Integração e tolerância

Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram na gênese da maçonaria especulativa, é natural que os maçons tenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, se perguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância, receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quais contraditórias – e é bom que assim seja. A tolerância decorre da diversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: só faz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.

É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nos identificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastar dos que não se nos assemelham. A própria origem das espécies decorrerá dessa tendência de agremiação de seres mais semelhantes entre si, mas um pouco diferentes de outros, mesmo quando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimento de seres diferentes – porventura portadores de uma mutação genética, ou doentes – e o afastamento deles poderá servir de mecanismo de preservação das populações.

Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismo de defesa, de repulsão de um ataque – tenha este de fato decorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Neste sentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que pode destruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão a própria diferença independentemente dos atos cometidos é um comportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bem que inaceitável em um ser humano.

Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemos consciência da dualidade da nossa natureza – animais por um lado, racionais pelo outro – e saibamos tirar o melhor partido de ambas as facetas dela. Pois que se, por um lado, o “instinto animal” nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só uma mente racional nos pode levar até à plenitude da nossa humanidade.

Tolerar a intolerância sob o argumento de que “é natural” só é aceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quanto desenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todos diferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, é uma atitude tão mais importante quanto mais populado está o nosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmente miscigenado este se vai inexoravelmente tornando.

Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo de qual…) de que retive uma frase: 

“Um homem sábio não pode ser insultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não merece atenção.” 

Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinho que guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça no meu escritório durante anos. 

Curiosamente, o presidente Obama disse certa vez uma coisa parecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade de expressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nas nossas sociedades – nos chamados “Estados de Direito” – a lei estabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguais perante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado a fazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as “regras da casa” de uma sociedade, estipulando o que é e não é aceitável. 

Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir a diferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somos todos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História, quer o fato de que mesmo na população mais homogênea há diferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitar a diferença – e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agir sobre os outros – tornando-os iguais a nós mesmos ou suprimindo-os – ou pretender agir sobre nós mesmos – aceitando os outros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo a tolerância tal como a maçonaria no-la transmite: como uma deliberada indiferença perante a diferença. Não, não é instintivo – mas aprende-se.

Autor: Paulo M.

Fonte: Blog A Partir Pedra

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Sobre o confronto entre a Igreja Católica e a Maçonaria: um olhar desde os estudos sobre a Igreja

As difíceis relações entre a Igreja (pelo que aqui nos referimos à Igreja Católica) e a Maçonaria constituem, sem dúvida, um dos aspectos mais recorrentes, sobre o qual se tem repetidamente insistido e que em todos os tempos têm despertado o maior interesse nos estudos sobre a Maçonaria. Basta consultar as páginas das atas das reuniões acadêmicas do Centro de Estudos Históricos da Maçonaria Espanhola (CEHME) realizadas desde 1983 para verificar o grande número de trabalhos apresentados sobre o assunto, nos quais a atitude que a Igreja tem observado sempre sobre a Maçonaria especulativa; tem tantos seguidores entre os pesquisadores que constitui uma seção fixa em todos os simpósios, estabelecendo-se assim como o principal protagonista – não o único como se sabe- do antimaçonismo; mesmo em qualquer obra de referência sobre a Ordem do Grande Arquiteto do Universo é comum a existência de um capítulo dedicado às suas relações com a Igreja, para além daquelas outras obras em que esta questão é expressamente estudada[1].

Porque é também um aspecto abordado por destacados historiadores (também pelo próprio que subscreve estas linhas, que tem dedicado boa parte dos seus estudos maçônicos a este aspecto) o que já é conhecido não será aqui reiterado. Não é, pois, objetivo deste trabalho desvendar as razões invocadas neste esforço que, como bem sabemos, em cada momento e circunstância têm tido um perfil diferente (fundamento jurídico na aplicação da lei própria no século XVIII; ligação com os processos revolucionários burgueses e movimentos liberais ou democráticos; relação com o protestantismo ou com o satanismo; ocupação de territórios papais no caso italiano etc.). Tudo parece ter sido dito a esse respeito, restando-nos apenas, digamos assim, estudar casos concretos, que podem ser múltiplos. Pode-se dizer que em certos momentos da história a Igreja foi a instituição que, desde meados do século XVIII e em todos os níveis de sua hierarquia, mais se posicionou de forma pública e explícita contra a Maçonaria. No que diz respeito à Espanha, parece que, da sua posição social e culturalmente predominante, mais tinta foi derramada contra a Maçonaria, correndo por seus méritos na instituição mais destacada entre aqueles que a difamaram e, consequentemente, sendo uma parte notória do amplo movimento antimaçônico orquestrado.

Mesmo assim, acreditamos que a análise nem sempre é correta. Não estamos dizendo que os estudos sejam erráticos, mas que em muitos casos predominam as generalizações e faltam certas nuances que ajudariam a explicar melhor certos episódios que, relacionados à Igreja ou a seus homens – por exemplo -, podem ser apresentados como raros e estranhos por sair do comum. Para tudo isso contribui, e não pouco, o preconceito, incubado pela parcialidade, que esteriliza o rigor que a análise científica deve exibir e que, embora não a estrague completamente se os fatos forem bem descritos, pode falhar na interpretação que deles se faz com base em generalidades às vezes extemporâneas. 

Talvez com o exemplo você possa entender melhor o que queremos dizer. Sobre a Igreja (da qual devemos especificar bem a que nos referimos quando usamos este termo em nossos estudos) existe um clichê que às vezes não corresponde à realidade; ou, em outras palavras, poderia corresponder a uma determinada realidade ou momento histórico, mas não em todos os momentos; as nuances -também as temporais – são muito importantes. Às vezes identificamos o comportamento da Igreja com o clericalismo, sem entender que são dois conceitos diferentes, embora estejam interligados. Não são poucos os casos em que nos referimos à Igreja com uma uniformidade geral em que não há nuances quando estas são fundamentais para compreender certos processos e conceitos, que podem ser interpretados de forma diferente dependendo do momento histórico. E, por último – para não alongar esta introdução- a precisão terminológica é muito importante ao referir-se a ela, já que é uma instituição com linguagem própria, com funcionamento (ad intra e ad extra) singular, diferente de qualquer organização civil com a qual às vezes se tenta erroneamente assemelhar-se. Estamos nos referindo, então, a uma globalidade uniforme sem atentar para o fato de que, compartilhando as mesmas crenças religiosas (doutrina), existem grupos com diferentes responsabilidades, hierarquias e – também- matizes ideológicos (mantendo-se na doutrina) cujas preposições – cuja preeminência pode oscilar em função dos momentos históricos.

Nas linhas a seguir vamos nos referir a alguns desses aspectos, sem a pretensão de esgotar o tema, fruto de algumas questões que nos foram colocadas ao longo de nossa – acreditamos longa – trajetória investigativa sobre Igreja e Maçonaria (por separadamente e às vezes juntos). Fazemo-lo sem intenção de censura, mas no caso de poderem ser úteis a outros investigadores que também possam refletir sobre estes extremos. Em suma, tentaremos chamar as coisas pelo nome, não numa tentativa revisionista da história, mas com o objetivo de sermos mais rigorosos em nossas análises porque uma maior precisão terminológica resulta no aprimoramento de nossa ciência.

Maçonaria, Igreja e clericalismo

Numerosos estudos sobre a Maçonaria têm mostrado que, com origem comum na Maçonaria especulativa lançada no início do século XVIII, esta desenvolveu-se nos últimos três séculos de forma diferente porque, tanto em princípios como em valores, a realidade temporária em que foi inserida e desenvolvida também evoluiu consideravelmente. O caráter elitista de outrora, depois “liberal” e posteriormente colocado em abordagens ideológicas mais avançadas – por exemplo – ou diferentes atitudes em relação à própria presença de mulheres em suas oficinas são, sem dúvida, um reflexo dessa evolução. Por esta razão e por uma infinidade de outras nuances, ninguém se surpreende que atualmente – como apontam especialistas conceituados – o uso do termo no plural, maçonarias, seja mais apropriado.

É comum em nossos trabalhos sobre Maçonaria associar o termo Igreja ao clerical, projetando na instituição a ideologia reacionária que o termo implica. Esta generalização e consequente redução é claramente inadequada. Vamos por partes. É claro para nós que com o termo Igreja nos referimos a uma instituição dirigida pela Santa Sé que está localizada no Estado da Cidade do Vaticano, que é muito recente. Até agora, em termos de direção, não há margem para erro; mas, no que diz respeito ao seu coletivo humano, como sabemos, amplo e hierárquico – desde o Papa até o último fiel cristão leigo- além de diversos, quando nos referimos à Igreja em nossos estudos, exatamente a quem nos referimos, ao Papa, a um setor específico dela, a “toda” a Igreja?; e mais: entendemos que a Igreja e seus diferentes setores, membros, têm as mesmas características e posições no início do século XVIII, no final do século XX ou no início do século XXI? A resposta, que não é tão complexa, requer conhecimento para buscar nuances suficientes que devem ser importantes para o pesquisador.

Do ponto de vista doutrinário, todos os que nasceram da água e do espírito fazem parte da Igreja ou do Povo de Deus, termo atualmente mais utilizado para possibilitar a ação de Deus na história. De fato, este aspecto foi redefinido assim recentemente, durante a segunda sessão do Concílio Vaticano II (1963) e onde se fez referência à corresponsabilidade dos leigos na Igreja, radicada no sacerdócio comum de todos os batizados e que, muitas vezes ao longo da história, foram retidas para si pelo clero. A própria Igreja assim reconheceu, aliás, a sua atitude “clerical” até então porque tradicionalmente nas tomadas de decisão não se tinha em conta os leigos, mas apenas os ordenados, o clero [2]. A consequência para o pesquisador é clara e a nuance não menos importante: quando fazemos as análises sobre a Igreja antes do Concílio Vaticano II, em qualquer assunto, inclusive o maçônico, é possível classificá-la como clerical porque, embora houvesse fiéis cristãos leigos (seculares), eram os ordenados que “assumiam” a responsabilidade exclusiva de dirigi-los, traçar direções, preparar propostas e tomar decisões. Por este mesmo fato, nos estudos sobre uma realidade maçônica mais atual, e sempre ao nível da sua direção, a Igreja deixou de ser clerical e basta consultar em qualquer diocese o número de organizações que, com a presença de leigos, participam do processo de tomada de decisão.

Clericalismo, Ultramontanismo e Maçons Católicos

Resolvido até quando e em que condições nos nossos estudos podemos ou não chamar a Igreja clerical em termos de tomada de decisão, tratemos de uma segunda questão que nos parece talvez mais complexa: a ideológica. A maioria dos estudos sobre Maçonaria associa Igreja e clericalismo para identificar ambos os termos – conjuntamente dissemos acima – com a reação; ou seja, com uma “ideologia que defende a influência do clero nos assuntos políticos de uma sociedade”, que tenta impor um modelo próprio à sociedade civil, considerada única, e na qual a Igreja era responsável pela tomada de decisões ou da inspiração absoluta das mesmas contra as abordagens que poderiam ser levantadas a esse respeito pelas Lojas; vale acrescentar que em muitas ocasiões, especialmente nos textos maçônicos que aparecem nos boletins das diferentes Obediências, a palavra jesuitismo também é usada com uma interpretação semelhante, outro termo sobre o qual seria necessário acrescentar não pouco.

Especificaremos que estamos falando de uma ideologia, não tanto de uma doutrina, na qual as abordagens da religião católica permeariam tudo, segundo o modelo do Antigo Regime, anterior às revoluções burguesas que eclodiram no final do século XVIII; nesse caso, seriam seguidas as abordagens dos mais caracterizados ideólogos da reação, como Burke e De Maistre, entre outros. Diante disso, a nova ideologia emergente, liberal (e posteriormente democrática) apostaria na secularização da vida civil e, para isso, lançaria mão do secularismo, cuja manifestação popular e radical mais conhecida seria o anticlericalismo. Vale lembrar que, aos olhos dos setores mais antiliberais do catolicismo (tradicionalismo, fundamentalismo, carlismo no caso espanhol, por exemplo), os termos liberal e maçom foram entendidos como sinônimos ao longo do século XIX e, também, embora talvez com menos ênfase, no século posterior. À primeira vista, tudo parece fazer sentido: a Igreja (o clero) é reacionária e contrária às liberdades individuais do Iluminismo que a Maçonaria assume, o que explicaria a animosidade da Igreja em relação à Ordem e o início do fenômeno antimaçônico por parte desta como resposta. Para conectar abordagem amplamente difundida entre maçonólogos e aquela simples de aparecer exposta em numerosas investigações (igrejas, clericais e reacionárias), esta formulação carece de não poucas nuances que contribuam para explicar os casos que não obedecem a esta norma. Vamos ver alguns.

Não muito tempo atrás, Martínez Esquivel, em um interessante trabalho sobre a origem da maçonaria costarriquenha, revelou a importância do padre católico Francisco Calvo como organizador da primeira loja em seu país em 1865. Entre as condições, o autor referiu-se ao Estado modelo educacional-civilista, promoção das liberdades civis, práticas eleitorais, retorno ou chegada de intelectuais locais ou estrangeiros e interesse “pela vida cívica em alguns setores hierárquicos da Igreja local”. O autor também se perguntou sobre as relações entre os maçons centro-americanos, os Estados e as igrejas católicas locais e, entre outras questões, também se havia antimaçons. Ele ainda aludiu a como o estabelecimento da liberdade religiosa facilitou a tarefa devido ao discurso maçônico de tolerância religiosa, que permitiu a “sociabilidade dos costarriquenhos católicos com estrangeiros de diversas origens e religiões”, o que resultou em uma convivência entre colunas de católicos, anglicanos, quakers, evangélicos e judeus, bem como livres-pensadores, racionalistas, espiritualistas etc. O último fator, como determinante, desta implantação da Ordem no país foi a “transformação ideológica dentro da Igreja Católica costarriquenha” – aponta, tomando de Rodríguez Dobles – que favoreceu um tipo de sacerdote e, portanto, paroquial, que a nosso ver também favoreceu a organização da Maçonaria” [3].

Na última e extensa obra de Javier Alvarado Planas, ele aborda as personalidades relevantes que pertenceram à Ordem (reis, príncipes e outros) nos três séculos de sua história. Um dos capítulos é dedicado aos “príncipes da Igreja” (católicos) maçons, personalidades realmente relevantes da Igreja (o termo, a rigor, referir-se-ia aos cardeais) que trabalharam entre colunas, sobretudo ao longo dos séculos. XIX, a sua presença nas lojas e atividades desenvolvidas. O autor também investiga a origem do fenômeno antimaçônico, os motivos da condenação da Maçonaria no Código de Direito Canônico de 1917 e a situação em que ela se encontra no atual (de 1983), que é uma consequência direta das abordagens conciliares, embora posteriormente tenham sido qualificadas por alguns altos funcionários da departamentos ou congregações romanas [4] .

Por último, na tese de doutorado recentemente defendida na Universidade de Cádiz por Ángel Luis Guisado Cuellar, o autor biografou o famoso médico Cayetano del Toro y Quartiellers (1842-1915), político liberal, prefeito de sua cidade, benfeitor, membro destacado se não promotor de inúmeros projetos sociais e culturais. Ele se referiu à sua condição de maçom pelo menos em sua juventude durante o tempestuoso período democrático de seis anos (1868-1874), desde que foi iniciado na loja de sua cidade Hijos de Hiram no. 62 sob a Obediência do Grande Oriente Lusitano Unido e, posteriormente, já na restauração afonsina, em outra oficina sob o Conselho Supremo da França do qual era Venerável. Caracterizou-se também por sua catolicidade, que o levou a pertencer a diversas irmandades e confrarias penitenciais – nas quais se destacou – e a promover extraordinariamente festividades religiosas quando era gestor público, justamente em um momento em que a Igreja se pronunciava repetidamente contra a Maçonaria, foram publicadas as obras de Leo Taxil (então tidas como verdadeiras) e promovidos encontros antimaçônicos internacionais. Del Toro foi, sem dúvida, um personagem de tão profunda catolicidade, mesmo em seus atos mais íntimos que, na resposta dada em 1913 ao Bispo de Cádiz quando transmitiu suas condolências pela morte de Segismundo Moret, herói liberal de Cádiz, em várias ocasiões Presidente do Governo, formulou uma resposta lapidar: “Agradeço do fundo do meu coração por suas condolências pela morte de Moret. Ser liberal não é incompatível com ser católico e ter uma fé religiosa” [5].

