Matrix: impacto filosófico

Matrix 4: sinopse sugere que sequências anteriores não são canônicas -  TecMundo

Nesse excelente vídeo produzido pelo Meteoro Brasil, o jornalista Álvaro Borba faz uma análise da filosofia antes e depois do impacto do filme. Muito além da Matrix, somos instados a refletir sobre nossa existência e o mundo em que estamos. Ou será que não estamos?

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O tempo não existe

Físico fala sobre a física quântica e diz que o tempo não existe

“O tempo não existe. E eu tenho 15 minutos para convencê-los disso”

Assim começa uma palestra TEDx feita em 2012 pelo físico italiano Carlo Rovelli, que não costuma aparecer na imprensa internacional.

Uma das vezes em que ele ganhou destaque foi na revista britânica New Statesmannuma reportagem assinada por George Eaton intitulada “O físico rockstar Carlo Rovelli explica porque o tempo é uma ilusão”, em tradução livre.

“A determinação de Rovelli em tornar a física quântica acessível e suas prodigiosas vendas de livros o levaram a ser chamado de ‘o novo Stephen Hawking'”, destaca o artigo.

Em 2020, no evento “The Nature of Time” (A Natureza do Tempo), organizado pela revista New Scientist, o físico teórico pegou uma corda e a esticou de uma ponta a outra do palco. E pendurou uma caneta no meio da corda para marcar o presente.

Rovelli disse: “É aqui que estamos.”

Ele então ergueu o braço direito e apontou para a direita: “Esse é o futuro.” Na sequência, apontou para a esquerda: “E esse é o passado.”

“Esse é o tempo do nosso dia a dia: uma longa fila, uma sequência de momentos que podemos ordenar, que tem uma direção preferida, que podemos medir com relógios”, disse. “E todos nós concordamos com os intervalos de tempo entre dois momentos diferentes ao longo do caminho, ao longo desta linha.”

Depois acrescentou: “Quase tudo o que eu disse está errado. Em termos factuais, isso está incorreto. É como se eu dissesse que a Terra é plana”.

“O tempo não funciona assim, ele o faz de uma maneira diferente”, emendou.

E esclareceu: “Essas não são ideias especulativas que aparecem em sonhos estranhos de físicos. São fatos que medimos em laboratório, com instrumentos, e que podem ser verificados”.

Pura rebelião

Nascido em Verona, na Itália, em 1956, Rovelli confessa que sua adolescência foi “pura rebelião”. O mundo em que ele vivia era diferente do que considerava “justo e belo” e, em meio a essa decepção, a ciência veio ao seu encontro.

No mundo acadêmico, o jovem pesquisador descobriu “um espaço de liberdade ilimitada”, que ele relembra em um de seus livros.

“No momento em que meu sonho de construir um novo mundo colidiu com a realidade, me apaixonei pela ciência, que contém um número infinito de novos mundos”, descreve.

“Enquanto eu escrevia um livro com meus amigos sobre a revolução estudantil (um livro que a polícia não gostou e me custou uma surra na delegacia de Verona: ‘Diga-nos os nomes de seus amigos comunistas!), mergulhei cada vez mais no estudo do espaço e do tempo, tentando entender os cenários que haviam sido propostos até então.”

Gravidade quântica

Rovelli decidiu dedicar sua vida ao desafio de conciliar duas teorias: a mecânica quântica (que descreve o mundo microscópico) e a relatividade geral de Albert Einstein.

“Para chegar a uma nova teoria, devemos construir um esquema mental que não tenha a ver com nossa concepção usual de espaço e tempo”, diz. “Você tem que pensar em um mundo em que o tempo não é mais uma variável contínua, mas uma outra coisa.”

Ao buscar possíveis soluções para o problema da gravidade quântica, Rovelli foi um dos fundadores da teoria da gravidade quântica em loop, também conhecida como teoria do loop, que apresenta uma estrutura fina e granular do espaço.

Essa teoria tem aplicações em diferentes campos – por exemplo, o estudo do Big Bang ou as formas de abordar e entender os buracos negros.

