconstrução delas, como foi o caso de Londres. Isso demonstra que um terceiro significado estava emergindo, de maneira depreciativa, fazendo os cowans rurais parecerem intrusos.

Os cowans no ritual maçônico inglês

Por outro lado, como eu já disse, o termo cowan não merece muito mais atenção do mundo sócio trabalhista da cantaria no território inglês, uma vez que as fortes estruturas e regulamentos assumiram a situação como uma consequência da estratificação sócio trabalhista, e assim podemos entendê-la quando não encontrar na barafunda de manuscritos regulatórios (Antigas Obrigações) nada mais do que um número muito pequeno de citações.

Sem descurar o declínio das guildas operativas, paralelamente, a questão dos cowans passou a um segundo plano.

Em vez disso, com o surgimento da Maçonaria especulativa a partir de 1717 e a chegada das exposérs publicadas nos tabloides ingleses, bisbilhotando os trabalhos do ritual maçônico que naquela época era um produto de alta demanda entre o público em geral, e esse termo estava vinculado principalmente ao âmbito profissional sob várias acepções: maçons rurais, pedreiro de muros, maçom sem reconhecimento ou pedreiro temporários etc., leva a uma nova acepção, e os famosos cowans começam a aparecer, atribuindo-lhes ou assimilando-os a novos termos como: leigos que pretendem entrar nas lojas, eles também são descritos como intrusos, e um pouco mais tarde eles são denunciados como espiões.

Assim, nos chegam as diferentes exposérs nos jornais da época, que dada sua semelhança, fazem com que seu conteúdo nos ofereça certas garantias de que o que elas nos dizem corresponde a uma realidade na qual quase todas coincidem mais ou menos[6].

Uma dessas exposérs, a A Mason’s Confession (Confissão de um maçom) de 1727, que reuniu as cerimônias dos maçons especulativos daqueles primeiros anos, traz em sua primeira citação:

immediately after that oath, the administrator of it says, you sat down a cowan, I take you u Mason. (Imediatamente após o juramento, o presidente diz: aqui chegastes como cowan (profano) e eu te aceito como maçom).[7]

Uma frase que não deixa de ser surpreendente, pois pode ser interpretada como uma mão estendida a quem, depois de procurar um lugar na vida, a encontra com essa ajuda de ser aceito como maçom. Mas estamos falando da época especulativa, dez anos haviam se passado desde a fundação da Grande Loja, e não estamos mais falando de um profano, mas de um cowan. O que o autor de Confissão nos quer dizer com esta frase?

Que ainda pesava a herança operativa no seio da nova proposta especulativa. É uma possibilidade.

Outra citação que já conhecemos em parte é esta:

Q. How high should a mason’s siege be? A. Two steeples, a back, and a cover, knee-high all together. ——N.B. One is taught, that the cowan is taught, that the cowans stage is built up of whim stones, that it may so on tumble down again; is taught, that the cowans siege is build-up of whim stones, that it may soon tumble down again; and it stands half out in the lodge, that his neck may be under the drop in rainy weather to come in at his shoulders, and run out at his shoes».[8]

Um assento, um local … mas onde? O texto está se referindo à parte externa da loja, naquele ponto em que o último trabalhador, talvez o cowan, não estava sob o abrigo da Loja e, portanto, exposto a intempéries que lhe fustigavam todo o corpo. É possível que seja isso.

Por outro lado, nas Constituições de Anderson, o autor não foi sensível a essa questão em seu texto de 1723, cuja ausência não chamaria a atenção, se não fosse pelo fato de que quinze anos depois, na revisão de 1738, ele introduziu esta frase:

Os maçons livres e aceitos não permitirão aos cowans trabalhar com eles, e eles não serão empregados a menos que haja uma necessidade urgente…

Cabe então perguntar por que Anderson levanta essa questão de “necessidade urgente”, justamente naquele momento, 1738 …? Essa necessidade foi justificadamente invocada em 1666, após o incêndio em Londres, que fez com que chegassem à capital inglesa as mais variadas guildas de pedreiros.

Um pouco antes da modificação andersoniana, foi publicada a talvez mais importante exposér dentro desse panorama de rituais maçônicos, e ligada ao setor dos Modernos. Trata-se da obra de Prichard, Maçonaria Dissecada (1730) em que o termo que nos interessa aqui surge em várias ocasiões. Vejamos então as citações:

A certa altura do catecismo clássico dos trabalhos rituais, o Venerável Mestre pergunta ao Aprendiz Aceito onde ele se situa e este responde:

Apr: Ao norte.

VM: Qual é o seu dever?

Apr: Manter afastados todos os cowans ou bisbilhoteiros (eaves-droppers)

VM: Se um cowan for capturado, como ele deve ser punido?

Apr: Colocando-o sob os beirais da casa em tempo chuvoso até que a água entre por seus ombros e saia pelos seus sapatos.[9]

É aqui que se aprecia o vínculo que se faz entre os cowans como “bisbilhoteiros”, (eavesdroppers), que é exatamente o termo de correlação. Mas, para que se perceba como esses termos desaparecem ou se deformam com as traduções, naquela já mencionada de Renato Torres, neste caso da chamada Maçonaria Dissecada, ele traduz “To keep off Cowans and Eves-droppers”, como “Afastar profanos e bisbilhoteiros.”

