Chama sagrada no REAA?

Em lugar algum é mencionada essa tal de “chama sagrada” no Ritual do REAA⸫do GOB. Aliás, em se tratando do REAA⸫, em nenhum ritual autêntico essa “chama” será encontrada.

Não confundir com o que prescreve o manual de Procedimentos Ritualísticos do GOB-PR 2016 quando menciona, caso as luzes do candelabro ainda não forem elétricas, a existência de uma vela auxiliar acesa apenas e tão somente para ajudar o Mestre de Cerimônias no acendimento das respectivas Luzes que vão sobre o Altar ocupado pelo Venerável Mestre e nas mesas ocupadas pelos Vigilantes.

Ora isso não é e nunca foi “chama sagrada”, pois se assim fosse então o que aconteceria nas Lojas que adotam essas Luzes alimentadas por lâmpadas elétricas conforme também prevê o ritual? Acaso existiria um “interruptor sagrado” para essa oportunidade? 

Essa estória de chama sagrada não existe no Rito em questão, embora ainda alguns insistam nesse anacronismo, inclusive desrespeitando o que prescreve o ritual em vigência.

Na realidade essa vela acesa foi colocada no Rito Escocês apenas no intuito de facilitar os trabalhos para as Lojas que ainda não adotaram lâmpadas elétricas adequadas ao candelabro. Nesse caso a intenção foi a de dar celeridade à prática ritualística, mas desafortunadamente alguns viram nela uma espécie de “luz emanada do divino”, provavelmente por “achar” bonito as práticas litúrgicas de outro Rito onde originariamente existe um cerimonial específico de acendimento das velas.

Lojas onde porventura as Luzes já sejam lâmpadas elétricas, obviamente essa vela auxiliar nem existe.

Vamos às questões: 

Como ela não existe, não há o porquê de existir um lugar para algo inexistente. 

Alguns teimam que é sobre o Altar dos Perfumes, cujo qual é outro elemento que só serviu para ocasião em que o Templo foi consagrado quando recebeu a dignidade para os trabalhos maçônicos. 

Infelizmente, o Altar dos Perfumes permaneceu e acabou dando vazão às invenções como se ele servisse para se colocar a chama sagrada ou ainda receber incensos (tudo coisas nulas no simbolismo do REAA⸫).

Se fosse o caso do Rito Adonhiramita onde existe a cerimônia de acendimento das Luzes, até teríamos uma interpretação, mas como ela não existe no escocesismo simbólico, não há nenhum comentário e nem uma avaliação que meça a sua importância para os trabalhos. 

Como ela não existe no Rito em questão, a resposta fica prejudicada. 

A título de esclarecimento, note que no manual de Procedimentos Ritualísticos do GOB-PR, quando existe menção a respeito da “vela auxiliar”, assim que ela tiver cumprido o seu objetivo, o Mestre de Cerimônias, sem nenhuma cerimônia, simplesmente a apaga porque ela não é luz litúrgica. 

Do mesmo modo, pela sua inexistência, não há resposta para tal. 

Entretanto é oportuno mencionar que o Altar não é “do” Venerável Mestre, porém é por ele ocupado – esse Altar é parte do mobiliário da Loja. 

Do mesmo modo que não existe essa “chama sagrada”, também não existe no REAA⸫ cerimonial de acendimento de velas, senão um ordenamento prático para a abertura e encerramento dos trabalhos. 

A propósito, no verdadeiro escocesismo essas Luzes deveriam ser acesas pelo Arquiteto antes do início dos trabalhos e por ele apagadas depois da retirada dos Irmãos do recinto. 

As luzes litúrgicas representam as Luzes da Loja, ou as Luzes Menores. Esotericamente, sem nenhuma crendice, elas concebem de acordo com o número delas acesas a evolução do Obreiro.

Assim, não há cerimonial, apenas elas são acesas conforme o Grau. 

O que prova que não existe cerimônia de acendimento é que quando elas forem lâmpadas elétricas, cada titular acende e apaga a sua.

Ratifico, cerimônia de acendimento de Luzes é própria de outro Rito, nunca do Rito Escocês Antigo e Aceito.

Eram essas as considerações devidas, lembrando que a pura Maçonaria desconhece arguições que envolvem crendices que possam transformar o ambiente maçônico em um palco de proselitismo religioso. Que cada um busque na sua religião a sua necessidade de fé. Destaco que existem inúmeros ritos maçônicos e suas liturgias específicas que se adequam à diversidade do pensamento. Antes dos enxertos ritualísticos, que cada qual ocupe seu lugar conforme o que melhor lhe aprouver.

Autor: Pedro Juk

Fonte: Blog do Pedro Juk

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Os ritos perdidos da Era das Luzes

Iluminismo - Idade Moderna Século XVII - XVIII

Em meu livro A Gênesis da Maçonaria (The Genesis of Freemasonry), propus como o filósofo natural e maçom Dr. Jean Theophilus Desaguliers foi responsável pela criação do terceiro grau em meados da década de 1720. Antes disso, havia duas “partes” sendo executadas; o Aprendiz e o Companheiro, e temos poucas evidências de como eram[1]. No entanto, sabemos que essas duas ‘partes’ eram frequentemente realizadas na mesma reunião da Loja, com evidências das primeiras atas da Loja Old York indicando como uma loja poderia ser aberta em outra cidade, especialmente para admitir um grande número de candidatos, como em Scarborough em 1705 quando uma loja foi aberta para admitir seis homens na Fraternidade, e em Bradford em 1713, onde 18 homens foram registrados como sendo admitidos[2].

De fato, para apoiar ainda mais o fato de que havia apenas duas ‘partes’ na Maçonaria nesta época, afirma nas Antigas Obrigações exibidas nas Constituições de Anderson de 1723 que ‘Nenhum irmão pode ser Vigilante até que tenha passado pelo papel de um Companheiro do Ofício’, indicando que a parte do Companheiro era o ‘grau’ sênior que permitia ao Maçom participar de um Ofício, se desejasse. Na edição de 1738 das Constituições, a redação deste encargo particular foi alterado para “Os Vigilantes são escolhidos entre os Mestres Maçons”, sugerindo que o terceiro grau de Mestre Maçom já havia sido introduzido e as Constituições deveriam ser atualizadas. Em 1730, a publicação da exposição de Samuel Pritchard, Maçonaria Dissecada, revelou o ritual de três graus, e parecia que este novo sistema tinha se tornado muito popular de fato.[3].

O novo ritual no estilo de três graus logo se espalhou, mesmo sendo referido pelo Dr. Francis Drake em sua agora famosa Oração, feita no Dia de São João, 27 de dezembro de 1726 no Merchant Adventurer’s Hall em York, onde ele afirmou que ‘três partes em quatro de toda a Terra pode então ser dividido em e: p: f: c & m: m.’ [4]. Os temas do terceiro grau exploraram profundamente a busca pelo conhecimento perdido; o grau que retrata a busca pela palavra perdida de Deus que estava escondida na arquitetura do Templo de Salomão. Com a morte simbólica de Hiram Abiff, esse conhecimento foi perdido[5]. Parecia que os maçons logo quiseram explorar caminhos mais profundos dentro da Maçonaria, levando ao desenvolvimento de novas ideias. Ramsey era um maçom jacobita que fora à França para dar aulas aos filhos de aristocratas e, em seu discurso maçônico em 1737, descreveu a famosa Maçonaria que estava ligada aos cruzados e às ordens cavalheirescas. Seu discurso afirmava que, depois de preservada nas Ilhas Britânicas, foi transportada para a França e, embora não haja evidências de que a Maçonaria tenha sido associada de alguma forma aos Cruzados ou Cavalaria, mostra que neste momento havia um interesse crescente em Ordens de Cavalaria em relação à Maçonaria. Embora Ramsey não tenha estabelecido planos para novas Ordens Maçônicas Cavalheiras em seu “discurso”, ele certamente ajudou a inspirá-las[6].

Em 1733, parece ter havido uma reunião da Loja de Maçons Escoceses (Scotts Masons Lodge) na Taverna do Diabo (Devil Tavern) em Londres, com um Mestre Escocês (Scotch Master) sendo feito em Bath, no sudoeste da Inglaterra em 1746[7]. De acordo com o historiador maçônico John Belton, os “graus” escoceses pareciam incluir a descoberta, em um cofre, da palavra há muito perdida, e os cruzados escoceses trabalhando com uma espada em uma mão e uma espátula na outra, mas na época de Zorobabel, e não das Cruzadas[8]. Este tema de ‘Mestres Escoceses’ será discutido mais tarde, pois foi uma ideia que se infiltrou em alguns dos Ritos que ocorreram no Continente.

Outro enigmático ‘grau’ inicial foi o de ‘Harodim’, que foi mencionado pelo irmão Joseph Laycock em um discurso, publicado em Newcastle em 1736. O trabalho dos Harodim eram conectados à antiga Loja Swalwell em Durham[9]. As possíveis primeiras sugestões de um misterioso ritual que lembra o nosso moderno Arco Real surgiram em 1740, embora a autenticidade da própria fonte possa ser debatida; o Rito Antigo de Bouillon (Rite Ancien de Bouillon) faz menção precoce a uma placa de ouro e se refere a um símbolo que consistia em um triângulo duplo dentro de um círculo e o tetragrama no centro[10]. Em 1746, o maçom John Coustos publicou um relato de sua tortura pela Inquisição, por meio do qual ele admitiu suas atividades maçônicas e descreveu uma parte do ritual que era notavelmente semelhante ao Arco Real, ou seja, a descoberta de uma tábua de bronze entre as ruínas do Templo[11]. Coustos fora iniciado maçom em Londres mas partiu para Portugal em 1743, onde continuou a ser um maçom ativo. Ele foi posteriormente preso e torturado e, em seu sofrimento foi revelando os fragmentos de um antigo ritual secreto. Hoje, no ritual do Arco Real na Inglaterra, o há muito tempo perdido nome de Deus, é descoberto na placa de ouro dentro das ruínas do primeiro Templo, algo que foi aludido no ritual do Arco Real de Richard Carlile, que foi compilado de várias fontes no início século XIX.

Existem outras menções ao Arco Real neste momento: um relatório no Jornal de Dublin de Faulkner dá detalhes de uma procissão no Dia de São João em 1743 em Youghal, na Irlanda, referindo-se ao “Arco Real carregado por dois Excelentes Maçons“. No ano seguinte, Fifield Dassigny, estabelecido em Dublin, escreveu em seu Inquérito de forma séria e imparcial sobre a causa da atual decadência da Maçonaria no Reino da Irlanda, sobre como

“um certo propagador de um falso sistema, há alguns anos nesta cidade, se impôs a vários homens muito dignos sob a pretensão de ser um Mestre do Arco Real, que ele afirmou ter trazido com ele da cidade de York … “

Dassigny continua a nos fornecer um vislumbre por trás do véu, escrevendo que o Arco Real foi “um corpo organizado de homens que passaram pela cadeira e deram provas inegáveis ​​de sua habilidade”, acrescentando que alguns irmãos não gostavam de “tal cerimônia secreta a qual era impedida daqueles que haviam feito os graus usuais”. Isso parece implicar que o ritual do Arco Real era relativamente novo e era, de fato, um outro grau a ser experimentado por certos maçons; um caminho para uns poucos selecionados[12].

Os rituais Maçônicos nesta época estavam longe de ser padronizados e isso criou liberdade para explorar novas histórias, para criar sequências para a lenda Hirâmica e a construção do Templo. Tudo isso estava acontecendo durante uma época em que a Maçonaria inglesa se dividiu e discutia como o Arco Real deveria se encaixar no sistema. Isso não quer dizer que os maçons ingleses não estivessem interessados ​​em outros graus, pelo contrário, foi durante esse período fértil que o grau de Cavaleiros Templários estava sendo praticado e, no final do século XVIII, o Grau da Marca estava firmemente capturando a mente maçônica inglesa. Como veremos mais tarde, houve ritos e caminhos ritualísticos que se estabeleceram e se desenvolveram na Inglaterra. Havia três Grandes Lojas operando na Inglaterra durante a segunda metade do século XVIII; os Modernos, os Antigos e a Grande Loja de toda a Inglaterra, com sede em York, e todos as três tinham um estilo diferente de administração e um sistema diferente de ritual. Os Modernos pareciam desconfortáveis ​​com o Arco Real, enquanto os Antigos o abraçavam como um grau adicional. A Grande Loja de York foi ainda mais longe e, na década de 1770, praticava cinco graus; os três graus Simbólicos, o Arco Real como um quarto e o Cavaleiro Templário como um quinto. Parecia que alguns maçons queriam mais[13].

O escritor maçônico Arthur Edward Waite discute uma série de ritos obscuros que possivelmente se desenvolveram durante o início do século XVIII em sua Nova Enciclopédia da Maçonaria. Ritos que têm um elemento de mistério em torno deles, onde, em alguns casos, há alguma dúvida de quando eles realmente foram fundados ou quando deixaram de ser praticados. Havia ritos como a Ordem do Paládio, que Waite menciona, fundado em Paris em 1737[14], a Ordem das Amazonas, que permitia ambos os sexos como membros e foi fundada na América do Sul em 1740[15] e a Ordem dos Xerofagistas, que Waite afirma ser fundada na Itália em 1748[16]. Havia a Ordem dos Arquitetos Africanos que Waite apresenta como “extremamente duvidosa” por ter sido fundada em 1756, mas provavelmente foi fundada mais tarde em 1765 e terminou em 1806[17]. O Rito dos Sublimes Eleitos da Verdade tem uma data de fundação um tanto duvidosa de 1776, o mesmo ano sendo dado para a fundação do Rito Escocês Filosófico (Rite Ecossais Philosophique)[18]. Outros ritos obscuros incluem o Rito da Águia Negra[19], o Rito Persa[20], e a Ordem de Jerusalém[21].

A Ordem de Jerusalém, segundo Waite, foi fundada na América do Norte em 1791 e tinha oito graus. Era uma associação de alquimistas e tinha uma conexão com o Rito de Chastanier, tendo se espalhado pela Alemanha, Inglaterra, Holanda e Rússia, embora Waite sugira que ‘toda a história é duvidosa’[22]. O Rito Persa é outro rito com uma história obscura; Waite sugere que pode ter sido estabelecido em Erzurum na Turquia em 1818, mas apareceu em Paris um ano depois e trabalhou sete graus que continham três classes. A primeira classe consistia em três graus que, em essência, eram semelhantes à maçonaria – Aprendiz de Escuta, Companheiro Adepto e Mestre; a segunda classe consistia no quarto grau intitulado Arquiteto de Todos os Ritos e um quinto grau, denominado Cavaleiro do Ecletismo e da Verdade; a terceira classe concluiu o Rito e incluiu um sexto grau intitulado Mestre Bom Pastor e um sétimo e último grau chamado Venerável Grande Eleito. No entanto, Waite conclui que, apesar de ser capaz de nomear seu sistema de graus, não há nenhuma evidência de que o rito tenha existido[23].

O Rito de Adonhiramita (às vezes referido como Adoniramita) é outro rito menos conhecido do século XVIII que tinha doze graus e com sua criação sendo atribuída pelo autor maçônico francês do século XIX Jean Baptists Marie Ragon ao Barão de Tschoudy[24]. No entanto, de acordo com o erudito maçônico e especialista em rituais Arturo de Hoyos, o sistema ainda é trabalhado no Brasil, então tecnicamente não está perdido[25]. A Rosa Cruz aparece aqui como em muitos desses Ritos, o imaginário cristão e o simbolismo formando uma conclusão mística para uma coleção de rituais que são semelhantes a outros ritos que exploram o grau de Mestre Escocês, que é apresentado aqui como o décimo grau. Houve uma série de ritos que eram menos obscuros e passaram a influenciar outros ritos e graus, alguns evoluindo e inspirando Ordens posteriores, e são esses ritos que examinaremos a seguir.

Temas Jacobitas e Templários dos primeiros ritos

O século XVIII foi certamente um terreno fértil para o ritual maçônico, à medida que novas ideias evoluíam e se expandiam para criar muitos ritos bizarros. De fato, durante esta era fértil de iluminação, ritos cada vez mais exóticos começaram a ser criados em um ritmo excepcional, especialmente no continente europeu. Um desses primeiros “ritos”, de acordo com John Yarker escrevendo em suas Escolas Arcanas, foi chamado de Vielle Bru, ou Escoceses de Fé (Faithful Scots), baseado em Toulouse, em Montpelier e em Marselha, constituído por Sir Samuel Lockhart entre 1743-1751. Yarker descreve que o rito “inspirou-se nas lendas das antigas Guildas operativas e não prosseguiu em sua instrução além do 2º templo”. Foi construído em nove graus, o último dos quais foi curiosamente denominado Menatzchim ou Perfeito. Um rito semelhante logo emergiu em Paris em 1751, chamado de Cavaleiros do Oriente, e como o Vielle Bru, Yarker disse ter explorado temas escoceses semelhantes que talvez refletissem o interesse pelas ideias jacobitas[26] Outro ‘rito’ inicial foi o Capítulo de Clermont, que apresentava seis graus e foi fundado na França em 1754 por Chevalier de Bonneville[27]. Apesar de durar apenas cerca de quatro anos, foi uma das primeiras tentativas de explorar graus superiores que tinham um tema templário[28]. Diz-se que o Capítulo incluía os três primeiros graus da maçonaria, o quarto sendo chamado Maitre Ecossais (Mestre Escocês), o quinto sendo Maitre Eleu (Mestre Eleito ou Cavaleiro da Águia), o sexto grau Maitre Illustre (Ilustre Mestre ou Cavaleiro do Santo Sepulcro), e o sétimo e último grau sendo nomeado Maitre Sublime (Sublime Mestre e Cavaleiro de Deus). Yarker comenta sobre como os graus mais elevados do Capítulo transmitiam a ‘vingança de Salomão’ sobre os assassinos de Hiram, a joia do grau Maitre Illustre sendo uma adaga enfiada em um crânio[29].