O físico italiano tem uma carreira brilhante, que inclui inúmeros prêmios e livros. Uma dessas publicações, “Sete Breves Lições de Física” (Editora Objetiva), foi traduzida para 41 idiomas e vendeu mais de 1 milhão de cópias.

Ele também foi professor na Itália, nos Estados Unidos, no Reino Unido e atualmente é pesquisador do Centro de Física Teórica de Marselha, na França.

Rovelli respondeu por escrito a algumas perguntas da BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC Mundo – O que é o tempo? Ele realmente existe?

Carlo Rovelli – Sim, claro que o tempo existe. Do contrário, o que é que sempre nos falta? Mas a ideia comum que temos sobre o que é o tempo e como ele funciona não serve para entendermos átomos e galáxias. Nossa concepção usual de tempo funciona apenas em nossa escala e quando vamos medir as coisas com muita precisão.

Se quisermos aprender mais sobre o universo, temos que mudar a nossa visão do tempo. Porque o que costumamos chamar de “tempo”, sem pensar muito sobre o que isso significa, é realmente um emaranhado de fenômenos diferentes. O tempo pode parecer simples, mas é realmente complexo: ele é feito de muitas camadas, algumas das quais são relevantes apenas para certos fenômenos, e não para outros.

BBC Mundo – O que o senhor descobriu quando se perguntou: por que só podemos conhecer o passado e não o futuro?

Rovelli – A razão de termos informações sobre o passado e não sobre o futuro é estatística. Tem a ver com o fato de não vermos os detalhes das coisas. Não vemos, por exemplo, as moléculas individuais que compõem o ar da sala em que estamos. Mas, no mundo microscópico, não há essa distinção entre o passado e o futuro.

BBC Mundo – O senhor falou sobre a elasticidade do tempo e sobre um dia em que “vivenciamos coisas diretamente, como encontrar nossos filhos mais velhos que nós mesmos no caminho de volta para casa”. Como isso pode acontecer?

Rovelli – A pergunta correta é a oposta: por que quando nos separamos e nos encontramos novamente, o seu e o meu relógio medem o mesmo intervalo de tempo?

Não há razão para que devam medir esse mesmo tempo. A experiência nos diz isso apenas porque nossas medições não são precisas o suficiente. Se fossem, veríamos que o tempo corre em velocidades diferentes para pessoas diferentes, dependendo de onde estão e como se movem. Portanto, eu poderia me separar de meus filhos e reencontrá-los em um tempo que significa apenas um ano para mim, mas 50 anos para eles. Nesse cenário, eu ainda sou jovem e eles envelheceram. Isso certamente é possível. O motivo pelo qual normalmente não vivenciamos esse tipo de experiência é apenas que nossa vida na Terra se move numa velocidade lenta entre nós e, nesse caso, as diferenças de tempo são pequenas.

BBC Mundo – Algum dia poderemos viajar ao passado?

Rovelli – Considero extremamente improvável. Viajar para o futuro, por outro lado, é o que fazemos todos os dias.

BBC Mundo – O que o senhor quer dizer com isso?

Rovelli – Viajar ao passado é difícil. Mas viajar para o futuro é muito fácil. Faça o que fizer, você está viajando sempre para o futuro: o amanhã é o futuro do hoje.

BBC Mundo – Sabemos que o senhor gosta muito de gatos e prefere não se referir ao gato de Schrödinger[1] e a discussão se ele está vivo ou morto (ou dormindo). O senhor poderia explicar por que, segundo esse famoso experimento, o animal pode estar vivo e morto ao mesmo tempo?

Rovelli – Acho que o gato não está realmente acordado e dormindo ao mesmo tempo. Considero que, com respeito a si mesmo, o gato está definitivamente acordado ou dormindo. Mas quando se trata de mim e de você, pode não haver nem um estado, nem outro. Porque eu acho que as propriedades das coisas (incluindo os átomos e os gatos) são relativas a outras coisas e só se tornam reais nas interações com elas. Se não houver interações, não há propriedades.