Poderíamos trazer aqui mais exemplos de personagens da Igreja em seus diferentes estratos, não apenas distantes do pensamento reacionário, mas que participaram ou promoveram a Ordem. Esses casos nos mostram uma visão radicalmente diferente daquela que costuma ser difundida pelos homens da Igreja. Diante da visão tradicional da Maçonaria como inimiga, homens que pertenciam a diferentes estratos eclesiais a promoveram, trabalharam em suas oficinas e, mesmo quando a doutrina oficial da Igreja se posicionava (o gerúndio é intencional) contra ela e suas atividades, pelo menos para esses católicos, não representava nenhum problema legal, espiritual ou de consciência, trabalhando entre colunas. Do exposto pode-se deduzir, portanto, que houve momentos em que a rejeição ou condenação das Lojas pela Igreja não afetou os próprios católicos. Foi no final do século XIX (especialmente durante o pontificado de Leão XIII) que se configurou como a principal inimigo da Igreja (por razões doutrinais, mas também ideológicas como veremos), parecendo reunir todos os males e maquinações contra a ela. uma visão que, cem anos depois, tentou-se reformular no contexto do Concílio Vaticano II. 

Este aspecto é complicado, porque não é apenas uma questão de tempo, mas de modelos ideológicos de acordo com as circunstâncias de cada país. É aqui que entra a crença errática de conceber sempre a Igreja como um bloco compacto que contém em si uma profunda homogeneidade em todas as suas dimensões. Esta abordagem, comum entre aqueles que percebem a realidade eclesial de fora, exige, no mínimo, ser qualificada. Na mesma base doutrinária comum a todos os católicos, existem diferentes modelos para alcançar o objetivo final, a transcendência (seculares, religiosos, ordenados; associados ou não em grupo, por exemplo). Esta base comum que chamamos de Doutrina Social da Igreja (uma atualização da mensagem evangélica à luz dos textos bíblicos, dos Padres da Igreja, das encíclicas e documentos pontifícios, bem como dos pronunciamentos da Igreja nos sínodos e concílios, sem redução da mensagem evangélica original) começou a ser compilada no pontificado de Leão XIII (1878-1903), e não só contém orientações sobre questões meramente sociais, como se pensa erroneamente, mas também posiciona os crentes diante de toda realidade existente ao seu redor. Além disso, foi com este Papa que se formulou a mais copiosa doutrina sobre a ideologia triunfante com a extinção do Antigo Regime, o liberalismo e a presença pública dos católicos num mundo cada vez mais secularizado; essas iniciativas devem incluir a condenação doutrinária da Maçonaria com o Humanum Genus em 1884.

A maior parte do clero que conhecemos que pertenceu à Ordem fê-lo antes destas grandes definições doutrinárias, quando só existiam as condenações ideológicas ao absolutismo (feitas por diferentes monarcas desde meados do século XVIII, incluindo o próprio papa por estar em cargo dos Estados Pontifícios). A dissolução do Antigo Regime facilitou a pluralidade ideológica mesmo dentro da própria Igreja. Na França revolucionária e napoleônica havia jurados e refratários entre o clero; mais tarde será o país do ultramontanismo, mas também o berço do catolicismo liberal: um bom número de jovens padres, diz Aubert – levantou a possibilidade de conciliar o catolicismo com o liberalismo e aceitar, sem trair sua fé, uma ordem social baseada nos novos princípios revolucionários: liberdade pessoal, liberdade política, liberdade de imprensa e religião, mesmo que isso implique uma restrição de privilégios eclesiásticos e até mesmo a separação entre Igreja e Estado. Um catolicismo liberal com múltiplas nuances, que em muitas ocasiões se limitou mais à aceitação do novo estilo de vida, o espírito do século, do que à assunção do conteúdo doutrinal que certas abordagens liberais poderiam acarretar. Assim, com esta abordagem pragmática, a juventude intelectual seria reconquistada para a Igreja e, em última análise, seria melhor para seus próprios interesses. A condenação de Gregório XVI a este movimento que supunha a Mirari vos (1832) foi muito diminuída quando os católicos belgas foram autorizados nas mesmas datas – certamente como uma exceção – a trabalhar junto com os liberais para alcançar sua independência e buscar na prática um modelo constitucional [6].

Como podemos ver, aquela mesma Igreja que nas obras sobre a Maçonaria apontamos ideologicamente de forma genérica como clerical e ultramontana, estava em alguns países e por vezes (ainda que excepcionalmente) dando validade às formulações liberais em cujo triunfo parece claro que, pelo menos na onda revolucionária de 1820 em que se concebeu a independência belga, participaram diferentes sociedades, entre elas a maçônica. o jogo contra o ultramontanismo, que levou ideologicamente ao triunfo de um catolicismo mais autoritário e ultraconservador que permeava tanto questões doutrinárias quanto aspectos meramente circunstanciais, portanto discutíveis. Uma das consequências foi a Humanum genus, que apresentava a Maçonaria como a instituição criada pelo maligno em sua luta contra a Igreja e da qual, por motivos óbvios, os crentes deveriam se distanciar.

O caso exposto acima, relativo à realidade costarriquenha de meados do século XIX, deve ser interpretado dentro dessa evolução, especialmente quando se tratava de uma nova realidade, um Estado emergente, que havia abandonado seu vínculo com a tradição política secular espanhola. A existência de um clero esclarecido, propenso a um incipiente catolicismo liberal é algo que, apesar das contradições ideológicas ocorridas na emancipação destes territórios de Espanha, tem sido constatado nos estudos até à data realizados. Para dar um exemplo: antes da invasão napoleônica da península, alguns membros do conselho mexicano (salvemos Abad e Queipo) já defendiam então que, na ausência do monarca, a soberania havia sido devolvida ao povo e, ainda assim, mantinham a defesa dos direitos da religião católica; nos documentos romanos através dos quais a Santa Sé reconhece a nova realidade eclesial hispânica na América, a própria Igreja admitia de fato governos que saíam de uma revolução política e que de modo algum se identificavam com uma monarquia tradicional (ultramontana, por exemplo) [7]. Outra questão é que, de reconhecer o catolicismo como religião de Estado na maioria dos textos constitucionais americanos em meados do século XIX, se passasse a rupturas violentas em alguns países (Colômbia e México; o contraponto seria o Equador na presidência de García Moreno). quando a Igreja se recusou a ser protegida pelo Estado, por ser incompatível com as ideias ultramontanas que prevaleciam cada vez mais em Roma [8].

Voltemos a recapitular o que nos interessa aqui. A visão de uma Igreja monolítica, única e ideologicamente uniforme (ultramontana, reacionária, clerical, enfim, que é o que costuma aparecer nos estudos antimaçônicos) não corresponde estritamente à realidade. Pode associar-se a momentos específicos da sua história nos últimos três séculos, porém em outros e mantendo a mesma doutrina, coexistiram no seu interior orientações ideológicas diferentes (mesmo contraditórias), quanto mais desde o Concílio Vaticano II quando, na reformulação geral que afeta sua relação com outras religiões (especialmente com as do Livro, que, como será lembrado, também esteve na base das condenações da Maçonaria em meados do século XVIII). Só qualificando esta generalidade sobre a Igreja é que se podem compreender as atitudes apontadas por Esquivel, Alvarado e Guisado nas obras acima referenciadas; Eles não eram de forma alguma um pássaro raro que beirava o estranho e o excepcional, ou identificado como distante da ortodoxia ou heréticos; pelo menos até que fossem formulados os grandes princípios doutrinários (impregnados com a realidade italiana neste caso)  que deixaram aqueles que seguiam as abordagens filosóficas naturalistas (que excluíam a intervenção de qualquer princípio sobrenatural ou transcendente), como não poderia ser de outra forma, na heterodoxia [9] 

Ultramontanismo e a imprensa política dos católicos

Se o uso da imprensa é habitual nos estudos sobre a Maçonaria, na análise do confronto clerical-maçônico torna-se em grande parte imprescindível porque foi justamente neste ambiente – ainda mais que nas instituições públicas – onde ocorreram as maiores controvérsias. A abundante historiografia existente sobre a antimaçonaria no âmbito eclesiástico, tem frequentado o que é definido nos textos como a imprensa católica. Vamos nos deter nesta questão porque, por vezes, a generalização no uso desta denominação, imprensa católica, encerra um profundo desconhecimento dela, sobretudo a partir do momento em que a Igreja acabou por assumi-la como instrumento de evangelização e avançou a propaganda do século XIX (até então, por ser o meio utilizado pela revolução e pelo liberalismo, tendia a desacreditá-la). O caso que vamos apresentar aqui é o espanhol, que conhecemos melhor e podemos falar com mais propriedade, mas pode ser facilmente assimilado com o que acontece além de nossas fronteiras, pois estamos falando de uma Igreja universal [10].

Na época percebemos o caráter oscilante que essa imprensa geralmente chamada de católica tinha em seus ataques à Maçonaria. Na primeira fase da Restauração Alfonsina (último quartel do século XIX) foi neste ambiente que se desenrolaram os confrontos mais viscerais em Espanha (fato que se reproduziria anos mais tarde, já na Segunda República e durante o regime franquista ); paradoxalmente, contrastava com o fato de que no final do século XIX, exceto em momentos específicos (os dois anos após a publicação da Humanum genus), a hierarquia eclesiástica espanhola mal figurava em sua correspondência como um assunto que o preocupava excessivamente [11]. Pelo contrário, na segunda fase da Restauração (primeiro quartel do século XX, até 1923) os ataques à Maçonaria nessa mesma imprensa diminuíram significativamente, ao ponto de ser difícil encontrar qualquer alusão a ela, sobretudo no final do período; seria no início dos anos 30, quando a situação se inverteu, quando a república voltou a ser proclamada. A princípio pensávamos que esta segunda situação se devia em grande parte ao fato de que, no alvorecer do século XX, os textos condenatórios de Roma diminuíram, talvez pela deterioração causada pelo caso Taxil e, sobretudo, porque no caso espanhol houve a paralisação geral das Lojas devido a um fenômeno conhecido (a crise do final do século da Maçonaria Espanhola, nos momentos anteriores ao Desastre de 1998) quando a grande maioria das Lojas bateram colunas. Certamente, a esses fatores poderíamos opor que, embora não houvesse novos textos condenatórios, todos os anteriores ainda estavam em vigor; com relação aos organismos, não era menos verdade que os irmãos não se exterminaram por magia, apesar da crise; e, finalmente, que foi uma fase em que se intensificaram as eclosões do anticlericalismo secularizante, atrás do qual talvez não estivessem as Lojas, mas aqueles que se identificavam com suas abordagens secularistas [12].

Procurando as razões, notamos o comportamento dessa imprensa dita católica, que não foi uma parte menor desse confronto – embora não seja a única – já que a maçônica era muito minoritária e a paramaçônica se confundia com a mais liberal, mais radical ou a republicano, que nem era muito abundante [13]. No que se refere ao último quartel do século XIX, verificamos que na realidade aquela imprensa, visceralmente antimaçónica, estava ligada às organizações políticas carlistas ou fundamentalistas (as duas organizações partidárias com as quais se identificava a maioria do catolicismo espanhol, muito em desacordo entre si), a quem pertencia à propriedade das prensas e que, sem dúvida, lutaram arduamente contra abordagens ideológicas ultramontanas e reacionárias (clericais, segundo alguns, como vimos) contra o, certamente, morno liberalismo espanhol que caracterizou a primeira fase da Restauração Alfonsina. Em sentido estrito, portanto, católico era um adjetivo que qualificava o substantivo: imprensa política daquelas organizações certamente reacionárias, confrontadas pessoalmente, em cuja ideologia figurava a defesa da religião e dos interesses da Igreja. Vale ressaltar que essa imprensa ultramontana, muito polêmica, também atacou tudo o que não gostou: contra a maioria do episcopado espanhol que estava em sintonia com os desígnios de Leão XIII e seu movimento católico, com a qual se pretendia mobilizar os fiéis leigos, fazendo-os participar da vida pública, ainda que em regime liberal; contra os mesmos católicos em geral que, usando sua liberdade e sem entrar em contradição com as abordagens doutrinárias da Igreja, favoreceram a participação no modelo político liberal espanhol claramente moderado, seguindo as diretrizes do Papa e dos bispos; e, por fim, relutavam em distribuir patentes liberais (e, portanto, maçons) a quem não se identificasse com seus postulados, atacando o liberalismo (Liberalismo é pecado diziam, usando o título da obra de Sarda e Salvany, caracteristicamente fundamentalista, publicado em 1884), ou para acusar à própria Rainha Regente, a quem Leão XIII havia concedido a Rosa de Ouro, de ter sido iniciada na Maçonaria.

Se aprofundarmos um pouco mais na polêmica orquestrada por esse tipo de imprensa, seu principal objetivo era atacar o liberalismo e impedir que os católicos espanhóis participassem do sistema liberal alfonsino (como afirmavam os prelados, aplicando o mal menor) usando o argumento de que o os liberais eram todos maçons e, portanto, inimigos da Igreja que os havia condenado. Este pano de fundo é o que está na base das virulentas e permanentes polêmicas jornalísticas antimaçônicas do último quartel do século XX, nuance que não costuma ser captada pelos investigadores e que, consequentemente, não se apercebem de que a imprensa utilizada em suas investigações não pode ser chamada de católica em sentido estrito, mas sim a imprensa política dos partidos católicos ultramontanos.

Uma última nota para esclarecer por que este confronto na imprensa se reduziu ao seu praticamente desaparecimento no primeiro quartel do século XX. Tem muito a ver com a irrupção no início do século de uma verdadeira imprensa católica que, em comparação com a anterior, não dependia de organizações políticas ultramontanas, mas do próprio episcopado. Será a maioria então. É um modelo de imprensa que não só defendia as posições da Igreja e nesse sentido tinha um censor eclesiástico (algo que os anteriores já conheciam) mas, para evitar polémicas como estas somadas a outras, assumiu a direção e até mesmo propriedade da editora. A condição católica desta imprensa é a substantiva, estando ao serviço do prelado e da Igreja, não de qualquer organização política, embora em seus ideais legítimos estivesse incluída a defesa dessas mesmas abordagens [14]. A partir dela, vinculada ao episcopado, não foi necessário usar a Maçonaria como uma arma lançada contra aqueles que tentaram participar do modelo liberal, porque foram os prelados que promoveram a iniciativa de defender assim a Igreja e suas abordagens doutrinárias dentro do sistema; e mesmo que a Maçonaria continuasse a recolher todas as condenações anteriores, esse argumento não foi utilizado, muito menos sua identificação com o liberalismo. O que viria a acontecer anos depois, já durante a Segunda República, quando a controvérsia clerical-maçônica voltou a se intensificar, explica-se pela grande mobilização daqueles setores católicos reacionários contra os mais propícios a participar do processo democrático [15]. 

Insistimos, então, que boa parte das obras que utilizam a imprensa nessa polêmica não atentam para essas nuances e, por isso, podem levar a confusão na hora de interpretar o que está acontecendo. A imprensa católica, ligada ao episcopado (ainda que exale um ultramontanismo sociopolítico) não é a imprensa política pertencente a organizações seculares cuja ideologia é a defesa dos princípios da Igreja a partir de uma posição ideológica claramente reacionária; esta é a imprensa política dos católicos, em um momento em que a Igreja – como apontamos acima – é clerical em termos de tomada de decisões. Como pudemos perceber, a forma de tratar os assuntos relacionados à Maçonaria em suas colunas certamente é diferente, embora no fundo compartilhem da mesma rejeição à referida instituição.

Recapitulação

Concluímos nosso trabalho em que analisamos como a questão antimaçônica relacionada à Igreja é abordada a partir das investigações que são realizadas a partir da maçonologia mais conhecida. Debruçamo-nos apenas sobre três questões estreitamente relacionadas (clericalismo, ultramontanismo, imprensa católica) onde descobrimos que a ausência de nuances, algumas importantes, produz desencontros interpretativos. A análise também poderia ser feita ao contrário, da eclesiologia à maçonaria, onde também se poderia apontar a falta de nuances e erros grosseiros; talvez um dia cheguemos a isso. Com isso tentamos ilustrar para que generalizações infelizes sejam evitadas e seja especificado da melhor maneira possível, para que um bom estudo não seja prejudicado por não saber qualificar rigorosamente os termos usados.