Como se pode ver, os rituais e os catecismos valem-se das mesmas fontes, pelo menos em relação a algumas questões, pois mostram as coincidências entre as duas exposérs: A Mason’s Confession e a Maçonaria Dissecada.

Também aparece um pouco mais adiante, quando a VM continua com o catecismo:

P. Qual era a altura da porta da Câmara do Meio?

R. Tão alta que um cowan não conseguiria cravar um alfinete.

A resposta, digamos, está na tradução da seguinte frase do catecismo, pelo menos em relação à tradução francesa, quando diz:

Ela é tão grande que uma manobra (manoeuvre) não podia cravar um alfinete (épingle).

E comento que tal explicação está na tradução porque, por um lado, manouevre, geralmente traduzida como manobra e, como me explica o maçonólogo Joaquim Villalta, esse termo deveria ser traduzido como “peão” ou “mão de obra”, para se encaixar no entendimento mais adequado da frase, inclusive entendendo o termo “Pin” como prego, ou seja, um cravo pequeno e fino. Mas, no entanto, a frase na realidade, no idioma original em inglês, é “So high that a Cowan could not reach to stick a Pin in”, ou seja, que não existe manobra alguma, apenas a versão livre francesa de cowan[10].

Por sua parte, Laurence Dermott também dedica a eles várias citações em sua Bíblia constitucional, como é o Ahimam Rezon (1751) para os Antigos, onde ele escrevia sobre esses pedreiros marginais como “When sinful Cowans were grooving in the tide, the Mason Ark triumphantly did ride”.[11]

Pecaminosos… Por qual razão o seu trabalho nas áreas rurais, construindo muros, era repreensível ou imoral? Quando, na realidade, os irlandeses que constituíam a Grande Loja dos Antigos eram geralmente da mais baixa classe social de Londres, ou pelo menos assim eram considerados, incluindo o próprio pai fundador.

Laurence Dermott se deixa resvalar ladeira abaixo quando indica que nobres ricos podem contratar bons maçons e não cowans. Tinha ele medo da concorrência?

When Men of Quality, Eminence, Wealth, and Learning, apply to be made, they are respectfully accepted, after due Examination; for such often prove good Lords (or Founders) of Work, and will not employ Cowans when true Masons can be had; they also make the best Officers of Lodges, and the best Designers, to the Honour and Strength of the Lodge; nay, from among them the Fraternity can have a Noble Grand Master; but those Brethren are equally subject to the Charges and Regulations, except in what more immediately concerns Operative Masons»[12]

Aqui, Dermott repete o que Anderson disse em 1738:

But Free and Accepted Masons shall not allow Cowans to work with them, nor shall they be employed by Cowans without an urgent Necessity; and even in that Case they must not teach Cowans, but must have a separate Communication; no Labourer shall be employed in the proper Work of Free-Masons.[13]

A seção dedicada ao telhador (Tyler) se determina:

BROTHER V. W.: You are appointed Tiler of this Lodge, and I invest you with the implement of your office. As the sword is placed in the hands of the Tiler, to enable him effectually to guard against the approach of cowans and eavesdroppers, and suffer none to pass or repass but such as are duly qualified, so it should admonish us to set a guard over our thoughts, a watch at our lips, post a sentinel over our actions; thereby preventing the approach of every unworthy thought or deed, and preserving consciences void of offense toward GOD and toward man.[14]

Mas nas Constituições dos Antigos, Ahiman Rezón, a palavra cowan aparece cerca de catorze vezes e novamente em Tubal Kain.

Outros textos rituais seguem linhas semelhantes, seja de uma forma muito definida, como já vimos ou retirando certas assimilações.

No Guia de maçons escoceses de 1829:

P. Quem são aqueles a quem você chama cowans?

R. Aqueles que não são maçons.[15]

Mais adiante, se pergunta:

P. Um maçom pode seguir sendo um Cowan?

R. Aquele homem que ingressa por mera curiosidade, para ganhar posição social ou vantagens nos negócios, o falso maçom é o verdadeiro cowan, uma fonte sutil de problemas dentro do corpo do Ofício, que certamente afetará a vida da Irmandade. se não se tiver cuidado.[16]

A pergunta que poderíamos fazer é: por que se segue em 1829 assimilando a questão dos falsos maçons aos cowans? E não apenas isso. Como é possível continuar mantendo-os como fonte de diversos problemas, e isso não é feito falando diretamente de profanos que desejam ingressar na Maçonaria?

Em geral, essas são perguntas que os historiadores não se fizeram, mas que dificilmente foram objetivadas, e a possível resposta que temos para essa tendência dos maçons de manter as analogias antigas dentro dos rituais que nos podem parecer um tanto estranha e até pouco compreensível, mas explica o conteúdo e o continente, embora no final o que resta de tudo isso, e se torna muito evidente, é o interesse em assemelhar o termo cowan a uma série de atitudes reprováveis.