BBC Mundo – Como o senhor explicou, a discussão entre os físicos da mecânica quântica não é apenas sobre o gato estar vivo e morto ao mesmo tempo, mas também sobre o experimento com dois eventos, A e B, nos quais A vem antes de B, mas também B vem antes de A. Como isso pode ser possível?

Rovelli – Quando dizemos que um evento A é anterior a um evento B, o que queremos dizer é que pode haver um sinal indo de A para B. Por exemplo, sua pergunta é anterior à minha resposta, porque me chega antes que eu possa respondê-la.

No entanto, às vezes pode acontecer que seja realmente impossível enviar um sinal de A para B, mas também impossível enviar um sinal de B para A. Então, nenhum é anterior ao outro.

A razão de não estarmos acostumados com isso é porque a luz viaja muito rápido, então tendemos a pensar que podemos ver tudo “instantaneamente”. Mas a verdade é que não podemos. Portanto, sempre existem eventos que não são ordenados de acordo com esse tempo.

BBC Mundo – O que o senhor quer dizer quando afirma que existem muitas versões diferentes da realidade, embora todas pareçam iguais em grande escala?

Rovelli – As propriedades de todas as coisas são relativas a outras coisas. As propriedades do mundo em relação a você não são necessariamente as mesmas em relação a mim. Normalmente, não vemos essas diferenças nas propriedades físicas porque os efeitos quânticos são muito pequenos. Mas, em princípio, podemos ver mundos ligeiramente diferentes.

BBC Mundo – O senhor disse que temos que reorganizar a forma como pensamos a realidade. Como podemos fazer isso? O que estamos perdendo se não tentarmos seguir por esse caminho?

Rovelli – Podemos continuar vivendo nossas vidas ignorando a física quântica, mas se estamos curiosos sobre como a realidade funciona, temos que encarar que as coisas são realmente estranhas.

BBC Mundo – A metáfora que o senhor faz sobre a mecânica quântica e sua interseção com a filosofia, como se essas duas áreas do conhecimento fossem um casal se reunindo, se separando, depois voltando e se separando novamente, é fascinante. A mecânica quântica e a filosofia precisam uma da outra?

Rovelli – Creio que sim. No passado, a física fundamental também avançou graças à inspiração da filosofia.

Todos os grandes cientistas do passado eram leitores ávidos de filosofia. Não há razão para que as coisas sejam diferentes hoje.

Na minha opinião, o inverso também é verdadeiro: os filósofos que ignoram o que aprendemos sobre o mundo com a ciência acabam sendo superficiais.

BBC Mundo – Para o senhor, o livro “A Ordem do Tempo” é muito especial porque “finge ser sobre física, mas secretamente é o meu livro sobre o significado e a finitude da vida”. Qual é o sentido da vida para Carlo Rovelli?

Rovelli – O sentido da vida para Carlo Rovelli é o que penso ser o sentido da vida para todos nós: a rica combinação de necessidades, desejos, aspirações, ambições, ideais, paixões, amor e entusiasmo, que surgem em várias medidas e em diferentes versões naturalmente de dentro de nós. A vida é uma explosão de significado.

Alguns projetaram o significado da vida fora de si mesmos e ficam desapontados ao perceber que havia algo ilusório em esperar que o significado viesse de fora.

Uma das minhas respostas favoritas a essa pergunta foi atribuída a um antigo sioux [etnia indígena norte-americana]: o propósito da vida é abordar com uma canção qualquer coisa que encontrarmos pela frente.

BBC Mundo – O senhor assinalou que na ciência muitos erros são cometidos quando fingimos estarmos certos, quando na verdade muitas vezes não temos essa certeza toda. O novo coronavírus trouxe muitas incertezas para nossas vidas. Como o senhor lidou com isso?

Rovelli – Eu tenho me esforçado não apenas para minimizar o risco para mim e para as pessoas que amo, mas também para minimizar meu próprio papel na disseminação da infecção.

Mas sabendo bem que o risco foi e continua a ser real e que milhões de pessoas morreram e ainda estão morrendo, tenho em mente que isso ainda pode acontecer comigo e meus entes queridos.

Essa constatação não deve ser motivo para pânico, mas também não gosto de esconder a cabeça na areia.