Neste sentido, creio que podemos distinguir melhor quando devemos usar rigorosamente o termo clericalismo: se nos referimos ao governo geral da Igreja; se estamos nos referindo a um grupo específico de sua estrutura piramidal e sua importância dependendo dos diferentes períodos; ou se o fizermos em referência a uma abordagem ideológica ultramontana. Neste último caso, deve-se levar em conta a heterogeneidade ideológica da Igreja em função dos tempos, o que nos permite explicar a existência do clero maçônico e que não seja tomado como comportamento estranho ou singular, nós o consideramos como um grupo rebelde ou, simplesmente, tomados por hereges; incluindo a nuance do catolicismo liberal pouco tratado, não devemos nos surpreender com a aposta ideológica de uma parte do clero pelo constitucionalismo e pelas liberdades nascidas dos processos revolucionários burgueses, “maçônicos” que diriam – seja essa condição verdadeira ou não – a interpretação eclesial tradicional ou ultramontana. E o mesmo se pode dizer da imprensa que às vezes qualificamos levianamente como católica e, embora seja verdade que em algum aspecto poderia ser, na realidade obedecia a uma certa abordagem ideológica geralmente nas mãos de políticos ultramontanos que eram os que se mostravam os mais beligerantes contra a Ordem, em parte para impedir que os católicos construíssem pontes com a nova realidade política social-liberal que se impunha. Em sentido estrito, esta imprensa não é católica, mas uma imprensa política dos católicos, muito abundante justamente nos tempos em que os leigos, por terem pouco papel nas decisões da Igreja, eram basicamente clericais.

Autor: José-Leonardo Ruiz Sánchez

Fonte: Revista REHMLAC, vol. 11, no. 1, maio-nov. 2019.

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Notas

[1] – Las reuniones celebradas periódicamente por el CEHME desde hace más de veinte años dan buena prueba del interés que tiene la controversia clericomasónica: el tema siempre tiene una sección destinada a analizar los enfrentamientos entre la Iglesia y el Estado. De la consulta del repertorio bibliográfico de la Masonería publicado José Antonio Ferrer Benimeli y Susana Cuartero Escobés, Bibliografía de la masonería(Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004), comprobaremos que en los dos tomos se repiten dos apartados (Diversos aspectos de la antimasoneríay Confrontación Iglesia-Masonería) con más de tres mil quinientos registros, casi el veinte por ciento de todos los trabajos allí referenciados. Centrándonos en el caso español, la mayoría de los estudios se concentran sobre la etapa inicial de la Restauración, seguida de la Segunda República, a cuyo número habría que añadir otros muchos trabajos que, al analizar la Masonería en España por distintas zonas geográficas, siempre terminan refiriendo los enfrentamientos habidos con la Iglesia local.

[2] – El tema desarrollado fue del Pueblo de Dios y los laicos. Humbert Jedin, “El Concilio Vaticano II”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin y Konrad Repgen (Barcelona: Herder, 1984), T. IX, 157-236. Robert Rouquette, El Concilio Vaticano II(Valencia: Edicep, 1978), 192 y 295-6. Al respecto, véase también el capítulo II de Lumen Gentium, Constitución Dogmática de la Iglesia, uno de los grandes documentos emanados del Concilio.

[3] – Ricardo Martínez Esquivel, “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”, en 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones, eds. Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón (Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017), 91-116.

[4] – Javier Alvarado Planas, Monarcas masones y otros príncipes de la acacia(Madrid: Editorial Dykinson, 2017), 371-544.

[5] – Ángel Luis Guisado Cuéllar, “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento” (Tesis de Doctorado en Filosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017).

[6] – Roger Aubert, “La primera fase del liberalismo católico”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin (Barcelona: Herder, 1978), T. VII.

[7] – Una visión muy completa de la situación de la Iglesia en América en los momentos previos a la emancipación en Joseph-Ignasi Saranyana, Teología en América Latina(Pamplona: Universidad de Navarra, 2008), en especial 88-93 y 137-148. Véase también Pedro Borges, Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas(Madrid: BAC, 1992) 168-172.

[8] – Pío VII, BreveEtsi longíssimo terrarum, 30 de enero de 1816.León XII,Etsi iam diu, Roma, 24 de septiembre de 1824; sobre el particular véase Luis Ernesto Ayala Benítez, La Iglesia y la independencia política de Centro América(Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007), 9 y 292-294. Marta Eugenia García Ugarte, “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”, en Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití, ed. Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez (Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005), 245-270. Sobre el episcopado mexicano véase también Francisco Sosa, El episcopado mexicano(México: Editorial Innovación, 1978).

[9] – Como es sabido los tratadistas pusieron hace tiempo de manifiesto la influencia que en las formulaciones doctrinales sobre el liberalismo y la Masonería tuvo la situación vivida por la Iglesia (en realidad por los Estados Pontificios) tras el proceso de unificación italiana, orquestada por un movimiento liberal en el que participaban los que estaban afiliados a la Masonería, y toda la deriva laicista y radical que vino después con el anticlericalismo.

[10] – Puede seguirse con bastante soltura lo ocurrido al respecto en la introducción que hacemos en nuestro trabajo José-Leonardo Ruiz Sánchez, Prensa y propaganda católica (1832-1965) (Sevilla: Universidad, 2002). En su interior se recoge abundante bibliografia.

[11] – Lo expusimos en nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”, en La masonería española en la época de Sagastacoord. Ferrer Benimeli (Logroño: CEHME, 2007), Tomo II, 1.129-1.155. Utilizamos en gran medida la correspondencia relacionada en el trabajo de Franco Díaz de Cerio, Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano (1875-1899) (Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993), aparte de la consulta expresa en el Archivo Secreto Vaticano.

[12] – Los estudios sobre la controversia clericomasónica relativa a estos momentos brilla por su ausencia en las reuniones del CEHME, hecho que no nos debe llevar concluir que es inexistente. La revitalización de los talleres a partir de las fechas indicadas puedeobservarse, por ejemplo, en todas las provincias andaluzas que cuentan con estudios sobre los talleres en el siglo XX. Véase al respecto, Fernando Martínez López y Leandro Álvarez Rey, La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo (Madrid: Biblioteca Nueva, 2017).

[13] – Sobre la prensa masónica y paramasónica, véase Celso Almunia, “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”, en La cuestión social en la Iglesia española contemporánea(Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981), 123-165. TambiénFerrer Benimeli, “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”, en La modernidad religiosa,coord. Jean-Pierre Bastian (México: Fondo de Cultura Económica, 2004), 111-123.

[14] – Ese aspecto lo podemos ver en un caso local como el que describimos en Ruiz Sánchez,“Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”, en La masonería y su persecución en España, coord. Juan Ortiz Villalba (Sevilla: Ayuntamiento, 2005), 41-64.

[15] – Al Respeto, véase nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”, Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.

Bibliografia

Almunia, Celso. “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”. En La cuestión social en la Iglesia española contemporánea. Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981.Alvarado Planas, Javier. Monarcas masones y otros príncipes dela acacia. Madrid: Editorial Dykinson, 2017.Aubert, Roger. “La primera fase del liberalismo católico”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin. Barcelona: Herder, 1978.Ayala Benítez, Luis Ernesto. La Iglesia y la independencia política de Centro América. Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007.Borges, Pedro. Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas. Madrid: BAC, 1992.Díaz de Cerio, Franco. Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano(1875-1899). Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993.Ferrer Benimeli, José Antonio y Susana Cuartero Escobés. Bibliografía de la masonería. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004.Ferrer Benimeli, José Antonio. “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”. En La modernidad religiosa. Coordinado porJean-Pierre Bastian. México: Fondo de Cultura Económica, 2004.García Ugarte, Marta Eugenia. “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”. En Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití. Editado por Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005. Guisado Cuéllar, Ángel Luis. “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento”. Tesis de Doctorado enFilosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017.Jedin, Humbert. “El Concilio Vaticano II”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin y Konrad Repgen. Barcelona, Herder, 1984.Martínez Esquivel, Ricardo. “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”. En 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones. Editado por Ricardo Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón. Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017.Martínez López, Fernando y Leandro Álvarez Rey. La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2017.Rouquette, Robert. El Concilio Vaticano II. Valencia: Edicep, 1978.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”. En La masonería española en la época de Sagasta. Coordinado por José Antonio Ferrer Benimeli. Logroño: CEHME, 2007.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”. En La masonería y su persecución en España. Coordinado por Juan Ortiz Villalba. Sevilla: Ayuntamiento, 2005.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”. Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. Prensa y propaganda católica (1832-1965). Sevilla: Universidad, 2002.Saranyana, Joseph-Ignasi. Teología en América Latina. Pamplona: Universidad de Navarra, 2008.Sosa, Francisco. El episcopado mexicano. México: Editorial Innovación, 1978.

Fraternidade maçônica

No mundo profano, talvez um dos mais conhecidos lemas atribuídos à Maçonaria é a tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Tal tríade restou conhecida pelo lema da Revolução Francesa: Liberté, Egalité e Fraternité.

O que pouca gente sabe é que tal tríptico não advém da Maçonaria à Revolução Francesa (talvez uma das maiores fake News que cerca o universo maçônico), mas exatamente o contrário. Como se sabe, a Revolução Francesa ocorreu no chamado “Século das Luzes”, dentro do movimento que passou a ser chamado de Iluminismo.

Grandes teóricos iluministas tiverem em seus estudos a base para a invocação de movimentos revolucionários. Aliás, tal lema consta inclusive de prédios públicos e da própria constituição da França.

Liberdade e Igualdade advêm puramente do movimento iluminista. Já a Fraternidade advém também de um preceito cristão, tanto que encampado pela Igreja Católica até os dias atuais e com forte trabalho sobre tal virtude por teóricos como Santo Agostinho (a Igreja reúne os homens em fraternidade, que os religiosos vivem a igualdade por não terem propriedades, que os fiéis “vivem na caridade, na santidade e na liberdade cristã”).

Pois bem, a própria maçonaria nasce no século das luzes e, como não poderia deixar de ser, é fortemente influenciada pelo movimento iluminista. Assim, boa parte das lojas maçônicas tomaram para si o tríptico da Revolução Francesa.

Contudo, merece especial atenção à maçonaria o lema “Fraternidade”, mas analisando-o a partir da Fraternidade Maçônica.

O termo “fráter” (irmão, em latim) faz parte do dia a dia das lojas maçônicas. No REAA é absolutamente invocado, sendo, inclusive, utilizado até na abertura das sessões maçônicas quando da leitura do Salmo 133 que invoca, especialmente, a convivência fraterna.

Não é demais dizer que a fraternidade é a base do pensamento maçônico, sendo ele invocado em várias situações quando, por exemplo, o amparo ao irmão necessitado e sua família, a caridade maçônica e em uma série de compromissos assumidos pelo maçom quando é iniciado.

Ocorre que, no mundo moderno, o termo “irmão”, utilizado exatamente para demonstrar a fraternidade parece ter seu uso relativizado. Não é incomum nos depararmos com situações de ativa beligerância entre irmãos, em total inobservância ao preceito de não usar um avental enquanto mantiver algum tipo de nódoa com outro irmão.

O termo acaba sendo desvalorizado. Muito comum se referir a maçom como “é um irmão nosso”, mas sem se atentar se realmente nutre sentimento fraterno pelo irmão e seus familiares.

Pior, com o individualismo crescente em nossa sociedade, intensificado pela grave pandemia do COVID-19, o amparo assistencial ao irmão necessitado parece estar senso extirpado das lojas maçônicas. E tal sentimento não se resume à amparo financeiro, mas também amparo emocional, muito necessário nos dias de hoje.

Ao que parece, o problema assola as lojas, que, não raramente, buscam mais se tornar em verdadeiros tribunais de julgamento de conduta de irmãos, do que amparar o irmão que esteja em dificuldade. Busca-se “cobrar” do irmão inadimplente sem, antes, buscar o amparo fraterno ao irmão em dificuldade. Fosse verdadeiro irmão assim o faríamos?

Não é incomum que irmãos manifestem sinais que precisam de ajuda. Contudo, muitos tentando evitar “assumir problemas de outro” preferem se omitir, até que o irmão se afaste ou seja afastado da vida maçônica. Contudo, repisa-se, seria este um verdadeiro comportamento fraterno?

Penso que talvez um dos maiores problemas da evasão maçônica seja exatamente a ausência de fraternidade. Os irmãos não mais se sentem amparados por sua loja! O pedido de “quite placet” de um irmão, hoje em dia, parece ser recebido mais com alívio do que com pesar.

São apenas divagações sobre tão importante tema, que jamais poderá ser exaurido neste breve trabalho.

E você, tem praticado a FRATERNIDADE?

Autor: Fernando Ramos Bernardes Dias

*Fernando é ex-Venerável Mestre da ARLS Renovação e Progresso, nº 250, do oriente de Patrocínio, jurisdicionada à GLMMG.

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O Medo e a Maçonaria

Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Eu enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu permanecerei.

Frank Herbert, Duna

Em nossa juventude, protestamos contra a injustiça do mundo. À medida que desenvolvemos nossas filosofias de vida, também desenvolvemos nossos medos. Em uma recente discussão em grupo sobre o simbolismo específico da Maçonaria, foi colocada a questão: como podemos nos livrar dos medos? O medo, disse uma pessoa, é o que impulsiona o comportamento negativo. Outro disse que o medo motiva todo o comportamento. Depois de muita discussão, nunca chegamos a uma conclusão sólida sobre como aliviar o medo.

O medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio e o ódio leva ao sofrimento.
Yoda , Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999).

O medo é o sentimento desagradável causado pela crença de que alguém ou algo é perigoso, ameaçador ou que pode causar dor. Esta definição está repleta de oportunidades para dissecação, para separar as peças que criam razões filosóficas para o medo.

Em primeiro lugar, é uma sensação desagradável, e os humanos odeiam sensações desagradáveis. Ninguém realmente quer se sentir mal e, no entanto, esse sentimento malicioso é construído sobre uma crença – não necessariamente baseado em fato ou razão. É simplesmente uma crença. Por definição, uma crença é uma fé ou confiança em algo”. Separados e colocados juntos, podemos dizer que o medo é um sentimento desagradável causado por uma confiança, fé ou garantia de que alguém ou algo está pronto para causar danos à nossa pessoa, nossos relacionamentos ou talvez nosso modo de vida e ideias.

Essa explicação não visa banalizar o medo ou certas manifestações importantes de medo, como o transtorno de estresse pós-traumático. Trata-se apenas de discutir medos comuns que a maioria de nós, se não todos, temos. Os medos são justificados? Alguns, sim. Alguns, talvez não. Em face do desastre imediato, o medo certamente está em ordem. Sigmund Freud disse, sobre medo real versus medo neurótico:

Você me entenderá imediatamente quando eu chamar esse medo de medo real, em oposição ao medo neurótico. O medo real parece bastante racional e compreensível para nós. Podemos testemunhar que é uma reação à percepção de um perigo externo, isto é, de um mal esperado e previsto. Está relacionado ao reflexo de fuga e pode ser considerado uma expressão do instinto de autopreservação. Assim, as ocasiões, ou seja, os objetos e situações que despertam medo, dependerão em grande parte de nosso conhecimento e de nosso sentimento de poder sobre o mundo externo…

Passemos agora ao medo neurótico, quais são as suas manifestações e condições…? Em primeiro lugar, encontramos um estado geral de ansiedade, um estado flutuante de medo, por assim dizer, que está pronto para se ligar a qualquer ideia adequada, para influenciar o julgamento, para criar expectativas, de fato, para aproveitar qualquer oportunidade para ser cheirado. Chamamos essa condição de “medo-expectativa” ou “expectativa ansiosa”. As pessoas que sofrem desse tipo de medo sempre profetizam a mais terrível de todas as possibilidades, interpretam cada coincidência como um mau presságio e atribuem um significado terrível a qualquer incerteza. Muitas pessoas que não podem ser chamadas de doentes mostram essa tendência de antecipar o desastre.

Simplificando, o medo é simplesmente a falta de um senso de poder sobre nosso próprio mundo, seja causado por um tornado iminente ou por sentimentos de inadequação. O que nos interessa aqui é o que Freud chamou de medos neuróticos. No entanto, a base de nossas reações, essa falta de controle, vem do mesmo processo de sobrevivência “lutar para fugir”. Ambos têm suas raízes no controle.

Uma vez me foi explicado que todos os vícios – preguiça, inveja, ganância, ganância, orgulho e luxúria – são todas as principais manifestações do medo.

“Para que nos reunimos aqui? ”.

