Vindo após esses dois eventos, parece que teria sido George Payne, por pouco tempo Grão-Mestre da Grande Loja de Londres, que, em 1721, ao apresentar o manuscrito Cooke, de 1410, na reunião da Saint Jean d’Eté, se tornaria o iniciador de uma lenda salomônica desconhecida tanto dos operativos escoceses quando dos “aceitos” ingleses do século XVII. É lá que estamos, 1720-1730, à beira de uma maçonaria especulativa cujo simbolismo não conhecerá limites antes do final do primeiro quarto do século XIX.
Paradoxal e estranha é a anomalia que configura a completa ausência de ferramentas do ofício nos manuscritos que relatam a recepção de aprendizes e companheiros. Elas aparecem pela primeira vez em 1696 na ata do Registro de Edimburgo, a propósito do juramento: “Juro por Deus, pelo esquadro e pelo compasso.”, fórmula repetida nos mesmos termos em 1710 e 1714. Em 1710, o manuscrito Dumfries no 4 também cita pela primeira vez três pilares sem qualquer relação com as duas colunas de Salomão, indicando que eles significavam Esquadro, Compasso e Bíblia. Teria sido este o prenúncio das três luzes que encontramos um pouco mais adiante?
E foi entre 1720 e 1730 que se introduziu a gama completa de ferramentas – régua, tesoura, maço, malhete, prumo, nível, trolha, etc. – que, pela graça dos especulativos, se transformariam em símbolos totalmente desconhecidos para aqueles que diariamente, durante séculos, por dever de ofício, as manipulavam. Ocorre o mesmo para os dois símbolos fundamentais da maçonaria, pedra bruta e cúbica polida. Eles jamais existiram nem entre os operativos nem entre os aceitos, e as primeiras Lojas especulativas do século XVIII os ignoravam. Devem ter nascido na França, por volta de 1740, sendo timidamente divulgados mais tarde, mas sem que um significado lhes tenha sido atribuído. No máximo, eles diziam: “… uma pedra sobre a qual as ferramentas são afiadas”, e é esta iconografia particular que nos anuncia a sua existência.
Então o que resta da lenda da qual somos os herdeiros, de cuja tradição operativa ancestral e simbólica nos tornamos veículos e à qual nos referimos com orgulho e reverência?
O maçom “aceito” era o elo entre operativo e o especulativo, mas, já no século XVII, os “usos” e não os ritos diferiam significativamente entre operativos e aceitos, e o fosso acentuou-se até que eles se tornam quase estranhos uns aos outros. Apenas os escoceses parecem ter preservado por muito mais tempo os elementos antigos, muito simples na verdade, que tentaram manter no seio das Lojas inglesas. É provavelmente essa contribuição, renovada ao longo do tempo graças aos movimentos dos maçons escoceses, que sugere, por analogia com o que tinha acontecido anteriormente, o porquê dos novos graus que surgiram na Inglaterra, em 1730 – sem que eles estivessem envolvidos – terem sido atribuídos à maçonaria escocesa. Eles receberam o epíteto de Escoceses e a partir desse momento este termo cobre todos os graus – além de aprendiz, companheiro e mestre – que surgiram mais tarde.
Assim sendo, qual foi a maçonaria trazida, em junho de 1726, por Charles J. Radclyffe e seus amigos? Nada diferente do que existia na época e que estava descrito tanto no Registro da Grande Loja de Edimburgo como nas Constituições de Anderson, em 1723. A maçonaria com dois graus, de simbolismo apenas esboçado, mas já equipada com um propósito, muito vago é verdade, de “Ser o Centro de União”, com um sistema administrativo relativamente estruturado, mas limitado a critérios de regularidade, possivelmente uma lenda histórica gloriosa que lhe conferia nobreza, tudo acompanhado de um segredo misterioso sobre a natureza do qual todos ficavam perdidos, inclusive aqueles que o possuíam.
O manuscrito de Edimburgo descreve o desenrolar das reuniões: as poucas formalidades na convocação dos membros, a definição da multa para os ausentes, as admissões (cujo cerimonial perpetuava o que os operativos deixaram), o trote durante a refeição, a análise de multas anteriores, os eventuais julgamentos de delitos, os empréstimos de dinheiro para assistência, a eleição anual de oficiais e, finalmente, o banquete. Estes procedimentos foram definitivamente fixados em 1640 e continuaram sendo aplicados nos primeiros anos do século XVIII. Em algumas Lojas a recepção foi acrescida de uma leitura da história – lendária – da maçonaria. A obrigação permaneceu moderada; sem ameaça de sanção por violação ao juramento. O manuscrito Chetwode Crawley, por volta de 1700, o Haugfoot (1702), o Kewan (1714), etc., que revelam este procedimento, são de grande interesse porque mostram a transição que ocorreu entre os últimos “operativos aceitos” e os primeiros especulativos: nenhum manuscrito anterior se compara a eles, e não haverá outros depois deles.
Não parece que na França tenha sido diferente; e, se não temos documentos que nos apoiem ou contradigam, como dizer se foi ou não diferente? Uma Loja, em 1726, uma segunda, em 1729, uma terceira em 1730, todas de origem inglesa. Admitamos assim esta simplicidade[12], mesmo porque ela terá duração muito curta e não pode ser comparada com o que vai aparecer nos dez anos seguintes.