Nesse sentido o ritual Duncans’ Masonic Ritual and Monitor (1866) se expressa deste modo:

Q. Brother Tyler, your place in the Lodge. (Irmão Guardo do Templo Qual é o seu lugar na loja?)

A. Without the inner door. (Fora da porta interna)

Q. Your duty there? (Qual é o seu dever ali?)

A. To keep off all cowans and eavesdroppers, and not to pas o repas any but are duly qualified and have the Worshipful Master´s permission. (Manter afastados todos os profanos e bisbilhoteiros, e não deixe passar ninguém devidamente qualificado e sem a permissão do Venerável Mestre.)

Nesta linha que marca muito uma parte da ritualidade inglesa dos Antigos, mesmo quando a unificação de 1813 com os Modernos e os Antigos a tenha deixado para trás, e eles haviam se imposto uma normalização ritual através da implosão de ritual padronizado para esta nova fase, como é o ritual Padrão de Emulação, e onde se pode ver que em um ritual como o Duncan, o chamado Tyler (Guarda do Templo), localizado fora da loja, apresenta como missão, espada na mão, garantir que nenhum cowan ou intruso entre na loja.

A esse respeito, dos cowans surgiu um dilúvio de versos e canções satíricas, como a de Gavin Wilson, poeta e maçom da loja St. David no. 36 de Edimburgo, que em 1788 em suas canções satíricas apresenta os cowans como tolos que, pretendendo obter o Palavra de Maçom, podem ser enganados de mil e uma formas[17].

Por sua vez, o prestigiado Makey apresenta, quando narra como Robert Jamieson, em sua busca por possíveis derivações do termo, se coloca diante da alocução que termina com o termo “cachorro” (talvez ligando o fato de que os escritores bíblicos haviam exposto precisamente o cão como uma imagem de desprezo) e, a partir dessa acepção a que chega Jamieson, este o coloca em relação à língua sueca, para concluir a caracterização dos cowans como Kujon ou Kuzhhjohn que significa: “tolo”.

Continua…

Autor: Victor Guerra
Tradução: José Filardo

Fonte: BIBLIOT3CA

Publicado originalmente em: ritofrances.net/

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Notas

[1] – Dictionnaire vagabond de la pensée maçonnique. Éditions Dervy. 2017

[2] – The Builders. A Story and Study of Masonry. Grand Lodge of Iowa. 1914.

[3] – The Early Masonic Catechisms. Quatuor Conorati Lodge nº 2076. 1975.

[4] – MS. on two lines withgo owl.

[5] – https://hermetismoymasoneria.com/s13doc2a.htm.

[6] – Révaguer, Marie-Cécile. Les âges de la vie pour le franc-maçon britannique du XVIIIe siècle In: Les Âges de la vie en Grande-Bretagne au XVIIIe siècle. Presses Sorbonne Nouvelle, 1995.

[7] – En la traducción de Renato Torres, para el libro: Catecismos Masónicos (1696-1750). Edito Pardes. Este traduz a frase como: Você sentou-se como um cowan, eu lhe ergo como um pedreiro.

[8] – P. – Qual deve ser a altura de um assento de maçom?  R. – Duas agulhas de campanário, um encosto e um teto, todos à altura do joelho. Nota- É ensinado que o assento de um cowan é feito de pedra vulcânica para que afunde rapidamente. E está localizado metade na loja, metade do lado de fora, para que o pescoço do cowan fique sob o beiral do telhado em tempo chuvoso e que a água lhe penetre por entre seus ombros e saia pelos seus sapatos.

[9] – O ilustrador W. Hogarth, em 1730, parodia esse curioso castigo em sua obra Night . Ver: Mulvey-Roberts, Marie. Hogarth on the Square: Framing the Freemasons. Journal for Eightieth-Century Studies. Vol. 23. 2003.

[10] – (Nota do Tradutor) Os Cowans, apesar de qualificados como pedreiros, não eram assim considerados pelas corporações, que os consideravam apenas “mão de obra” a ser contratada em caso de emergência. O que pode ter ocorrido é o tradutor francês interpretar a palavra cowan como mão de obra e ao grafar “main d’oeuvre”, escreveu “manoeuvre”, gerando assim uma distorção no entendimento da frase original em inglês.

[11] – “Quando os pecaminosos Cowans sucumbiam à maré, a Arca do Mason triunfante subiu.”

[12] – “Quando homens de qualidade, eminência, riqueza e aprendizado solicitam serem recebidos, eles são respeitosamente aceitos, após o devido exame; porque eles frequentemente provam ser bons Senhores (ou Fundadores) do Trabalho e não empregarão Cowans quando podem ter verdadeiros maçons; eles também são os melhores Oficiais da Loja, e os melhores Desenhistas, para a Honra e Força da Loja; mais que isso, de entre eles a fraternidade pode ter um Nobre grão-mestre; mas esses Irmãos estarão igualmente sujeitos aos Cargos e regulamentos, exceto no que concerne mais imediatamente aos Maçons Operativos.”