“Para combater o despotismo, a ignorância, os preconceitos e os erros. Para glorificar a Verdade e a Justiça. Para promover o bem-estar da Pátria e da Humanidade, levantar Templos à Virtude e cavando masmorras ao Vício”

Aristóteles, em Ética a Nicômaco, fez afirmações semelhantes, explicando que virtudes e vícios eram um espectro e deficiências eram expressões dos extremos do espectro. Em muitos lugares, os cursos de psicologia ensinam como lidar com os medos das pessoas com algumas dessas mesmas técnicas, mas, novamente, ninguém realmente chega ao cerne do gerenciamento do medo. Então, sabemos o que pode ser o medo e como ele se manifesta, mas como realmente lidamos com ele?

Na minha juventude, li uma série de livros baseados na Psicologia. Esses ensinamentos eram reflexões canalizadas sobre a vida e o estilo de vida, como e por que as pessoas fazem o que fazem e as relações humanas em geral. Um aspecto que ficou comigo foi relacionado aos medos. Muitas pessoas têm uma atitude negativa dominante que precisam superar em suas vidas.

Alguns exemplos disso são:

  • autodepreciação;
  • autodestruição;
  • martírio;
  • teimosia;
  • ganância;
  • impaciência; e,
  • arrogância.

Muitos de nós passamos por tudo isso em algum momento de nossas vidas, mas, geralmente, nos limitamos a um (talvez dois) quando estamos cansados, deprimidos, sobrecarregados, distraídos ou simplesmente não estamos trabalhando no auge. Quando nossa sensação de conforto, nossa criança interior, é atacada ou se sente vulnerável, recorremos a essas atitudes que na verdade são expressões de medo.

Estes surgem desde a nossa infância e são colocados lá por nossas reações ao ambiente e experiências. Cada um desses bloqueios é baseado em um medo muito específico e pode ser superado, com esforço consciente. Essas são as atitudes negativas dominantes com seu espectro de manifestação, para retomar a ideia aristotélica de uma escala móvel de virtudes e vícios.

A autodepreciação é o medo de não ser bom o suficiente – manifesta-se como humildade (positiva) a auto humilhação (negativa).

A ganância é o medo de não ter o suficiente – manifesta-se como egoísmo | Desejo (positivo) para Voracidade | Gula (negativo).

A autodestruição é o medo de perder o controle – manifesta-se no auto sacrifício (positivo) até o suicídio | Imolação (negativo).

O martírio é o medo de não ser digno – manifesta-se no altruísmo (positivo) à mentalidade de vítima (negativa).

A teimosia é o medo da mudança, de novas situações – se manifesta na força de vontade | determinação (positiva) à teimosia (negativa).

A impaciência é o medo de perder ou perder oportunidades – manifesta-se como ousadia (positiva) à intolerância (negativa).

Arrogância é o medo de ser vulnerável – se manifesta como orgulho (positivo) à vaidade (negativo).

Como Sócrates, Aristóteles define o homem pela sua alma inteligente e, ao admitir que tudo tem uma finalidade, afirma que a finalidade do homem é a felicidade. Mas que felicidade seria essa? Podemos pensar a partir de um raciocínio bem simples: Qual é a felicidade de uma planta? Luz solar e água, por exemplo. Qual é a felicidade de um animal? Não sentir fome e poder viver em liberdade. E, por fim: Qual é a felicidade do homem? Desenvolver aquilo que tem de diferente em relação a todos os outros seres – a racionalidade. Para Aristóteles, a alma humana tem três partes: a alma vegetativa, com necessidades biológicas como as plantas; a alma sensitiva, com necessidades de sensações e movimento dos animais, e a alma intelectiva, com a necessidade de usar o pensamento. Se a alma tem três partes, então o homem tem de ser feliz nelas três, pois ninguém é feliz pela metade. Daí a importância do conhecimento e do raciocínio, responsáveis por evitar que haja exagero em qualquer uma das funções da alma. Em síntese, o critério de Aristóteles é o equilíbrio.

Neste quadro, estão as funções das partes da alma:

A felicidade completa do homem depende da realização de todas essas funções da alma. Mas, segundo uma ordem de importância, a alma intelectiva, ou seja, a inteligência, deve governar todas as funções. Além disso, como as pessoas vivem juntas, é função da alma treinar as virtudes, que são as boas práticas comuns do dia a dia. A palavra virtude (areté), para Aristóteles, significa “hábito que torna o homem bom”. Seguindo esse raciocínio, temos de treinar as virtudes, ou melhor, disciplinar nossos hábitos, para nos tornarmos bons. Podemos compreender isto como uma espécie de treinamento de virtudes a algumas regras de comportamento, por exemplo, lembrando que pessoas sem treinamento de boas maneiras, ao precisar demonstrá-las, acabam parecendo falsas, engraçadas ou até ridículas. Isso acontece, geralmente, em entrevistas de emprego ou na hora da paquera, quando o nervosismo e a falta de experiência podem criar situações constrangedoras. Do mesmo modo que não se pode fingir ter boas maneiras, não adianta querer parecer bom, pois isso depende do treinamento das virtudes, que acabam se incorporando à alma da pessoa. Para Aristóteles, então, a virtude, ou as práticas da busca da felicidade, têm de ser treinadas sempre para que não cometamos erros e prejudiquemos a nossa felicidade, que depende muito da nossa relação com as outras pessoas.

Observe no quadro abaixo os exemplos que demonstram o conceito de justa-medida ou equilíbrio de Aristóteles e reflita:

1→ No meu dia a dia eu costumo fazer escolhas virtuosas/equilibradas?

2→ Apropriando-se dos conceitos de Aristóteles posso dizer que sou capaz de cuidar da minha alma vegetativa, sensitiva e intelectiva?

Olhando mais de perto nosso próprio comportamento, pode ser mais fácil ver como uma reação a uma situação ou outra remonta a uma dessas atitudes negativas e ao medo por trás dela. Quando você deixa de se orgulhar de um trabalho bem-feito e passa a acreditar que o trabalho que fez é o melhor que já viu, pode haver algum medo. Essa linha que separa os dois extremos pode ser diferente para pessoas diferentes, e é claro que todos nós temos diferentes níveis de tolerância e habilidades para processar reações quando nos deparamos com o medo. Quando começamos a mergulhar além da superfície de nossa própria psique, a introspecção revela, talvez, essas atitudes negativas baseadas nas experiências da infância.

As crianças criam, com base em sua experiência ambiental e inclinações pessoais, visões de mundo distorcidas. Todos nós criamos essas distorções (grandes e pequenas) e elas acabam se tornando nossos mitos pessoais. Pense: “Sou feio”, “Sou estúpido” ou “Não vou comer hoje à noite”. Situações repetidas ou eventos traumáticos reforçam esse mito. Impulsionados por um medo profundo e por uma visão de mundo distorcida, a atitude negativa dominante emergente entra em ação em suas vidas, até mesmo na idade adulta.

A criança pensa, por exemplo: “Vou evitar que a vida sofra assumindo o controle da minha dor. Eu vou me machucar mais do que qualquer outra pessoa. A estratégia de sobrevivência escolhida pela criança envolve uma espécie de conflito, uma guerra contra si mesma, contra os outros ou contra a vida. É um padrão de comportamento defensivo que parece irracional por fora, mas que, do ponto de vista da criança, é perfeitamente racional. À medida que amadurecemos, devemos lidar com essas atitudes negativas dominantes ou elas comprometerão qualquer chance de autoaperfeiçoamento. Eles escondem nossa verdadeira natureza.

Quando alguém implica comigo ou com outras pessoas, acredito que o motivo seja sempre o medo. O medo não é a motivação para todas as atividades que fazemos. Sempre parece, no entanto, que o medo está no cerne de comportamentos verdadeiramente negativos e destrutivos. O ódio, a mentira e o fanatismo são reações e atitudes reais baseadas no medo. Ao lidar com essas reações no mundo, devemos ter em mente que o medo é o fator motivador e que, talvez, fazendo a pessoa se sentir segura, deixando-a expressar seus verdadeiros medos, a cura pode começar.

Em outro grupo de estudo, discutimos o medo e como usá-lo para desvendar a verdade. Fiquei então impressionado com o fato de que a Maçonaria nos oferecia oportunidades para confrontar nossos próprios medos e os dos outros. Seja falando na frente de um grupo, assumindo o trabalho ritual ou dirigindo o trabalho voluntário, a Maçonaria nos oferece uma chance de transformar continuamente os medos em ouro relacional, fornecendo os tipos de experiências que nos testam e nos forçam a enfrentar esses medos. Por que o maçom se importa com os medos? Há uma grande parte do mundo que opera em uma dieta constante de medo. A única maneira de encontrar um mundo melhor e uma humanidade melhor é elevar-se acima das coisas que nos levam a viver uma vida mundana, irracional e medíocre. Ao abordar e reconhecer quando as pessoas estão se movendo com medo, podemos acabar interrompendo o ciclo para elas e para nós mesmos.

Além disso, os maçons se esforçam para serem líderes. Liderança é aprender o que motiva as pessoas; aprendendo seus medos e ajudando-os a contorná-los, descobrimos talentos e habilidades esperando para serem descobertos. A liderança ilumina o que impede as pessoas de serem o melhor que podem ser. Abordar os medos é difícil, a menos que você crie um diálogo verdadeiro e honesto. A Maçonaria fornece um ambiente para expressar honestidade e ser apoiado.

Este diálogo honesto se estende a nós mesmos. Quais são os nossos medos? Qual é a nossa atitude negativa dominante e como isso afeta a mim, minha família e meus relacionamentos? Quais relacionamentos são saudáveis e positivos e quais não são?

Perguntar “por que” é um bom começo. Talvez, examinando as motivações dentro de nós que nos levam a ter relacionamentos dolorosos com os outros, possamos enfrentar nosso medo. Para fazer isso, devemos ser capazes de examinar ativamente nosso comportamento, avaliar o dano que estamos causando a nós mesmos e, como Paul Atreides da série Duna, olhar para dentro do caminho que ele percorreu e nos encontrar em seu caminho, e despertar.

Tente olhar naquele lugar onde você não ousa olhar! Você vai me encontrar lá, olhando para você! 

Paul-Muad’Dib à Reverenda Madre, de “Duna” de Frank Herbert

Aos Buscadores, onde quer que estejam sobre a face da terra.

Autor: Geovanne Pereira

Geovanne é Bacharel em Filosofia, Pós-graduado em Psicanálise, Pós-graduando em Neuropsicologia, Acadêmico em Psicologia, Psiconauta, Yogue, Facilitador voluntário de estados holotrópicos de consciência no Instituto de Desenvolvimento Humano Céu na Terra (@ceunaterra.autoconhecimento) e Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay, n°22 – GLMMG.

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Acredite: há vida inteligente na Maçonaria!

O debate sobre a probabilidade de existência de vida inteligente fora do planeta Terra é palpitante e povoa a mente de muita gente boa, em especial de pesquisadores e cientistas. Para os escritores e roteiristas de ficção científica, é um campo fértil.

No roçado da nossa política, a disputa entre as duas vertentes de maior destaque ainda inibe análises mais consistentes sobre alternativas que possam ensejar a descoberta de vida inteligente em outras agremiações não polarizadas, com propostas de mudanças que mereçam um olhar mais atento. Mas, isso é tema para as próximas eleições.

Na Maçonaria, a estratégia do distanciamento social adotado em decorrência da pandemia da Covid-19 abriu oportunidades para encontros por videoconferência, com a utilização das várias plataformas disponíveis, atenuando o impacto das restrições impostas a grande parte das atividades presenciais, que agora retomam a normalidade sob novas e promissoras perspectivas, inclusive com a incorporação do formato híbrido para reuniões de estudos.

Na experiência virtual, o ganho decorrente do compartilhamento de conhecimentos e informações promovidas pelos debates, palestras e comentários sobre as Instruções e outros temas correlatos é amplamente reconhecido na atualidade e abriu novas possibilidades de estreitamento dos laços de fraternidade e de pertencimento que representam a força da Maçonaria. Palestrantes e debatedores de peso se fizeram presentes e valorosos irmãos despontaram e vêm dando grande contribuição à democratização dos conhecimentos até então restritos a grupos esparsos de estudiosos. Um denominador comum em todos os eventos é o depoimento quase unânime: “aprendi mais nesses últimos três anos de maçonaria virtual[1] do que em toda a minha vida maçônica”.

É evidente que esse novo cenário permitiu, além da formação de uma banca de excelentes palestrantes, uma avaliação mais acurada dos variados perfis de debatedores/instrutores e formas de abordagem dos temas em discussão, permitindo comparar diferenças entre as ritualísticas adotadas pelas várias Lojas e Ritos, sem entrar no mérito dos arcanos da Ordem a serem preservados e respeitados os protocolos de cada Potência. Uma visão crítica sobre as formas de gestão das Lojas ganhou novos contornos no sentido de despertar nas novéis lideranças o desafio de acreditar no potencial da inteligência coletiva dos obreiros, já que ela não é restrita apenas a grupos “a caminho da extinção”, cujos membros ainda se apregoam os detentores da Verdade, donos da Oficina ou se consideram eternos nos respectivos cargos.  Não obstante a formalidade e competência dos irmãos na condução dos trabalhos nesses encontros virtuais, merece destaque o aguardado momento destinado às perguntas e comentários, o pinga fogo no ensejo de cada apresentação, com os palestrantes literalmente colocados contra a parede. Em decorrência da informalidade e descontração não permitidas em sessões ritualísticas presenciais, evidenciou-se um rico repertório de “causos” de irmãos mais audaciosos e profundos conhecedores dos meandros e bastidores da Arte Real, com habilidades e talentos para revelá-los em estilo dinâmico e descontraído, demonstrando que por trás da imagem de seriedade e sisudez que caracterizam os homens de terno preto há um vasto repertório de bom humor entranhado entre as colunas da sabedoria, da força e da beleza, que apenas aguarda o momento oportuno para acontecer. Como testemunhou um irmão em uma palestra recente:

“Lojas tristes, mal-humoradas e com clima de velório, onde visitantes não são recebidos com atenção e cordialidade e os obreiros entram mudos e saem calados, é para sacudir a poeira das sandálias e não mais retornar”.

Nos encontros virtuais, os melhores comentários ficam para o finalzinho, conhecido como “copo d’água”, quando não há eventual gravação e a quantidade de participantes diminui naturalmente, dado que um bom número se desliga assim que o palestrante termina sua apresentação. As observações mais contundentes ou sutilezas se constituem em valiosos pontos que merecem reflexão mais profunda. Os que permanecem até que o anfitrião feche a sala, comumente tachados de “fanáticos” pelos gozadores de plantão, não se acanham em proferir ressalvas quanto à leitura detalhada do currículo de alguns apresentadores, segundo os entendedores tão minuciosos que superam o tempo dedicado à apresentação em si. Mais revelações sensacionais colhidas seguem abaixo. Não interrompa a leitura aqui e descubra alguns segredinhos.

Há participantes que somente preenchem a lista de presenças e registram no “chat” pedido de cópia do trabalho e da gravação, se houver, para divulgação em sua Loja (será que divulgam?). Permanecem por alguns instantes e saem à francesa ou deixam a tela desligada para dedicarem-se a outros afazeres. Alguns mais geniais já chegaram a se vangloriar de terem assistido à duas ou mais palestras simultaneamente e terem feito perguntas em todas. Estes quando têm a oportunidade de se manifestar fazem outra palestra complementar e “se acham” ou desabafam, numa verdadeira “DR maçônica”. Há aqueles que somente aparecem quando presente(s) autoridade(s) de grosso calibre e pedem a palavra para tecer os mais rasgados elogios em exuberante ritual de deferência e bajulação. Não que não sejam merecidos, mas chegam a provocar constrangimentos em ouvidos mais sensíveis (“menos Batista, menos” – lembrando o personagem de Eliezer Motta).

Outros, mais irreverentes, comentam no “copo d’água” que determinados apresentadores devem pensar ou ter certeza de que os ouvintes são idiotas, pois não param de repetir velhos clichês de que “maçonaria não é religião”, ou de que “maçonaria não é cabala…não é alquimia…não é egípcia…não começou no Jardim do Éden”, e outras assertivas como: “não é permitido falar de política”, “não sejamos perjuros”, “Tiradentes não era maçom” etc., etc. e tal, como se isso fosse uma revelação em primeira mão e ninguém, exceto o próprio do alto de sua incomensurável sabedoria, soubesse disso. E daí as crucificações captadas nas entrelinhas, sempre com muito respeito, admiração e de forma bastante sutil: “quanta prolixidade”, “esse mano é meio guruzento”, “já estamos cansados de ouvir isso”, “é uma afronta à nossa inteligência”, “parece disco de vinil arranhado que sempre repete o mesmo ponto da gravação”, “esse(s) irmão(s) pensa(m) que não há vida inteligente na Maçonaria”, “pelo menos somos altruístas, tolerantes e bons ouvintes….mesmo assim valeu o aprendizado…..gratidão, gratidão, gratidão…”.