BBC Mundo – Que reflexões o senhor fez nestes tempos desafiadores para milhões de pessoas ao redor do mundo?

Rovelli – O que fico pensando é simples: não seria o momento de a humanidade trabalhar em conjunto, em vez de continuarmos a ficar uns contra os outros? O Ocidente está construindo novos inimigos: China, Irã, Rússia…

Não podemos viver de forma respeitosa e colaborativa, sem a necessidade de subjugar uns aos outros, de prevalecer sobre os outros, de vencer, em vez de cooperar para o bem comum?

A humanidade está enfrentando uma pandemia, milhões de mortes, desastres ambientais e ainda não conseguimos aprender a nos vermos como membros de uma única família, que é o que realmente somos.

A mecânica quântica é a descoberta de que a realidade é tecida por relacionamentos, mas permanecemos cegos para o fato de que prosperamos em relação aos outros, não uns contra os outros. Posso ser ingênuo, mas é isso o que penso todos os dias quando vejo o noticiário.

BBC Mundo – O senhor disse que gostou de ler “O Amor em Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez, porque “nestes tempos sombrios, é bom ler sobre o amor verdadeiro”. Você pode nos contar mais sobre o que gostou no livro?

Rovelli – É um livro cheio de graça e luz. Retrata as muitas formas de amar e partilhar, com um olhar que sorri diante de toda essa complexidade.

Uma forma de amor é a lealdade da personagem Fermina Daza ao marido. Outra é a intimidade e a amizade de Florentino Ariza com dezenas e dezenas de mulheres. Mas esse amor absoluto entre ele [Ariza] e ela [Daza] é uma bela forma de amor, que foi venerado e valorizado por décadas, até que conseguiu florescer de forma maravilhosa quando os dois já estavam mais velhos.

Reportagem de Margarita Rodríguez

Fonte: BBC News Mundo

Notas do Blog

[1] – O que é o Gato de Schrödinger? Leia mais em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-o-gato-de-schrodinger/

[2] – O futuro já aconteceu e o tempo é uma ilusão. Leia mais em: https://opontodentrocirculo.com/2015/12/10/o-futuro-ja-aconteceu-e-o-tempo-e-uma-ilusao/

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Podcast O Peregrino – Episódio 5 – O futuro já aconteceu e o tempo é uma ilusão

Existe um lugar em que o tempo passa diferente de pessoa para pessoa. Nesse lugar, nenhum relógio marca a mesma hora e passado, presente e futuro estão essencialmente congelados, e também aconteceram ao mesmo tempo. Também tudo o que aconteceu desde a origem do universo até o seu fim existe ao mesmo tempo. Mas, que lugar é esse?
(Music: Cool Rock by Kevin MacLeod. Link: https://incompetech.filmmusic.io/song/3552-cool-rock; License: https://filmmusic.io/standard-license)

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Tempo

Por que falta tempo na nossa vida atualmente? - Instituto Life Coaching

O que há de mais valioso no Mundo não é dinheiro. nem joias ou diamantes. Muito menos ouro, dourado ou negro. Nem sequer as crianças – como muitas vezes dizemos. O que há de mais valioso no Mundo é o Tempo. Não se pode comprar nem vender, não se pode guardar nem acumular. Tem-se o que se tem e é esse que se pode e deve administrar o melhor possível.

O que há de mais democrático no Mundo não é o voto. Nem as eleições. Muito menos a separação de poderes. Nem sequer a limitação de mandatos. O que há de mais democrático no Mundo é o Tempo. O dia tem vinte e quatro horas, a hora tem sessenta minutos, o minuto tem sessenta segundos, quer para o multimilionário mais rico do planeta, quer para o mais miserável pária sem abrigo do mais pobre recanto deste Mundo. O rico, por mais que o deseje, não consegue que o seu dia tenha trinta horas, nem a sua hora oitenta minutos, nem o seu minuto cem segundos. O pária miserável pode não ter nada de nada, mas tem exatamente as mesmas horas no seu dia que o multimilionário, os mesmos minutos na sua hora, os mesmos segundos no seu minuto.