Havia de fato um forte desejo de estender os temas explorados nos rituais, e havia muitos personagens carismáticos ansiosos por criar ou promover novas Ordens e graus a partir da continuação dos temas para a busca do conhecimento perdido.

Baron von Hund e o Rito da Estrita Observância

Um desses indivíduos carismáticos foi o Barão Karl Gotthelf von Hund, que por volta de 1754 fundou o Rito da Estrita Observância na Alemanha[30]. O Barão von Hund afirmou que tinha sido iniciado em uma misteriosa Ordem Maçônica do Templo em Paris em 1742 e que seu conhecimento secreto havia sido obtido de “superiores desconhecidos”[31]. O Rito da Estrita Observância tornou-se um rito bastante popular, espalhando-se por muitos outros países europeus, como Suíça, Holanda, Dinamarca e Rússia, e incluía tentadores sete graus, oferecendo a filosofia de progressão para maçons dispostos que desejavam mais[32]. Esses sete graus, de acordo com a transcrição dos rituais de Schröder[33] por Alain Bernheim e Arturo de Hoyos, incluíam os primeiros graus: Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom, seguidos por Mestre Escocês, Noviço Secular, Cavaleiro e, finalmente, Irmão Leigo[34]. O três rituais são reconhecíveis por qualquer maçom, mas, no entanto, têm diferenças marcantes, como no grau de Mestre Maçom, que apresenta um ‘ramo de Cássia’ em vez do ramo de Acácia que conhecemos hoje[35]. Uma coleção de catecismos que é apresentada parece bastante incomum em certos contextos, e parece que os rituais evoluíram por um caminho muito diferente, embora ainda retivessem a essência dos três primeiros graus. O rito, que foi orientado para os templários, seu conteúdo cavalheiresco e o mistério que cerca sua suposta origem jacobita, ainda divide os historiadores maçônicos hoje. As traduções de Bernheim e de Hoyos, ao discutir os “Extratos da História da Ordem”, apresentam a história de como vários templários fugiram da perseguição na França em 1311 e chegaram à Escócia vestidos de maçons. De acordo com a história, uma vez na Escócia, a Ordem continuou com os ‘usos da Maçonaria … escolhidos para preservar a memória …’ e que ‘ninguém foi admitido como Mestre Escocês, exceto um filho da Ordem …’[36]. O Rito na celebração à Escócia e sua herança templária secreta parece ecoar as ideias cavalheirescas apresentadas no ‘discurso’ de Ramsey, algo que também foi espelhado na sugestão de Von Hund de uma misteriosa fonte jacobita para o sistema[37]. Na verdade, a ruína do Barão von Hund foram as origens misteriosas do rito e, sendo incapaz de apresentar qualquer prova tangível de seus “superiores desconhecidos”, sua história se tornou insustentável e sua reputação danificada. Ele morreu em 1776 em circunstâncias muito reduzidas. No convento de Wilhelmsbad em 1782, o rito de Von Hund rapidamente se desfez quando uma coleção de delegados renunciou às origens templárias não comprovadas. Eles descartaram o mito e uma reformulação completa do ritual ocorreu, encerrando a prática do Rito de Estrita Observância de Von Hund. Alguns escritores maçônicos, como Waite, fizeram referência às supostas origens jacobitas do rito de Von Hund; em Paris, Von Hund acreditava ter entrado em contato com um certo Cavaleiro da Pena Vermelha, cuja identidade nunca foi revelada, mas Von Hund acreditava que não era outro senão o Jovem Pretendente, Charles Edward Stuart. Waite era da opinião de que Von Hund estava enganado, mas de qualquer forma, o Barão manteve sua história até sua morte e o Rito de Estrita Observância foi, por um curto período, um dos ritos mais progressistas da Europa durante o século XVIII[38]. Apesar do fim da prática do Rito de Estrita Observância de Von Hund, sua reestruturação por Jean-Baptiste Willermoz levou ao nascimento do Rito Escocês Retificado, que será discutido com mais profundidade posteriormente. O Rito da Estrita Observância também influenciou a formação do Rito dos Filaletes[39], e do Rito Sueco, que ainda hoje é praticado na Suécia.

Jean-Marc Nattier, Portrait de Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1755)

O Rito de Filaletes (Philalethes)

O Rito de Filaletes, como Waite mais filosoficamente coloca, estava “entre os vários pretendentes a uma reforma geral da Maçonaria[40]. Foi fundado em 1773 por, entre outros, o proeminente maçom francês Charles Pierre-Paul Savalette de Langes, e era uma mistura eclética de graus, sendo influenciada pelo Rito da Estrita Observância e pelo Rito dos Elus Coens (Rito do Sacerdócio Eleito). Ganhou uma afiliação distinta e foi fundamental na organização da famosa Convenção de Paris em 1784, que discutiu fervorosamente “a verdadeira natureza da ciência maçônica”. Apesar de ter uma filiação ilustre e ser de natureza bastante progressista, o rito parece ter entrado em colapso após a morte de Savalette de Langes em 1797 e, portanto, teve vida relativamente curta. Seus doze graus incluíam os três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom, seguidos por Eleito, Mestre Escocês, Cavaleiro do Oriente, Rosa Cruz, Cavaleiro do Templo, Filósofo Desconhecido, Filósofo Sublime, Iniciado e, finalmente, Filaletes[41]. O desenvolvimento deste estilo de altos graus da maçonaria tornou-se entrelaçado com os egos dos místicos, cavalheiros carismáticos e as modas da maçonaria no continente, para não mencionar a política da época, e parece que cada rito que foi estabelecido estava apresentando o que eles acreditavam ser a forma correta da Maçonaria.

Martines de Pasquelly e o Rito dos Elus Coens (Sacerdócio Eleito)

Martines de Pasqually estabeleceu seu Rito de Elus Coens (ou o Rito do Sacerdócio Eleito) em Toulouse em 1760. Embora haja alguma confusão sobre a estrutura exata dos graus, de acordo com Waite, o rito teria possivelmente nove graus, divididos em três divisões; estes incluíam o Pórtico, que eram basicamente os três graus simbólicos que incluíam Aprendiz, Companheiro e Mestre Particular; o Templo, que consistia em graus “sacerdotais” que incluíam o Grande Mestre Eleito, Sacerdote Aprendiz, Sacerdote Companheiro; e o Santuário, que se tornou mais mágico, com Mestre Sacerdote, Grande Mestre Arquiteto e, de acordo com J.M. Ragon o grau final era o Cavaleiro Comandante, o qual Papus depois identificou como o grau Rosa Cruz[42].

John Yarker, em suas Escolas Arcanas, menciona uma curiosa carta ou patente emitida por ninguém menos que Charles Stuart em 20 de maio de 1738, que deu ao pai de Martines de Pasqually permissão para criar lojas para o Rito de Elus Coens. Existem dificuldades óbvias com um documento como este. Yarker menciona que Charles Stuart – o Bonnie Prince Charlie da história – é descrito no documento como Rei da Escócia, Irlanda e Inglaterra e Grão-Mestre de todas as lojas na face da terra[43]. Na época em que o documento foi supostamente escrito, o Bonnie Prince tinha apenas 17 anos e foi seu pai – o Velho Pretendente, James III – que reivindicou as três coroas naquele momento. No entanto, não é a autenticidade do documento que é importante aqui, é o poder que tal documento dá aos grupos Elus Coen que existem hoje[44]. A carta sem dúvida lembra os “superiores desconhecidos” do Barão von Hund e como Bonnie Príncipe era associado ao Cavaleiro da Pena Vermelha. Certamente havia uma moda para cartas maçônicas em nome do Príncipe Bonnie durante esse tempo; Yarker também se refere a um certo Lord de Berkley que, em 14 de fevereiro de 1747, concedeu uma licença para a Rosa Cruz para a Loja ‘Jacobite Scots’ em Arras na França. Yarker indica que não há cópia autenticada da carta e o Príncipe Charles Edward é, às vezes, referido no documento como o ‘Rei Pretendente’ ou ‘GM substituto’, dependendo de quem estava escrevendo[45]. Curiosamente, Yarker também comenta sobre como as mulheres não tiveram sua admissão recusada ao Rito de Elus Coens, que também nos lembra de como homens e mulheres podem fazer parte do Rito Egípcio de Cagliostro.

Pasqually fundiu doutrinas esotéricas baseadas no Gnosticismo e na Cabala, em suma, sua versão da Maçonaria misturada com magia para formar um tipo único de rito. Nesse sentido, os ensinamentos do Rito de Elus Coens capacitaram os membros selecionados a aprender um aspecto da magia que visava colocar o adepto em comunhão com seres sobrenaturais. Pasqually foi particularmente influente para Jean-Baptist Willermoz e Louis Claude de Saint-Martin, ambos levando seus ensinamentos em direções diferentes. Em 1772, Pasqually deixou a França para o Caribe para coletar uma herança e morreu lá em 1774. A Ordem se desintegrou após sua morte, e elementos do rito foram absorvidos no Rito da Estrita Observância reestruturado por Willermoz, criando o Rito Escocês Retificado. Saint-Martin levou seus ensinamentos em outra direção, ensinamentos que mais tarde influenciaram o Martinismo.

O Rito Swedenborgian

Nunca foi provado que Emanuel Swedenborg tenha sido um maçom. Ele foi, no entanto, um místico, teólogo, filósofo, cientista e inventor, cujos ensinamentos e trabalhos inspiraram o Rito de Swedenborg.

Emanuel Swedenborg nasceu em Estocolmo em 1688, seu pai era professor de teologia na Universidade de Uppsala e mais tarde bispo de Skara. Swedenborg era um homem culto; inventando máquinas voadoras, pesquisando anatomia e empreendendo muitos estudos diferentes em vários aspectos do aprendizado, sendo um propagador na busca dos mistérios ocultos da natureza e da ciência. Foi mais tarde que Swedenborg teve uma espécie de despertar espiritual que testemunhou a transição de um homem de ciência para um místico; um homem que podia falar com anjos, espíritos e demônios, e que afirmava ter recebido uma nova revelação de Jesus Cristo, seus ensinamentos revelando a segunda vinda de Cristo e o julgamento final. Swedenborg morreu em Londres em 1772 e inspirou eminentes artistas e escritores como William Blake e Thomas De Quincy[46], bem como homens místicos como Louis Claude de Saint-Martin. A Igreja Swedenborgiana, que foi inspirada nos escritos de Swedenborg, foi fundada na Inglaterra em 1787 e o movimento da Nova Igreja como também era conhecido, crescendo rapidamente. A Igreja ainda sobrevive hoje. Foi depois de sua morte que o rito “Swedenborgian” foi desenvolvido por um conde polonês e entusiasta de Swedenborg chamado Thaddeus Leszczy Grabianka e um certo Dom Antoine Joseph Pernety, fundindo os ensinamentos místicos de Swedenborg com as ideias maçônicas[47].

Dom Antoine Joseph Pernety havia deixado a Ordem Beneditina e, após se estabelecer em Avignon, perseguiu seus interesses na alquimia. Ele então se mudou para Berlim, tornando-se bibliotecário do maçom Frederico, o Grande, e enquanto estava lá, traduziu as obras de Swedenborg para o francês. Foi em Berlim que Pernety conheceu o conde polonês Thaddeus Leszczy Grabianka, e depois que Pernety voltou para Avignon, Grabianka juntou-se a ele e juntos fundaram a Société des Illuminés d’Avignon em 1786. Este primeiro rito “Swedenborgiano” teve vida relativamente curta, e um fim na esteira do caos trazido pela Revolução Francesa. No entanto, atraíram dois Swedenborgians ingleses de renome: William Bryan e John Wright, que, em 1789 “foram iniciados nos mistérios de sua ordem” e foram apresentados à ‘presença real e pessoal do Senhor‘, que foi transmitido por um “jovem majestoso… em vestes roxas, sentado em um trono situado em uma câmara interna, decorada com emblemas celestiais[48]. Isso sugere que o rito refletia as filosofias milenaristas de Swedenborg, mas como era o resto do ritual, só podemos especular. Outro Rito Swedenborgiano surgiu com o renascimento do ocultismo do final do século XIX, novamente contendo elementos do milenismo místico de Swedenborg[49].

A obscuridade da versão inicial do rito levou a uma série de apresentações diferentes de sua história e foi dito que a mencionada Société des Illuminés d’Avignon não tinha nenhuma conexão com o Rito Swedenborgiano posterior que se desenvolveu nos EUA, “contendo muito de Ritual da Loja Simbólica Americana[50]. Em uma edição da Collectanea que discute o rito, uma referência remonta a Londres c.1784 onde um certo Bento Chastanier é mencionado a respeito de uma Ordem baseada nos Teosofistas Iluminados, que foi fundada por ele em 1767[51]. A edição descreve como o rito foi revivido na América em 1859 por membros da Nova Igreja de Swedenborgian e, embora esta data de fundação seja sugerida como problemática, o rito certamente existia lá em 1869, quando um livro foi escrito sobre a Ordem por Samuel Beswick. O maçom e ocultista John Yarker também esteve envolvido no rito revivido, sendo listado como Grande Mestre Supremo[52]. Seis graus são apresentados como sendo trabalhados pelo rito revivido; os três primeiros sendo os graus simbólicos, o quarto era intitulado Maçom Iluminado, o quinto Maçom Sublime e o sexto e último Grau de Maçom Perfeito[53]. No Grau final, o nome de Deus é revelado e a jornada maçônica é declarada como completa[54].

Yarker menciona o Rito Swedenborgiano em suas Escolas Arcanas, afirmando que “ele consiste em três cerimônias elaboradas e belas para as quais a Maçonaria é exigida[55]. Embora tenha sido afirmado que não tem nada a ver com a anterior Société des Illuminés d’Avignon, o Rito Swedenborgiano do século XIX, é um exemplo das dificuldades que surgem em avaliar se um rito particular foi realmente revivido ou não. Sem certa continuidade e evidência completa dos rituais que foram usados, um renascimento ou mesmo uma alegada continuação de um determinado rito sempre será discutível.

O Rito de Zinnendorf

Este rito em particular foi criado por Johann Wilhelm Ellenberger von Zinnendorf, nascido em Halle em 1731. Zinnendorf foi uma figura proeminente na Maçonaria, e em 1773 ele fechou um acordo com a Grande Loja da Inglaterra para que todas as lojas na Alemanha, com exceção da Grande Loja Provincial em Frankfurt fossem colocadas sob seu comando, com Zinnendorf tornando-se efetivamente Grão-Mestre, posição que ocupou até sua morte em 1782. O próprio rito, de acordo com Waite, foi considerado uma mistura das “visões de Swedenborg” e os “vestígios do iluminismo hermético de Pernety”, embora ele mencione que não havia evidências disso. Na verdade, o arranjo do rito reflete uma certa influência do Rito da Estrita Observância: a primeira parte era composta pela Maçonaria Simbólica ou Maçonaria Azul com o grau de Aprendiz, seguido pelo Companheiro, depois Mestre. A segunda parte foi o que Waite denominou de Maçonaria Vermelha, com o Aprendiz e Companheiro Escocês (Écossais Apprentice and Companion), seguido de Mestre Escocês (Master Écossais), a terceira e última parte foi intitulada Maçonaria Capitular, com um grau denominado Favorito de São João, seguido de Capítulo dos Maçons Eleitos[56].

O Rito de Zinnendorf com suas aspirações Écossais (escocesas), portanto, parece ter uma influência do Rito da Estrita Observância. Zinnendorf tinha realmente sido um membro da Estrita Observância: ele havia sido “nomeado cavaleiro” por von Hund em 1764, Zinnendorf tornando-se Mestre da Loja dos Três Globos em Berlim no ano seguinte. Von Hund constituiu os Três Globos como uma “Loja Escocesa ou Diretora” em 1766, dando-lhe o poder de criar lojas de Estrita Observância. No entanto, a harmonia foi quebrada quando, em novembro, Zinnendorf “notificou formalmente a Von Hund de sua renúncia à Estrita Observância” e, em maio de 1767, renunciou aos Três Globos. Isso deu a Zinnendorf a liberdade de criar seu próprio rito e forjar suas ambições que acabaram levando às negociações com a Grande Loja da Inglaterra[57]. O rito tem uma semelhança marcante com o Rito Sueco, com algumas variações menores, mas igualmente significativas.

O Rito Egípcio de Cagliostro

De todos os ritos maçônicos que existiram no continente durante o século XVIII, o Rito Egípcio do Conde Alessandro Cagliostro é talvez um dos ritos mais intrigantes e fascinantes. O próprio Cagliostro era um homem misterioso, de ego e criatividade; o exótico teatro da Maçonaria sendo o pano de fundo para retratar sua própria mistura única de alquimia, sexo e magia, uma mistura que certamente atraiu a elite social parisiense da época. Cagliostro se tornou o tema romântico de escritores como Johann Wolfgang von Goethe e Alexandre Dumas[58], e o romance em torno de sua vida parece se confundir entre fantasia e realidade, criando um personagem maçônico quase mítico. Por exemplo, Cagliostro supostamente conheceu personalidades ilustres do século XVIII, como o Conde de Saint-Germain e Casanova, e o passado de Cagliostro era tão misterioso quanto essas duas figuras, o mágico enigmático sendo identificado como Giuseppe Balsamo, um falsificador e trapaceiro italiano, em um francês jornal publicado em Londres chamado Courrier de l’Europe em setembro de 1786. Ele foi novamente identificado como Balsamo em uma publicação em 1791 pela Câmara Apostólica de Roma, descrevendo o julgamento de Cagliostro, intitulado Vie de Joseph Balsamo[59]. O problema parecia acompanhar Cagliostro onde quer que ele fosse; enquanto na França na década de 1780, Cagliostro tinha sido implicado no caso do colar de diamantes, que envolveu diretamente Maria Antonieta em uma teia emaranhada de intriga sombria, e depois de passar um tempo na Bastilha, ele foi solto e partiu para a Inglaterra, indo mais tarde para Roma, onde foi preso por ser Maçom em 1789. Depois de tentar escapar do Castel Saint’Angelo, Cagliostro foi transferido para a Fortaleza de San Leo, onde morreu logo depois.