[13] – “IRMÃO VW: Fostes nomeado Tyler (guarda do templo) desta Loja e eu vos invisto com a ferramenta de seu ofício. À medida que a espada é colocada nas mãos do guardo do templo, para efetivamente permitir que ele se proteja contra a aproximação de cowans e espiões, e não permita que alguém passe ou repasse, a menos que esteja devidamente qualificado. Com isso se quer nos advertir a colocar guardar um guarda sobre nossos pensamentos, vigilância em nossos lábios, uma sentinela em nossas ações; evitando assim a abordagem de qualquer pensamento ou ato indigno e preservando as consciências sem ofender a DEUS e ao homem.”

[14] – A este respeito, há uma nota que diz Le Parfait Maçon – Pro-phanus significa fora do Templo, e o profano designa quem não entrou em seu Portal janua. O termo inglês Cowan designa qualquer estranho à guilda que não possua a Palavra, já que se tratava de um leigo, um espião ou um pedreiro ou um aprendiz que não foi recebido maçom (http://helmantica182.org/wp-content/uploads/2016/01/Lecturaspyg.pdf)

[15] – Contém uma nota que nos remete às Constituições Anderson de 1738

[16] – http://mvmm.org/c/docs/eng/wilson.html

O círculo, o ponto e as paralelas tangenciais

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1 – Introdução

Na profusão da edição de rituais e instruções maçônicas no Brasil, muitas questões têm se apresentado que ainda clamam por uma solução ou explicação satisfatória nesse particular, sobretudo pela inserção de instruções que não pertencem a esse ou aquele Rito e sua correspondente doutrina iniciática, levando-se em conta à vertente na qual pertença o costume maçônico.

É o caso, por exemplo, de uma questão que envolve, dentro da simbologia maçônica, o conjunto composto pelo Círculo, pelo Ponto e pelas Paralelas Tangenciais e ainda no contexto acrescido do Livro da Lei e da Escada de Jacó. Indiscriminadamente esse conjunto alegórico, em não raras vezes, tem habitado as instruções para o Aprendiz emanadas em alguns rituais brasileiros do Rito Escocês Antigo e Aceito como o exemplo do que segue:

“Em Loja Maçônica Regular, Justa e perfeita, existe um ponto dentro de um circulo, que o verdadeiro Maçom não pode transpor. Este círculo é limitado, ao Norte e ao Sul, por duas linhas paralelas, uma representando Moisés e outra o rei Salomão. Na parte superior deste círculo, fica o Livro da Lei Sagrada, que suporta a Escada de Jacó, cujo cimo toca o céu. Caminhando dentro deste círculo sem nunca o transpor, limitar-nos-emos às duas linhas paralelas e ao Livro da Lei Sagrada, e, enquanto assim procedermos, não poderemos errar”.

O conteúdo acima foi motivo de consulta perpetrada por um Respeitável Irmão da COMAB, no que assim se manifestava naquela oportunidade: “Este texto tem gerado inúmeras discussões em Loja sem jamais chegarmos a uma interpretação adequada ou mesmo o seu significado filosófico”.

2 – Comentários

2.1 – Vertente inglesa da Maçonaria

Embora o Círculo entre as Paralelas Tangenciais seja um conjunto simbólico eminentemente genérico na Maçonaria universal, a sua composição com o Altar, com a Escada de Jacó e com o Livro da Lei Sagrada, além da menção aos personagens bíblicos de Moisés e de Salomão, é um conjunto alegórico pertencente à Tábua de Delinear[1] inglesa do Primeiro Grau, portanto não são componentes do Painel do Grau de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceito, rito esse de vertente francesa, a despeito de que em se tratando do conteúdo simbólico de ambos (da Tábua e do Painel), aparecem significativas diferenças.

Devido à existência dessas distinções litúrgicas e ritualísticas entre os dois principais sistemas doutrinários maçônicos (embora o escopo seja único – o de reconstruir e aprimorar o Homem) – surgem então às anfibologias e as incompreensões sobre esse conteúdo, sobretudo quando pertinente às instruções e catecismos maçônicos se equivocadamente generalizados.

Na concepção inglesa (teísta), por exemplo, esse conjunto no momento em que é composto pelas paralelas tangenciais, pelo círculo e pelo ponto, dentre outros, representa também a Lei (do patriarca Moisés) e a Sabedoria (do rei Salomão).

À bem da verdade, esse conjunto simbólico é fruto haurido da Moderna Maçonaria e sacramentado através das Lições Prestonianas (William Preston[2]), além de outras interpretações relacionadas à mencionada alegoria, efetivamente a partir do primeiro quartel do Século XIX, inclusive quanto à alusão aos personagens bíblicos do Antigo Testamento, Moisés e Salomão, já que os nomes dessas personalidades se dariam em substituição aos tradicionais santos patronais João, o Batista e João, o Evangelista devido à decisão da Grande Loja em transformar a Maçonaria em uma instituição não sectária na Inglaterra, nesse particular sob o ponto de vista religioso[3].

