“Não se pode julgar da beleza da vida senão pela da morte (…)
Não se pode julgar da beleza da morte senão pela da vida.”
Isidore Ducasse – Conde de Lautrémonte, Poesias II
Segundo Deepak Chopra, o mundo é a vibração do infinito e é assim que ele existe na nossa imaginação. A filosofia vedanta afirma:
“Quando o infinito não vibra, os mundos parecem afundar-se”.
Tudo o que conseguimos pensar – uma cadeira, uma cor, uma montanha, um pensamento, um arco-íris – é apenas uma vibração diferente da nossa essência. Algo está a vibrar e a criar tudo e essa vibração está a acontecer na presença da alma. A alma vibra e cria os pensamentos. A alma vibra e cria o corpo. A alma vibra e cria todo o Universo. Todos, ao longo da Antiguidade, dos alquimistas egípcios aos filósofos gregos, afirmaram que a criação é vibração. Criar é trazer para o Ser ou para a existência. E, para criar algo de novo, é preciso morrer para o que já existe. Algo tem que morrer para que algo novo possa emergir. Assim, cada morte é um salto quântico de criatividade. Através da morte recriamo-nos a todos os níveis: ao nível do intelecto, do corpo e da personalidade. A cada morte armazenamos a sabedoria das nossas experiências desde o início dos tempos e efetuamos saltos quânticos de criatividade para que possamos olhar de novo para nós como se fosse a primeira vez. Ciclos de nascimento, transformação e morte mantêm-se frescos para que possamos imaginar novos reinos para a nossa existência.
Na Biologia há um termo denominado apoptose, que traduz a morte celular programada. Na ausência de apoptose, as células esquecem-se de morrer e esta condição é denominada por cancro. As células cancerígenas perderam a memória da morte e, na sua busca da imortalidade, matam o corpo hospedeiro do qual dependem para sobreviver. Assim, a morte é o bilhete para a vida e a morte está a ocorrer neste preciso momento no nosso corpo-mente. Nesse sentido, há algo que em nós sobreviva na morte? Antes do mais, a alma. E a personalidade, sobrevive? A personalidade não sobrevive sequer enquanto estamos vivos, porque o indivíduo que tomamos pelo “Eu” é diferente a cada momento, de hora para hora, de semana para semana, de ano para ano. Se a personalidade sobrevivesse de qual delas estaríamos a falar? A da nossa criancice, a da adolescência, ou a dos vários estágios de adultez?
A larva que morre para se tornar uma crisálida opera, efetivamente, uma transformação. Não uma morte efetiva. Também a morte, em si, é um processo de transformação, um movimento para outro lugar ou tempo, uma alteração na qualidade da nossa consciência. O mundo que experienciamos, com terra e céu, plantas e pessoas, Sol e Lua, é uma expressão particular da consciência a uma dada frequência. Estes estados de consciência são experiências vibratórias da consciência infinita, em que o Cosmos se movimenta e afirma a sua existência. É mais que certo que infinitas frequências de consciência existem e dá-se a presença simultânea de muitos planos de existência, de inúmeros universos paralelos.
Tudo na vida se revela passageiro e mutável, porque essa é a natureza do nosso mundo. Há quem procure, por natureza, resistir à mudança. Contrariar a própria natureza do universo em que vivemos parece ser um exercício de pura impossibilidade ou juízo de loucura. Contudo, quando se utiliza a autorreferência, esta mudança não se revela “adversa” (por contrária aos nossos desejos) mas positiva. No entanto, temos que ir além de uma mente positiva ou negativa para alcançarmos uma mente silenciosa, que se abstenha de julgamentos, análises ou interpretações. Por outras palavras, a paz com o “momento” só se consegue pela experiência da testemunha silenciosa, pela consecução do silêncio interior. Na pureza do silêncio, sentimo-nos ligados à nossa origem e a tudo o resto. As tendências que emergem desta ligação são evolucionárias e espontâneas. O reconhecimento do nosso universo dual, onde toda a experiência é feita por contrastes (luz-sombra, nascimento-morte, frio-calor, etc.), permite compreender que é possível “viver (e morrer) além do bem do e do mal”, como diria Nietzsche, no campo da pura potencialidade.