Cagliostro se tornou uma figura tão importante na Maçonaria na época que foi convidado para a Convenção de Paris em 1784 para explicar seu sistema, uma Convenção que o Rito dos Filaletes tinha sido fundamental para organizar. Suas reivindicações incluíam que ele poderia renovar a juventude, ele poderia conjurar as aparições dos mortos, ele poderia conferir beleza àqueles que se submetessem ao seu sistema de medicina hermética e que ele poderia fazer ouro. Em suma, seu rito revelaria os verdadeiros mistérios ocultos da natureza e da ciência e, à medida que se tornava aberto às mulheres, ele começou a atrair várias senhoras de alta posição[60]. O próprio rito consistia em três graus semelhantes à Maçonaria Simbólica: Aprendiz, Companheiro e Mestre, mas esses graus consistiam em algum material muito interessante. John Yarker em suas Escolas Arcanas, acreditava que o ritual de Cagliostro pode ter sido influenciado por Pasqually[61], e os dois ritos realmente compartilhavam aspectos mágicos mais profundos, como exploraremos em capítulos posteriores. Cagliostro continua atraindo o interesse de escritores, talvez devido à natureza extravagante de sua vida e seu estilo mais mágico de Maçonaria.

O Rito Melissino

Pyotr Ivanovich Melissino (1726-1797) foi um General da Artilharia do Império Russo, de origem grega e o fundador do Rito Melissino, que estava ativo em São Petersburgo na Rússia em 1765. Melissino foi um membro proeminente da sociedade de São Petersburgo, que também era um centro da moda e cultural para o Iluminismo sob Catarina, a Grande. Melissino tornou-se familiarizado com gente como Casanova, um homem de alta posição social que também estava ligado à Maçonaria[62]. O Rito de Melissino compreendia sete graus e como Melissino estava profundamente interessado em referências alquímicas, Rosacruzes e Cabalísticas infiltradas no Rito, tornando esta forma de Maçonaria muito atraente para a elite social da época[63]. Melissino também foi dito ter sido um dos “seguidores mais fiéis” de Cagliostro, e como veremos em um capítulo posterior, há semelhanças em certas partes dos rituais[64].

Os sete graus do Rito incluíam os primeiros três graus da Maçonaria Simbólica com Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom, continuou a lenda Hirâmica com um quarto grau chamado de Cofre Escuro (Dark Vault), com uma narrativa da busca pelo túmulo de Hiram e como nove Mestres Maçons foram selecionados para a busca. O quinto grau de Mestre Escocês é uma reminiscência do grau de Mestre Escocês do Rito da Estrita Observância, o grau sendo de natureza cavalheiresca, apresentando como um grupo de Mestres Maçons carregou o corpo de Hiram e o tesouro do Templo para a Escócia, onde fundaram várias lojas. Esta lenda templária escocesa também pode ser encontrada no Rito Egípcio de Cagliostro, onde no primeiro grau ele propõe que “um dos templários, que se refugiou na Escócia, segue os maçons até o número de 13, depois 33 … [65]. O sexto grau de Filósofo (Philosopher) se concentra em examinar se o iniciado foi “suficientemente instruído nos segredos da Câmara da Sabedoria” e se foi, ele pode avançar para descobrir os “hieróglifos“, o iniciado renasce e está qualificado para ajudar no objetivo da Maçonaria na restauração da Idade de Ouro[66]. O sétimo grau final do Grande Sacerdote do Templo (Grand Priest of the Temple) ou Cavaleiro Espiritual (Spiritual Knight) é uma conclusão dramática para o rito, com o grau sendo preenchido com referências de alquimia que propõem que o iniciado está finalmente alcançando os segredos dos antigos filósofos, os segredos da magia divina transmitidos por “três alunos de Pitágoras e Zenão…[67]. Este grau final foi descrito pelo historiador Robert Collis como a expressão mais profunda do Iluminismo[68], e realmente apresenta um espetáculo conclusivo que apresenta ao candidato o conhecimento perdido dos antigos. Em 1782, as sociedades secretas foram proibidas na Rússia e, embora a Maçonaria não tenha sido afetada, Melissino parece ter se aposentado e se retirado da Ordem, e suas lojas acabaram fechando.

O Rito dos Construtores Africanos ou Arquitetos

Esse rito tem um início obscuro de acordo com Waite; pode ter sido fundado por volta de 1766 e certamente há algum mistério em torno de sua organização. J.W.B. von Hymmen foi mencionado por Waite como sendo associado ao Rito dos Construtores ou Arquitetos Africanos, juntamente com C.F. Köppen, que foi o fundador. Como o Rito da Estrita Observância, os rituais eram realizados em latim, e Waite diz que Hymmen, que era um juiz prussiano, era membro da Estrita Observância. Há algum debate quanto à natureza maçônica de seus graus, embora Waite presuma que um membro tinha que ser um Mestre Maçom antes de ingressar. Existem dois relatos diferentes apresentados por Waite dos graus reais que eles praticavam; o primeiro deles inclui os Graus Inferiores de Aprendiz de Segredos Egípcios, Iniciação em Segredos Egípcios, Cosmopolita ou Cidadão do Mundo, Filósofo Cristão, Aletófilos ou Amante da Verdade e Altos Graus de Esquire, Soldado e finalmente Cavaleiro. O segundo relato contêm graus como Cavaleiro ou Aprendiz, Irmão ou Companheiro, Soldado ou Mestre, Cavaleiro ou Cavalheiro, Novato, Construtor e, finalmente, Tribuno ou Cavaleiro do Silêncio Eterno[69].

Olhando para o primeiro relato do sistema de graus, o rito parecia se concentrar nos segredos e mistérios egípcios, dando um sabor interessante e exótico aos graus, lembrando o Rito Egípcio de Cagliostro. Certamente atraiu os literatos da época e foi estabelecido com o propósito de “cultura literária e estudos intelectuais”, sendo uma Ordem que apelava para a intelectualidade, e por um curto período de tempo “Lojas” estavam operando em Worms, Colônia e Paris. No entanto, o rito teve vida curta e, de acordo com Gould em sua História da Maçonaria, acabou com a morte de Köppen em 1797[70]. Apesar de sua vida relativamente curta, o rito certamente atraiu a atenção de escritores maçônicos como Gould e Waite , que parecia considerá-lo um exemplo intrigante de um rito perdido.

Rito dos Sacerdotes Egípcios

A Maçonaria de estilo egípcio certamente floresceu durante o final do século XVIII, com o já mencionado Rito Egípcio de Cagliostro e o Rito dos Construtores Africanos. No entanto, um outro exemplo bastante obscuro é o Rito dos Sacerdotes Egípcios, que é mais um rito que explora uma forma esotérica de iniciação com um arcano como pano de fundo egípcio. Nick Farrell apresenta uma tradução deste rito paramaçônico dos Sacerdotes Egípcios, derivado de uma obra alemã intitulada Crata Repoa datada de 1770, uma tradução que foi anteriormente conduzida por Ragon no século XIX[71]. O rito continha sete graus; o primeiro chamado Pastophoris ou Aprendiz, o segundo Neocoris, o terceiro grau é A Porta da Morte (The Door of Death), o quarto é A Batalha com as Sombras (The Battle with Shadows), o quinto Balahate, o sexto é intitulado Astrônomo antes do Portal dos Deuses (Astronomus before the Gateway of the Gods), e o sétimo e último grau é Propheta ou melhor, Saphenath Pancah, aquele que conhece os segredos (Propheta or rather Saphenath Pancha, he who knows secrets). Os sete graus de aprendiz a “Profeta” refletem outros ritos do período, como o Rito de Filaletes, que proporcionam a jornada de um noviço a um profeta que finalmente tem o conhecimento perdido dos antigos que lhe é revelado[72].

Com um óbvio tema egípcio percorrendo o rito, um cenário egípcio domina a execução das notas; a Esfinge e múmias são mencionadas e, no grau de A Porta da Morte, uma sala é revelada com “vários tipos de corpos embalsamados e caixões[73]. A morte de deuses egípcios e gregos como Tífon, que é morto no quinto grau por Orus (Horus), também é retratada conforme o candidato progride em sua jornada[74]. O rito é de fato um tanto misterioso, e como Farrell escreve na introdução da obra, “historicamente, suas alegações são falsas ou improváveis, mas foram mantidas por grupos que as usaram como modelo, incluindo os Grupos de Maçons Esotéricos Europeus” e que o rito é uma “obra pequena e amplamente esquecida” que “influenciou o desenvolvimento da Tradição de Mistérios Ocidental. Estes, por sua vez, influenciaram as Ordens Rosacruzes de língua inglesa, incluindo Golden Dawn, OTO, AMORC, Builders of the Adytum e Dion Fortune”[75]. Assim, de acordo com Farrell, este rito relativamente pequeno e esquecido torna-se significativo quando se olha como o renascimento ocultista do final do século XIX se desenvolveu e como o avivamento foi influenciado pelos primeiros ritos esotéricos do século XVIII.

Os Illuminatis da Baviera

Outra sociedade que certamente atrai a atenção hoje são os Illuminati; uma sociedade que era originalmente não maçônica e foi fundada na Alemanha em 1776 por Adam Weishaupt. Weishaupt, um professor de direito canônico na Universidade de Ingolstadt, originalmente concebeu o conceito de uma sociedade secreta formada por seus alunos mais esclarecidos. Com a Coruja de Minerva empoleirada em um livro aberto como seu símbolo, os Illuminati, que foram projetados para apoiar as ideias do Iluminismo, eventualmente trabalharam em uma série de graus que expandiram as ideias de Weishaupt. A ideia por trás do nome Illuminati ecoava a luta dos membros contra as trevas, mas originalmente Weishaupt iria chamar a sociedade de Ordem das Abelhas, e seus membros eram chamados de Perfeccionista. A Ordem que lutava pela melhoria da natureza humana e da sociedade. Weishaupt se juntou a uma loja sob o Rito da Estrita Observância em 1777, e depois de ser apresentado aos três primeiros graus da Maçonaria, decidiu formar sua própria Loja de membros Illuminati, fundindo os dois.

O trabalho recente sobre os Illuminati da Baviera, A Escola Secreta de Sabedoria (The Secret School of Widsom), fornece uma excelente apresentação da formação dos graus e como os elementos maçônicos foram adicionados ao sistema dos Illuminati. Isso foi feito com a ajuda do Barão Adolph von Knigge, que se desencantou com a Estrita Observância e seus indescritíveis superiores desconhecidos, e abraçou os Illuminati de todo o coração. Algumas das ideias de Knigge incluíam uma Loja de Mesa e um sabor cristão geral que culminou com a ideia de que Hiram era na verdade Jesus, sendo a Maçonaria uma forma de propagar seus ensinamentos secretos. Knigge também estava ciente do mencionado Rito dos Sacerdotes Egípcios por meio da exposição Crata Repoa, cujo quarto grau é chamado de A Batalha das Sombras. Este grau certamente ressoa no grau Minerva dos Illuminati, especialmente com a ocorrência do adepto em A Batalha das Sombras recebendo um escudo chamado ‘Minerva’ e então premiado com uma medalha que revela Minerva como uma coruja[76].

Os graus, de acordo com Waite, tornaram-se uma mistura de temas políticos, intelectuais e maçônicos, com Waite apresentando várias partes de seu sistema. A Parte A incluiu os graus preparatórios de Iniciante e ProfessorAcademia de Iluminismo ou Grau Minerva, seguido por Illuminatus Menor e o grau final de Illuminatus Maior ou Magistrado da Igreja Minerval. A Parte B seguiu com o grau intermediário de Cavaleiro Escocês do Iluminismo, que parece ter sido inspirado na moda popular dos graus escoceses. A progressão continuou com a Parte C, que Waite chamou de Classe dos Mistérios Menores e incluiu Epopt ou Sacerdote do Iluminismo, e esse grau sacerdotal foi seguido pelo Regente ou Principatus Illuminatus, ao qual Waite se refere como um grau mais político. A Parte D é dada como o estágio final e foi intitulada Classe dos Mistérios Maiores, que incluía Magus ou Filósofo e finalmente Homem-Rei.

O sistema certamente refletiu a jornada de ‘Novato‘ a ‘Filósofo‘ que tantos outros ritos conduziram. Os graus podem ter sido diferentes, mas eles compartilhavam temas semelhantes. Os Illuminati da Baviera foram finalmente suprimidos por um decreto eleitoral em 1784, e a visão de Weishaupt da perfectibilidade humana chegou ao fim[77].

O nome dos Illuminati é talvez mais conhecido hoje por ter sido adotado por autores especulativos e teóricos da conspiração como um termo guarda-chuva para uma ampla gama de sociedades secretas coletivas, mas a verdadeira história da Ordem é muito mais interessante e atraente, especialmente porque o ethos original da sociedade era trazer luz na forma de manter as ideias do Iluminismo. Existem vários grupos hoje que trabalham os graus dos Illuminati da Baviera, embora estes sejam avivamentos mais recentes e não tenham continuidade com a Sociedade original de Weishaupt.

Rito Retificado de Fessler

Com tantos ritos sendo praticados durante o século XVIII, houve tentativas de reformá-los, de reter certos elementos atraentes e descartar as partes que não o faziam. O Rito Retificado de Fessler foi uma tentativa de reformar os vários graus maçônicos do período, mas ao contrário do Rito Escocês Retificado de Willermoz, o rito de Fessler foi um pouco menos bem-sucedido, para dizer o mínimo.

Ignaz Aurelius Fessler era um húngaro que recebeu as ordens sacras, tornando-se noviço em um mosteiro aos dezessete anos em 1773. Ele se tornou insatisfeito com a vida monástica e, em 1783, tornou-se maçom em Lemberg, e logo desenvolveu o desejo de reformar a Maçonaria. Fessler era um membro da Loja Royal York of Friendship, eventualmente formando uma nova constituição e estabelecendo-a como uma Grande Loja em 1798, também estendendo um aspecto educacional ao projeto ao criar uma União Científica Maçônica que foi dedicada ao estudo histórico da ciência maçônica .

O próprio rito foi adaptado de várias fontes, como o Rito Francês, a Estrita Observância, o Capítulo de Clermont, o Rito Sueco e a Ordo Roseæ et Aureæ Crucis, com Fessler aparentemente juntando um equilíbrio dos graus maçônicos, esotéricos e cavalheirescos. Waite, portanto, apresenta o sistema de graduação de Fessler: os três primeiros graus da Arte seguidos por um Capítulo de Conhecimento Superior que incluía o Santo dos Santos, a Justificação, a Celebração, a Verdadeira Luz, a Pátria e, finalmente, a Perfeição. O rito foi abandonado em 1800, e o próprio Fessler “renunciou a todas as honras e cargos” dois anos depois, embora de acordo com a História Pitoresca da Francomaçonaria (Histoire Pittoresque de la Franc-Maçonnerie) de Clavel, algumas lojas prussianas ainda praticavam o rito por volta de 1840[78].

O Rito de Perfeição e a Ordem do Segredo Real

Agora sabemos que o Rito de Perfeição consistia na primeira parte de 14 graus, enquanto os 25 graus do rito (incluindo os primeiros três graus da Loja Azul) eram coletivamente conhecidos como a Ordem do Segredo Real[79]. O sistema parece ter sido compilado pelo comerciante francês Estienne Morin. Morin esteve envolvido na Maçonaria de altos graus desde a década de 1740, seu comércio com as Índias Ocidentais permitiu-lhe estabelecer a Ordem na Jamaica e na América do Norte. Morin foi ajudado por Henry Andrew Francken, outro cidadão francês de ascendência holandesa que Morin nomeou como Grande Inspetor Geral Adjunto. Foi Francken que viajou para Nova York e estabeleceu o rito lá em 1767, e de lá, a Ordem foi fundada na Carolina do Sul, o que levou ao estabelecimento do Rito Escocês lá em 1801, se tornando um dos ritos mais conhecidos e duradouros que ainda hoje é amplamente praticado. Francken trabalhou com Morin no rito e escreveu vários manuscritos que deram detalhes dos graus. O que é referido como o terceiro desses manuscritos acabou caindo nas mãos de um certo Michael Alexander Gage no noroeste da Inglaterra.

Michael Alexander Gage e o Manuscrito Francken

Michael Alexander Gage foi um dos arquitetos que presidiram a rebelião maçônica de Liverpool de 1823, que reativou a Grande Loja dos Antigos (Antient Grand Lodge). A rebelião foi uma reação contra as mudanças ritualísticas e administrativas introduzidas pela união de 1813 entre os Modernos e os Antigos. A questão do Arco Real era muito controversa, com os Antigos praticando o ritual como um grau separado e os Modernos oficialmente reconhecendo o Arco Real como a conclusão do terceiro grau.

Gage nasceu em Kings Lynn em Norfolk em 1788 e se juntou a uma loja lá, tornando-se o Venerável Mestre da loja em 1810. Ele então se mudou para Glasgow no ano seguinte, onde também se juntou a uma loja, finalmente estabelecendo-se em Liverpool em 1812, onde tornou-se um membro proeminente de uma loja antiga chamada Loja nº 20[80]. Gage era um homem explosivo; suas demandas por mudanças no regulamento e sua carta, dirigida ao Grão-Mestre, o duque de Sussex, revelaram sua forte paixão por questionar a união. Mas Gage também estava profundamente interessado em rituais e era o proprietário de uma rara cópia do Manuscrito Francken.

Este terceiro MS Francken, como ficou conhecido, é de fato um documento notável. Gage escreve no início do documento que foi “recebido de John Caird, Edimburgo – Jas. Caird, Liverpool, 30 de agosto de 1815”, e ainda estava em sua posse cinquenta anos depois[81]. O manuscrito fornece uma descrição de 25 graus da Ordem do Segredo Real, o precursor do Rito Escocês, e certamente era de interesse de Gage, que guardou o manuscrito muito depois de deixar a Grande Loja rebelde.