Os “costumes” se transformarão em “rituais”. Sua proliferação desordenada criará ritos. Credulidade, vaidade, ganância, muitas vezes ajudadas pela imaginação, farão com que a razão perca seu espaço. O simbolismo maçônico vai se entregar a um caminho insano, às vezes dogmático, do qual não sairá senão depois de um século, retendo algumas sequelas. E, como tal afirmação exige provas, lembremos que o telhamento de Ragon, que foi dignitário do Grande Oriente, aponta mais de 1450 graus, com 1450 rituais diferentes, incorporados a 48 ritos maçônicos praticados por 54 ordens, incluindo 24 mistas e 6 acadêmicas.
A história dos rituais é extremamente complexa, tanto na variedade de itens que serão incorporados quanto pela ignorância que temos de sua origem, data e local de aparecimento. Dois exemplos marcantes: a incorporação da lenda salomônica citada acima, e a lenda de Hiram, chave de toda a maçonaria especulativa escocesa, que ignorou completamente tanto a maçonaria operativa quanto a “aceita”, e cujo assassinato é estranho à Bíblia, sem que saibamos quando ou através de quem ela apareceu. Mas foi ela que originou o sistema de três graus da maçonaria simbólica e sua extensão nos Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, sem que jamais se fosse capaz de determinar as condições precisas em que se estabeleceram.
Podemos, sem medo de errar, fixar o ponto de partida da maçonaria especulativa na década de 1720. O que sabemos de suas primeiras cerimônias vem de “revelações”. Tudo o que é misterioso atrai; elas faziam um enorme sucesso e seu número não parava de crescer. Quanto ao conteúdo, quanto mais revela, mais é suspeito, embora concorde-se que isso depende de uma análise rigorosa dos textos que permita identificar o que é genuíno e o que não é. Eles se roubaram descaradamente tentando suplantar uns aos outros. Serviram como um auxílio à memória, e através de sua difusão é provável que tenham contribuído muito para o estabelecimento de rituais cujo desenvolvimento se estendeu por anos, fornecendo elementos mais ou menos simbólicos de todas as procedências e que se instalaram na mente dos maçons.
A primeira revelação apareceu em um jornal de Londres, o “Flying Post”, a partir de 13 abril de 1723, sob o título de “A mason’s examination“. Este panfleto sem grande alcance foi reproduzido em cartazes afixados nas ruas da cidade. Seguido, em 1724, por “le Grand Mystère dévoilé“, que foi republicado em 1725, juntamente com uma versão impressa de uma pretensa “Old Charges” conhecida como “Briscoe Text“, completamente absurda.
Muito mais grave foi, em 1730, foi o livro “Maçonaria Dissecada”, de Prichard. Certamente aborreceu a Grande Loja da Inglaterra, que tacha imediatamente o trabalho de “impostura”. Ele trouxe muitos elementos, reconhecidos como válidos mais tarde, sob a forma de perguntas e respostas com, e pela primeira vez, uma versão muito simples da Lenda de Hiram. O conjunto compreende tudo o que poderia constituir um ritual de três graus.
Em 1735, uma edição pirata das Constituições de Anderson, de 1723, apareceu sob o título de “Pocket Companion” mas não trouxe nada de novo. O livro de Prichard, reeditado muitas vezes, foi a única “revelação” inglesa durante os 30 anos seguintes, até 1760.
A França foi muito mais prolífica tanto no número de livros, quanto na diversidade das revelações. A primeira, “La Reception d’un Frey-Mason“, publicada em 1737, por Hérault, tenente de polícia, teve um grande impacto. Era um trecho de um relatório tirado das declarações de La Carton, uma dançarina da Opera de Paris, que havia obtido suas informações de seu amante, Lenoir Cintré. Se o texto é bastante insignificante, pois traz poucas novidades, a dezena de Revelações que se seguiram revelaram quase todos os “segredos” entre aspas, da Maçonaria, segredos estes até desconhecidos pelos próprios maçons ingleses, o que lhes dá um certo sabor.
Citamos, depois de Hérault (1737), outras revelações:
- La Réception des Francs-Maçons, 1738 ;
- La Réception mystérieuse des Francs-Maçons, 1738
- Le catéchisme des Francs-Maçons, 1740 (revista e corrigida 1749) ;
- L’Almanach des cocus, 1741
- Le Secret des Francs-Maçons, 1742
- Le Sceau rompu, 1745
- L’Ordre des Francs-Maçons trahi, 1745
- Les Francs-Maçons écrasés, 1747
Algumas deram origem a várias edições. Só o “Trahi” teve umas umas trinta, além dos plágios. A bibliografia maçônica de língua francesa do período de 1730 a 1790 contém mais de 900 obras.
Algumas tiveram direito a tradução para o inglês e o alemão e foram inflacionar o simbolismo maçônico estrangeiro, que não necessitava disso.
Não havia rituais como os conhecemos, mas narrativas claras através das quais é fácil reconstruir o cerimonial das reuniões. Os catecismos e a resposta às perguntas, que se tornarão as “Instruções” baseadas nas de Prichard (1730), incluirão regularmente, a cada edição, elementos novos, entre os quais, “as palavras” com o motivo para a sua introdução e seu significado simbólico. No início do século, o mais antigo catecismo não apresentava mais que quinze questões. Em 1730, apenas no grau de aprendiz, apresentava mais de uma centena.
Continua…
Autor: André Dore
Tradução: S. K. Jerez
Notas
[12] – Imagino, pelo que o autor afirma, que os franceses tenham alguma dificuldade em aceitar que tenham existido lojas inglesas na França (N.T.)