Quase ficava de fora: de vez em quando aparece um impatriota que nos faz lembrar certo complexo famoso definido pelo escritor e jornalista Nelson Rodrigues, afirmando que “maçonaria boa é a dos EUA ou da GLUI”. “Então, mude prá lá”, rebateu certa feita um destacado e querido irmão desprovido de estopim, mas sempre aplaudido pela sinceridade e bom coração. Desabafo chiquíssimo, já que o superlativo “chiquérrimo” ainda não foi recepcionado pela norma culta da língua portuguesa.

Evidentemente, permitimo-nos trazer essas observações colhidas nos debates, dizem “até fictícias”, com o devido respeito, imaginando que não terão maiores consequências, nem despertarão a ira de um irmão mais conservador ou daquele(s) que se reconheça(m) no perfil descrito. Ademais, se algum Maçom se deu ao trabalho de ler este texto até este parágrafo, rendemos-lhe nossos elogios e sinceros parabéns, pois, segundo dizem, apenas 10% dos que iniciaram a leitura chegaram até este ponto. É uma piada bem sem-graça de que Maçons não gostam de ler. Não concordamos! Essa reflexão constou de um artigo intitulado “O Bom Humor na Maçonaria”, publicado na extinta Revista Maçônica TRIÂNGULO, Ano II, Nº 5, de 23.03.2013, da GLMMG. Enfim, sem nos alongarmos, repercutindo a conclusão do citado artigo, e para não acelerar o processo de fadiga de material nesses novos tempos de reflexão “minuto”, fica um ensinamento da Organização Brahma Kumaris para aqueles que ainda veem o bom humor com certa desconfiança:

“A alegria reflete o frescor de tudo que é novo. Está sempre pronta para extrair o que há de bom em tudo, com a leveza de uma criança e a genialidade de um sábio. Não importa o que esteja acontecendo, sorria. O sorriso é a ponte que permite a aproximação dos corações ressentidos”.

O tempo que uma pessoa passa rindo é o tempo que ela passa com os deuses”. (Homero)

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.


Nota

[1] Vide Artigo Maçonaria Virtual – ameaça ou oportunidade?, em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2023/02/28/maconaria-virtual-ameaca-ou-oportunidade/

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A eventual promiscuidade entre Maçonaria e poderes, sejam eles políticos, ou outros…

Qualquer sociedade dos tempos modernos é sujeita, de forma clara ou não, à influência de grupos organizados, que intencionalmente ou não procuram influenciar “a trajetória” em função dos seus interesses. Se um desses grupos puder ter um nome e esse nome for uns dos tradicionalmente identificados como “de risco”, então está criada uma mistura delicada, até porque será certamente visada pela comunicação social.

Assumo que sou maçom… e faço-o com a duplicidade de quem se sente orgulhoso de o ser, e de quem sente que quer dar… unicamente dar, sem estar a pedir que lhe deem. Infelizmente, a nossa sociedade parece não conseguir visualizar uma coisa sem a outra… possivelmente é a isto que chamam a sociedade materialista, traduzida naquela “famosa” frase – ninguém dá nada a ninguém.

Toda a polêmica que ocorre periodicamente, relacionando políticos com maçons ou maçons com interesses obscuros e/ou ilegais, é um claro sinal dos tempos em que vivemos – perdemos valores, perdemos a nossa capacidade crítica, engolimos tudo os que nos impingem, mas preferimos centrar-nos em identificar culpados, de preferência “culpados de estimação” [grifo nosso] – aqueles que podem sempre ser os responsáveis, até porque estão tão ocupados em fazer bem, que não têm tempo para se defender.

… e nada vende mais jornais do que uma boa “conspiração” orquestrada por uma organização de quem se sabe quase tudo, mas de quem se ignora quase tudo. A Maçonaria é uma dessas organizações: somos discretos, não fazemos alarde do que fazemos de bem, toda a gente acredita que temos uns segredos, que não temos; em resumo – é para desconfiar…

Não pretendo afirmar que todos os maçons são “impolutos”. Por mais apertado que seja o nosso método de seleção, procurando identificar homens cuja prioridade seja crescerem e tornarem-se Homens, haverá sempre alguns erros de “Casting”… pessoas que usam o que for preciso para seu benefício pessoal.

Contudo, esta incapacidade de ler as pessoas na sua totalidade, identificando as suas reais intenções, não deve e não pode levar a confundir o trigo com o joio [grifo nosso]. Um maçom, que o é de verdade, procura melhorar, ajudar, dar a mão… contribuir para um homem melhor e para uma sociedade melhor.

Compete-nos assegurar que assim é, e compete-nos impedir que a Arte Real seja utilizada para projetos individuais ou coletivos que nada tenham a ver conosco e com os ideais que defendemos.

Autor: Antônio Jorge

Fonte: A Partir Pedra

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Maçonaria, religião e política no Brasil

Discute-se neste ensaio a relação entre Igreja Católica e Maçonaria. Para tanto, toma-se como objeto a chamada Questão Religiosa, quando houve um embate entre as duas instituições, ocorrido no final do século XIX. Utiliza-se como fontes documentos produzidos pela Igreja Católica e por maçons. Ademais, faz-se o uso de bibliografia acerca do tema produzida por historiadores.

O recente debate eleitoral trouxe à tona a relação entre alguns candidatos e a Maçonaria, ressaltando-se o caráter supostamente antirreligioso dos maçons. Os comentários acerca do assunto, de diferentes origens e de conteúdos diversos, expressam um certo preconceito em relação aos maçons (BERGAMO, 2022). Os exageros e preconceitos são variados e, ainda que eventualmente possam ter algum elemento de verdade, expressam um conjunto de ideias equivocadas atribuídas à Maçonaria, em grande medida produzidas nos últimos séculos pela Igreja Católica. Desde o século XVIII são difundidas narrativas antimaçônicas, procurando desqualificar a Ordem, “relacionando sua origem e seus objetivos com tudo o que há de mais obscuro e contrastante com os valores morais, principalmente, no que se refere àqueles advindas da cultura cristã” (MOREL; SOUZA, 2008, p. 35).

Um dos acontecimentos de maior repercussão na história da Maçonaria no Brasil foi a chamada “Questão Religiosa”, cujo auge ocorreu nos anos 1872 e 1873, quando o padre José Luís de Almeida Martins, que era maçom, foi suspenso pelo bispo do Rio de Janeiro por ter participado como orador de uma festa comemorativa da promulgação da Lei do Ventre Livre organizada pelo Grande Oriente do Brasil (GOB). Em seu discurso, o padre “enalteceu a Maçonaria e o Grande Oriente do Brasil, pela obra realizada em prol da emancipação dos escravos no Brasil” (CASTELLANI, 2001, p. 107). O ato de suspensão do padre Martins contribuiu “para mobilizar toda a organização maçônica que, através do Parlamento e da imprensa, desencadeou uma verdadeira luta contra os adversários da liberdade de pensamento” (BARATA, 1999, p. 93).

O embate entre Igreja e Maçonaria envolveu inclusive o governo imperial, que, no auge da crise, ordenou a prisão dos bispos de Olinda, dom Vital Maria Oliveira, e do Pará, dom Antônio Macedo da Costa, pelo fato de exigirem “que as irmandades religiosas expulsassem os maçons de seus quadros e, como algumas destas se recusaram a tal medida, foram interditadas pelos bispos” (MOREL & SOUZA, 2008, p. 159). Como resposta, as irmandades apelaram ao governo imperial, que acatou o recurso. Os bispos se negaram a reconhecer a supremacia do poder secular do governo e, “diante da atitude dos bispos, expediu-se o mandado de prisão. D. Vital foi preso em janeiro e D. Macedo, em abril de 1874” (BARATA, 1999, p. 94). Os bispos, submetidos a julgamento, “foram condenados a quatro anos de prisão com trabalho forçado”, mas “no ano seguinte foram anistiados pelo Gabinete presidido por Caxias” (BARATA, 1999, p. 94).

Nessa disputa, a Igreja e a Maçonaria mobilizaram templos, escolas, clubes literários e até mesmo festas públicas, buscando sobrepor-se ao adversário. Em meio a esses embates, observa-se que “o número de padres maçons foi diminuindo gradativamente, a ponto de tornar-se aberração aos olhos da sociedade aquele que ousasse combinar a batina católica e o aventa de pedreiro-livre” (MOREL; SOUZA, 2008, p. 157). Os maçons entendiam que, quanto mais templos fossem fundados, mais conseguiriam “defender-se e contra-atacar a Igreja, fazendo seus discursos penetrarem no corpo social e na vida cotidiana” (MOREL; SOUZA, 2008, p. 160). Paralelo a isso, a Igreja intensificou o discurso que associava os maçons ao satanismo ou a imagens negativas. Nesse processo, “a luta maçônica contra o conservadorismo católico acabou por ganhar a simpatia dos segmentos liberais da sociedade, o que atraiu muitos desses homens para a iniciação” (MOREL & SOUZA, 2008, p. 160).

Esses embates se inserem num processo conhecido como romanização pelo qual passou a Igreja, nos séculos XIX e XX, constituindo-se em ações reformadoras de bispos, padres e congregações religiosas com objetivo de moldar o catolicismo conforme o modelo romano. No Brasil, nesse processo de “europeização” do catolicismo, “os sacramentos, a moralidade e a autoridade clerical suplantaram como principal eixo da vida da Igreja os rituais e organizações autônomos e de base laica” (SERBIN, 2008, p. 79). Para Kenneth Serbin (2008, p. 81), a romanização seria “modernização conservadora” do catolicismo, afinal,

ao mesmo tempo que representou a reação contra a modernidade foi também seu produto e sua promotora. Assim como socialismo e o nacionalismo, o catolicismo procurou construir novas formas de comunidade em face da destruição dos laços tradicionais pelo capitalismo internacional. No processo, o papado, acentuadamente fortalecido, procurou criar a unidade da comunidade católica no mundo todo.

A romanização, iniciada no pontificado de Pio IX (1846-1878), não é exclusiva ao catolicismo no Brasil, inserindo-se “num processo mais amplo de transformação do aparelho religioso católico em escala mundial” (OLIVEIRA, 1985, p. 292). Esse processo esteve marcado, entre outras coisas, pelo combate a “sociedades clandestinas que conspiravam contra a Igreja” (BENIMELI, 2013, p. 95). No pontificado de Pio IX levou-se a cabo uma política que condenava “o racionalismo, o socialismo, o comunismo, a Maçonaria, a separação entre a Igreja e o estado, o liberalismo, o programa e a civilização” (BARATA, 1999, p. 103).

Em palestra proferida em 1916, Everardo Dias analisou o Syllabus Errorum, promulgado em 1864 por Pio IX, que, entre outras coisas, afirmava que “os fiéis devem odiar os livres-pensadores, filósofos, naturalistas, racionalistas, revolucionários e reformistas”, que “estão possuídos do demônio e serão castigados com penas eternas os invasores e usurpadores dos direitos e das propriedades da Igreja”, que “são abortos do Inferno o Socialismo, o Comunismo, as sociedade secretas e bíblicas e as associações católico-liberais” e que, no caso “de oposição entre as leis das duas potências, civil e católica, deve prevalecer o direito eclesiástico” (DIAS, 1921, p. 72-3).

Everardo Dias discutiu o tema da relação entre igreja e Maçonaria em conferência realizada em uma loja maçônica em 1908. Dias (1921, p. 17) afirma que “a Maçonaria respeita todas as religiões e, no entanto, combate todos os fanatismos”. Segundo Everardo Dias, “o Maçom tem por fim essencial combater o fanatismo, o erro e a ignorância” (DIAS, 1921, p. 18). Para Dias (1921, p. 22), “o Catolicismo não aceita a igualdade nem entre os próprios sectários, nem neste nem no outro mundo (…) onde há lugares separados para os grandes e pequenos”, sendo que “para averiguar a diferença entre pequenos e grandes não é o grau de fé que regula, mas as posições sociais e a maior ou menor quantidade de esmolas para as confrarias”. Segundo Everardo Dias (1921, p. 23), o Catolicismo “ama a discórdia entre os povos, desde que lhe advenha proveito. Acima dos interesses sociais está o interesse da cúria ou do papa!”. Referindo-se ao enfrentamento entre os maçons e o clero, afirma:

A Maçonaria, que é o mais formidável adversário das tiranias, dos fanatismos, das intrujices, tem, forçosamente, que dar combate franco e decisivo ao Clericalismo que a insulta e difama desde os púlpitos das igrejas, pelos confessionários, pelos jornais, pelos livros e até na banca das escolas (DIAS, 1921, p. 24).

O papado de Leão XIII (1878-1903) deu seguimento às ações de Pio IX, em um “contexto marcado pelo fim dos Estados pontifícios e da Campanha pela Unificação Italiana, o que agravava ainda mais a situação da Maçonaria, que era identificada como uma das causadoras da usurpação dos Estados pontifícios” (BARATA, 1999, p. 104). Em 1884, na encíclica Humanum genus, Leão XIII constata que “a seita dos mações fez progressos incríveis. Empregando simultaneamente a audácia e a astúcia, invadiu ela todas as categorias da hierarquia social, e começa a assumir, no seio dos Estados modernos, um poder que equivale quase à soberania” (LEÃO XIII, 1955, p. 6). O documento associa a Maçonaria à “corrente naturalista”, pois esta defende que “em todas as coisas a natureza ou a razão devem ser soberanas”, fazendo pouco caso “dos deveres para com Deus” (LEÃO XIII, 1955, p. 10). Leão XIII afirma que aos maçons, “pela palavra, pela pena, pelo ensino, é permitido atacar os próprios fundamentos da religião católica” (LEÃO XIII, 1955, p. 11). No cenário político, o papa constata que os católicos estariam lidando

[…] com um inimigo astuto e fecundo em argumentos. Ele prima em fazer cócegas agradavelmente nos ouvidos dos príncipes e dos povos; tem sabido prender uns e outros pela doçura de suas máximas e pelo engodo das suas lisonjas (LEÃO XIII, 1955, p. 21).

Leão XIII parece estar se preparando para uma cruzada, associando a atuação da Maçonaria inclusive ao processo de revoluções ocorridas na Europa. Os críticos da ordem estabelecida, da qual fariam parte tanto socialistas como a Maçonaria e mesmo outros setores da sociedade, afirmariam que “foi a Igreja, foram os soberanos que sempre fizeram obstáculo a que as massas fossem arrancadas a uma servidão injusta, e libertadas da miséria” (LEÃO XIII, 1955, p. 21-2). Leão XIII defendia a necessidade de “fazer desaparecer o contágio impuro do veneno que circula nas veias da sociedade e a infeta toda”, promovendo “a glória de Deus e a salvação do próximo” (LEÃO XIII, 1955, p. 23).

Não havia no interior da Maçonaria uma forma única de encarar a Questão Religiosa ou mesmo a relação com a Igreja. Pode-se afirmar que esse conflito entre Igreja Católica e maçonaria “foi historicamente datado, não representava um antagonismo eterno. Não havia até então, apesar da animosidade do Vaticano e de setores eclesiásticos, incompatibilidade entre catolicismo e maçonaria no Brasil” (MOREL; SOUZA, 2008, p. 155). José Maria da Silva Paranhos, mais conhecido como Visconde do Rio Branco, Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, afirmava haver uma especificidade da Maçonaria brasileira em relação aos seus congêneres europeus. Segundo ele, “se as lojas maçônicas europeias interferiam excessivamente nos aspectos ligados à religião e à política dos Estados, as lojas brasileiras se ocupavam precipuamente do aperfeiçoamento moral e intelectual do homem e de atos beneficentes” (BARATA 1999, p. 96-97). Essa concepção, que destacava o caráter apolítico e beneficente da Maçonaria, fortalecia as posições regalistas, que se estruturavam a partir da noção de subordinação da Igreja ao Estado. Essas posições se chocavam com os setores liberais da Maçonaria, liderados por Saldanha Marinho, para quem “a liberdade de consciência era incompatível com o regime de união entre Igreja e Estado” (BARATA 1999, p. 99).