O que há de mais implacável no Mundo não é o Mal. Muito menos o Déspota. Nem sequer o Terrorista. O que há de mais implacável no Mundo é o Tempo. Chega, passa e vai, insensivelmente, sempre ao mesmo exato ritmo.

O que muda é a nossa percepção do Tempo. Se estivermos confortavelmente sentados vendo um belo pôr-do-sol, ouvindo uma música do nosso agrado, bebendo uma bebida da nossa preferência, sendo acariciados pela mulher que amamos, enquanto cheiramos o seu agradável perfume, esse Tempo, por muito longo que seja, parecer-nos-á sempre breve, seguramente muito mais breve do que nos pareceria a exata mesma quantidade de tempo em que estivéssemos a ser agredidos por um energúmeno feio e malcheiroso, que nos berrava impropérios, sentindo na boca o sabor de alguma porcaria que ele ali nos enfiara…

Cada um dispõe em cada dia do mesmo tempo que todos os demais, exatamente 86.400 segundos em cada dia, nem mais um, nem menos um. Cada um tem a responsabilidade de usar esse Tempo da melhor forma possível, distribuindo-o profícua e harmonicamente entre o cumprimento dos seus deveres, o convívio com aqueles de quem gosta, o descanso, o lazer, o alimento do seu corpo e a nutrição do seu espírito, a busca e o encontro, a reflexão e a ação. Todos temos exatamente a mesma riqueza para gastar em cada dia. Se a aproveitamos ou desperdiçamos, é conosco e seremos nós que sentiremos as consequências, boas ou más, do nosso aproveitamento ou do nosso desperdício. O que não gastarmos, o que não usarmos, não podemos guardar. Está perdido e nunca mais será recuperado…

O Tempo é uma dimensão diferente das outras. O comprimento, a largura, a altura são dimensões em relação às quais nos sentimos exteriores. E medimos o comprimento da mesa, a largura do quadro, a altura do armário. Somos exteriores a essa medida. Mesmo em relação às nossas medidas… Mas a dimensão do Tempo é diferente. Nós todos estamos DENTRO do Tempo. Por isso o não vemos. Por isso o Tempo Presente é tão fugaz que, mal o apercebemos, já é Tempo Passado. Comprimento, largura e altura são dimensões terrenas. O Tempo é dimensão divina. Por isso podemos mudar o comprimento, alterar a largura, modificar a altura do que quisermos, mas não podemos mudar, nem num centésimo de segundo, o Tempo que é. Podemos aproveitá-lo melhor, fazendo mais em menos Tempo. Não podemos mudá-lo. Podemos apenas usar em cada dia a exata quantidade de Tempo que o Criador determinou que todos e cada um de nós dispuséssemos em cada dia.

O Tempo não pode ser comprado, nem vendido (pode-se comprar ou vender uma ocupação do tempo, o que é diferente), mas pode ser usado, aproveitado, individualmente ou em conjunto. O mesmo Tempo, aproveitado ou usado em conjunto por vários ou por muitos, multiplica-se automaticamente, potenciando a capacidade do grupo que o aproveita em conjunto. No entanto, sendo globalmente mais rentável o Tempo aproveitado em conjunto, o Tempo individual de cada um continua a ser pessoal, só seu, com um significado preciso e definido para esse preciso indivíduo. O Tempo que um músico despende a dar um concerto numa sala de espetáculos é rentabilizado pelas centenas ou milhares de pessoas que desfrutam desse espetáculo. O Tempo de um multiplica-se por muitos. Mas um concerto para mil equivale a mil concertos individuais. O músico é o mesmo. A música é individualmente, quiçá diferentemente, apreendida por cada um dos mil ouvintes. O Tempo de cada um continua a ser pessoal e único. E o mesmo se passa se, em vez de ser um a criar e mil a beneficiar, forem mil e um a criarem para esses mil e um e incontáveis milhares ou milhões mais beneficiarem.