O sonho de Gage de um relançamento e expansão da Grande Loja dos Antigos começou a se desintegrar apenas alguns anos após sua concepção, quando as divergências internas fizeram que a Grande Loja se mudasse permanentemente para Wigan e se tornar mais local em sua perspectiva. Esta ‘Grande Loja Wigan’ tinha um pequeno número de lojas operando no noroeste industrial da Inglaterra durante a década de 1840, com duas lojas operando em Wigan, uma em Warrington, uma em Liverpool, uma loja em Ashton-in-Makerfield e uma hospedada em Ashton-under-Lyne e, como os Antigos, praticavam o Arco Real como um grau separado[82].

Em sua carta de renúncia à Grande Loja Wigan em 1842, Gage destacou que não frequentava uma loja por quinze anos e recusou um pedido para escrever um panfleto sobre a rebelião. Parecia que Gage estava há muito desencantado com a rota que os rebeldes haviam tomado e estava muito preocupado com a “grande irregularidade na numeração e concessão de novas Cartas Constitutivas” para as lojas, ficando chateado por não ter a oportunidade de inspecionar os novos mandados antes de serem emitidos[83].

Então, Gage queria outra direção para a Grande Loja? E essa direção incluiu a prática dos 25 graus apresentados no Manuscrito Francken? O fato de ainda possuir o documento em 1865, muito depois de ter renunciado e ainda mais tempo desde que frequentou uma loja, certamente revela um profundo interesse pelo rito. No entanto, podemos apenas especular sobre seu grande projeto final. Sabemos, no entanto, que a Maçonaria no norte da Inglaterra teve floreios independentes, como com a Grande Loja York, que operou em períodos intermitentes durante o século XVIII, e, claro, a já mencionada Rebelião Maçônica de Liverpool e a subsequente Grande Loja Wigan.

Conclusão

A maioria desses ritos incluía uma estrutura semelhante: eles começavam com os três Graus Simbólicos, em seguida, desenvolveram-se explorando os Graus de Escocês ou Mestre Escocês, como o Rito de Estrita Observância, Rito Philalethes e Rito de Melissino. O iniciado então passava a experimentar graus de Cavalaria até que, finalmente, como nos Ritos Philalethes e Melissino, um grau de Filósofo abria caminho para o iniciado atingir uma compreensão espiritual plena com a descoberta do conhecimento perdido dos antigos. Este estilo de altos graus da maçonaria era certamente popular no continente, especialmente na França e na Alemanha e, além de oferecer um caminho adicional para o Maçom explorar os segredos arcanos oferecidos, eram administrados por cavalheiros carismáticos e populares como Von Hund, Melissino e Pasqually, que também seria uma atração para cavalheiros em busca de orientação em suas investigações. O apelo adicional de ter acesso aos ensinamentos de alquimia, magia e Cabala que eram oferecidos em certos ritos, como o Rito Egípcio de Cagliostro e o Rito de Melissino, fornecia um aspecto atraente adicional para a busca pelo conhecimento perdido dos antigos e homens atraídos (e mulheres) para se juntarem e socializar na órbita de seu líder carismático.

Muitos dos homens por trás dos ritos perdidos discutidos aqui foram claramente mal compreendidos. O Conde Cagliostro, por exemplo, permanecerá para sempre uma figura histórica enigmática e confusa, seu passado misterioso e morte dramática criando deliberação entre os historiadores. O Barão von Hund também irá persistentemente atrair o debate se ele realmente conheceu ou não os misteriosos Superiores Desconhecidos, se ele foi enganado por vigaristas ou se ele realmente se encontrou com o Cavaleiro da Pena Vermelha. Outros, como Zinnendorf, claramente tinham ambições próprias e se tornaram figuras importantes na Maçonaria.

Apesar da popularidade e do zelo dos ritos de Altos Graus que surgiram durante o século XVIII no continente, houve uma reação no esforço de trazer a Maçonaria de volta ao significado dos graus Simbólicos. Esta reação ao que era visto como a pretensão da Maçonaria de Altos Graus é melhor exemplificada com a Grande Loja da União Eclética, que começou por volta de 1783 e, de acordo com Waite, pode muito bem ainda ter se reunido em Frankfort-on-the-Main até 1914. Waite observou que haviam 21 lojas sob seu domínio com 3.000 membros. Parece que nem todos os maçons estavam muito interessados ​​em explorar novos caminhos[84].

Muitos desses ritos não sobreviveram após a morte de seu fundador: o rito de Cagliostro desapareceu após sua morte e o Rito da Estrita Observância também deixou de funcionar em sua forma original após a morte de Von Hund. O Rito da Estrita Observância, no entanto, foi reformado e reestruturado por Willermoz, que também absorveu elementos do Rito dos Elus Coens na nova estrutura, criando o Rito Escocês Retificado, também conhecido como Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (Chevalier Bienfaisant de la Cité Sainte), um rito que ainda existe hoje. Este rito evoluiu do convento de 1778 em Lyon e finalmente tomou forma após o convento de Wilhelmsbad de 1782, liderado pelo próprio Willermoz, que combinou os temas templários da Estrita Observância com os temas religiosos dos Elus Coens. Willermoz teve um envolvimento proeminente em ambos os ritos, e o Rito Escocês Retificado é certamente um exemplo de um rito que emergiu da combinação de diferentes ideias maçônicas. As ideias parecem ter sido compartilhadas, e certos paralelos existem entre outros ritos, especialmente ao examinar aspectos do conteúdo dos rituais de Cagliostro e Melissino. A Ordem do Segredo Real se transformou no Rito Escocês na Carolina do Sul durante o início do século XIX, o rito se desenvolvendo de 25 graus para um total de 33 graus, nos lembrando que alguns ritos podem evoluir e se transformar.

Autores: David Harrison
Traduzido por: Rodrigo de Oliveira Menezes

Fonte: Ritos & Rituais

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Notas

[1] – O Manuscrito Register House (1696), fornece um texto inicial para a cerimônia de Aprendiz e Companheiro. Veja também David Harrison, A Gênesis da Maçonaria (The Genesis of Freemasonry), (Hersham: Lewis Masonic, 2009), pp.120-1.

[2] – Veja David Harrison, A Grande Loja de York (The York Grand Lodge), (Bury St. Edmunds: Arima Publishing, 2014), p.33. Na verdade, vários candidatos ainda são comuns em certas práticas maçônicas na Escócia, especialmente no Grau da Marca, e não é incomum para algumas lojas do Craft na Inglaterra admitirem vários candidatos administráveis, a diferença hoje é que os graus são realizados separadamente em diferentes reuniões.

[3] – Harrison, A Genesis da Maçonaria (The Genesis of Freemasonry), pp. 116-19.

[4] – Anônimo, As Antigas Constituições dos Maçons Livres e Aceitos (The Ancient Constitutions of the Free and Accepted Masons), com um discurso proferido na Grande Loja de York, (Londres: B. Creake, 1731), p. 15. Veja também Harrison, A Grande Loja de York, p. 23.

[5] – Veja Harrison, A Genesis da Maçonaria (The Genesis of Freemasonry), pp. 88-106.

[6] – David Harrison, A Transformação da Maçonaria (The Transformation of Freemasonry), (Bury St. Edmunds: Arima Publishing, 2010), p. 148

[7] – Henry Sadler, Uma Grande Loja não Registrada (An Unrecorded Grand Lodge), AQC, Vol. 18, (1905, pp. 69-90, na p. 71.

[8] – Veja John Belton, Apenas mais um Grau meu Irmão (Brother Just One More Degree), SRJ, (Março/Abril 2013), pp. 7-9, na p. 7.

[9] – Veja John Yarker, As Escolas Arcanas (The Arcane Schools), (Belfast: William Tait, 1909), pp. 439-40.

[10] – O Rito Antigo de Bouillon (Rite Ancien de Bouillon) tem origens um tanto misteriosas; George Oliver afirmou que tinha ligações com o Chevalier Ramsay, possivelmente por ele ter boas relações com uma família nobre que fingia ser descendente do Cruzado Godfrey de Bouillon. Ver George Oliver, A Origem da Ordem da Maçonaria do Real Arco (The Origin of the Royal Arch Order of Masonry), (Londres: Irm. Richard Spencer, 1867), p.31. Para uma discussão sobre o Rito por Oliver, veja Harrison, Transformação da Maçonaria (Transformation of Freemasonry), pp.147-151. Uma visão cética do Rito Ancien de Bouillon é apresentada por Arturo de Hoyos em “O Mistério da Palavra do Arco Real (The Mystery of the Royal Arch Word)”, Heredom, Vol. 2, (1993), pp.7-34.

[11] – John Coustos havia sido iniciado na Maçonaria em Londres em 1730 e era membro da Loja nº 75, realizada no Rainbow Coffee House, em Londres. Ver John Coustos, Os Sofrimentos de John Coustos pela Maçonaria e Por Sua Recusa em Tornar-se Católico Romano na Inquisição em Lisboa (The Sufferings of John Coustos for Free-Masonry And For His Refusing to Turn Roman Catholic in the Inquisition at Lisbon ), (Londres: W. Strahan, 1746), e também ver John Coustos: Confissão de 21 de março de 1743, em S. Vatcher, ‘John Coustos e a Inquisição Portuguesa’, AQC, Vol. 81, (1968), páginas 50-51.

[12] – Aubrey J.B. Thomas, Uma Breve História do Arco Real na Inglaterra (A Brief History of the Royal Arch in England), AQC, Vol. 85, (1972), pp.349-358. Ver também Robert T. Bashford, Aspectos Históricos da Maçonaria na Irlanda (Aspects of the History of Freemasonry in Ireland, AQC, Vol. 129, (2016), em que Bashford discute o início do Arco Real na Irlanda e o livro de Dassigny.

[13] – Veja John Belton, Apenas mais um Grau meu Irmão (Brother Just One More Degree), SRJ, pp.7-9, em que Belton discute o desejo de graus extras, um desejo que remonta ao início da história da Maçonaria na Grã-Bretanha.

[14] – Arthur Edward Waite, Uma Nova Enciclopédia da Maçonaria (A New Encyclopedia of Freemasonry), Vol. 2, (Nova York: Wings Books, 1996), p. 54.

[15] – Idem, p. 56.

[16] – Idem, p. 59.

[17] – Idem, p. 61 & p.75.

[18] – Idem, p. 67.

[19] – Idem, p. 345

[20] – Idem, p. 275

[21] – Idem, p. 72.

[22] – Idem.

[23] – Idem, p. 275-6.

[24] – Jean Baptiste Marie Ragon (1781-1862), foi um maçom francês, membro da Ordem Real da Escócia e um autor prolífico na época de rituais maçônicos esotéricos. Seu trabalho Maçonaria Oculta de Iniciação Hermética (Masonerie ocultă şi iniţiere hermetică) foi uma publicação notável em 1853. Para obter mais informações sobre Ragon, consulte John Songhurst, ‘Ragon’, AQC, Vol. 18, (1905), pp.97-103.

[25] – Ver Arturo de Hoyos e Brent Morris, (Trans. & Eds.), Os Mistérios Mais Secretos dos Altos Graus da Maçonaria revelados (The Most Secret Mysteries of the High Degrees of Masonry Unveiled ), (Washington, DC: SRRS, 2011).

[26] – Yarker, Escolas Arcanas (Arcane Schools), p.474.

[27] – Ver Arturo de Hoyos, ‘A‘ Cocktail ’from the Schröder Ritualsammlung: The Clermont System plus Additional Degrees’, Collectanea, Vol. 16, Parte 2, (Impressão privada por GCR dos EUA: 1997).

[28] – Yarker, Escolas Arcanas (Arcane Schools), p.474.

[29] – Idem, p. 475.

[30] – Ver Alain Bernheim e Arturo de Hoyos, Introdução aos Rituais do Rito da Estrita Observância (Introduction to the Rituals of the Rite of Strict Observance), Heredom, Vol. 14, (2006), pp.47-104. Aqui, Bernheim e de Hoyos discutem o desenvolvimento histórico do Rito e apresentam uma tradução dos três primeiros graus.

[31] – Waite, Nova Enciclopédia da Maçonaria (New Encyclopaedia of Freemasonry), Vol. 2, pp.352-3.

[32] – Idem, pp.64-6.

[33] – Friedrich Ludwig Schröder (1744-1816) foi um ator alemão e um proeminente Maçom da época.

[34] – Alain Bernheim e Arturo de Hoyos, (ed.), O Rito da Estrita Observância (The Rite of Strict Observance), Collectanea, Vol. 21, (Impressão privada por GCR dos EUA: 2010), pp.1-106.

[35] – Idem, P.37.

[36] – Idem, P.85-6.

[37] – Para uma discussão sobre os temas cavalheirescos e jacobitas examinados aqui, ver J. Webb, O Rito Escocês Retificado (The Scottish Rectified Rite), AQC, Vol 100, (1988), pp.1-4.

[38] – Waite, Nova Enciclopedia, Vol. 2, p. 353.

[39] – Idem, p. 355.

[40] – Idem, p. 351.

[41] – Idem.

[42] – Arthur Edward Waite, Saint-Martin e a Mística Francesa e a História do Martinismo Moderno (Saint-Martin the French Mystic and the Story of Modern Martinism), (Londres: William Rider & Son, 1922), p.27.

[43] – Yarker, Escolas Arcanas (Arcane Schools), p.470.

[44] – Uma fotografia de uma cópia desta carta pode ser vista no livro.

[45] – Yarker, Escolas Arcanas (Arcane Schools), p.477.

[46] – David Harrison, ‘Thomas De Quincy: The Opium Eater and the Masonic Text’, AQC, Vol. 129, (2016), pp.276-281.

[47] – R.A. Gilbert, Caos fora de Ordem: O Levante e Queda do Rito Swedenborgian (‘Chaos out of Order: The Rise and Fall of the Swedenborgian Rite’), AQC, Vol. 108, (1996), pp.122-149. Veja também Hamill e Gilbert, World Freemasonry An Illustrated History, p.69.

[48] – Gilbert, Caos fora de Ordem: O Levante e Queda do Rito Swedenborgian (‘Chaos out of Order: The Rise and Fall of the Swedenborgian Rite’), AQC, p.123.

[49] – Idem

[50] – Arturo de Hoyos, (ed.), “O Rito Swedenborgian”, Coletânea (‘The Swedenborgian Rite’, Collectanea), Vol. 1, No. 1, (Impressão privada por GCR dos EUA: 1962), p.18.

[51] – Idem, P.17.

[52] – Idem, P.19.

[53] – Idem, P.23.

[54] – Idem, P. 104.

[55] – Yarker, Escolas Arcanas (Arcane Schools), p. 490.

[56] – Waite, Nova Enciclopedia (New Encyclopaedia), Vol. 2, p. 363.

[57] – R. F. Gould, História da Maçonaria (History of Freemasonry), Vol III, (Edinburgh: T. C. Jack, 1887), p. 244.

[58] – Veja Johann Wolfgang von Goethe, Jornada Italiana (Italian Journey), (1816-17) e Alexandre Dumas, Mémoires D’Un Medecin. Joseph Balsamo, (1846), ambos os quais se referem a Cagliostro.

[59] – Evans, Cagliostro e seu Rito Egípcio, pp.5-6, embora Evans pareça duvidar que Cagliostro fosse Balsamo. Faulks e Cooper também rejeitam essa teoria, mas dão pouca luz sobre suas origens misteriosas, consulte Philippa Faulks e Robert L.D. Cooper, O Mágico Maçônico: A Vida e Morte do Conde Cagliostro e seu Rito Egípcio (The Masonic Magician: The Life and Death of Count Cagliostro and his Egyptian Rite), (London: Watkins, 2008), p.1 e p.15.

[60] – Waite, Nova Enciclopedia (New Encyclopaedia), Vol. 1, p. 89-99

[61] – Yarker, Escolas Arcanas (Arcane Schools), p. 471.

[62] – Veja Robert Collis, O Iluminismo na Era de Minerva (Illuminism in the Age of Minerva: Pyotr Ivanovich Melissino) (1726-1796) e High-Degree Freemasonry in Catherine the Great’s Russia, 1762-1782′, Collegium, Estudos Pelas Disciplinas Humanas e Ciências Sociais, 16 (Studies Across Disciplines in the Humanities and Social Sciences), (Helsinki: Helsinki Collegium for Advanced Studies), pp.128-168.

[63] – Idem, pp. 143-4. Veja também de Hoyos, (ed.) O Sistema Melissino da Maçonaria (The Melissino System of Freemasonry), pp. 3-4.

[64] – de Hoyos, (ed.) O Sistema Melissino da Maçonaria (The Melissino System of Freemasonry), Coletânea, p. 4.

[65] – Evans, Cagliostro e seu Sistema Egípcio (Cagliostro and his Egptian Rite), p. 24.

[66] – Collis, Iluminismo na Era de Minerva (Illuminismo in the Age of Minerva), Collegium, p. 143.

[67] – Idem, p. 147.

[68] – Idem, p. 142.

[69] – Waite, Nova Enciclopédia (New Encyclopaedia), Vol 1., pp 9-12

[70] – R. F. Gould, História da Franco-Maçonaria (History of Freemasonry), Vol. III, (Edimburgo: T.C. Jack, 1887), pag. 244

[71] – Songhurst, “Ragon”, AQC, p. 103. Uma tradução da Crata Repoa por um Maçom americano no início do século dezenove também é apresentada por Arturo de Hoyos e S. Brent Morris no seu trabalho Comprometido com as Chamas (Committed to the Flames), (Hersham: Lewis Masonic, 2008)

[72] – Veja Nick Farrel, Crata Repoa, (Roma, 2009)

[73] – Idem, p. 10

[74] – Idem, p. 14

[75] – Idem, p. 5

[76] – Waite, Nova Enciclopédia (New Encyclopaedia), Vol 2., pp 271-6

[79] – Veja de Hoyos, ‘Ritos e Sistemas Maçônicos’ (Masonic Rits and SystemsHandbook of Freemasonry), pp. 367-8. Veja também Arturo de Hoyos ‘Abuso Anti-Maçônico da Literatura do Rito Escocês’ (Anti-Masonic Abuse of Scottish Literature), em Arturo de Hoyos (ed.) e S. Brent Morris (ed.), Francomaçonaria em Contexto: História, Ritual, Controvérsia (Freemasonry in Context: History, Ritual, Controversy) (Oxford: Lexington Books, 2004), pp. 259-272, na p. 260

[80] – Harrison, A Rebelião Maçônica de Liverpool e a Grande Loja Wigan (Liverpool Masonic Rebellion and the Wigan Grand Lodge), pp. 32-3

[81] – J. M. Hamill, “O Terceiro Manuscrito Francken do Rito de Perfeição” (A Third Francken MS of the Rite of Perfection), AQC, Vol. 97, (1984), pp. 200-2.