Portanto, considerando o ocorrido na chamada Questão Religiosa, percebe-se que muitos dos elementos de crítica à Maçonaria por parte da Igreja permanecem na contemporaneidade. Contudo, como se percebe, são questões episódicas, considerando que, a despeito de não se associar a nenhuma religião diretamente, a Maçonaria, em teoria, não proíbe crenças dentro de suas lojas. Nas últimas décadas, ao desvelar o véu de mistério da Maçonaria, muitos pesquisadores acadêmicos foram capazes de mostrar a ordem como uma organização atuante política e socialmente no meio em que está inserida (SILVA, 2015). Esses elementos mostram a importância de se olhar os fenômenos sociais livre de preconceitos, procurando superar as representações quase ficcionais construídas nos dois últimos séculos, olhando os fenômenos em sua concretude e contradições.

Autor: Michel Goulart da Silva

Michel Goulart é técnico em assuntos educacionais do Instituto Federal Catarinense (IFC). Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail para contato: michelgsilva@yahoo.com.br

Fonte: SILVA, M. G. da . MAÇONARIA, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 12, n. 36, p. 14–18, 2022. DOI: 10.5281/zenodo.7482446. Disponível em: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/772. Acesso em: 7 mar. 2023.

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Referências

BARATA, A. M. Luzes e sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910). Campinas: Editora da Unicamp, 1999.

BENIMELI, J. F. La masonería. Madrid: Alianza, 2013.

BERGAMO, M. “Maçonaria repudia ‘produção imbecil’ de ‘informações falsas’ depois de vídeo de Bolsonaro”. Folha de São Paulo [2022]. Disponível em: <www.folha.uol.com.br>. Acesso em: 23/09/2022.

CASTELLANI, J. Ação secreta da maçonaria na política mundial. São Paulo: Editora Landmark, 2001.

DIAS, E. Semeando: palestras e conferências. Rio de Janeiro: Oficina Gráfica da Escola Profissional Maçônica José Bonifácio, 1921.

LEÃO XIII. Sobra a Maçonaria. Petrópolis: Editora Vozes, 1955.

MOREL, M.; SOUZA, F. J. O. O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008.

OLIVEIRA, P. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

SERBIN, K. P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja católica no Brasil. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2008.

SILVA, M. G. Entre a foice e o compasso: imprensa, socialismo e Maçonaria na trajetória de Everardo Dias na primeira república (Tese de Doutorado em História). Florianópolis: UFSC, 2016.

SILVA, M. G. “Maçonaria e anticlericalismo no jornal O Livre Pensador”. Revista de Estudios Historicos de la Masonería Latinoamericana y Caribeña, n. 12, 2019. SILVA, M. G. Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.

A Moderna Maçonaria e o ChatGPT

A Maçonaria é uma organização filosófica e fraterna que surgiu na Europa durante o século XVII. Desde então, tem evoluído e se expandido para o mundo inteiro, tornando-se uma das instituições mais influentes e controversas da história. Embora muitos aspectos da Maçonaria sejam envolvidos em mistérios e especulações, a verdade é que ela tem uma longa tradição de valores e princípios que ainda são relevantes e influentes na sociedade moderna.

A Maçonaria moderna é uma continuação da tradição que foi estabelecida há séculos. Como organização filosófica, a Maçonaria acredita na importância da razão, da tolerância, da ética e da moral. Além disso, ela promove a fraternidade, a camaradagem e a solidariedade entre seus membros. Isso é alcançado através de cerimônias simbólicas, estudos e discussões sobre questões filosóficas e éticas, bem como através de atividades sociais e de caridade.

A Maçonaria moderna tem um papel ativo na sociedade, participando de projetos e iniciativas que visam ajudar a comunidade. Alguns exemplos incluem campanhas de arrecadação de fundos para instituições de caridade, apoio a escolas e bibliotecas públicas, e a promoção de projetos de desenvolvimento comunitário. Além disso, a Maçonaria tem sido uma defensora dos direitos humanos, da igualdade e da justiça social, trabalhando para combater a discriminação e promover a inclusão.

A Maçonaria moderna também tem evoluído para se adaptar aos desafios da sociedade atual. Isso inclui a abertura de suas fileiras para mulheres, a diversificação de seus membros e a integração de tecnologia em suas atividades. Além disso, a Maçonaria tem trabalhado para clarificar sua imagem pública, promovendo transparência e abertura em suas atividades e respondendo a questões sobre seus valores e princípios.

Em resumo, a Maçonaria moderna é uma organização vibrante e influente que continua a promover valores importantes, como a razão, a ética e a fraternidade. Embora ainda envolva muitos aspectos que são cercados de mistério, a verdade é que a Maçonaria tem um papel ativo na sociedade.

Finalizando, todo o texto acima foi produzido por inteligência artificial e não por este escriba, obra do ChatGPT[1], o mais moderno experimento lançado pela empresa OpenAI, de São Francisco, que veio para revolucionar todas as áreas. Portanto, a pergunta que não quer calar é: como identificar, doravante, as pranchas de estudos elaboradas para fins de aumento de salário e correlatos? Divirtam-se!

Autor (do último parágrafo :o): Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.


Nota

[1] Acessar e abrir conta pelo endereço: chat.OpenAI.com

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Maçons esperando Godot

Na obra do dramaturgo irlandês Samuel Beckett de 1949, Esperando Godot, dois personagens maltrapilhos (Vladimir e Estragon) aguardam a iminente chegada de um terceiro, constantemente adiada e que nunca se concretiza ou se descobre quem é realmente. Enquanto esperam e para superar a monotonia, preenchem o tempo com uma ritualística de conversas despretensiosas e sem sentido para muitos. Nos diálogos, numa espécie de autoexílio inconsciente e de alienação, os personagens esquecem tudo, desde as suas próprias identidades até o que aconteceu no dia anterior. A modalidade se enquadra no Teatro do Absurdo, que expõe conflitos, a incoerência e a ignorância dos seus personagens em contexto bastante expressivo e presente nas atuais “bolhas sociais” que nos iludem e aprisionam.

De plano e para não deixar margem a especulações maledicentes, a introdução acima tem apenas o condão de provocar a imaginação conspirativa e despertar o espírito crítico em face de uma permanente expectativa de que a Ordem Maçônica tome alguma providência em função dos sempre alegados últimos e gravosos acontecimentos, desde que não resvale para discussão política e nos coloque em posição desconfortável.

Refrescando a memória, tema recorrente entre os maçons é a interdição para discussão de temas ligados à religião e política que deve ser observada quando reunidos os irmãos, considerando-se que “a inobservância destes preceitos tem sido e será sempre funesta à prosperidade das Lojas”, conforme profetizado na Constituição de Anderson, manuscrito que veio a ser “A Constituição do Franco-Maçons” aprovada pela Grande Loja da Londres e Westminster em 1723, que comemora 300 anos e merece as mais efusivas homenagens pelo seu valor eminentemente histórico. Referido documento não é mais utilizado pela GLUI, desde longa data.

Á época, outro personagem importante foi Desaguliers, abade e professor, que ajudara o amigo Anderson na redação daquele documento. Era membro da Royal Society, iniciado na Loja da Taverna “O Ganso e a Grelha” ou Loja São Paulo em 1709, e articulara no dia de São João Batista, em 1717, a reunião naquele local das quatro Lojas metropolitanas que implantou o sistema obediencial, reconhecido como marco histórico da divisão entre a antiga e a moderna maçonaria, oportunidade em que elegeram um Grão-mestre entre eles “até terem a honra de um irmão nobre assumir a liderança[1]”.

Esse tão sonhado patrocínio da nobreza no comando materializou-se a partir de 1721, na figura do duque de Montague, que sucedera a George Payne[2]. Como ato inicial, o duque ordenou que Desaguliers e Anderson “revisassem, organizassem e compilassem as constituições góticas, os antigos encargos e os regulamentos gerais”, cujo trabalho foi apresentado em 27 de dezembro de 1721. Após a revisão por uma comissão de catorze irmãos eruditos, foi aprovada no dia 25 de março de 1722, em reunião da Grande Loja reunida na Taverna Chafariz. O livro impresso apareceu para uso das Lojas em janeiro de 1723 (PRESTON, 2017).

Com o afluxo de homens de todos os credos conhecidos e de todas as condições sociais compartilhando o mesmo recinto das Lojas, numa época em que a disputa sectária estava sempre rondando as atividades sociais, políticas e econômicas, a proibição de discussões políticas ou religião visava à preservação da paz, da harmonia e da boa ordem. O temor era de que golpes fossem arquitetados contra governos, ameaçando o poder hereditário da monarquia. Isso, de fato, ocorreu alhures.

Como refletimos no artigo “Maçonaria e Política – Uma visão crítica na pandemia”[NB], divulgado em 04.11.2020, no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”, “a Maçonaria, como instituição, não pode continuar na velha toada de que não deve envolver-se diretamente em temas políticos e nas grandes decisões de interesse do Brasil, candidamente delegando aos maçons que o façam individualmente, pois um regramento de 1723, editado em outro momento histórico, impede ações mais decisivas em pleno século XXI. Somente caprichar na retórica e bradar que alguém tem que tomar uma providência é muito confortável”.

O pragmatismo atual, ao que parece, tem levado à divulgação de moções ou manifestos em cada episódio crítico, preferencialmente prestando solidariedade aos detentores do poder da hora, ou mesmo passando o pano, sem consensos ou respaldo no sentimento dominante na Ordem, atendendo ou mesmo superando expectativas de deixar todos bem na fita. Uma bateria de alegria! O gesto de Pilatos continua sendo mimetizado, referendando a condenação do Mestre dos Mestres. Este, a bem da verdade, caso fosse proposto para admissão em uma de nossas respeitáveis Lojas, não passaria sequer da rigorosa fase de sindicância em face da sua condição social e dos seguidores que curtiam e compartilhavam de sua companhia.

Esse comodismo dos obreiros e o obsequioso silêncio político da Maçonaria do Brasil precisam ser quebrados e as resistências vencidas. Repetindo a questão de sempre: sabemos ou não dialogar? Acreditamos na missão de combater a tirania, a ignorância….glorificar o Direito, a Justiça e a Verdade…? Nos grupos de WhatsApp, quando o assunto aparece é logo abortado e os recalcitrantes duramente criticados, lacrados ou excluídos a bem da harmonia entre os irmãos. Em Loja, nem pensar! Ressalte-se que exclusão por postagem de notícia falsa ou opinião ofensiva é plenamente justificável por caracterizar-se crime na legislação vigente.

Entretanto, pelo que se comenta a boca pequena e sem provas, apenas refestelar-se nos ágapes, cultuar vestimentas, distintivos e títulos pomposos que compõem a síndrome de um alegado poder já se mostra suficiente e massageia egos inflados. Maçom raiz não se limita à vida contemplativa, a virtudes estéreis ou se orienta por valores anacrônicos, mas trabalha e produz. O Avental é o símbolo do seu dignificante vestuário de trabalho.

No artigo acima mencionado, alguns argumentos básicos foram sopesados. Enquanto isso, o mundo lá fora pegando fogo e a gente, por ora, apenas esperando que o Grande Arquiteto do Universo nos oriente e ilumine e que grupos continuem concentrados no seu campo, alguns bem-intencionados, outros sem escapatória e à mercê das forças dominantes, clamando por uma Justiça equânime, que enxergue por igual à direita e à esquerda.  

Conselho de um amigo macaco velho e pai-d’égua: “seja um mané gente boa e folgazão, e mesmo achando-se livre e de bons costumes, não ouse tocar na temática de política e religião, senão o bicho pega e o seu sossego acaba. Melhor ser feliz do que ter razão!”.

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.


Notas

[1] PRESTON, William. Esclarecimentos sobre a Maçonaria. Rio de Janeiro: Arcanun, 2017 p. 184.

[2] A maioria dos Grão-Mestres da GLUI não eram maçons e foram escolhidos pelo título nobiliárquico que detinham. Na criação do Grande Oriente da França em 1773, o Duque de Chartres, Louis Philippe Joseph d’Orleans, não maçom, foi proclamado Grão-Mestre e recebeu o Grau de Mestre. No Brasil Império é sempre louvada a carreira meteórica do irmão Guatimozim. Prerrogativas dessa natureza foram referendadas nos 25 Landmarks de Mackey, na década de 1850, ainda adotados por algumas Potências em conjunto com a Constituição de Anderson.

Nota do Blog

Clique AQUI para ler o artigo Maçonaria e Política – Uma visão crítica na pandemia.

Referências

PRESTON, William. Esclarecimentos sobre a Maçonaria. Rio de Janeiro: Arcanun, 2017;

https://resenhaliterariaecia.wordpress.com/2019/10/15/o-absurdo-do-teatro-de-samuel-beckett-em-esperando-godot-e-fim-de-partida/, acessado em 14.01.2023;

https://bibliot3ca.com/historia-da-maconaria-francesa-no-final-do-seculo-xviii/, acessado em 14.01.2023.

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A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte VIII

2.3 – A composição dos quadros e o início da abertura (1825-1828)

A composição dos quadros da Vigilância da Pátria pode ser compreendida dividindo os irmãos em dois grupos, aqueles que se filiaram à loja e já eram iniciados em outras localidades anteriormente e o grupo daqueles que foram iniciados na própria Vigilância. Essa divisão, apesar de aparentar um simples agrupamento entre antigos e novos maçons, traz em seu cerne uma divisão não apenas geracional, mas apresenta também em alguma medida as mudanças e, ao mesmo tempo, as continuidades de mentalidades no interior da fraternidade.

Como visto anteriormente, os primeiros quadros da loja eram compostos por maçons já iniciados em algum momento e que por isso, apenas se filiaram à loja. Uma vez iniciado, um maçom não necessariamente permanece vinculado a sua loja de origem, podendo migrar de loja por diversos motivos, tais como mudanças de endereço, de rito, para a fundação de outra loja, por disputas internas ou qualquer outra questão, podendo permanecer vinculado a alguma outra loja por meio de alguma distinção, como a de membro honorário253. No caso dos membros instaladores da Vigilância, não havia naquele momento outra loja de vinculação em funcionamento no país e assim os seus fundadores não possuíam vínculos com outras lojas ou mesmo as suas de origem.

Entretanto, não há nas atas da Vigilância nenhuma indicação dos locais de iniciação de seus fundadores, o que em um primeiro momento nos impede de localizar as tradições e ritos nos quais estes maçons foram iniciados254. Mas, quando analisamos o grupo instalador da loja, podemos fazer uma distinção entre aqueles que por formação profissional passaram pelas universidades europeias, como a faculdade de Direito em Coimbra, e aqueles cuja formação se deu no território brasileiro. Assim, àquele primeiro grupo pertencem Nicolau Vergueiro, Antonio Pedro da Costa Ferreira, Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto, José Lino Coutinho, Antonio José do Amaral e Candido José de Araújo Vianna255. Os demais membros fundadores têm seu local de formação, e provavelmente de iniciação no próprio Brasil. Formado majoritariamente por militares e comerciantes, além de funcionários públicos e fazendeiros, este segundo grupo tem suas atividades profissionais de formação no Exército ou na Academia Militar, atividades de comércio, e no caso de Paula Souza era um autodidata256.

Embora exista uma distinção de locais de formação do quadro original, esta não é uma garantia acerca dos locais de iniciação destes homens. A própria ausência destes dados nas atas demonstra que esta é uma questão de menor preocupação, todos estes homens se afirmavam como maçons, e eram reconhecidos como tal pelos demais membros da loja.

No primeiro ano de existência da Vigilância todos os filiados à loja eram maçons já iniciados anteriormente. A ausência de novas iniciações entre 1825 e junho de 1826 não aparenta ser uma escolha deliberada dos membros da loja, mas uma imposição das circunstâncias da construção da própria oficina, uma vez que os debates das reuniões se voltaram para as formas de organização da loja, a questão dos grupos de rodízio e demais condições de proteção dos trabalhos. Por estas razões todas, os primeiros maçons filiados neste período eram todos já iniciados em fases anteriores, sempre convidados por algum membro da loja e aprovado pelos demais por meio de consulta.

Além dos locais de formação dos membros da loja, é possível compreender a distribuição dos quadros entre alguns grupos específicos. Militares, comerciantes, deputados, fazendeiros (políticos ou não), editores de jornais, clérigos, funcionários públicos, profissionais liberais e letrados em geral. Essa composição aparentemente heterodoxa de perfis profissionais e de formação dos membros da Vigilância pode ser compreendida não apenas pela unidade da loja, mas muito por serem o típico perfil dos maçons brasileiros desde as primeiras lojas iniciadas no país.