Naquela oportunidade então é que seria recomendado, na medida do possível, que as novas Tábuas de Delinear não contivessem símbolos associados ao Cristianismo. Nesse sentido, por exemplo, é que o título Bíblia seria designado simplesmente como o “Volume das Sagradas Escrituras”. Essa aparente descristianização dos catecismos maçônicos seria um dos motivos principais que levaria às escaramuças entre os Antigos e os Modernos relativos às duas Grandes Lojas rivais à época na Inglaterra.

Obviamente que ao longo desses acontecimentos, longe da unanimidade, muitos símbolos cristãos ainda assim permaneceriam como integrantes desse corolário alegórico particular à Maçonaria Inglesa. É o caso da Cruz que identifica a Fé como virtude teologal, colocada no primeiro lance da Escada de Jacó em direção ao céu, sobejamente conhecida na composição do “Tracing Board” (Tábua de Delinear) do primeiro Grau do Craft inglês nos Trabalhos de Emulação (equivocadamente chamado no Brasil como Rito de York).

Nesse conjugado alegórico o Círculo entre as Paralelas Tangenciais é exposto na Tábua de Delinear aparecendo como uma espécie de base, alicerce ou arrimo que dá apoio ao Volume da Lei Sagrada que, por sua vez, é o sustentáculo da Escada de Jacó.

Dentre outras exegeses pertinentes para esse conjunto alegórico, a mais comum encontrada é a que se destaca a seguir:

O Círculo entre as paralelas expressa os limites impostos pela Sabedoria daquele que cumpre a Lei. Essa é a base (Altar) onde descansa o código de moral e ética (Volume das Sagradas Escrituras), cujo caminho avulta a ascensão do Obreiro ao aperfeiçoamento. É o que sugere a Escada em cujo topo aparece uma Estrela de Sete Pontas (sete – a Fé, Esperança e Caridade somadas à Justiça, Prudência, Temperança e Coragem). O interior do Círculo representa o espaço limitado pelos ditames da obediência à Lei exarada no Volume da Lei Sagrada. Em linhas gerais denota que aquele que segue os ditames da Lei, não pode errar.

Para ilustrar essa interpretação, também fica aqui transcrito um trecho do livro Master Key de autoria de John Browne datado de 1802 com perguntas e respostas pertencentes à Primeira Preleção com base Prestoniana que serve de apoio para justificar de onde fora retirado o conteúdo textual mencionado no ritual da COMAB citado na introdução desse arrazoado e que é o motivo principal desses apontamentos. Esse mesmo texto também pode ser encontrado no livro Simbolismo na Maçonaria, de Colin Dyer, publicado no Brasil pela Madras Editora, São Paulo, 2006.

Perg: Qual é o primeiro ponto da Maçonaria?

Resp: O joelho esquerdo despido e dobrado.

Perg: No que incide esse primeiro ponto?

Resp: Na posição ajoelhada me foi ensinado a amar o meu Criador. Sobre o meu joelho esquerdo nu e dobrado eu fui iniciado na Maçonaria.

Perg: Existe algum ponto principal?

Resp: Sim, o de podermos fazer um ao outro feliz e ainda transmitir aquela felicidade para outro.

Perg: Existe algum ponto central?

Resp: Sim, um ponto no interior do círculo, do qual o Mestre e os Irmãos não podem materialmente errar.

Eis aí então a origem dessas citações nas instruções maçônicas, lembrando sempre que elas realmente se adequam aos catecismos da vertente inglesa da Maçonaria.

Ilustrando ainda mais, segue a sequência do texto mencionado nesse catecismo conforme a mesma obra citada:

 – Explicai esse ponto no interior do Círculo.

R. Nas Lojas regulares de Francomaçons existe um ponto no interior de um círculo, ao redor do qual o Mestre e os Irmãos não podem materialmente errar. O círculo é limitado ao Norte e ao Sul por duas linhas perpendiculares paralelas: a no Norte representa São João Batista, e a do Sul simboliza São João Evangelista. Nos pontos de cima destas linhas e no perímetro do circulo, está colocada a Bíblia Sagrada, sobre a qual se apoia a Escada de Jacó, que alcança as nuvens do céu. Aí também estão contidos as Ordens e os Preceitos de um Ser que é Infalível, Onipotente e Onisciente, de tal forma que, enquanto estivermos no seu interior e obedientes a Ele, como foram João Batista e João Evangelista, seremos levados a Ele e não nos decepcionaremos nem O frustraremos. Portanto, ao nos mantermos assim circunscritos será impossível a que venhamos errar materialmente”.

Como se pode notar, o texto tem a intenção de explicar a instrução onde o termo “circunscrito” representa o limite imposto pelo Círculo, cujo “ponto central” é a origem donde o Maçom por primeiro dobrou o joelho esquerdo apoiando-o no chão e se sujeitando no ato à “obrigação” (também conhecida na vertente latina como juramento) de cumprir os deveres impostos e à promessa perpetrada – o Livro da Lei é o Código de Moral e Ética; o Círculo é o limite; o Ponto é a origem e a Escada o caminho para o aperfeiçoamento[4]. Assim, isso significa que se bem observada a Arte e ressalvados os limites da Lei, o Maçom não pode errar.