Quando os maçons se reúnem, e repetem o ritual, tratam dos assuntos da ordem do dia, estudam, ensinam ou aprendem símbolos e seus significados, moralidades e seus motivos, condutas e suas consequências, aproveitam em conjunto o Tempo, potenciando o seu valor, cada um beneficiando individualmente, ao seu modo, do uso desse Tempo.

Os maçons aprenderam uma coisa singela: que o Tempo de cada um é potenciado pelo seu uso em conjunto, afetando e aproveitando a cada um da forma que convém a cada qual. Tempo de Estudo, Tempo de Paz, Tempo de Debate, Tempo de Repouso, sobretudo Tempo de Confiança nos seus Irmãos e Tempo de Harmonia com eles. Todos estes Tempos, e mais, valem infinitamente mais em conjunto, revertendo esse valor para cada um dos indivíduos. Por isso os maçons reservam uma parte do seu Tempo para o aproveitar em conjunto com seus Irmãos.

Assim aprendem e praticam entre si e podem e devem praticar no exterior, na sua vida de todos os dias, perante os seus parceiros de vida, de negócios, de viagem, de tudo, que a Cooperação é mais eficaz que a Competição, que a Harmonia é mais gratificante que a Cizânia, que a melhoria de Um ajuda Todos a melhorar e que a melhoria de Todos se reflete na melhoria de cada Um. E podem e devem viver e aproveitar o seu Tempo na sua vida de todos os dias, perante todos aqueles que os rodeiam, pela mesma forma que vivem e aproveitam o seu Tempo entre seus Irmãos. E o seu exemplo frutificará onde houver condições para que frutifique, em quem estiver apto para tal. E assim o Mundo melhorará mais um pouco. E de pouco em pouco se fará muito. Em pouco Tempo, em muito Tempo, no Tempo que for…

Autor: Rui Bandeira

Fonte: A Partir da Pedra

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A Iniciação Real e a Morte do Ego – Parte II

Memento mori, o recado que todo homem deveria lembrar - El Hombre

O que era Kykeon?

Qual poderia ser um elemento final mais apropriado para essas celebrações dos estados em mudança da natureza e do potencial agrícola do que consumir o kykeon, uma bebida geralmente à base de grãos que foi entendida como indutora de estados visionários.

Refletindo sobre as qualidades visionárias do kykeon, um iniciado descreveu o que aconteceu poeticamente:

“À meia-noite, vi o sol brilhando sob uma luz branca brilhante.”

Ao se unirem para unir, dançar, consumir a poção kykeon e se deleitar com seus efeitos reveladores, ​as pessoas que participaram promoveram um poderoso senso de conexão com amigos, família e o mundo em geral. Nesse sentido, os Mistérios forneceram um antídoto poderoso para sentimentos de isolamento, depressão e privação social.

O Kykeon é famoso por seu uso nos Ritos de Deméter, na cidade de Elêusis, onde foi usado pelos iniciados para experimentar o mistério da morte e do renascimento no ritual que passou a ser conhecido como Os Mistérios Eleusinos.

O Kykeon era diferente de uma bebida comum, pois possuía propriedades altamente psicoativas, provocadas por um fungo parasitário que cresce nos grãos de cevada e centeio que contém os alcaloides ergotamina. Segundo Hofmann, a ergotamina era o ingrediente psicoativo que alimentava os mistérios eleusinos.

MD, PHD, Albert Hofmann foi um cientista suíço, é mais conhecido como o “​pai” do LSD. Ao trabalhar no isolamento de princípios ativos presentes no fungo ergôt, sintetizou o Ácido Lisérgico obtido a partir da hidrolisação da ergotamina (substância obtida no fungo).

Era o que ​permitia aos iniciados nos Mistérios alcançar uma compreensão mais completa de seus objetivos na vida e para encerrar o medo da morte, como testemunhos de escritores antigos que participaram dos Mistérios atestam.