O primeiro grupo ampliado dentro da Vigilância da Pátria é constituído pelos militares. Parte significativa dos primeiros maçons filiados à Vigilância advinham dos quadros da Academia Militar, fossem eles professores ou oficiais de menor patente. Como três dos fundadores, Vieira Souto, José do Amaral e Joaquim de Lima e Silva que eram frequentadores da Academia (os dois primeiros como professores e o terceiro como oficial graduado), assim não é de todo estranho a rápida adesão destes militares à oficina. Além disso, existiam outros militares que compunham os quadros originais e não estavam ligados à academia militar, mas sim ao comando de tropas de terra, como João e Luiz Manoel de Lima e Silva, irmãos do primeiro vigilante e responsáveis pelas tropas no extremo sul, principalmente durante a Guerra da Cisplatina.

Nas atas entre 1825 e 1828 são listados trinta e sete militares, das mais variadas patentes. Se no primeiro ano de existência da loja localizamos sobretudo militares de alta e média patente, muitos comandantes de tropas próximas ao Rio de Janeiro como os irmãos Lima e Silva, ou professores da Academia Militar, ao longo dos anos não apenas oficiais de outras patentes foram integrados, como oficiais recém-saídos da própria academia257. Entretanto, nas atas poucos militares têm seus nomes registrados por completo, sendo esta uma das categorias, que em conjunto aos comerciantes, tiveram uma identificação mais restrita, por mais que houvesse a descrição das patentes destes militares, sobretudo capitães e tenentes, as iniciais destes muitas vezes se repetem em mais de duas pessoas entre as listas de militares.

Os militares compuseram uma força especial dentro dos quadros da Vigilância, pois suas possibilidades de deslocamento dentro do território facilitava a circulação de informações e avisos entre os círculos das províncias junto ao círculo central. Fossem andadores nomeados para o local ou eventuais, os militares da loja representavam a principal força de circulação da fraternidade, sendo os dois principais andadores militares. Pinto Coelho da Cunha, coronel, e Vieira Souto, capitão em 1825 e elevado a major em 1827, centralizaram as ações dos andadores e foram responsáveis pela indicação de vários militares. Além disso, é importante destacar que um dos círculos da cidade do Rio de Janeiro, aquele chefiado por Antonio José do Amaral, se reunia frequentemente dentro do prédio da Academia Militar258.

Assim como os militares, os comerciantes, alguns profissionais liberais e os funcionários públicos compõem outras categorias dentro da Vigilância da Pátria que representam grandes dificuldades no mapeamento de seus membros. Ainda que parte dos fundadores da loja fossem pertencentes a estas classes sociais, a grande maioria está identificada apenas por suas iniciais, sem constar qualquer informação sobre que tipo de comércio ou a localidade destes, principalmente nos grupos do Rio de Janeiro.

Sendo esta provavelmente a categoria social mais vulnerável, conjuntamente aos recém-formados da Academia Militar. A identificação dos irmãos comerciantes nas atas representava um risco grande, já que em caso do confisco das atas, estes seriam “os primeiros de nossos irmãos a serem presos pelas autoridades, acusados de qualquer descalabro que imaginarem os membros da intendência e deste governo, de forma que é dever de todo irmão desta loja a proteção de suas identidades”259.

Esta afirmação de Lima e Silva, no primeiro ano de funcionamento da loja, reforça a preocupação com a proteção dos irmãos politicamente mais desprotegidos, e também demonstra que os receios sobre a fiscalização e possíveis prisões dos membros da loja encontravam eco no passado recente, nos processos da Bonifácia e nos acontecimentos da Confederação do Equador.

Proteger as identidades de vários dos irmãos era uma necessidade tendo em vista um risco não desprezível ou longínquo, mas uma possibilidade real aos membros da Vigilância, daí a proteção dos membros da loja, assim como a escolha de apenas um livro de atas contendo os registros de atividades sob a tutela de um único secretário, que possivelmente seria o membro menos visado pela Intendência, já que era oficial de tal instituição260.

Entre os profissionais liberais e funcionários públicos, os membros identificados compõem mais da metade destas categorias, uma vez que gozavam de prestígio e proteção maiores que os comerciantes. Entre os profissionais liberais, as maiores distribuições de formação estão entre médicos, advogados e professores, alguns destes ligados à Academia Militar, como o caso de Joaquim José Rodrigues Torres, lente substituto de geometria na Academia. Estes profissionais, ainda que em sua admissão à loja não exercessem cargos políticos, como é o caso de Rodrigues Torres e outros, posteriormente seriam eleitos para diversos cargos261.

Dentre os irmãos listados, chama a atenção os casos de Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto e Vicente Ferreira dos Guimarães Peixoto, sendo o primeiro filho de um dos mais notórios maçons de 1822 e o segundo o fundador da loja Seis de Março em 1821.

Muniz Barreto é um dos membros fundadores da Vigilância, em 1825 recém-chegado de Portugal, onde se formou em direito em Coimbra. Iniciado em Coimbra durante seu período de estudos, embora não conste o nome de sua loja de iniciação, era filho de Domingos Alves Muniz Barreto, o “vovô maçom”, membro do Oriente de 1822. O seu caso desperta atenção, já que muito possivelmente este seria um membro visado por sua história familiar, ainda que essa preocupação não conste nas atas. O próprio Domingos aparece na sessão de 25 de outubro de 1827 identificado como visitante do círculo de Salvador, o que levantou debate entre os círculos da corte sobre a possibilidade de que maçons notórios, que tinham sua filiação à Vigilância proibidos em 1825 pudessem ou não frequentar reuniões de círculos fora do Rio de Janeiro, possibilidade esta que foi vetada naquela sessão262.

Mas, se Muniz Barreto era filho de um maçom notório, o que não impactava em sua filiação, uma vez que a restrição era apenas a seu pai, o caso de Guimarães Peixoto também é singular, uma vez que este figurava entre os fundadores da Seis de Março, loja bastante atuante em Pernambuco durante a Confederação, como visto no capítulo anterior. Entretanto, Peixoto não estaria em Recife durante os acontecimentos de 1824, posto que, segundo Mário Melo, teria sido preso em 1821 por ter liderado a conspiração e atentado contra o governador português Luiz do Rego, sendo enviado para Lisboa, onde foi inocentado em 1822. Entretanto, Guimarães Peixoto teria retornado para o Rio de Janeiro, o que pode explicar a ausência de seu nome entre os restritos de filiação263.

Entre os funcionários públicos, aquele que recebe maior destaque nas atas é Epifânio José Maria Pedroso, 2º vigilante do círculo principal e exercendo a mesma função no “círculo jovem” da loja. Epifânio era oficial da Secretaria dos Negócios do Império, cargo que herdou do pai. Letrado, tradutor, é dele a maior parte das indicações de leitura aos membros da loja, muitas das quais foram traduzidas por ele e disponibilizadas aos membros por empréstimo, sempre a serem retiradas nas tipografias do jornal Astrea ou do jornal Aurora Fluminense, cujos editores pertenciam à Vigilância264.

Outros membros que eram funcionários públicos carecem dos problemas de anonimato nas atas, sendo estes grupos composto majoritariamente por estes anônimos ou não identificados em sua totalidade. Eles eram responsáveis pela manutenção dos trabalhos da loja durante o período de recesso parlamentar, quando os políticos retornavam às suas províncias. A manutenção das práticas de ocultar os nomes completos destes quadros gera uma dupla dinâmica dentro da loja, em que ao mesmo tempo em que apontam para os riscos das atividades da Vigilância no Rio de Janeiro, representam as dinâmicas plurais da loja, assim como a importância de tais “ilustres anônimos” na manutenção dos trabalhos da loja no Rio de Janeiro durante o período de recesso parlamentar, assim como dos trabalhos dos círculos locais durante o período legislativo.

A mais notória das categorias de membros da Vigilância da Pátria é sem dúvidas a dos deputados e demais políticos eleitos em diversos momentos da década de 1820. Ainda que nem todos os deputados de oposição ao governo pedrino tenham se filiado à loja ao longo dos anos, chama atenção o número de deputados filiados. Tal presença não é uma exclusividade da Vigilância, como visto no capítulo anterior, mas uma constante na história da própria maçonaria, lugar privilegiado de articulação e circulação de pessoas e ideias. Além disso, a Vigilância representava um local privilegiado ao escapar de qualquer influência ou controle dos grupos mais próximos ao governo.

Entre os fundadores da Vigilância encontramos ex-deputados da Assembleia Constituinte (e mesmo das Cortes de Lisboa), além de deputados eleitos em suas províncias para a Legislatura que se iniciava em 1826. Destes deputados, Nicolau Vergueiro, venerável da loja, é aquele que passou por todas estas representações, sendo indicado na lista tríplice ao Senado por São Paulo, mas não sendo escolhido.

Constam como membros da Vigilância da Pátria entre os anos de 1825 e 1826, entre instaladores da loja ou filiados a ela, os deputados da primeira legislatura João Candido de Deus e Silva (Pará); João Braulio Muniz (Maranhão); Pedro de Araújo Lima, Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti e Albuquerque, Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, Caetano Maria Lopes Gama, Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque (Pernambuco); José Lino Coutinho, José Cardoso Pereira de Mello, Francisco Agostinho Gomes, João Ricardo da Costa Dormund (Bahia); Manoel José de Souza França, José da Cruz Ferreira, Luiz Pereira da Nobrega de Souza Coutinho (Rio de Janeiro); Candido José de Araújo Vianna, José Carlos Pereira de Almeida Torres, Manoel Rodrigues da Costa, Joaquim José Lopes Mendes Ribeiro, José de Rezende Costa, José Bento Leite Ferreira de Mello, José Custódio Dias, Custódio José Dias (Minas Gerais); Raymundo José da Cunha Mattos (Goiás); Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, José Ricardo da Costa Aguiar, José Arouche de Toledo Rendou, Francisco de Paula Souza e Mello, Diogo Antonio Feijó (São Paulo); José Joaquim Machado de Oliveira, Feliciano Nunes Pires, Francisco Xavier Ferreira (Rio Grande do Sul); Don Lucas José Obes e Don Francisco Llambi (Cisplatina).

Este primeiro grupo de deputados filiados à Vigilância, todos eles iniciados anteriormente em algum local não especificado, não formavam um bloco monolítico na Câmara, ainda que possam ser majoritariamente compreendidos como membros da oposição antipedrista, assim como não apresentaram projetos de forma sempre conjunta. Ainda que as atas não registrem discussões políticas no interior da loja, uma vez que esta não é uma prática das atas de sessão na maçonaria, não é de todo impossível acreditar que estas discussões acontecessem entre os irmãos, em espaços anteriores ou posteriores à sessão, não apenas pela composição dos membros da loja, mas sobretudo por ser a fraternidade um espaço importante de construção de sociabilidades entre homens muitas vezes de espaços e atuações distintas. Da mesma forma que em outras lojas maçônicas em décadas anteriores, a Vigilância congregou experiências políticas importantes, ainda que a política formal não fosse o fim da loja ou mesmo de seus fundadores.

Dado tal caráter de congregação de múltiplos projetos, assim como de experiências políticas, não é estranho observar a ampliação significativa de membros da loja eleitos em anos posteriores, sobretudo nas eleições de 1828, para os mais diversos cargos políticos. Esta ampliação de membros da Vigilância eleitos é observada em diversas localidades, seja nos conselhos de província, câmaras municipais ou mesmo para juízes de paz, sendo significativa a eleição para a segunda legislatura da Câmara dos Deputados, onde a presença de maçons, sobretudo anti-pedristas é ampliada. Se em 1826 os membros da Vigilância eram 34 deputados, portanto, mais de um terço dos representantes eleitos para a legislatura, na 2ª legislatura o número de maçons eleitos cresce significativamente, chegando a 54 deputados, sendo estes mais da metade da Câmara.

Para além dos deputados de 1826, reeleitos, foram eleitos para a segunda legislatura da Câmara Antonio Pedro da Costa Ferreira (Maranhão); José Martiniano de Alencar (Ceará); Ernesto Ferreira França, Luiz Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Francisco de Paula de Almeida e Albuquerque, Francisco de Carvalho Paes de Andrade (Pernambuco); Antonio Ferreira França, Manoel Alves Branco, Miguel Calmon du Pin e Almeida, José Carlos Pereira de Almeida Torres, Antonio Pereira Rebouças, José da Costa Carvalho, Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto (Bahia); Antonio José do Amaral, José Joaquim Vieira Souto (Rio de Janeiro); Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, José Cesário de Miranda Ribeiro, Antonio Pinto Chichorro da Gama, Honório Hermeto Carneiro Leão, Evaristo Ferreira da Veiga, João Antonio de Lemos (Minas Gerais); Rafael Tobias de Aguiar, Antonio Paes de Barros (São Paulo). Além deles, outros maçons tomariam posse como suplentes ao longo da legislatura, como Manoel de Carvalho Paes de Andrade (Pernambuco) e José Feliciano Pinto Coelho da Cunha (Minas Gerias).

O grande número de deputados, mas sobretudo a distribuição destes pelas províncias acompanha a própria expansão dos círculos da Vigilância da Pátria, alargando significativamente o número de maçons vinculados à loja, o que acabou por resultar também na presença de seus membros no legislativo. Se os deputados de 1826 eram filiados à loja, entre os deputados eleitos em 1828 constam filiados, em sua maioria, mas também alguns dos primeiros iniciados na loja, como Ernesto Ferreira França e Honório Hermeto Carneiro Leão, membros dos corpos mais jovens da Vigilância265.

O último grupo de destaque entre os membros da Vigilância da Pátria era composto pelos editores dos principais jornais do Brasil no período. Este é talvez o grupo mais peculiar entre os membros da loja, uma vez que estes editores podem ser majoritariamente encontrados como sendo membros de outros grupos já elencados, exercendo outras ocupações profissionais.

Os dois principais jornais da cidade do Rio de Janeiro, possuíam como editores membros de destaque da loja. A Ástrea, editado por Antonio José do Amaral e José Joaquim Vieira Souto, e A Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, figuram não apenas como os principais jornais de oposição na corte, mas também como referencial para outros jornais nas províncias.

Além da linha editorial, a tipografia da Ástrea era também um ponto de encontro importante para os membros da Vigilância, utilizado pelo andador Vieira Souto, além de local de empréstimo dos livros fornecidos por Epifânio Pedroso. A redação da Ástrea funcionava para os membros da loja como local de encontro político e vinculação de ideias no jornal266. A Aurora Fluminense, por sua vez, funcionou como ponto de encontro sobretudo do círculo mais jovem da Vigilância, do qual Evaristo era membro267.

Entre os membros da Vigilância havia, ademais, editores de muitos dos jornais de oposição em outras províncias, sobretudo São Paulo e Minas, onde editores como José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz (O Pharol Paulistano), Antonio Joaquim Pereira de Magalhães (Astro de Minas), além de outros membros da loja atuando como contribuidores desses jornais de oposição, fornecendo artigos ou publicações para jornais e panfletos. Os jornais provinciais, de menor duração ou alcance que aqueles do Rio de Janeiro, muitas vezes replicavam partes de artigos do Ástrea ou do Aurora, numa rede de circulação de ideias.

Os membros da Vigilância compunham, portanto, uma espécie de padrão típico das filiações de maçons brasileiros de períodos anteriores, ainda que o ineditismo da Vigilância em concentrar a maior parte dos maçons identificados no Brasil do período e sua prerrogativa em filiar à loja apenas maçons não vinculados à antiga potência fluminense, assim como podemos encontrar uma espécie de padrão político entre seus membros, os quais partilham de um incômodo com o governo pedrino ou uma atuação de clara oposição ao mesmo.

No discurso inaugural da loja proferido por Vergueiro, este reforçava uma espécie de missão para a loja como “vigilantes da pátria, para construir a nação”268. Conforme as atas da loja, esta não se constituiu como um espaço de formulações políticas em específico, mas representava um espaço de circulação de pessoas e ideias, o que não significa que estivessem ausentes articulações políticas para eleições ou atuações na Câmara e na imprensa. A própria composição da loja permitia essas articulações, visto que não apenas a constituía um espaço comum, esta não seria uma experiência inédita, como visto no capítulo anterior sobre a atuação das primeiras lojas brasileiras.

Em suma, a Vigilância era um espaço de construção de sociabilidades e experiências comuns a um grupo que partilhava de ideias comuns, ampliadas pelas particularidades da própria vinculação maçônica e de suas redes de amizade e relações sociais, ao mesmo tempo em que se valiam da própria rede de apoio e proteção fornecidas pela irmandade. Estas redes de apoio, que foram fundamentais para a existência da loja ao longo dos anos, se tornaram ainda mais importantes a partir de 1828, quando a mudança da situação política permitiu também a lenta estabilização da Vigilância e o princípio do processo de saída da clandestinidade.