Quando um profano entra na Maçonaria, ou numa qualquer outra Ordem iniciática, ele dá, ainda que muitas vezes não tenha disso consciência, os seus primeiros passos naquilo que se considera uma via espiritual. Compreender essa via é lembrarmo-nos, a cada momento, que o nosso mundo é apenas uma parte visível, perceptível dos nossos sentidos, de um universo muito mais vasto, de um mundo espiritual de onde emana a realidade objetiva. Para o conjunto das religiões do mundo a realidade dissimula a realidade objetiva dum outro universo, o Reino de Deus ou dos Deuses, povoado de espíritos. “O visível é o reflexo do invisível”, diz o Zohar. É, assim, muito difícil ao homem comum, graduado na materialidade, perceber, e ainda menos compreender, esse outro mundo, muito mais real que o nosso, sem o qual o nosso simplesmente não existiria. Todavia, o Homem participa na realidade desses dois mundos, porque possui uma dupla natureza. Uma terrestre, material, temporal, mortal, e a outra celeste, espiritual, intemporal e imortal. Com a “Queda”, o Homem esqueceu a sua natureza divina e chegou ao ponto de crer que só a sua natureza terrestre existe. A via espiritual não mais é que o conjunto de meios que permite ao Homem operar o reconhecimento da sua natureza primeira.
A Iniciação, cerimônia eminentemente simbólica, visa provocar no candidato uma ruptura da representação condicionada e egóica do mundo para lhe abrir um acesso ao Real, ao espaço de liberdade da sua natureza plena. A natureza deste trabalho, uma profunda metanoia reflexiva – até porque o iniciado é confrontado com os caracteres da vida e da morte -, é levar ao questionamento mais profundo do “Quem sou eu?”. Serei este corpo? Serei o meu espírito ou a minha alma? Ou, ainda, serei a minha personalidade? A natureza humana é complexa e é evidente que o Homem não é o que ele pensa. Interpretamos vários papéis no teatro da vida e rapidamente nos identificamos com eles, que constituem, no seu conjunto, aquilo que classificamos como “pessoa”, a personalidade ou o nosso eu. Esta “mentalização” do mundo e de nós próprios tem pesadas consequências, sendo responsável, desde logo, pela criação da noção de tempo, tão fundamental na nossa época. É curioso notar que a noção de tempo evoluiu com a própria evolução da história e a natureza sociológica do homem e nunca, como hoje, essa noção foi tão premente e acelerada. Contudo, outra das fabricações da mente foi a elaboração do eu, que, de fato, não passa de uma ficção, de um fantasma. A ideia que temos de nós próprios é uma construção mental, uma inacreditável mistura de instintos, de condicionantes da nossa educação, das nossas experiências, da influência da sociedade, de sentimentos, de emoções, de pulsões mais ou menos controladas e de recordações acumuladas, às quais damos sentido através de uma narrativa. No quadro dessa artificialidade, o Eu pode tornar-se cambiante, turvo e dividido.
Como atrás referido, o que somos hoje é diferente do que fomos há 30 anos, 20 ou 10 anos atrás. Temos, todavia, a sensação de sermos sempre os mesmos. Essa sensação é sólida? Uma observação atenta permite compreender que não temos apenas um eu variável, mas antes uma multitude de “eus”, que muitas vezes, se opõem, se contrariam ou negoceiam mutuamente. Muito do nosso tempo é usado a gerir as nossas contradições e as nossas incoerências para as tornar suportáveis. Isto não seria dramático se, de maneira inconsciente, mas muito vibrante, não sentíssemos que o nosso “eu” é frágil, fragmentado, dividido, instável, e se não sentíssemos então a necessidade imperiosa de o afirmarmos, a fim de mantermos, a todo o custo, o que pensamos ser o “eu”. É esta identificação com o “eu” e a necessidade de manter essa falsa identidade que causam as manifestações mágicas do ego que afetam a vida de todos os seres humanos em graus diversos. Note-se que o medo de ver esse “eu” desaparecer torna a perspectiva da morte particularmente angustiante.