Entre os participantes estavam Sócrates, Aristóteles, Sófocles, Plutarco, Cícero, Platão, entre muitos outros, Platão menciona os mistérios especificamente em seu diálogo sobre o Fédon, alegando que somente aqueles que foram iniciados podem morar com os deuses. Foi sugerido que o Fédon lida com a imortalidade da alma, que Platão queria dizer que apenas os iniciados desfrutariam de uma vida após a morte gratificante. No contexto do diálogo, no entanto, parece mais provável que ele quis dizer que ​apenas os iniciados tinham uma compreensão dos assuntos mais importantes da vida enquanto viviam. Outros escritores antigos, como Plutarco, apoiariam essa interpretação. Ele escreveu que, depois de iniciado, perdeu o medo da morte e se reconheceu como uma alma imortal. O ingrediente psicoativo do ergot no kykeon, combinado com o ritual no subterrâneo Telesterion, produziu um evento de mudança de vida nos comunicantes. Os ritos de Deméter tinham uma importância incrível para aqueles que participavam deles, e kykeon foi a chave que abriu a mente daquele povo aos segredos de seus deuses.

Plutarco escreveu:

“Por causa das promessas sagradas e fiéis dadas nos mistérios … mantemos firmemente por uma verdade indubitável que nossa alma é incorruptível e imortal … quando um homem morre, ele é como aqueles que são iniciados nos mistérios. Toda a nossa vida é uma jornada por caminhos tortuosos, sem saída. No fim, surgem terrores, angústia medo e pânico. Então uma luz que se move ao seu encontro, prados puros que o recebem, cantos e danças e aparições sagradas.”

Dentro do templo escuro, os participantes tiveram que exclamar: “Eu jejuei, bebi o kykeon”. O que acontecia depois é, como o nome do evento sinaliza, mistério. No Fedro Platão apresenta este relato:

“Com uma companhia abençoada, nós seguimos na carruagem de Zeus e outros na de algum outro deus … vimos a  verdade e as visões divinas, e fomos iniciados naquilo que é justamente chamado o mais sagrado dos mistérios, que celebramos em um estado de perfeição … sendo permitidos como iniciados à visão de aparições perfeitas, simples, calmas e felizes, que vimos à luz pura, sendo puros e não sepultados naquilo que carregamos conosco e que chamamos de corpo, em que somos presos como uma ostra em sua concha.”

Assim, é bem claro que os psicodélicos tenham inspirado o dualismo mente, corpo predominante no Ocidente, não apenas na filosofia, mas também na religião: a influência de Platão no cristianismo era substancial. Nietzsche chegou a afirmar que “o cristianismo era platonismo para o povo”. Independentemente da validade ou não dos argumentos de Platão, seu pensamento visionário esclareceu nossa cultura. Através de uma caverna sombria, Platão veio a ver a luz e esse raio de sol da filosofia, ciência, razão e o próprio “Mito da Caverna”  surgiu da experiência Iniciática psicodélica.

Agora, se olharmos para culturas que usaram plantas psicoativas em rituais religiosos ou xamânicos por milênios, há uma constante nos ritos de provocar uma ​experiência de morte (EQM) e renascimento, o que às vezes é chamado de morte simbólica, descida ao submundo ou V.I.T.R.I.O.L.

A experiência psicodélica está profundamente ligada à experiência e ao conhecimento da morte.

Isso ficou evidente para o Timothy Leary, Ph.D., professor de Harvard, psicólogo, neurocientista, escritor e futurista, que na década de 1960 modelou a experiência psicodélica em torno do Livro Tibetano dos Mortos, ou o Bardo Thodol, o texto milenar do budismo tibetano que lida com a navegação pelos mundos intermediários (bardos) que continuam até o mundo dos mortos. Escatologia budista, na qual se acredita que a continuidade da mente está além deste plano da realidade.

Leary nos diz que os psicodélicos poderiam ser usados ​​como uma bússola para navegar por esses planos sutis da realidade, que emulavam os mundos intermediários ou zonas liminares que os místicos haviam atravessado antes.

A chave para uma experiência psicodélica e uma experiência mística, sugere Leary, é a morte do ego.

Na alquimia, a primeira etapa do processo alquímico é Nigredo, a morte do velho para que (dessa massa putrefata) nasça algo novo e melhor. A queda da árvore seca para nasça uma árvore nova. A queda do ego para o nascimento do homem natural, o homem divino.