[82] – Harrison, A Rebelião Maçônica de Liverpool e a Grande Loja Wigan (Liverpool Masonic Rebellion and the Wigan Grand Lodge), pp. 55-8 e 68-9

[83] – Eustace B. Beesley, A História da Grande Loja Wigan (The History of The Wigan Grand Lodge), (Manchester: MAMR, 1920), pp. 83-6

[84] – Waite, Nova Enciclopédia (New Encyclopaedia), Vol 1, pp 207-8

O ritual maçônico é uma inovação

CriminalCyprus

Quando o Venerável Mestre é perguntado, em sua instalação, se ele concorda que um homem ou qualquer corpo de homens, não podem fazer mudanças no corpo da Maçonaria, é importante compreender que isto se refere a preservação da estrutura organizacional da Ordem maçônica e não a seus rituais cerimoniais. Mais de um Grão-Mestre tentou aplicar esta advertência para o ritual maçônico em si. No entanto, uma breve análise do desenvolvimento dos rituais e suas muitas formas através do panorama das jurisdições maçônicas, vai mostrar rapidamente que esta pergunta veio das Old Charges e não tem nada a ver com os aspectos ritualísticos da nossa fraternidade. Nossos fundadores nunca tiveram a intenção de que os rituais cerimoniais permanecessem estáticos. A proibição de renovação não se aplica ao ritual maçônico, enquanto que esta é a única base sobre a qual toda a Luz da Maçonaria é transmitida e revelada.

Ainda que a Grande Loja Unida da Inglaterra insista que “a antiga e pura Maçonaria consiste em apenas três graus, incluindo o Santo Real Arco” o que é historicamente impreciso, as Grandes Lojas sempre tiveram o direito de decidir por si mesmos, como os seus rituais serão.

O único “antigo e puro” ritual maçônico no mundo é o ritual que existia em 1717, quando a primeira Grande Loja foi formada. Nós sabemos como foi aquele ritual porque ele foi amplamente publicado nos três primeiros manuscritos maçônicos, na forma de catecismos ainda existentes, em relação ao período de 1696-1715, os quais vieram da Escócia. O que é surpreendente sobre estas revelações é que elas encontraram o caminho para serem usados e adotados pelas lojas inglesas. Mais importante é que encontramos neles a maior parte do alicerce sobre o qual todos os rituais maçônicos foram erguidos mais tarde – a posição dos pés, a menção do “aprendiz” e “companheiro”, os cinco pontos do companheirismo, a menção do compasso, esquadro e Bíblia no mesmo contexto, o átrio do Templo do Rei Salomão, o sinal penal, existem muitas coisas para reconhecermos ali. É mais do que coincidência encontramos essas características em comum em todos estes catecismos antigos.

Um outro ponto é extraordinário em todos estes trabalhos: Graus não são mencionados. Quando a primeira Grande Loja no mundo foi criada, havia apenas a cerimônia de fazer um Maçom “Aceito” e a “Função do Mestre”. Na verdade, não temos nenhuma evidência de um sistema de três graus, ou de um terceiro grau, antes da famosa exposição de Samuel Pritchard intitulada de “A Maçonaria Dissecada”, publicado em 1730.

Isso faz com que o grau de Mestre Maçom na Maçonaria seja uma inovação!

Historiadores importantes concordam que o terceiro grau foi introduzido na Maçonaria em torno de 1725. Tornou-se popular ao longo das próximas duas décadas, principalmente porque os maçons adotaram a exposição de Pritchard como uma ajuda ao trabalho de memória. Sua obra não autorizada, se tornou o primeiro monitor maçônico e seria por décadas, o livro de rituais não oficial dos maçons. É também a primeira menção que temos da lenda de Hiram.

Ninguém sabe de onde essa história veio, mas supõe-se que Desaguiliers pode ter sido o autor, sendo Grão Mestre em 1719 e Vice-Grão Mestre em 1722 e 1726. Este foi o período em que o terceiro grau foi introduzido nas cerimônias da primeira Grande Loja. A lógica sugere que Desaguliers e seus irmãos maçons da Royal Society, poderiam ter sido os responsáveis. Certamente, nada poderia ter sido introduzida sem a sua aprovação. Na verdade, o Craft mudou drasticamente, enquanto Desaguliers estava em cena. A Grande Loja passou de um banquete anual para um órgão administrativo, com atas e orientação política para lojas, incluindo a estrutura de seus graus.

Se Desaguiliers e seus amigos de fato foram os autores do terceiro grau, voltaram a Maçonaria para um novo caminho. Em 1730, a cerimônia que conhecemos como Real Arco foi desenvolvida, a que reviveu uma história do grego antigo que data do ano 400. Em 1735, o Rito de Perfeição, consistindo de 14 graus, foi introduzido, estabelecendo uma cronologia bíblica para a estrutura do ritual maçônico. Tanto o Real Arco quanto o Rito de Perfeição, inovadores como eram, foram declarados pelos membros como “restabelecimento” da maçonaria antiga, porque eles automaticamente transmitiam uma face artificial da idade do grau ou da ordem. Depois de alguns anos, até os historiadores da Grande Loja estavam escrevendo que estes graus adicionados eram restaurações de um sistema mais antigo. Tornou-se moda acreditar que não havia nada mais inovador do que eles!

Claro que todos os novos graus/ordens foram adotados em uma única premissa – a que havia sido perdido no terceiro grau, tinha que ser encontrado. Por esta razão, todos eles apresentam uma semelhança surpreendente na estrutura e todos mostram que os sinais são provenientes da mesma fonte, com a mesma regularidade em sua forma. Mesmo com graus adicionais desenvolvidos, eles mantiveram uma estrutura “tradicional”.

Esta semelhança na estrutura é mais uma prova de que os nossos graus maçônicos, foram na verdade, criados em uma onda de moda. Todos eles insinuam que há grandes segredos para serem encontrados pelo maçom dedicado. E, de fato, existem.

Ao mesmo tempo que os graus e ordens foram crescendo aos trancos e barrancos, tanto no Rito de York quanto no Rito Escocês, ritualistas maçônicos nas lojas do Craft, continuaram a adicionar a linguagem dos três primeiros graus, acrescentando solidez à sua forma. Durante a segunda metade do século 18, um crescimento intelectual extraordinário foi adicionado ao velho conceito de “pura e antiga”, nos simples catecismos de 1717. Na verdade, o desenvolvimento e expansão do ritual, continuou a estar na moda como um dos meios de educar o Craft até a década de 1820.

Realmente foi criada uma escola de educação que prosperou por quase um século até as Grandes Lojas, principalmente as dos Estados Unidos, que determinaram que deveria haver apenas um ritual, aquele adotado por eles e todo o resto não importava. As Grandes Lojas dos EUA estabeleceram mais uma inovação na Maçonaria, que o ritual fosse imutável. Eles decidiram por si mesmos que a Maçonaria pura e antiga era a sua Maçonaria somente. O ritual maçônico se tornou uma coisa fixa e estagnada.

Esta inovação do século 19 pode ter marcado o início do declínio na Maçonaria. Foi durante essa época que as Grandes Lojas decidiram coletivamente, que não havia nada mais a ser aprendido no ritual maçônico. Nossas palavras foram congeladas no tempo.

Agora eu quero saber se é hora de criarmos mais uma inovação na Maçonaria, o de educar os maçons de que o uso ritual deve ser um processo dinâmico, assim como a aprendizagem é dinâmica. Claro, nós não precisamos adotar mais palavras. Mas leve em consideração como instrutivo seria se a diversidade de rituais fosse introduzida como uma ferramenta adicional para instrução, se rituais alternativos já adotados em outras jurisdições em todo o mundo, poderiam ser utilizados por vontade da loja e sancionada pela Grande Loja. Imagine como emocionante e revigorante seria se tivéssemos dez ou doze diferentes rituais disponíveis para nós em cada grande jurisdição!

Talvez seja hora de fazer a Maçonaria da moda outra vez, tanto através da variedade de sua forma de ritual e no desenvolvimento de sua forma intelectual, onde palestras, ensaios e diálogos são compartilhados regularmente em loja, todos focados em iluminar a mente. Talvez os jornais mais instrutivos e informativos, poderiam se tornar uma parte dos monitores impressos da Maçonaria, não deve ser memorizado, mas para ser sancionado e publicado para o benefício daqueles que querem ter acesso a mais conhecimento nas formas de maçonaria. Aqueles que sabem que mais luz na Maçonaria não é a propriedade da Grande Loja, mas sim, do indivíduo e seus irmãos em sua busca coletiva de uma vida, a busca por aquilo que foi perdido nas palavras e seus significados.

Em práticas como essas, nós não devemos, mais uma vez exercitar a “pura e antiga” Maçonaria? Poderia ser apenas mais uma inovação digna de nosso antigo Craft.

Autor: Robert G. Davis
Traduzido por: Luciano R. Rodrigues

Fonte: O Prumo de Hiram

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Maçonaria: problemas modernos ou antigos?

O Triunfo da Maçonaria especulativa: O capitalismo como criação de Lojas  Maçônicas radicais

Introdução

Choque de gerações, novos tempos, entre outros assuntos que envolvem mudanças na Maçonaria costumam gerar bastante polêmica.

No entanto, este artigo se propõe a demonstrar que nem tudo é o que parece e que, muitas vezes, aquilo que é interpretado como um problema da modernidade, na realidade, não tem nada de novo.

Antes da Era da Informação, a Maçonaria brasileira no geral, bem como uma grande quantidade de lojas em particular, viviam numa espécie de bolha de realidade, isoladas do restante do mundo e da história maçônica em uma série de coisas. Afinal, manuscritos, livros e até mesmo conversas com o resto do mundo ficavam restritos a uns poucos.

Mas a realidade atual é outra. E, através de dez exemplos reais, este artigo demonstrará que muitas vezes aquilo que é percebido como uma mudança ruim, na realidade, nada mais é do que um fenômeno antigo.

1) Ritual canibalizado?

Algumas semanas atrás, um amigo me ligava e dizia-se chateado com os desdobramentos do Rito Escocês Antigo e Aceito no Grande Oriente do Brasil. Segundo ele, o ritual havia sido canibalizado e havia uma insatisfação geral na loja com seu conteúdo. Cogitavam até trocar de Potência.

Pedi pra ver o ritual e pude constatar que diversos dos enxertos que foram feitos ao rito nas últimas décadas haviam sido removidos. De modo que aquele era um dos rituais mais próximos do ritual francês de 1829 em prática aqui no Brasil. Quando esclareci isso a meu amigo, ele demonstrou enorme surpresa.

Não importa se alguém é contra ou a favor da revisão dos rituais e eliminação dos enxertos. Fato é que, muitas vezes, os rituais revisados podem se basear numa prática mais antiga. Não se pode considerar que isso seja uma inovação!

2) Sem Entrada Ritualística

Numa crítica recente às sessões virtuais, presenciei alguns irmãos dizendo que não poderiam considerar aquilo como sessão porque não havia como ter entrada ritualística em uma sessão virtual.

Independente da posição que alguém tenha sobre sessões virtuais, ocorre que entrada ritualística não é prevista em diversos ritos ou trabalhos. Rituais do York, Emulação, entre outros, preveem que os trabalhos comecem com os irmãos já em loja.

Mesmo no Rito Escocês Antigo e Aceito, a entrada ritualística não consta nos primeiros rituais. O que não quer dizer que ela seja ruim. Apenas, não se define Maçonaria a partir desse fato.

3) Contra o Espírito da Coisa?

Outra crítica às reuniões virtuais diz que conceder graus de forma virtual quebraria o espírito da coisa, já que não teríamos ritualística e a passagem se resumiria a uma mera leitura.

A crítica a isso ser um processo sem graça e bem inferior à teatralidade e às cerimônias das sessões não deixa de ser bastante válida. O problema é que novamente isso é apontado como um problema moderno.

Se alguém atentar para os rituais originais de Charleston do REAA, produzidos no começo do século 19, verá que a ritualística era extremamente simples e os graus eram quase que essencialmente leitura.

A teatralização e maior elaboração das cerimônias foi algo que começou a ser desenvolvido meados do século 19 em diante.

4) Uso de Novas Tecnologias

Outro problema apontado como recente seria o uso de novas tecnologias.

Porém, uma gravura datando de cerca de 1900, no acervo do museu do Rito Escocês do Supremo do Norte dos EUA (NMJ) mostra um retroprojetor sendo usado em loja para ilustrar o conceito dos graus.

Em outras palavras, a Maçonaria já incorpora novas tecnologias a favor de suas sessões há mais de 120 anos!

5) A Maçonaria agora aceita mulheres?

Recentemente, a Grande Loja Unida da Inglaterra postou uma foto conjunta com a Maçonaria feminina.

A foto gerou vários comentários raivosos de maçons brasileiros mas, o que chamou a atenção foram alguns comentários reclamando da ‘modernidade’ no aceite de mulheres na Maçonaria, o que uns classificavam como traição, outros como comércio, uns tantos ainda como o presságio apocalíptico do fim da Maçonaria.

Ocorre, porém, que existem duas Grandes Lojas femininas na Inglaterra com quem a GLUI tem amizade: a Honourable Fraternity of Ancient Freemasons, que foi fundada em 1913, e a Order of Freemasonry for Women, que se tornou estritamente feminina na década de 1920.

Como se pode ver, a Maçonaria feminina na Inglaterra tem literalmente mais de um século. Além de décadas de amizade com a GLUI. Ou seja, não se trata de uma questão recente.

6) Estão desrespeitando os Landmarks?

Analogamente, não é incomum ver maçons alegando que algo vai contra os Landmarks quando veem coisas que lhes causam estranheza. E qual não é o espanto de muitos ao saber que os landmarks de Mackey, criados em 1858, nunca foram adotados como critério pela Inglaterra, que é quem mais dá as cartas em termos de regularidade maçônica no mundo e tem seus próprios Princípios de Regularidade, nem são adotados como padrão universal pelas Grandes Lojas norte-americanas.

Isso sem contar que, ao longo do século 19, vários compilados de landmarks foram propostos por autores diferentes. Nenhum deles foi adotado de forma universal.

Discussões, portanto, revolvendo em torno de coisas que destoam os landmarks de Mackey também não podem ser tratadas como inovações.

7) Revisionismo?

Não são poucos os que vociferam contra irmãos que se levantam para denunciar as ideias e alegações fantasiosas de autores como Rizzardo da Camino, Jorge Adoum, Jean-Marie Ragon, entre outros. Alegam que fazer tal coisa seria matar a alma da Maçonaria.

Mas, novamente, essa questão está longe de ser uma atitude revisionista moderna.

Muito pelo contrário, a própria loja Quatuor Coronati 2076, da Grande Loja Unida da Inglaterra, foi fundada exatamente porque os maçons ingleses já questionavam desde, pelo menos, meados século 19, as ideias fantasiosas propagadas por alguns sobre as origens e desenvolvimentos da Maçonaria.

E os registros históricos da Quatuor Coronati indicam que a loja questionava ideias lendárias propagadas por ninguém menos do que o próprio James Anderson, autor das famosas constituições que carregam seu nome.

Ou seja, a Maçonaria nunca teve um autor como sagrado ou acima de qualquer crítica, e sempre teve pessoas que criticaram a romantização de suas origens.

8) Maçons não estudam mais?

Igualmente é comum ver irmãos reclamando que nos tempos deles os estudos eram sérios e supostamente muito mais conhecedores de Maçonaria do que atualmente, como se os tempos atuais fossem piores.

No entanto, em 1875, Albert Mackey fez a seguinte reclamação:

“No entanto, nada é mais comum do que encontrar maçons que estão em trevas totais sobre tudo o que se relaciona com a Maçonaria. Eles são ignorantes de sua história – eles não sabem se é uma produção de cogumelos hoje, ou se remonta a idades remotas em sua origem. Eles não têm compreensão do significado esotérico de seus símbolos ou suas cerimônias, e dificilmente estão familiarizados com seus modos de reconhecimento. E, no entanto, nada é mais comum do que encontrar tais pseudo-sábios de posse de altos graus e às vezes honrados com assuntos elevados na ordem, presentes nas reuniões de lojas e capítulos, intermediando com o processo, tomando uma parte ativa em todas as discussões e teimosamente mantendo opiniões heterodoxas em oposição ao juízo de irmãos de maior conhecimento.” (Reading Masons and Masons Who Do Not Read)[1]

Ou seja, o problema de haver uma grande quantidade de maçons ignorantes, e pior, ostentando altos graus, cargos administrativos, etc. não é exatamente um problema novo.

9) Aventais

Outra discussão que recentemente presenciei dizia respeito ao Rito Escocês Antigo e Aceito nas Potências da COMAB. Alguns irmãos reclamavam que a COMAB teria “suprimido as rosetas” em prol do típico M. B. no avental de Mestre.

Outros ainda discutiam o padrão dos aventais de Mestre Instalado. Novamente, acusando alguns de quererem inovar.

Ocorre, porém, que um manual dos graus franceses publicado em 1820, em Paris, descreve o ritual de Mestre como tendo justamente o M. B. utilizado pela COMAB.