Em todos os Mistérios se congregou a ideia de uma alma espiritual no homem e uma vida para além da morte. Nesse conceito a alma seria preexistente, habitando num espaço astral, num mundo superior dos deuses e dos espíritos. Por ser uma visão tão subjetiva, a imortalidade da alma não se ajusta à visão prática da ciência e da sua evolução, ainda que a física quântica, no último quartel do século XX e entrada no século XXI tenha vindo a redefinir a questão. Ainda assim, milhões de pessoas testemunham o privilégio de terem vislumbrado uma realidade que abrange espaço e tempo como uma vasta bolha multidimensional. Algumas dessas pessoas parecem ter contactado este reino atemporal através de experiências próximas da morte. Outros, como Einstein, experimentaram episódios de completa libertação das fronteiras do espaço-tempo, através dum processo de ampla lucidez:
“Em tais momentos imagina-se que se está de pé em qualquer ponto desde pequeno planeta apreciando, deslumbrado, a fria e, mesmo assim, profundamente comovente beleza do eterno, do imperscrutável. Vida e morte fluem numa coisa só e não há evolução nem eternidade, apenas Ser.”
O medo da morte marca muito mais as nossas vidas do que as nossas mentes conscientes estão dispostas a admitir. Conforme escreveu David Viscott:
“Quando se diz que se tem medo da morte, na verdade está-se a dizer que se tem medo de não ter vivido a sua verdadeira vida. Este medo cobre o mundo de silencioso sofrimento.”
Na realidade, a morte não é força toda-poderosa que o nosso medo diz que é. Na natureza, a morte faz parte do ciclo maior do nascimento e da renovação. O ciclo interminável da renovação da vida não se situa além da morte – ela incorpora a morte, usando-a para um objetivo maior. Presumir que a morte existe é, de igual modo, uma meia verdade, pois há muitos níveis do nosso corpo que nem tomam conhecimento de algo designado como extinção. Os nossos átomos têm bilhões de anos de idade e ainda restam neles outros bilhões de anos de vida. Sabiamente, dizia Shakespeare:
“Nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos”.
Sim, como “afirmara” já o grande poeta inglês do século XVI, os átomos não passam de energia transformada, e se somos compostos por estes ingredientes imortais, porque não nos vemos à mesma Luz?
Também a morte – esta simbólica -, opera no processo iniciático maçônico uma tradição primordial. Quer no processo iniciático quer no processo de exaltação, a morte, nas suas várias interpretações alegóricas, é tida como um fator impressivo de aprendizagem. Como afirmou Fernando Schwarz:
“A morte é um valor essencial, e os valores morte e iniciação são interativos”.
A morte física acaba por ser assimilada a um rito de passagem a uma condição superior. Não podemos transformar o neófito num homem superior sem “matar” o homem inferior que nele existe. Esta, mais que a morte física, representa a morte do Ego. Não se trata de uma morte efetiva, mas sim de um processo de apaziguamento do nosso homem-animal, do aniquilamento possível dos nossos mecanismos egoístas. A morte é assim encarada como um processo de renascimento, de evolução do homem dentro do homem. A morte não é um fim, é sim um recomeço. A maçonaria transmite esse conhecimento imemorial que, para se renascer, física e simbolicamente, é preciso “morrer” primeiro. Esta, na sua conceção deísta-teísta, concebe a imortalidade da alma humana e crê – como via espiritual – na regeneração (em vida) do Homem. A vincada alegoria da morte no simbolismo maçônico é uma mensagem vivente de fé na imortalidade do Ser. Não de uma fé cega e dogmática, mas de uma fé prenhe de saber espiritual e racional. O mundo é vibração. O pensamento é energia. Tudo vibra na compleição da existência e a morte – estado vibratório pretensamente nulo-, só pode ser concebida como estado transitivo, porque tudo no universo “vive”. Mesmo a morte, por artificio poético, estético ou literário, só pode ser concebida como a antecâmara de mais vida, de mais sonho e de maior imaginação. O que existirá para além da morte? O que é a morte? Qual o sentido da morte? Há um eu na compleição da morte? Relatos de quase morte evidenciam esse plano ascensional como centro observatório. Será a morte a matéria inefável reveladora da consciência, dessa individualidade única forjada no momento da Iniciação final?
Autor: [Giordano Bruno], M∴M∴
Fonte: Academia.edu

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