Ainda em relação ao texto acima mencionado, há que se notar também que à época ainda era citado na Inglaterra a Bíblia Sagrada, assim como os nomes dos santos patronais cristãos, muito embora já no primeiro quartel do Século XIX não tardariam esses títulos a serem substituídos – a Bíblia seria denominada como o Volume da Lei Sagrada, e cada santo padroeiro passariam a ser um dos personagens bíblicos do Antigo Testamento – Moisés e Salomão.

2.2 – REAA – Vertente francesa da Maçonaria

Dadas essas considerações, entra finalmente na questão o Rito Escocês Antigo e Aceito que, embora até possua em muitas das suas características influências históricas anglo-saxônicas (o título Antigo, por exemplo), sobretudo porque o seu simbolismo sofrera influência direta das Lojas Azuis norte-americanas que praticam o Craft oriundo da Grande Loja dos Antigos da Inglaterra, vale a pena lembrar que mesmo assim o Rito Escocês é historicamente originário da vertente francesa da Maçonaria.

Sob essa óptica, o arcabouço doutrinário francês de Maçonaria, principalmente aquele relativo ao simbolismo do Rito Escocês Antigo e Aceito, nele envolve o aperfeiçoamento humano que é simbolicamente representado pela alegoria da ressurreição e morte da Natureza, bem como a sua constante renovação (cultos solares da Antiguidade).

Assim, o simbolismo do Rito Escocês aborda e encena a evolução da Natureza. Nesse particular teatro iniciático aparecem representados na sua liturgia e ritualística os solstícios e os equinócios, os ciclos Naturais ou as estações do ano, as Colunas Zodiacais, as Colunas Solsticiais B e J (marcam a passagem dos trópicos de Câncer e Capricórnio), assim como as Colunas do Norte e do Sul que são separadas no Templo pelo eixo imaginário do Equador.

Nesse particular, o REAA por ser um Rito de origem francesa, não usa o título distintivo de Tábua de Delinear, entretanto faz uso no seu lugar do nome de Painel da Loja que fica situado e exposto originalmente em Loja aberta no centro do Ocidente. Entretanto, se faz mister observar que no conteúdo simbólico desse Painel da Loja do REAA não existe a figura da Escada de Jacó e nem aparece o Círculo com o Ponto ao centro entre as Paralelas Tangenciais, daí não combinar qualquer instrução que porventura possa fazer menção a esses símbolos relacionados ao franco maçônico básico do escocesismo – essa conduta doutrinária, se por acaso mencionada, além de equivocada não faria mesmo qualquer sentido.

Devido a não observação correta desses particulares – já que nem tudo o que reluz é ouro – é que, em busca do significado simbólico, ainda existem referimentos como:

“Este texto tem gerado inúmeras discussões em Lojas sem jamais chegarmos a uma interpretação adequada ou mesmo o seu significado filosófico.”

Desse modo, infelizmente, é verdadeiro comentar que alguns autores e ritualistas brasileiros, talvez por mera falta de atenção, ainda insistem inadvertidamente em misturar procedimentos de vertentes maçônicas distintas nas suas instruções.

Assim, se explica que a falta de sentido dessa inferência é que faz com que jamais se chegue a uma interpretação adequada ou mesmo o seu significado filosófico (é a queixa de muitos).

Essas ilações ainda são o sustentáculo para a propagação, através de certos autores imaginosos, de verdadeiras pérolas do faz-de-conta, geralmente suportadas por palavras bonitas que em superficial análise acabam por não fazer sentido algum – palavras mais palavras e palavras… vazias ao vento.

Não obstante a toda essa aleivosia histórica e ritualística, ainda existe outra classe – a daqueles que “acham bonito”, ou que simplesmente “copiam” rituais anacrônicos imaginando-os como fontes primárias e fidedignas. É o caso, por exemplo, do enxerto da Tábua de Delinear, que é da doutrina inglesa, no Rito Escocês que possui sabidamente preceito francês.

Daí, como se o Sol pudesse ser tapado com a peneira e na tentativa de se justificar toda essa aberração se utilizando a lei do menor esforço, identificou-se o intruso objeto como o tal do “Painel Alegórico”, o que só fez aumentar ainda mais a cinca, oferecendo absurdamente para o escocesismo simbólico a existência equivocada de “dois painéis” – um legítimo (o da Loja) e o outro como produto de enxerto oriundo de outra vertente maçônica (o tal justificado como Alegórico).

Ora, isso evidentemente não existe e é produto de mera enxertia imposto por “achistas”, já que o Rito Escocês genuinamente possui apenas o Painel da Loja no centro do Ocidente e não mais outro painel que, ainda por cima, seja denominado de “alegórico” (sic).