E, pra piorar, temos o fato de que Instalação é algo inexistente na origem do Rito Escocês Antigo e Aceito, tendo sido incorporada ao rito aqui no Brasil e em outros países. Ou seja, na origem, o REAA não tinha avental de Mestre Instalado, de modo que não importa o padrão, já que não há um padrão original a ser seguido.

10) Egrégora

Outra preocupação muito constante entre alguns irmãos é que determinadas posturas corporais ou pequenos desvios ritualísticos possam comprometer a egrégora da loja. Reclamam que as novas gerações não atentam para coisas que poderiam supostamente quebrá-la.

Sem entrar no mérito da questão de se egrégora existe ou não, fato é que até pouco tempo atrás não se ouvia falar tal termo em Maçonaria. E ele certamente não figura em nenhum ritual histórico da Maçonaria nos seus principais ritos e sistemas.

Ou seja, ironicamente, o conceito de egrégora é, em si, a inovação, não os desvios que poderiam supostamente comprometê-la!

Considerações finais

A lista poderia continuar, com dezenas de outros exemplos, mas os dez acima já são mais do que suficientes para ilustrar o ponto.

Como se pode perceber, uma parte considerável dos incômodos levantados por alguns irmãos com as supostas mudanças ou inovações dos tempos atuais ou das novas gerações estão muito longe de ser assim. Pelo contrário, às vezes representam até mesmo um resgate de práticas mais antigas.

É importante compreender que a postura do “porque sim” ou do “sempre fizemos desse jeito nesta loja”, para justificar ideias ou práticas, não sobrevivem à possibilidade de escrutínio que a Era da Informação nos trouxe, em que fontes podem ser checadas e informações outrora tidas como verdadeiras podem ser facilmente invalidadas.

A Maçonaria não corre, portanto, risco de extinção por esse processo. Nem é justo atribuir tais coisas, como alguns fazem, ao “danoso espírito inovador.”

Autor: Luis Felipe Moura

*Luis Felipe é M∴ M∴, membro da ARLS São Paulo de Piratininga 250 (GOP/COMAB). É bacharel em Letras (inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.

Fonte: Ritos & Rituais

Nota do blog

[1] – Clique AQUI para ler o texto completo de Albert Mackey.

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Bibliografia

DYER, Colin. The history of the first 100 years of Quatuor Coronati Lodge No. 2076. Disponível em: https://www.quatuorcoronati.com/about-qc-lodge/centenary-booklet/. Acesso em: <08/09/2021>

JANTZ, Percy. The Landmarks of Freemasonry. Disponível em: http://freemasonry.bcy.ca/texts/landmarks.html. Acesso em: <08/09/2021>.

MACKEY, Albert. Reading Masons and Masons Who Do Not Read. The Master Mason, 1875.

SIMON, Jacques. REAA – Rituel des trois premiers degrés selon les anciens cahiers. Éditions de La Hutte, 2010.

RODRIGUES, Luciano R. Egrégora: um conceito totalmente estranho à tradição maçônica. Disponível em: Egrégora: um conceito totalmente estranho à tradição maçônica. Acesso em: <08/09/2021>

Magic Lanterns: Illuminating the Teachings of Freemasonry. Disponível em: https://scottishritenmj.org/blog/magic-lantern-freemasonry. Acesso em: <08/09/2021>

Manuel Maçonnique, ou Tuileur de tous Les Rites de Maçonnerie Pratiqués en France. Paris, 1820.

Ordo Ab Chao: The Original and Complete Rituals of the first Supreme Council, 33º – Vol. 1. Boston: Boemandres Press, 1995.

Women Freemasons. Disponível em: https://www.ugle.org.uk/becoming-a-freemason/women-freemasons. Acesso em: <08/09/2021>.

HFAF: Our history. Disponível em: https://hfaf.org/about-us/our-history. Acesso em: <08/09/2021>.

The Order of Women Freemasons: Our History. Disponível em: https://www.owf.org.uk/about-us/our-history/. Acesso em: <08/09/2021>.

Origens do Ritual Maçônico

Maç Primitiva, Operativa e Especulativa | GLERN

As origens das cerimônias maçônicas são integralmente discutidas por Knoop e Jones no Capítulo X do livro A Gênese da Maçonaria. Os autores deduzem as origens de cerimônias maçônicas do século XVIII de duas fontes principais. Em primeiro lugar, a Invocação; a lenda ou “história” do Ofício; e os regulamentos dos maçons, conforme comumente contidos nos manuscritos maçônicos, sendo estes os respectivos protótipos da Oração de Abertura, da História Tradicional e das Obrigações do ritual Maçônico posterior. Em segundo lugar, “a forma de dar a Palavra maçônica” e as Perguntas e Respostas do Teste associadas à Palavra de Maçom. Dois manuscritos dessa natureza foram rastreados até agora: o Manuscrito Edimburgo Register House de 1696 e o Manuscrito Chetwode Crawley , cerca de 1700.

Estas são as primeiras versões conhecidas do que geralmente são chamadas de catecismos maçônicos, e retratam uma cerimônia de uma natureza diferente daquela sugerida nos manuscritos maçônicos.

O Manuscrito Edimburgo Register House de 1698 afirma que “a pessoa que recebe a Palavra” primeiro teve que fazer um juramento de segredo, no qual jurou não revelar por palavra ou por escrito qualquer parte do que eventualmente ouvisse ou visse, ou traçá-la com a ponta de uma espada ou outro instrumento, sobre a neve ou areia. Ele então saia com o maçom mais jovem (último maçom iniciado na loja), que lhe ensinava os sinais, posturas e palavras de sua entrada. Ele então retornava e dizia as palavras à sua entrada, terminando com as palavras “. . . sob não menos dor do que ter minha língua cortada sob meu queixo e de ser enterrado dentro da estranha marca, onde nenhum homem saberá”. Parece que ele então recebia a palavra dada pelo Mestre. O MS. afirma que o texto acima pertence ao Aprendiz e que outros sinais e palavras pertencem a um Mestre Maçom ou Companheiro.

O Manuscrito Chetwode Crawley confirma que havia duas cerimônias diferentes, uma que se aplicava aos Aprendizes e outra aos Companheiros ou Mestres. Os autores consideram que “ambos os tipos de cerimônia operativa, aquela retratada no Catecismos, sem dúvida contribuíram para o desenvolvimento dos trabalhos atuais. . . ” e que “a evidência parece apontar para que membros operativos e não-operativos das Lojas escocesas e para o Maçom Aceito na Inglaterra, usavam um tipo combinado de cerimônia na segunda metade do século XVII.”

As Obrigações de um Maçom foram “resumidas” por Anderson para as suas Constituições de 1723, e orientadas “para serem lidas ao se fazer um Novo Irmão, ou quando o Mestre assim ordenasse”. Elas estão incorporadas ao NZ Book of Constitution (1974 Edition) 9-20. Knoop e Jones (op. Cit p. 235) acham que as Obrigações de 1723 não substituíram as Old Charges, e que essas últimas podem ter continuado em uso até meados do século XVIII.

Em 1734 ou 1735, “Uma curta obrigação a ser dada aos irmãos recém-admitidos” aparece no “Pocket Companion for Free-Masons” de Smith. Utiliza-se em parte do material das Constituições de 1723 com uma boa quantidade de material novo – Leia (op. Cit. Pp. 236 f.) – Os irmãos notarão que muito da substância das Obrigações aparece após a Iniciação na p. 84 do Ritual da Nova Zelândia; e outras partes dele também têm lugar em nosso Ritual.

A edição irlandesa do mês de maio seguinte contém uma Aprovação pela Grande Loja da Irlanda imediatamente após as Obrigações. As Obrigações são reproduzidas quase literalmente no Ahiman Rezon (Ed. 1756) pp. 35-38. As Obrigações agora usadas nos trabalhos irlandeses correspondem bastante de perto aos quatro primeiros parágrafos das Obrigações da N. Zelândia, mas omite completamente os três parágrafos restantes.

A Prece de Abertura, ou Prece de Admissão incorporava uma invocação à Trindade no Manuscrito Aberdeen de 1670 e diz-se que invocações formuladas de forma semelhante à Trindade ocorriam em todas as versões escocesas dos manuscritos maçônicos.

Nas “Constituições” de Penell, publicadas em Dublin em 1730, a “Prece a ser feita na abertura de uma Loja ou ao se “Fazer um Irmão” também é de caráter Trinitário. Este era o Livro das Constituições da Grande Loja da Irlanda; a prece provavelmente estava em uso na Irlanda e contém a essência da prece pelo candidato do Primeiro Grau, na pág. 41, do Ritual NZ.

Três formas alternativas de prece sobrevivem na coleção Rawlinson. Nenhuma delas contém uma referência específica à Trindade. Eles são provisoriamente datadas por volta de 1730 e devem ter existido antes de 1755, o ano da morte do Dr. Rawlinson. Uma delas está impressa na pág. 41 do Ritual da Nova Zelândia.

Os registros da Loja de Pesquisas, No. CC., Irlanda, para 1934-38 contém na p. 137 um artigo de Q Ir∴ Philip Crossly intitulou “Fazendo um Irmão, por volta de 1740”. Ele afirma, inter alia, que os primeiros catecismos não representam uma cerimônia ou ritual fixo; que a classificação da Fraternidade em Aprendizes, Companheiros e Mestres encontrada em “O Livro das Constituições, um deles publicado em Londres em 1723 e outro em Dublin em 1730” são estágios em vez de graus, e não devem ser confundidos com nossa prática atual; que “qualquer Cerimônia de Iniciação em 1730 só acontecia quando o aprendiz era ‘feito irmão’ e recebia a Palavra de Maçom, que significava que nossa fé em Deus se firma na força”; que o irmão era passado ao grau de Companheiro ao dar prova de sua proficiência no Catecismo, aparentemente sem cerimonial; e que ele alcançava a parte de Mestre, ou seja, Mestre da Loja, somente por mérito pessoal ─ “essa Parte deve ter sido inteiramente filosófica.”

Depois de notar isso, Maçonaria Dissecada de Samuel Prichard de 1730 foi frequentemente reimpressa e traduzida para o francês e alemão, apesar da denúncia da Grande Loja da Inglaterra em dezembro de 1730, nosso irmão comenta que “os maçons continentais parecem ter aceitado isso como representação do trabalho inglês ortodoxo”.

O funcionamento da Loja é descrito a seguir: após o Aprendiz ter assumido sua obrigação “era-lhe presenteado  um avental branco de pele de cordeiro com a abeta dobrada para dentro, um par de luvas brancas para ele e outro par para a senhora que ele mais estimava”. A abeta do avental ainda está dobrada para dentro nos trabalhos irlandeses.

AQC LXVI, pág. 107., oferece um relato contemporâneo dos trabalhos maçônicos que parece ter vindo à tona recentemente. Documentos originais do arquivo da Inquisição de Lisboa, descobertos e traduzidos por um membro do Ramo de Lisboa da Associação Histórica, e reproduzidos por cortesia daquela Associação, tratam do julgamento de John Coustos pela Inquisição. Os documentos mostram claramente que o tribunal se esforçou para fazer um registro completo e preciso de seus procedimentos.

John Coustos nasceu por volta de 1700, e antes de 1732 era membro de uma Loja de Londres , a Loja No. 75, hoje Loja Britânica, No. 33; e se tornou Fundador de outra Loja de Londres, a Loja No. 98, constituída em 17 de agosto de 1732 e existente até 1753.

Em 6 de outubro de 1742, um advogado denunciado depôs formalmente perante um Inquisidor “que cerca de um mês e meio atrás apareceram vários professores e adeptos nesta cidade da nova seita chamada ‘Maçons’ condenados pelos Sé Apostólica alguns anos atrás ”- isto sem dúvida se refere ao Bula do Papa Clemente XII em 1738 ″ – “e que o chefe destes é um inglês chamado Monsieur Coustos, Master Diamond Cutter. . . que é um herege. . . ” Ele dá os nomes de outros seis como “companheiros e seguidores da mencionada seita . . . todos franceses e católicos ”, e passa a dar mais informações.

Outro informante depôs em 11 de fevereiro de 1743, e o informante original, novamente, no dia seguinte. Nos dias 21 e 26 de março de 1743, foi registrada a Confissão de John Coustos, ocupando seis páginas da A.Q.C., e o Exame após a Confissão, em 30 de março de 1743, ocupando mais quatro páginas. Ele dá um relato muito completo das ações dos maçons, verdadeiro até onde se pode dizer. As referências ao Primeiro Grau são extraídas daqui – descrição nas páginas 112 e 113, ler: –

Parece que as cerimônias, embora menos elaboradas do que aquelas agora em uso, incorporam muito da substância de nossos atuais Primeiro e Segundo Graus. Diáconos não são mencionados, nem (com uma possível exceção) o Guarda Interno. O registro fala de mais instruções (aparentemente visuais) após a recreação, e parece transmitir que o período de recreação contava como parte do tempo durante o qual a Loja esteve aberta.

A formação da Loja também é descrita: “[..].ali existe…colocada uma mesa, longitudinalmente com três grandes velas de cera sobre ela na forma de um triângulo, a saber, duas nos dois cantos da parte superior da mesa e a outra no meio da parte inferior[…] À cabeceira da mesa está o Mestre principal de todos, e ao lado estão os outros Irmãos de acordo com seu grau, até o último lugar onde se sentam os chamados vigilantes.”. Esse arranjo de velas e cadeiras (considerando o formato diferente da mesa) aparece na Prancha IV na p. 112 do “Guia e Compêndio dos Maçons” de BC Jones.

In British Masonic Miscellany, Vol. IV, pp. 79-131, o Ir∴ Rev. HG Rosedale considera a Evolução do nosso Ritual antes da União (Primeiro Grau). Ele considera as “Exposições” como versões mais ou menos corretas do que realmente acontecia nas lojas, e está satisfeito que em 1724 todas as três cerimônias, de alguma forma, já existiam. Além disso, que as “exposições” do século XVIII indicavam que o ritual era um desenvolvimento gradual, e ele encontra as diferenças entre J. e B.Mahhabone (publicado em 1766), e Hiram sem importância, no que se refere ao ritual. Ele transcreveu onze páginas cifradas de “Chave Mestra” de Browne (1789) e descobriu que eram a parte das perguntas dos três cerimônias; e observa seu desapontamento ao descobrir “o quanto estava faltando para a descoberta de algo como o ritual completo”.

Posteriormente, ele obteve a Segunda Edição (1802), contendo as respostas, parte em cifra e parte em aberto, e considera a obra um “registro realmente confiável”. Infelizmente para o presente propósito, os três catequismos ocupam 1-80, e “Iniciação de um Candidato” apenas pp. 81-82. No pouco material disponível, ele retrata “com pelo menos alguma abordagem geral da verdade” o cenário de uma Loja Maçônica no período de 1800 a 1813. O Mestre estava colocado no Oriente, os Irmãos sendo divididos em duas linhas, ao Norte e ao Sul, e os Vigilantes na extremidade ocidental dessas duas linhas, e representando os dois pilares no pórtico ou entrada, o Primeiro Vigilante à direita e o Segundo Vigilante à esquerda do Mestre, o Segundo Vigilante estando, portanto, ao Sul “em relação ao Primeiro Vigilante e à Loja.”

Nosso irmão começa a ensaiar a cerimônia de iniciação “tomando a versão de Browne e melhorando-a com dicas. . . de formas mais antigas e não apenas do Ritual publicado por. . . Finch ”, em quem nosso irmão está preparado para confiar Ad hoc. O Candidato é admitido no ponto de a s ─- pi – – – t etc.

Na sua entrada, o S.V. vinha em seu auxílio e perguntava ao Guarda do Templo (Tyler) quem ele tinha ali. A resposta era dada muito como atualmente, o S.V. reporta-se ao Mestre e o Candidato é admitido. Depois da prece, etc., ele é conduzido de volta à Loja pelo S.V. e entregue ao P.V. no Ocidente. O P.V. pergunta “quem vem lá” e o S.V. responde nos termos usados anteriormente pelo Guarda do Templo . A cerimônia prossegue com pouca variação em relação ao uso atual, exceto que o P.V. leva o Candidato para o Oriente seguindo as instruções do Mestre.

Os “Antigos” parecem ter usado uma forma de Obrig. mais curta do que a presente, mas incorporando a maior parte do conteúdo. A Obrig dos “Modernos”. era ainda mais curta e parece incorporar as penalidades de mais de um grau, conforme usado hoje. Após a Obrig. o P.V., por ordem do Mestre, “mostra a luz ao Candidato”, assim como o S.V. faz atualmente. As fontes variam em detalhes quanto às Luzes Maiores e Menores e quanto à forma de investidura. Os segredos eram então comunicados e a colocação no canto NE era seguida.

Browne termina a cerimônia aqui, mas versões posteriores de J. e B. e Mahhabone continuam com as Ferramentas de Trabalho, “o desenho no chão” e sua lavagem subsequente pelo iniciado “se for feito com giz e carvão”, seguido pela Palestra do Aprendiz, principalmente um diálogo entre o Mestre e o P.V., com o objetivo de explicar ao iniciado, passo a passo, o significado esotérico daquilo em que ele participou.

Sendo assim, os vislumbres anteriores do ritual sugerem, na minha opinião, um fio bastante forte de continuidade dos Manuscritos, Constituições e Catecismos até a época da União.

Autor: A. L. Blank

Tradução: José Filardo

Fonte: REVISTA BIBLIOT3CA

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Reflexos da ética maçônica

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O Rito Escocês Antigo e Aceito tem rica filosofia da qual o Maçom dispõe para a sua autoconstrução. Este cabedal filosófico reflete-se na sociedade na forma de mudanças que promovem libertação do sistema humano que subjuga o pensamento das pessoas. E todas as mudanças sociais e políticas ocorrem antes na mente e depois se materializam na forma de ações e produtos em constante evolução e graus de complexidade. A transformação é obtida aos saltos pelos que trabalham os neurônios constantemente. Abruptamente, despertam, fixam-se e mudam conceitos, verdades. Ao longo da história humana os saltos intuitivos sempre foram influenciados por fatores ambientais, genéticos e culturais. O software da mente gravado no hardware do cérebro humano só progride em resultado da troca de informações entre indivíduos em debates, conversas ou leituras. O método maçônico visa estes saltos intuitivos dos seus adeptos para encontrar a solução de problemas que se refletem na sobrevivência pacífica da espécie humana.