O início das transformações cotidianas

O ano de 1828 marcou, antes de tudo, o início de grandes transformações dentro da Vigilância da Pátria. A loja, que durante os anos anteriores seguiu rigorosas regras para o funcionamento de suas sessões, experimentou durante este ano duas realidades quase distintas se compararmos o início e o fim desse mesmo ano. Nos primeiros meses, os membros da Vigilância, sobretudo aqueles pertencentes ao círculo principal, passaram pela fase de maior pressão por parte da Intendência Geral de Polícia, o que obrigou o círculo a levar suas reuniões majoritariamente para cidades diferentes, como visto anteriormente neste capítulo, o que contribuiu para um espalhamento de reuniões pela província do Rio de Janeiro.

Ao mesmo tempo em que as pressões da Intendência se fizeram maiores entre os membros da loja, outro grave problema acompanhou o primeiro semestre daquele ano, a “grave enfermidade” que acometeu Nicolau Vergueiro entre os meses de maio e julho, quando as notícias veiculadas pelo Ástrea e pelo Aurora afirmaram que o deputado esteve em estado grave, ainda que nenhum dos jornais, e nem mesmo as atas da Vigilância, jamais tenham detalhado a doença que o acometeu269.

A combinação destes dois fatores afetaram profundamente o cotidiano da loja, pois não apenas mudanças de locais, dias e horários de reunião se fizeram mais presentes, como a ameaça da morte do venerável da loja significaram uma mudança nas posturas das principais lideranças, como também resultaram numa maior liberdade de atuação dos círculos, uma vez que o crescente de dificuldades de organização das sessões acabaram por permitir maior autonomia aos segundos vigilantes dos círculos, a quem competiam as responsabilidades sobre alterações das sessões270.

Esta crescente autonomia dos segundos vigilantes propondo mudanças em datas e horários de reuniões sem mais necessitar da autorização prévia do venerável ou do primeiro vigilante, não apenas indica uma crescente transformação na organização da Vigilância da Pátria, mas também um certo grau de instabilidade da formatação tradicional existente até então na loja, cujo centro era a figura de Nicolau Vergueiro. O afastamento do venerável desde o final do ano de 1827 e sua ausência em grande parte das reuniões do ano de 1828 acabaram por reformular esse centro da própria loja, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro, onde a maior parte dos membros da Vigilância acabavam por passar.

Dado o afastamento de Vergueiro do cotidiano da loja, ainda que ele tenha se mantido informado sobre os assuntos da fraternidade, outras lideranças acabaram por assumir a centralidade da loja, o que não apenas significou uma maior pluralidade de centros, visto que o primeiro vigilante foi favorável a maior autonomia das decisões por parte dos círculos, mesmo que esta autonomia não fosse sinônimo de liberdade plena dos círculos em vista das ações da polícia.

A partir de 1828, os círculos passaram a seguir um rodízio mais livre de irmãos por grupo. Se nos anos anteriores a presença de membros de outros círculos só era permitida em casos excepcionais, em 1828 membros de outros círculos foram permitidos a frequentar um círculo distinto do seu grupo de origem, seja por convite ou trocando de círculo. Esta permissão, concedida a partir de julho de 1828 acabou por proporcionar um rearranjo dos grupos de reunião, resultando no agrupamento de membros por círculo mais próximos em termos de profissão ou posicionamento político.

Assim, a partir deste ano os quatro círculos da cidade do Rio de Janeiro acabaram por assumir um perfil mais específico. O primeiro círculo, o chamado principal, era comandado por Joaquim de Lima e Silva, concentrou em seus rodízios os membros fundadores e deputados, seguindo o rodízio em três grupos como no esquema original. A este círculo, o maior de todos, passaram a serem admitidos como visitantes não apenas maçons de passagem pela cidade e membros de círculos provinciais, como também membros de outros círculos da cidade e que exercessem algum papel de liderança dentro deste.

O segundo círculo, comandado por Antonio José do Amaral, acabou por concentrar os militares (de qualquer patente) filiados à loja, sobretudo aqueles ligados à Academia Militar, onde muitas vezes o círculo se reuniu. Ainda que anteriormente já contasse com uma presença significativa de militares e profissionais liberais, o círculo de José do Amaral a partir desse momento acabou por se constituir majoritariamente de militares e professores da própria academia, sendo o círculo mais “fechado” dentre todos.

O terceiro círculo, chefiado por Manoel de Souza França acabou por se tornar uma fusão do antigo círculo chefiado pelo deputado e pelo capitão Custódio José Dias. A este círculo, além de deputados, pertenciam principalmente os comerciantes, funcionários públicos e demais professionais liberais, sendo este, junto ao círculo principal, o círculo mais plural em termos de origens profissionais da Vigilância.

O último círculo da cidade permaneceu sendo chefiado por Epifânio Pedroso e acabou não apenas por concentrar os membros mais jovens da loja, como também acabou por se tornar uma espécie de concentração dos ditos mais “radicais” em termos políticos, o que sempre despertou mais atenção do círculo principal. O grupo de Epifânio, além de colecionar reprimendas sobre a conduta de seus membros nas atas, era também o círculo mais visitado pelos demais, visto que suas reuniões eram “por vezes muito mais interessantes e seu grupo deveras dinâmico em suas condutas, ainda que profundamente ciosos de suas obrigações maçônicas” 271.

Esta conformação dos círculos, de maneira muito mais estável em termos de funcionamento, só se torna de fato possível a partir do final de agosto de 1828, quando não apenas as diligências da Intendência parecem ter diminuído272, o que permite um respiro maior às atividades dos irmãos, como também o círculo principal entende que a experiência de estabilidades dos círculos da cidade acabaram por conformar formulações e dinâmicas próprias a cada um deles, fornecendo não apenas maior adesão entre os irmãos de cada um dos círculos, como também acabaram por fornecer identidade a cada um deles, os aproximando em termos de cotidiano às práticas tradicionais de uma loja maçônica própria.

Em conjunto às transformações internas da loja, as mudanças no ambiente político do país também ecoaram nos interiores dos círculos, sobretudo pelas eleições gerais daquele ano. As eleições de 1828 podem ser facilmente identificadas como o maior processo eleitoral brasileiro do século XIX, dado o número de pessoas eleitas para os mais diferentes cargos pelo país, uma vez que não apenas elegeram-se os deputados para a segunda legislatura a ser iniciada em 1830, mas também para algumas cadeiras no Senado, além de câmaras municipais, juízes de paz e conselhos provinciais.

O primeiro impactado por estas eleições é o próprio Nicolau Vergueiro, eleito senador pela província de Minas Gerais. Vergueiro, que já havia constado na primeira lista para o Senado em 1825 pela província de São Paulo, acabou sendo escolhido em lista tríplice em maio de 1828, tomando posse em junho do mesmo ano, sendo o primeiro dos opositores de Pedro I a tomar acento na câmara alta, o que foi celebrado pelos membros da Vigilância como força de Vergueiro e da própria oposição.

A segunda eleição a impactar diretamente nos cotidianos da Vigilância envolveu as escolhas para juízes de paz, sobretudo nas freguesias da cidade do Rio de Janeiro, em especial a do Santíssimo Sacramento. Uma vez que o major da guarda desta freguesia era o andador da corte, José Joaquim Vieira Souto, a eleição de um juiz de paz ligado à loja era essencial para a proteção dos irmãos. A eleição de Saturnino de Souza e Oliveira, tenente coronel do mesmo batalhão para o cargo é fundamental para os anos subsequentes da loja, pois ao contar com a proteção do juiz de paz da freguesia e do chefe da guarda, os círculos da Vigilância na cidade do Rio de Janeiro passam, a partir de 1828, a fixar seus locais de reunião na mencionada freguesia, o que viria a acelerar o processo de estabilização das atividades maçônicas na corte.

Se as eleições de juízes de paz e do Senado tiveram impacto direto na vida da loja, as demais eleições do mesmo ano foram responsáveis por aumentar a presença de membros da Vigilância nas muitas instâncias políticas pelo país, sobretudo na ampliação do número de deputados eleitos ligados à fraternidade. Como visto anteriormente, o número de deputados filiados à Vigilância da Pátria para a segunda legislatura, eleita em 1828 e iniciada em 1830, era significativamente superior ao número de deputados da legislatura de 1826.

Além disso, os deputados de 1826 ainda que filiados à loja entre junho de 1825 e abril de 1826, foram eleitos em sua ampla maioria antes da fundação da loja, o que implica em uma identificação maçônica posterior ao processo eleitoral. Diferente desta primeira legislatura, os deputados eleitos em 1828 já eram membros da loja, filiados ou mesmo iniciados nesta, o que torna a identificação de um elemento a mais no processo de eleição destes parlamentares. As atas da loja não informam sobre alguma atuação direta dos membros da loja para as eleições, ainda que na ata de 14 de agosto de 1828 Nicolau Vergueiro tenha saudado os deputados eleitos presentes na sessão da loja e estendendo seus cumprimentos aos demais, exortando os respectivos deputados a continuarem o trabalho dos irmãos da primeira legislatura e se prepararem para “a missão que se impõem aos trabalhos do parlamento para o fortalecimento do país”.

Portanto, ainda que os membros da Vigilância não tenham elaborado uma “campanha” para as eleições, há uma presença significativa nas listas de eleitos para os muitos cargos políticos, numa confluência entre perfis de eleitos e membros da loja, uma vez que tais perfis possam ser entendidos como uma formação comum de uma elite política no país.

O fim do ano de 1828, ou ao menos em outubro do mesmo ano, data em que se encerra o livro de atas da Vigilância, podemos observar o início de uma mudança de cenário político no país e no próprio comportamento da loja273.

Além das eleições do ano de 1828, também é significativo uma mudança do cenário político do país com o encerramento da Guerra da Cisplatina, representando um golpe para o governo pedrino. A perda da província e o reconhecimento do Uruguai como país independente, além da morte da imperatriz Leopoldina, contribuíram para o agravamento da crise política, que passou a ser questionado de forma mais dura pelos opositores, sobretudo pelo grupo ligado ao senador Vergueiro, que embora transferido de casa legislativa, permaneceu como um articulador político entre os opositores.

Por fim, o ano de 1828 é o início do processo de estabilização e publicização das atividades maçônicas na cidade do Rio de Janeiro. Se no princípio do ano foi importante para a estabilização do perfil dos círculos da Vigilância, que passaram a se organizar de forma mais semelhante às lojas tradicionais da maçonaria, a eleição do meio do ano, sobretudo a dos juízes de paz, contribuíram para que os círculos deixassem paulatinamente um modelo de loja volante, sem localidade fixa, e adotassem um modelo mais estável de locais de reunião, graças ao funcionamento de uma rede de proteção destes círculos na Freguesia do Santíssimo Sacramento274.

Esta freguesia, a mais populosa da cidade, como vimos elegeu um juiz de paz militar ligado à Vigilância, que numa combinação de fatores com o comando da guarda da freguesia por um outro membro da loja, acabou por criar um ambiente favorável para as atividades dos irmãos, uma vez que as denúncias sobre as ações maçônicas seriam ignoradas pelo juiz ou ações mais efetivas de repressão para flagrantes ou fechamentos de reuniões275.

Assim, esse ano pode ser compreendido como um ponto de virada dos trabalhos da Vigilância da Pátria. Entre sua fundação em junho de 1825 até a metade de 1828, a Vigilância seguiu uma organização restritiva em suas reuniões, elaborando, com base nas tradições maçônicas de várias localidades, uma formatação muito particular para o funcionamento das reuniões da loja, ampliando significativamente seus quadros ao longo deste período. A partir da metade de 1828, com as mudanças na situação política nacional e no próprio entendimento da loja sobre sua organização, a Vigilância da Pátria passou por mudanças paulatinas, até que a situação política de 1829 acabou por dar uma nova forma aos trabalhos maçônicos, iniciando uma nova fase para a fraternidade, originando as bases da organização da maçonaria brasileira das décadas posteriores.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

253 Sobre as vinculações dos maçons em suas lojas de iniciação ou filiação ver JONES, op. cit., pp. 262- 265.

254 Não há indicação do secretário sobre esta omissão é proposital ou não, mas não há nenhuma indicação dos locais originais de iniciação de qualquer um dos filiados da Vigilância ao longo dos anos da loja.

255 Os locais de formação profissionais de todos os membros da Vigilância da Pátria identificados nas atas estão indicados no Anexo II desta dissertação, onde estão as biografias destes membros da loja e as informações da vida destes homens e suas atividades dentro da loja, assim como informações posteriores conhecidas dentro da maçonaria brasileira.

256 BARATA, op. cit., p. 159.

257 Entre os militares recém-formados na Academia iniciados na Vigilância da Pátria, merecem destaque os irmãos Cristiano e Teófilo Ottoni, que alcançaram destaque em seu círculo.

258 LAVG, Sessão de 17 de fevereiro de 1827 (17/12/5826).

259 LAGV, Sessão de 12 de abril de 1826 (12/2/5826).

260 O livro de atas da Vigilância ficou durante todo seu período de clandestinidade em posse de seu único secretário, João Machado Nunes, oficial da contadoria da Intendência geral de Polícia. Essa informação consta na sessão de 23 de agosto de 1828, quando o secretário foi elogiado pelo resguardo das atas da loja. LAVG, Sessão de 23 de agosto de 1828 (23/6/5828).

261 José Rodrigues Torres provavelmente foi iniciado durante seus estudos em Portugal, onde se formou em matemática. Após sua filiação, Rodrigues Torres retornou por mais um período para Portugal, retornando por fim ao Brasil em 1827, quando novamente voltou a frequentar a loja.

262 A presença de Domingos Muniz Barreto em sessão do círculo de Salvador levantou questionamentos, já que ao menos no Rio de Janeiro maçons notórios como ele não poderiam frequentar os círculos. Sua presença em Salvador foi discutida e o círculo advertido sobre a não presença de outros maçons notórios na cidade, pois isso poderia facilitar a identificação de seus membros. LAVG, Sessão de 25 de outubro de 1827 (25/8/5827).

263 MELO, op. cit., p. 17.

264 Em várias sessões ao longo dos anos há registros de indicações de leituras disponibilizadas por Epifânio, com destaque para obras de filosofia como Hobbes, Voltaire, Smith, Rousseau e outros. Ver Livro de Atas da loja Vigilância da Pátria.

265 As datas de iniciação dos deputados e seus “padrinhos” na apresentação das candidaturas constam nas biografias dos mesmos no Anexo II.

266 A Tipografia da Ástrea era ponto de encontro fácil de Vieira Souto para a transmissão de informações como andador, assim como o quartel da cavalaria da freguesia do Santíssimo Sacramento, onde Vieira Souto atuava como capitão e depois major. LAVG, Sessões de 23 de maio de 1826 e 12 de setembro de 1827 (23/3/5826 e 12/7/5827)

267 Evaristo frequentava o círculo jovem, atuando algumas vezes como secretário do círculo. LAVG, Sessão de 14 de abril de 1827 (14/2/5827).

268 Sessão inaugural da Loja Vigilância da Pátria. LAVG, Sessão de 24 de junho de 1825 (24/4/5825).

269 Entre março e junho de 1828, tanto a Ástrea quanto a Aurora repassaram informações sobre o estado de saúde de Nicolau Vergueiro, ainda que nenhum deles informe qual a doença de Vergueiro, chegando a noticiar que no dia 18 de maio daquele ano Vergueiro chegou a ser desenganado pelos médicos, mas se recuperando ao longo do tempo.

270 Na sessão de 12 de agosto de 1828, o secretário informa que dadas as dificuldades encontradas para a manutenção das atividades dos círculos, as regras para transferência de sessão pelos vigilantes dos círculos haviam sido relaxadas desde abril do mesmo ano, o que acabou facilitando a organização dos mesmos, por isso a regra seria mantida dali em diante. LAVG, Sessão de 12 de agosto de 1828 (12/6/5828).

271 LAVG, Sessão de 06 de maio de 1828 (06/3/5828).

272 LAVG, Sessão de 30 de outubro de 1828 (30/8/5828).

273 A última sessão registrada no livro de atas da Vigilância da Pátria tem data de 30 de outubro de 1828, sendo esta uma sessão do círculo principal, como todos os fundadores presentes na sessão. As demais sessões provavelmente estão registradas em outro volume, não localizado nos arquivos até a elaboração deste trabalho. LAVG, Sessão de 30 de outubro de 1828 (20/8/5828).

274 LAVG, Sessão de 17 de setembro de 1828 (17/7/5828)

275 CHAN, Isa. op. cit., p. 75.

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