Para que não pairem dúvidas, evidentemente o estudante de Maçonaria deve conhecer o Painel da Loja (sistema Francês) e a Tábua de Delinear (sistema Inglês). Em linhas gerais, no grau de Aprendiz, o primeiro é aquele que, dentre outros símbolos, destaca-se por apresentar um pórtico ladeado pelas Colunas B e J (vide ritual do GOB, edição 2009, por exemplo). Enquanto que a segunda (a Tábua) é aquela que destaca dentre outros símbolos, três Colunas, tendo ao centro uma Escada em direção ao firmamento em cujo topo se apresenta uma Estrela Heptagonal (vide ritual de Emulação).

Nesse sentido, quando misturados os conteúdos simbólicos, a mixórdia acaba por trazer consigo instruções inglesas para dentro da doutrina francesa de Maçonaria. Aliás, esse é um fator deveras importante que todo o estudante da Ordem precisa saber distinguir: existem duas vertentes principais de Maçonaria – uma inglesa e outra francesa. Embora o objetivo da Sublime Instituição seja um só, os métodos doutrinários se diferem conforme a respectiva vertente – tanto pela visão social, quanto pela visão cultural.

Retomando essa questão, embora nos três Graus simbólicos do Rito Escocês cada respectivo Painel da Loja não apresente literalmente o símbolo do Círculo entre as Paralelas Tangenciais, a doutrina por si só ao mencionar a alegoria da evolução da Natureza, de modo abstrato acaba, sem mostrar os símbolos, por se referir ao Sol (Círculo) e aos trópicos de Câncer ao Norte e Capricórnio ao Sul (limites solsticiais).

Explica-se: como as datas solsticiais de 24 de junho e 27 de dezembro aludem respectivamente aos solstícios de inverno e de verão no hemisfério Norte (origem do Rito) ainda, por extensão, coincidem por influência da Igreja com as datas comemorativas a João, o Batista (verão no Norte) e com João, o Evangelista (inverno no Norte).

Assim, essa alegoria maçônica no Rito envolve toda a evolução da Natureza associando-a as etapas da vida humana – Primavera, Verão, Outono e Inverno, ou o nascimento, a infância, a juventude, e a maturidade, tudo distribuído de modo iniciático nos Graus de Aprendiz (puerícia), Companheiro (puberdade) e Mestre (maturação).

Por assim ser, mesmo de modo oculto, o Círculo entre as Paralelas Tangenciais pode representar também o Sol entre os Trópicos indicando que, conforme os solstícios, o Astro Rei, sob o ponto de vista da Terra, estando mais ao Norte ou mais ao Sul nunca ultrapassará na sua eclíptica anual o limite indicado pelos os trópicos.

Sob essa óptica, não significa de maneira alguma que esses símbolos careçam estar literalmente expostos no Painel relativo ao arcabouço doutrinário francês.

Simbolicamente, no Templo o Sol também é o centro (onde existe a circulação) que fica entre as Colunas do Norte e do Sul, cujo limite deste deslocamento, seja ele austral ou boreal, está representado pela marcação da passagem abstrata (sem base material) dos trópicos de Câncer e Capricórnio. Daí as Colunas B e J, também conhecidas como “solsticiais”, serem os marcos toponímicos que marcam a passagem dos aludidos Trópicos no Templo – sob o ponto de vista da porta de entrada para o Oriente, ao centro está a linha imaginária do Equador, à esquerda, marcada pela Coluna B, está a linha imaginária correspondente ao Trópico de Câncer e à direita, balizada pela Coluna J, a correspondente ao Trópico de Capricórnio.

O Sol, ao tangenciar o limite de Câncer (solstício de verão no Norte), corresponde à data comemorativa ao santo padroeiro João – o Batista, enquanto que ao tangenciar o limite de Capricórnio (solstício de Inverno no Norte), corresponde à data comemorativa ao Santo padroeiro João, o Evangelista.

Essa alegoria sugere no Rito em questão que a consciência do Homem, limitando-se tal qual às Leis da Natureza, é inviolável, já que ele, o Homem, é também parte integrante dessa Ordem Natural perpetrada pela Criação (um conceito deísta).

No escocesismo, a Loja simbolicamente representa um segmento do globo terrestre situado sobre o Equador, cuja largura vai do Norte ao Sul ou vice-versa e o seu comprimento de Leste para o Oeste ou vice-versa. A sua altura vai da Terra (Pavimento Mosaico) ao Céu (Abóbada).

É sobre esse espaço (Oficina) que a Terra simbolicamente fica viúva do Sol uma vez por ano (inverno). À bem da verdade, é o processo da evolução da Natureza a partir do seu renascimento na Primavera até a sua morte no Inverno para novamente renascer na Primavera (Lenda de Hiran). Assim, comparativamente e de modo iniciático, tal como a Natureza que morre para renascer como a fênix revivida, também o Homem profano fenece para renascer iniciado na Luz – da câmara de Reflexão à Exaltação do Mestre (a senda iniciática).