O homem sempre usou dos pensamentos dos seus semelhantes para desenvolver máquinas, escrita, arte, ciência e toda a cultura existente. O Maçom usa os seus companheiros para deles extrair e desenvolver pensamentos que mudem a sua forma de pensar e agir no campo moral. Da camaradagem desenvolvida nas reuniões brota a força que muda intelecto, emoção e espiritualidade. É a energia condicionadora que o grupo social exerce sobre o indivíduo. E isto é realidade desde a época das cavernas, onde um ser humano influiu na educação do outro, até acumular no presente toda a vasta cultura política, metafísica, social e tecnológica. O Maçom é multiplicador da filosofia político-social da Maçonaria. Do conjunto de atividades do filosofar maçônico ele desenvolve posturas que constituem o código de ética que dirige os seus passos e que se reflete no meio social. E como ética e moral se confundem, pois é tênue a sua diferença e profundo o seu alcance, convém esclarecer o que é a ética maçonicamente orientada.

Na conceituação da Ética é possível identificar dois grandes campos de concepções fundamentais: na primeira concepção, “o bem seria para onde se dirigiria o homem”, e na segunda concepção, “o bem seria uma realidade, embora não inscrita na natureza, humana e alcançável” (Abbagnano, 1998, página 380 e 381).

A Ética, um ramo da Filosofia que busca os princípios ou fundamentos da natureza das ações humanas, pode também referir-se a princípios que fundamentam o pensar humano, sem formular ações ou regras de conduta, precisas e fechadas. Ética, também chamada de Filosofia da Moral, é caracterizada por ser um pensar reflexivo dos princípios ou fundamentos que determinam os valores e as normas que governam a conduta humana. Nesta perspectiva, a Ética, enquanto Filosofia da Moral, mantém ampliadas ligações de natureza prática com outras áreas do conhecimento humano, dentre as quais, a biologia, a antropologia, a economia, a sociologia, a teologia, a história e a política. São áreas do conhecimento caracterizadas por serem disciplinas regidas pela lógica cartesiana da sistematização, com ordenamento racional e perda do caráter sagrado, portanto, ciências descritivas ou experimentais.

A Ética, enquanto Filosofia da Moral, ao contrário, busca a determinação dos fundamentos ou princípios que justificam a natureza de teorias normativas e estando determinados os fundamentos ou princípios, aplica-os, se necessário, e quando for o caso, aos dilemas morais.

Algumas áreas do conhecimento que eram objeto de estudo da filosofia, em especial da Ética, após a revolução industrial e a consequente profissionalização e especialização do conhecimento, estabeleceram-se como disciplinas independentes e científicas. Assim, pôde a Ética ser definida como a área da Filosofia que estuda as normas morais nas sociedades humanas e que pretende explicar e justificar os costumes de uma determinada sociedade, bem como, solucionar dilemas a ela inseridos.

A Moral é um conjunto de normas e regras estabelecidas por cada sociedade e aplicadas ao quotidiano de cada pessoa. A Moral ocorre em dois planos: o normativo e o factual. De um lado, nela encontramos normas e regras que tendem a regulamentar a conduta dos homens e, de outro lado, um conjunto de atos humanos regulamentados por eles; cumprindo assim a sua exigência de realização (Vásquez, 1998, página 51-64). A Moral, com as suas normas e regras, que orientam e julgam as ações do indivíduo sobre o que é certo e errado, bom e mau, moral e imoral. Um pensar sobre a conduta.

A Ética investiga justamente o significado e propósito desses adjetivos, tanto em relação à conduta humana, como no seu sentido fundamental e supremo. Um pensar a partir de princípios ou fundamentos. Um infindável pensar, refletir e construir.

Noutra perspectiva, existe a Moral como primazia exclusiva, defendida por um sistema filosófico, o Moralismo, que fundamentou ideologias de intolerância, de preconceito e de puritanismo. Para alguns, a palavra Moral foi desqualificada por esta associação a Moralismo e, deste modo, justificaram a preferência em associar à palavra Ética as regras e os valores por eles consagrados. No campo das ideologias, não se pode deixar de apontar a diferença que se estabeleceu entre a lógica dos que associaram a palavra Ética às regras e valores por eles consagrados e a lógica dos moralistas, onde a Moral aparece como primazia exclusiva. Passou a referir-se a julgamentos éticos, ou princípios éticos, quando seria mais pertinente falar de juízos morais ou princípios morais.

Assim, existem pessoas que possuem um valor e por um processo psicológico que legitimam as normas ou regras decorrentes e pautam a sua conduta por elas, sem controle externo, só porque estão emocionalmente convictas de que esta regra representa um bem moral. Outras pessoas por costume e por hábito validam certas condutas.

Há aquelas que consideram determinadas condutas como boas, e assim, devem ser praticadas. Aqui o juízo de valor como matriz para a legitimação das normas. São exemplos de conduta Moral, de Moralidades. Existem pessoas em que os processos inconscientes seriam os determinantes da conduta moral, que são oriundos da sua individualidade pessoal e social, responsável pela forma habitual e constante de agir do caráter e da personalidade. Este é um exemplo de Ética, enquanto Filosofia da Moral.

A partir do final do século XIX, da era dos sofistas e início do século XX, observa-se na Ética ocidental três perguntas constantes:

  • Seriam os juízos éticos reflexos dos desejos dos que os criam ou verdades inseridas neste mundo?;
  • Seria a ação boa, fruto da racionalidade construída, introjetada ou inculcada ou simplesmente ação vinculada ao interesse próprio?; e ainda,
  • Qual seria a natureza do certo, do errado e do bem?

Desde o início do século XX estes temas desenvolveram-se nas mais variadas formas, com ênfase na aplicação da Ética para problemas práticos e descritos como Ética normativa, Ética aplicada e Meta-ética. Esta última como estudo que, diferente de se prender à análise de teorias éticas ou julgamentos morais, dedica-se à busca da natureza dos juízos morais, se objetivos ou subjetivos.

Por óbvio, pode-se estar a inserir aqui a Ética Maçônica como estudo contemporâneo e ajustado ao paradigma deste milênio, quando ela busca ajudar os irmãos a legitimar intimamente valores, pela introjecção de princípios ou fundamentos que os farão conduzir-se, coerentemente, por normas e regras consagradas como boas e virtuosas. Abordam-se os princípios ou fundamentos filosóficos que pretendem ser valores intimamente legitimados pelos maçons e passem a ser sistema de regras e normas que os norteiem e os qualifiquem nas relações entre irmãos e sociedade.

Considera-se que o Maçom se aperfeiçoa gradativamente, lentamente acordando dentro de si mesmo, pela auto-educação, autoconhecimento e relações fraternas. Esta ética maçonicamente orientada, onde algumas etapas o levam a evoluir como pessoa humana pertencente a um único corpo vivo e interdependente ao qual se denomina humanidade.

E esta humanidade é o que o Maçom desenvolve em si na sua caminhada, na sua busca por religação ao divino e para cumprir a especificação de projeto do Grande Arquiteto do Universo. A ética maçônica tem reflexos imediatos na vida do cidadão formado nas colunas da Maçonaria. O Maçom que muda a si mesmo influencia o Universo inteiro e não apenas a circunvizinhança. Isto é perceptível na sua vida quando ao mudar paradigmas se torna dono do seu próprio futuro.

Autores: Charles Evaldo Boller e Carlos Alberto Peixoto Baptista

Fonte: Freemason

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Cowans: os pedreiros sem a palavra – Capítulo Final

A Concise History of Freemasonry

Os Cowans no ritual maçônico francês

Em geral, os rituais franceses geralmente não ecoam o tema dos cowans, pelo menos sob esse termo anglo-saxão definido, embora seja verdade que ele foi traduzido ou recriado, geralmente sob outros significados, como intruso, ou como espião ou simplesmente como profano.

Diante dessa situação paradigmática, o professor D. Stevenson vem ao nosso apoio, quando nos diz que toda essa trajetória pelas terras francesas é quando se nota que tal palavra desapareceu dos rituais atuais e “provavelmente porque houve poucos historiadores da maçonaria que examinaram a questão, bem como as áreas que ela cobre, e até os próprios maçons não sabem muito bem o que essa expressão significa[1], além das expressões canônicas em uso e encontradas em alguns tratados e em muitas páginas da web nas quais são repetidas como papagaios.

Localizados nos primeiros textos pré-rituais originários das heranças dos Modernos, e gerado em solo francês, como foi o ritual Luquet de 1745.  Isso nos diz que o Guarda do Templo (Tuileur) tem o senso e o dever de afastar os profanos:

P. Pourquoi vous armez-vous de glaive in vos L. ? (Por que estais armado com uma espada dentro da loja?).

R. C’est pour écarter les profs. (Para afastar os profanos).

Neste momento, não estamos mais diante de traduções, mas pelo contrário, diante de produções rituais típicas da prática maçônica francesa, que em sua fraseologia nos lembram vagamente o tema dos famosos cowans anglo-saxões, neste caso quem intervém é o Tuileur (Telhador) do Luquet, tratando de afastar os profanos, que parece dirigir-se a eles como os chamados cowans, que estariam interessados em obter esse acesso sem saber muito bem  para quê e, por outro lado, não parece fazer muito sentido afastar  aqueles que poderiam ser candidatos adequados para fazer parte da fraternidade maçônica.

É claro que, no subconsciente coletivo, atua sob pressão da constante presença de bisbilhoteiros no entorno das lojas para poder dar prazer ao público que exigia esse tipo de material, conforme mostra a extensa lista de divulgações e exposições que foram publicadas ao longo do século XVIII, tanto na Inglaterra quanto na França.

A exposér que vaza alguns anos após o Luquet, sob o título: Antimaçons (1748)comunica existência de pessoas indiscretas e dedicadas à espionagem, e serem malignas em suas pretensões.

On peut s’en rapporter aux sots pour remarquer tout ils n’ont que cela à faire. Ils sont espions par malignité, & indiscrets par besoin de conversation.”

Nesse sentido, estamos diante de uma definição mais exata da situação pela qual passava a Maçonaria, pois estarem todos os seus rituais sendo vazados para a opinião pública, evidentemente com a intenção de desacreditar, e cuja forma de obtenção como foi vista no Prichard de 1730 através de espionagem, daí a essencialidade do Guardião do Templo externo.

A Condenação do Régulateur sobre artesãos e Companheiros

Mas enquanto todas as exposições francesas vão se mover nesse mantra da bisbilhotice e a intrusão, será um ritual do final do século como o Régulateur du Maçon, que vai além ao definir uma diretriz muito alinhada com o associativismo terminológico que venho comentando, já que no ritual do grau de Aprendiz, ao detalhar as condições para admissão, ele explica:

“Raramente se admitirá um artesão, mesmo que ele seja um Mestre, especialmente em lugares onde as corporações e comunidades não estejam estabelecidas.”

Procurando explicações para esta citação, que não é mais sobre os cowans operativos sobre os quais foi insuflada uma certa penalidade em forma de maldição, mas que transfere essa pressão para o setor artesanal francês, realizando uma transmutação que havia sido realizada antes sobre os artesãos canteiros sem a palavra, ou seja, os cowans, embora obviamente a história dos dois grupos de cantaria, tanto ingleses quanto franceses sejam radicalmente diferentes.

Para entender em parte a razão dessas omissões no tratamento e estudo sobre os cowans e as condenações sobre os Companheiros nos rituais, nos voltamos para a figura de Pierre Nöel, que nos explica por que significados, autores como Guenón[2], Dat ou Guyot não expuseram a existência dessas incongruências, e a explicação vem do fato de que parte desses estudiosos nunca leram os rituais operativos da Worshipful Society e autores do outro lado do canal como Bothwell-Gose ou Debenham, pelo contrário, nunca leram o Régulateur du Maçon.

E, portanto, a questão da rejeição pode ser observada no que é exposto pelo ritual Luquet, que é, por sua vez, uma espécie de enxerto operativo de origem inglesa na ritualidade francesa; é evidente que nesta história não brilham muito os cowans que, geralmente, são semienterrados sob outros nomes, como se pode observar nas exposérs francesas, exatamente até que o Regulateur, de uma maneira muito discriminatória, volta a colocar no tapete as velhas essências inglesas de rejeição a alguns setores operativos do início do século XVIII.

Não deixa de parecer estranho que o “esquecimento” por parte dos historiadores e estudiosos franceses sempre tenha sido muito exigente e mais sobre o fato de que essa curiosa dissolução terminológica do cowan tenha ocorrido com base em várias traduções pelas quais outros termos mais tradicionais, ligados ao determinismo hexagonal foram incorporados, cujas adaptações surgiram com base em situações e realidades muito diferentes, que viriam a criar fortes distorções semânticas e de interpretação histórica.

Em 1801, quando o Régulateur du Maçon é publicado na França pela mão do Grande Oriente da França, que codifica a prática dos Modernos, mostra uma frase que vem complementar aquela já anteriormente exposta à forte rejeição dos artesãos, a frase termina com esta determinação:

“Jamais se admitirão os trabalhadores chamados Companheiros (Compagnons) nas artes e ofícios.”[3]

Conhecidos são os embates históricos do Companheirismo (Compagnons) na história das construções religiosas e sociais ao longo dos diferentes séculos, tanto de caráter religioso, sindical e social, que levaram os poderes civis a perseguir tais guildas, tidas como revoltosas, o que não deixa de ser paradoxal que a mente coletiva maçônica, pelo menos no âmbito castelhano, continue a propor paralelismos estranhos, acreditando que são os mesmos ou semelhantes construtores de catedrais e maçonaria e, portanto, continua a ser mitologizada como algo próprio da Maçonaria especulativa por herança, quando na realidade, no caso da França, é mais uma questão muito mais de guildas de Ofício e dos Companheiros.

Portanto, depois de ler o vade-mécum sobre o trabalho do Companheirismo na França[4] fica bastante claro que a censura feita pelo Régulateur não deixa de ser  é uma recriação do malditismo dos artesãos e, portanto, dos Companheiros, o que nos vem lembrar os velhos cowans anglo-saxõesapesar de sua história registrar grandes confrontos com seus irmãos de confraria, mas nesse outro contexto de torná-los alvo de invectivas e objetos de perseguição e zombaria, o que no contexto francês afetaria os Companheiros.

E é nesse contexto que se pode entender como lógica a condenação exposta no Régulateur, que se destaca dos usos terminológicos equívocos mais atuais, tais como profano ou intruso, para inclinar-se em direção às raízes operativas, transformando o dardo da marginalização desta vez sobre os Companheiros (Compagnons).

No entanto, um especialista em questões de Companheirismo, como é Jean-Michel Mathoniere, indica que essa referência aos Companheiros no Regulateur não se refere aos  Companheiros de Dever, mas aos “Companheiros do mesmo sistema corporativo e gremial dos operativos”. Essa acaba sendo uma opinião bastante estranha, pois desde os tempos antigos estamos diante de uma queixa quase permanente sobre a possível presença de artesãos, como cowans, cuja maldição está incluída no relato bíblico de Ezequiel 13.  10-15:

“Porque inclusive seduziram o meu povo, dizendo: Paz; não havendo paz; e um construiu um muro e eis que os outros o sujaram com lodo solto.”

Nas referências a seguir, eles são tratados ou assemelhados a intrusos, e de abomináveis,  fazendo-os passar continuamente, como “ouvintes intencionais” que desejam entrar nas lojas e, assim, obter a Palavra de Maçom, ou seja querer passar-se por, em todo caso querer passar-se por maçons, uma opinião encontrada em ambos os lados do Canal da Mancha, nessa sequência, primeiro como cowans e depois como espiões intrusos, embora seja necessário esclarecer que alguns seriam ouvintes involuntários (cowans) e outros seriam os ouvintes intencionais (espiões), a serem finalmente assemelhados aos Companheiros, que definitivamente serão classificados como indesejados.

Pessoalmente, estou inclinado a pensar que o Régulateur, em seu preâmbulo, quer abranger precisamente aqueles artesãos, qualificados em alguns setores como “vis, sem elevação e sem mérito”[5] e os Companheiros, como um reflexo do repúdio a esse estamento, dada sua história como guildas dentro da articulação do ofício na França.

Os maçons de Teoria e de Prática

Se isso era pouco dentro desse imbróglio terminológico da França do século XVIII, que relaciona os cowans ingleses a espiões e intrusos, etc., é perturbado pela chegada de outros significados e concepções controversos encontrados nos rituais franceses, que versam sobre os maçons de prática e de teoria.

Embora não deixe de ser certo que este assunto apresente muitos problemas ao lidar tanto com o conceito quando com a historiografia.

Um dos primeiros rituais que expõe a questão colocada é o ritual Luquet (1745). Em seu catecismo baseado na troca típica de perguntas e respostas, destaca-se a pergunta:

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos.

P. Quais são eles?

R. O M. de Teoria e o M. de Prática.

P. O que você aprende como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, para purificar nossas maneiras e nos tornar agradáveis a todos.

 P. O que é um M. de Prática?

R. Ele é um pedreiro, que trabalha a pedra e que levanta colunas sobre suas bases.

Aqui vemos, como um maçom de teoria se tornaria o virtuoso maçom especulativo com base no aceitação de bons elos cavalheiros, que formarão a associação da Grande Loja de Londres, em vez disso, o maçom de prática é apresentado como um simples e tosco pedreiro que não parece ter outro objetivo senão erguer colunas, ele não é um construtor, mas sua missão parece mais simples, como os antigos cowans, erguer pilares.