3 – Considerações finais

Em linhas gerais essas são as interpretações que envolvem a alegoria composta pelo Círculo entre as Paralelas Tangenciais nos dois sistemas de Maçonaria abordados. Todavia, somente ficam passíveis de uma explicação racional se devidamente separadas conforme as suas tradições, usos e costumes nos diversos rincões terrenos onde se apresenta a Sublime Instituição – cada coisa no seu devido lugar ou haverá o caos no Canteiro.

É oportuno aqui mencionar uma contradição que não raras vezes aparece no escocesismo quando muitos Irmãos, de modo anacrônico, ainda insistem em comparar a evolução dos Graus com os “degraus da Escada de Jacó” que, diga-se de passagem, nem mesmo aparece como elemento simbólico na doutrina do Rito Escocês.

Pior ainda é querer definir o número de degraus que formam essa Escada quando nem mesmo na Bíblia, essência da doutrina moral como Livro da Lei, essa quantidade é mencionada.

É o caso, por exemplo, quando alguém congratulação menciona o ultrapassado jargão: “parabéns por teres conseguido alcançar mais um degrau da Escada de Jacó”.

Ora, sem apelar para o preciosismo, não existe nada mais contraditório do que comparar a ascensão aos Graus com os degraus de uma escada que nem mesmo é parte integrante da doutrina simbólica do escocesismo.

Diferente do Círculo e das Paralelas que, mesmo de modo abstrato, chegam a fazer sentido no corolário doutrinário do Rito Escocês, a Escada, nem mesmo em caráter contemplativo, é mencionada na alegoria dos Painéis do verdadeiro escocesismo.

Autor: Pedro Juk

Fonte: Blog do Pedro Juk

Notas

[1] – O Painel na Inglaterra denomina-se Tabual de Delinear ou de Traçar (Tracing Board). Já na França é denominado como Painel do Grau. O conteúdo simbólico entre ambos aparecem sensíveis diferenças. Alguns autores acreditam que o nome “Tábua de Delinear” se derive como uma corruptela do antigo “cavalete” (tressel) ou Prancha de Traçar (Tracel ou Tracing Board) geralmente usada nas Lojas no final do século XVIII que objetivava apresentar os hieróglifos maçônicos, cuja Prancha ou Tábua muitas vezes nas Lojas ficava disposta sobre um cavalete no centro.

[2] – Willian Preston (1.742 – 1.818) – Nascido em Edimburgo na Escócia, foi iniciado em Londres no ano de 1.763. De carreira maçônica fecunda e brilhante assumiu o veneralato da Loja Antiquity nº 1 (atualmente nº 2) considerada à época como “Loja dos Tempos Imemoriais”. À Preston e dado o título simbólico de ter sido ele o primeiro professor de Maçonaria, permanecendo ainda ligado aos seus Ilustrations of Freemansonry (Esclarecimentos sobre a Franco-Maçonaria), cuja primeira edição data de 1.772. Essa importante obra teve dezessete edições, das quais doze durante a vida do autor. Falecido em 1.818 foi sepultado na Catedral de São Paulo em Londres. Os Ilustrations of Freemansonry se constituem de uma coletânea de conferências eruditas e de alto valor literário para uso das Lojas. É devida ainda a William Preston a autoria das famosas Prestonian Lectures (Lições Prestonianas) que permanecem atuais e são base para conferência de notáveis sobre assuntos instrutivos de interesse maçônico. A coletânea das Lições Prestonianas é publicada pela Quatuor Coronati Lodge, 2.076 de Londres. As dissertações sobre o conteúdo das Tábuas de Delinear inglesas se baseiam nas mensagens Prestonianas. O termo “Prestoniano” deriva-se em homenagem a Preston.

[3] – Além da disposição contrária ao sectarismo religioso, a Grande Loja se posicionava também contrária ao sectarismo político. Essa é a origem da proibição de discussões que envolvam política e a religião nos Templos e em nome da Maçonaria presente até os dias atuais na imensa maioria das Constituições das Obediências Maçônicas.

[4] – A ascensão ou subida dos degraus dá a ideia de evolução e aperfeiçoamento.

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Referências

DYER, Colin – Simbolismo na Maçonaria, Editora Madras, São Paulo.

CARVALHO, Francisco de Assis – Símbolos Maçônicos e Suas Origens, Volumes I e II, Editora Maçônica A Trolha, Londrina – Pr.

LOMAS, Robert – O Poder Secreto dos Símbolos Maçônicos, Editora Madras, São Paulo.

MELLOR, Alec – Dicionário da Franco Maçonaria e dos Franco Maçons, Editora Marins Fontes, São Paulo.

JUK, Pedro – Exegese Simbólica para o Aprendiz Maçom – Tomo I, Editora Maçônica A Trolha, Londrina, Paraná.

JUK, Pedro – Topografia e Simbolismo do Templo REAA, Ensaios, Diário JB NEWS, Florianópolis, Santa Catarina.

JUK, Pedro – São João e os Solstícios na Maçonaria, Ensaios, Diário JB NEWS, Florianópolis, Santa Catarina.

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