P. O que aprendeis como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, purificar nossos costumes, tornando-nos agradáveis a todo mundo. [novamente a presença dos cavalheiros ou gentis homens]

P. Quais são as principais qualidades de um M. de Teoria?

R. Ser um homem livre e discreto, igual aos príncipes reconhecidos por suas virtudes e amigo de Deus e do próximo.”

Eleva-se o elemento cavalheiro à categoria semidivina, ao contrário de como se expõe o artesão e o pedreiro, simplesmente um trabalhador da pedra, em que permanecerão pelo resto de suas vidas, pelo menos sob essa concepção medieval de estar sujeito ao ofício por toda a vida.

P. Que é o Maçom Prático?

R. Quem usa materiais nos edifícios.

P. Não pode ser tão virtuoso quanto nós?

R. Todo homem pode estar nesse estado; mas a grosseria e muitas vezes as razões mecânicas impedem praticamente que ele se una.

Essa discriminação é algo compartilhado por outra divulgação francesa do mesmo ano, a Sceau Rompu (1745) e que prossegue nessa mesma linha o Luquet em seus ditados, e onde essa exposição sobre a grosseria baseada na ruralidade como incapacidade de se projetar e ser portador de suficiente argamassa para que a Maçonaria lhe diga que

“não tem lugar para quem constrói suas paredes simbólicas sem o cimento do amor fraterno.”

Por outro lado, observar que na tradução apresentada pela editora Pardes esses dois termos foram traduzidos diretamente como “Maçons especulativos e Maçons Operativos”, conforme indicado na nota colocada no rodapé da página da tradução. O catecismo continua:

P. Quantas classes de maçons existem?

R. Maçons de teoria e Maçons de Prática.

P. O que aprendeis como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, para purificar nossos costumes e nos tornar agradáveis a todos.

P. O que é um Maçom de Prática?

R. Um trabalhador de pedra que levanta perpendiculares (aprumadas) sobre suas bases.

Em relação ao exposto, insiste-se nesse erguer verticalmente de forma unânime, como aqueles que erguem muros e os Maçons de Teoria  seria o maçom especulativo que deve aprender, por sua condição, a obter uma boa moral, a purificar as maneiras e ser agradável a todos. Deverá observar o silêncio, o segredo, a prudência e a caridade, fugindo das calúnias e da intemperança, pois a Arte Real dos Maçons sempre teve o desejo de unir a prática da virtude e as artes liberais herdadas da antiguidade.

E esse objetivo é proposto à custa de rebaixar o pedreiro simples, maçom de prática, que lhes doou primeiro suas ferramentas e conhecimentos para com eles construir uma fraternidade, para depois despojá-lo de toda a sua ciência, de seu ser e estar no sítio da construção maçônica.

De qualquer forma, essa não é a novidade, mas que uma divulgação deixe tão claro que os maçons operativos não tinham nenhuma conotação espiritual ou esotérica e que obviamente não parecem ter eco na Maçonaria recém-criada por sua falta de empatia e amor fraterno, o que cria um paradoxo, já que tais afirmações vão contra a corrente mítica que elevou os maçons operativos como os grandes construtores das catedrais com toda a sua carga místico-esotérica.

Em textos como a Divulgação de 1745, ou a de 1748, Le Nouveau Catéchisme de Franc-maçons, ou os rituais do Marquês de Gages de 1763, ou mesmo nos rituais do Duque de Chartres de 1784, todos eles se alinham para deixar clara a razão diferencial entre Maçons Práticos e Teóricos (Operativos e Especulativos), e nessas apreciações não há grandes diferenças de conceito entre eles.

É mais um dos últimos rituais descritos como provenientes do ramo dos Modernos, e já terminando o século XVIII, como é o Corpo Completo da Maçonaria, adotado pela Grande Loja de França (1761 ou 1774) isso continua na mesma posição.

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos: Maçons de Teoria e os Maçons de Prática.

P. Quem são os Maçons de teoria?

R. São aqueles que aprendem uma forma de moral, purificam seus hábitos e se tornam agradáveis a todos.

P. Quem são os Maçons de Prática?

R. São os que talham a pedra e erguem a perpendicular (aprumada) sobre suas bases.

Essas definições na instrução do Segundo Grau do Regulateur (1786), voltam a reafirmar, com uma diferença entre uma e outra, mas rebaixando cada vez mais as funções do Maçom de Prática.

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos, uns de Teoria e outros de Prática.

P. O que os aprendem os Maçons de Teoria?

R. Uma boa moral que serve para purificar nossos costumes e nos tornar agradáveis ​​a todos os homens.

P. O que é um Maçom de Prática?

R. É o trabalhador da construção.

Essa ideia da distinção entre ambos será mantida até o final do século XVIII, embora em parte vá se dissolvendo gradualmente, mas mesmo assim, surge alguma divulgação tardia que se afasta de tais paradigmas, como é o caso de Mahhabone (1766), que vai um pouco mais longe ao deixar para trás, pois assume o novo estado no qual o novo membro da loja deve ter tanto de cavalheiro quanto de pedreiro:

P. O que aprendestes ao se tornar Cavalheiro Maçom?

R. O Segredo, a Moral e a boa camaradagem.

P. O que aprendestes ao se tornar Maçom do Ofício?

R. A talhar a pedra em esquadro, dar forma à pedra, possuir o nível de habilidade com a perpendicular (prumada).

É evidente que a exposição Mahabone assume e adota as duas tipologias, é claro a dos cavalheiros como seu fundamento essencial, mas assumindo o elemento operativo como uma herança valiosa que o ajudará a elevar-se até o novo estado que propõem os cavalheiros, os quais

“trabalham de segunda a sábado, com giz, carvão de madeira e uma panela que significa Liberdade, Fervor e Zelo, essa é uma proposta um pouco diferente do futuro universo especulativo.”

A herança dos Antigos e dos Cowans um século depois

No entanto, dentro da corrente dos Modernos e no seio do continente, essa questão praticamente desaparece, exceto pela exceção do Régulateur, que eu já expus antes, por outro lado e a título de contraste, expor que a corrente dos Antigos recupera a antiga linha marcada pelos preconceitos.

É assim que a situação é apresentada em um texto do Catecismo de Instrução do REAA da Grande Loja da Espanha (GLE)[6].

P. Um maçom pode seguir sendo um Cowan?

R. Aquele homem que ingressa por mera curiosidade, para ganhar posição social ou vantagens nos negócios, o falso maçom é o verdadeiro cowan, uma fonte sutil de problemas dentro do corpo do Ofício, que certamente afetará a vida da Irmandade. se não se tiver cuidado.

A pergunta que poderíamos nos fazer é: Por que se segue recolhendo em diferentes textos do REAA a proposta de Anderson de 1738 em um documento de 2011 da Maçonaria de tradição espanhola?

A julgar pelo que alguns maçons anglo-saxões expõem, isso é relativamente fácil de entender, uma vez que os cowans são elementos exógenos das guildas da maçonaria especulativa, uma vez que são trabalhadores sem a palavra, que desejam ingressar em nossas fraternidades… e, portanto, esse termo tem sido o ideal para definir a situação.

Podemos verificar o mesmo no Duncans´Masonic Ritual and Monitor de 1866, e pertencente à herança Antiga:

P. Brother Tyler, your place in the Lodge. (Irmão Guarda do Templo Qual é vosso lugar em Loja?)

R. Without the inner door. (Fora da porta interna)

P. Your duty there? (Qual é o seu dever ali?)

R. To keep off all cowans and eavesdroppers, and not to pas o repas any but are duly qualified and have the Worshipful Master´s permission. (Manter afastados todos os profanos e bisbilhoteiros, e não deixe passar ninguém devidamente qualificado e sem a permissão do Venerável Mestre.)

Como já expliquei, no restante dos cadernos rituais franceses de raiz Moderna do século XIX, perde-se praticamente toda a referência à persistência nessas tessituras, exceto no Rito Francês Filosófico que retoma a questão, mas a partir de perspectivas novas e diferentes.

Conclusões

Com base no exposto sobre os famosos cowans, pode-se resumir o que segue:

  • Temos no início de toda essa história na região anglo-saxônica alguns pedreiros rurais (wallers ou construtores de muros) coexistindo no tempo e, circunstancialmente, nos mesmos lugares com os poderosos setores do Ofício (Craft) de caráter marcadamente urbano: guildas, confrarias, corporações, etc. .
  • Pedreiros rurais apontados pelas corporações de ofício como pedreiros marginais, ou mão de obra eventual, a quem designam em vários documentos como “Cowans”. (Canongate, Glasgow, Morher Kilwinning, York, Lodge Aitchison´s Haven).
  • Cowans, que, nas Old Charges, e em alguns outros regulamentos e documentos, são mencionados em relação ao exercício e regulamentação do Ofício, nos quais lhes são atribuídas uma certa especificidade profissional de natureza rural limitada à construção de muros e pequenas construções no meio rural e, portanto, a eles são reduzidos as áreas de trabalho e dedicação. (Estatutos de Shaw, manuscritos DumfriesWilkinson).
  • Termo que provém dos usos operativos da Escócia e que aparece em solo inglês e seus textos regulatórios no final do século XVII e início do século XVIII, estendendo esse termo em relação à Maçonaria a qualquer pessoa que não fosse um maçom especulativo.
  • Como tais trabalhadores da cantaria rural não estavam inseridos nos grupos das guildas urbanas do Ofício, ficando à margem da posse da Mason’s Word (Palavra do Maçom), que dava opção para mais benefícios de trabalho ou proteção.
  • Tais cowans aparecem no seio da ritualidade no início do período especulativo como tais cowans, mas também sob descrições: espiõesintrusos, etc., e sob o pretexto de entrar secretamente na Maçonaria, conforme apresentado em diversos textos. (Confissão de Maçons, Constituições de Anderson,)
  • São o resultado de campanhas de assédio e ridicularização, tanto nos rituais quanto por outros meios: canções e desenhos, nos quais são apresentadas como tal e conforme ocorre  no Ahiman Rezon, como imorais e abomináveis.
  • Na ritualidade francesa, o termo cowan vai adquirindo outros significados já comentados:  espiõesintrusos, e como profanos indignos, perdendo a raiz original, aparecendo certos problemas de tradução e interpretação ao perder a raiz.
  • A adaptação do termo cowan nos meios de comunicação de massa maçônicos franceses transformou sua presença como maçons de prática, como um ponto de ruptura e separação entre o mundo operativo e o mundo especulativo, que se apresenta como um simples obreiro que levanta colunas e sem atitudes, devido à sua grosseria.
  • Volta ao conceito de marginalização operativa, ou seja, considerando cowans certos setores do Ofício: os artesãos e os Companheiros(Régulateur du Maçon).
  • Desaparecimento prático, dentro da raiz dos Modernos no século XIX, de tais significados denegridores.
  • Presença dos velhos clichês operativos dentro da corrente dos Antigos e até o século XIX. ( Ritual e Monitor de Duncans)

Em geral, este estudo quis demonstrar como um termo que esteve presente por mais de um século em nossos rituais, como os cowans, foi sendo alterado em termos de definições, disseminação e desenvolvimento, em cujo setor do Ofício foi marcado com sangue e fogo sob alguns conceitos como pedreiros, artesãos ou companheiros, mas sob percepções ou tratamento pejorativos como espiões, intrusos, detestáveis ou abomináveis de quem a Maçonaria se serviu para denegrir e atribuir certas atitudes, quando, de fato, como diz Bob Walker da Grande Loja da Escócia, nunca esses [cowans] representaram um problema ou uma ameaça para Maçonaria[7].

No entanto, houve toda uma concomitância em querer apresentar os cowans sob diferentes denominações como pessoas que não são capazes de construir nada no seio da Maçonaria, porque lhes faltariam, como diz um maçom inglês “o cimento que supõe o amor fraternal”, recorrendo à mesma Bíblia em que o livro de Ezequiel 13:10-15 dedica um flagelo cruel a esses simples pedreiros rurais que constroem muros sem argamassa.

“Deste modo, destruirei o muro que vós cobristes com lodo solto, e o jogarei por terra, e sua fundação será descoberta e cairá, e sereis consumidos no meio dela; e sabereis que eu sou Jeová. Assim, cumprirei minha fúria no muro e naqueles que o cobriram com lodo solto; e eu vos direi: Não existe muro, nem quem o revestiu.”[8]

Não deixa de ser curioso que uma fraternidade como a maçônica, baseada no objetivo de “reunir os dispersos”, tenha mantido essa discriminação e denigração por tanto tempo.

Um termo como “cowans” que, se não fosse pela atenção ou estudo de autores como Mackey, Joseph Fort Newton, Henry Carr ou Sudarkis…, teria sido esquecido, perdendo toda a sua marca.

Estas são as investigações e reflexões que pude conceber para trazer à tona as velhas dúvidas maçônicas que desde a idade de aprendiz maçom eu vinha arrastando em relação a esses estranhos pedreiros rurais, os cowans.

FINIS

Autor: Victor Guerra
Tradução: José Filardo

Fonte: BIBLIOT3CA

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Publicado originalmente em: ritofrances.net/

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Notas

[1]Stevenson, David.Les Premiers Francs-Maçons. Les Loges Écossaises originelles et leursmembres. Éditions Ivoire-Clair. 2000.

[2]http://pierresvivantes.hautetfort.com/archive/2013/12/15/rene-guenon-et-les-origines-de-la-franc-maconnerie-les-limit-5247265.html#_ftn3, (René Guénon y los orígenes de la masonería: los límites de una mirada).

[3]Régulateur du Maçon. Editor Masonica. Es.

[4] – Berton, Hugues ; Imbert, Christelle. Les Enfants de Salomon. Approches historiques et rituelles sur le Compagnonnages et la franc-maçonnerie. Éditions Dervy. 2015.

[5] – Anatole de Maontaignon. Etat des ouvriers ramenés d’Italie par Charles VIII, 1497-8. Archives de L´Arte Français. T. 1. 1906.

[6]Lectura de Instrucción por preguntas y Respuestas, basadas en los catecismos y textos tradicionales del REAA. GLE. 2011.

[7] – Are there Cowans in our midst? http://www.themasonictrowel.com/Articles/General/other_files/are_there_cowans_in_our_midst.htm

[8] – Ezequiel 13. 14-15

TFA e pós-pandemia

Covid-19: Homens com barba estão menos protegidos pelas máscaras?

“Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça” (popular)

Em meio às turbulências ora vivenciadas com a pandemia da COVID-19, conjecturar sobre o futuro é sempre tendencioso, certamente podendo descambar para exageros, mas é inevitável não especular a respeito de possíveis cenários. Estamos com tempo para isso.

Limitando-nos à seara maçônica, muito afetada com a necessidade do distanciamento social imposto pelas autoridades de saúde e acatado por nossas lideranças, o retorno às atividades normais após a cessação das medidas restritivas de reuniões enseja preocupações antes não vislumbradas no radar. Afinal, nosso grupo é composto majoritariamente de obreiros com mais de 60 anos, com as vulnerabilidades impostas pela vida.

Que tudo isso passará, não restam dúvidas. Mas, a que preço? A pergunta que não quer calar é: tudo será como dantes? Correremos o risco de novas ondas e necessidade de repetidos isolamentos? No nosso caso, continuaremos a reunirmo-nos em Templos apertados e sem circulação de ar natural, para evitar os olhares indiscretos e quebra dos quesitos de segurança?  Muito receio entre maçons com idade provecta e seus familiares.

Fazendo do limão uma limonada, sabe-se que várias Lojas contornaram as restrições de reuniões lançando mão de encontros virtuais, as festejadas vídeoconferências, que viabilizaram a continuidade, mesmo que mitigada, dos trabalhos administrativos, com apresentação de trabalhos e discussões de temas de interesse, mantendo firmes os imprescindíveis laços de fraternidade.

Ocorre que não houve unanimidade nas participações, haja vista que muitos irmãos não são familiarizados com os recursos ora proporcionados pelas redes sociais. Outros, por questões de ponto de vista, mantiveram-se distanciados, por não aceitarem de bom grado os avanços tecnológicos e mudanças de comportamentos. Porém, nosso tempo merece ser mais bem aproveitado, o aprendizado não pode parar e os conhecimentos e experiências precisam ser compartilhados.

Não é segredo que nós os maçons nutrimos muita afeição pelos nossos pares e tratamo-nos com muito respeito e carinho, o que é um grande tesouro a ser preservado. Dada às novas circunstâncias, alguns cuidados deverão seguramente ser aplicados e, quem sabe, mais um recurso será adicionado ao vestuário tradicional, como a máscara, e o uso obrigatório das luvas, antes colocadas em segundo plano, considerando-se que a ritualística e os procedimentos de reconhecimento exigem proximidade física, em especial nos tradicionais abraços fraternos que caracterizam os verdadeiros encontros de irmãos.

Quanto às sessões presenciais, algumas medidas poderão ser adotadas, quanto ao afastamento físico, sabendo-se que os irmãos mais novos em idade correm menos risco, mas podem se tornar vetores de contaminação em futuras recaídas da espécie. Uma possibilidade a ser avaliada é a de alterações de agendas, no sentido de incluir as reuniões virtuais no cotidiano das Lojas, com as devidas precauções, mantendo as sessões magnas para os fins a que se destinam e as ritualísticas normais para escrutínios e avaliação de obreiros em processos de aumento de salários, dentre outros.

Enfim, como livres pensadores não podemos deixar de avaliar cenários, e mudanças regulamentares serão reclamadas, em face do novo normal que se nos apresenta. Enquanto privados dos encontros presenciais, podemos incentivar e incrementar nossas vídeoconferências com discussões dessa temática, agora enriquecida com um número cada vez maior de visitantes de diferentes Lojas, Ritos, Orientes e Potências, sem falar que nesse contexto estamos participando de mais reuniões dentro do conforto de nossos lares e com interação ainda maior em número de participantes, antes impensável. Para encerrar, quem ainda não leu em nossos grupos de WhatsApp irmãos perguntando onde tem reunião hoje? Novos tempos, novos desafios!

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

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