Como em Elêusis ou nas meditações budistas, na yoga, no Vipassana e nas diversas outras práticas de expansão da consciência, o que se pode aprender em uma genuína experiência psicodélica é que a única coisa que pode realmente morrer é o ego, essa personalização ilusória, e esse é apenas o primeiro passo da experiência com a realidade que se esconde por trás de nossos condicionamentos e sistemas de crenças.

No entanto, as nuvens escuras acabaram por obstruir o sol com o surgimento de um cristianismo militarista. Em 392 dC, os templos eleusinos foram fechados por decreto pelo imperador romano cristão Teodósio I. Com isso, a Idade das Trevas começa, escondendo a luz do pensamento pagão ou secular, apenas para retornar com o Renascimento e depois com o Iluminismo.

A Morte do Ego

Morte do ego é uma “perda completa de auto identidade subjetiva”. O termo é utilizado em vários contextos entrelaçados, com significados relacionados. Na psicologia junguiana, o sinônimo termo​ morte psíquica é usado, que refere-se a uma transformação fundamental da psique. Na morte e na mitologia, o renascimento e morte do ego é uma fase de auto-entrega e de transição, como descrito por Joseph Campbell , em sua pesquisa sobre a mitologia da Jornada do Herói . É um tema recorrente na mitologia do mundo e também é usado como uma metáfora em algumas correntes do pensamento ocidental contemporânea.

O conceito também é usado na espiritualidade contemporânea e na compreensão moderna das religiões orientais para descrever uma perda permanente de ​”apego a um sentido separado de si mesmo” e ​egocentrismo. Esta concepção é uma parte influente dos ensinamentos de Eckhart Tolle, onde o Ego é apresentado como um acúmulo de pensamentos e emoções, continuamente identificados com, o que cria a ideia e sentimento de ser uma entidade separada, e só por desidentificação, a consciência pode verdadeiramente estar livre do sofrimento (linha filosófica budista).

Nossas consciências são como água cheia de barro agitada numa jarra de vidro. O Budismo chama isso de “mente nublada”, na qual é impossível enxergar de forma clara. Essa agitação sempre nos impossibilita de compreender melhor nossos sentimentos e reagir de uma forma mais adequada, gerando, assim, mais confusão e inquietude.

Através da experiência de morte do ego e, pela prática de diversas formas de expansão de consciência se aprende a aquietar essa água para que todo o barro assente e, enfim, possamos ver do outro lado.

O que resta quando removemos o ego, é a consciência real e imortal, diriam os místicos de todas as idades.

O ego não existe por si só. Se você meditar profundamente sobre um determinado ego (“eu”), vai perceber que ele se desvanece como uma nuvem. Ele não possui essência, não tem nada de concreto, é apenas uma associação de pensamentos que adquire uma personalidade própria. É como um fluir de pensamentos e emoções que se enredam e assumem a ilusão de ser alguma coisa real. Todos os egos são apenas associações de pensamento, assumem uma personalidade e quando estão no comando temos tanta certeza de sua existência que pensamos: este sou eu, eu sou assim, eu quero isso, eu não quero aquilo, é minha opinião. Porém, nada mais falso, são apenas pensamentos agrupados e associados que assumem vida própria e por alguns momentos acabam por assumir o comando.

Importantíssimo entender que a verdadeira iniciação, é uma morte momentânea do ego, uma abstração dos sentidos, dos pensamentos e da racionalização, uma expansão da consciência ilimitada do ser. O ego/personalidade é o nosso software/papel teatral, é essencial para atuação dos personagens no palco tridimensional em que nos encontramos​.

O ego não pode ser morto, pois não existe, é a ilusão de identificação com algum conceito que você criou de si mesmo (personalidade, corpo, status, etc.). Quando você diz que vai matar o ego, é o próprio falando. Quando você diz que se tornará superior ao ego, é o próprio falando. Quando você diz que vai lutar contra ele, é o próprio falando. Qualquer mentalização provém do ego. O que está além é a vontade pura, sem pontes para a expressão. É algo que não se descreve, não se fomenta e não se põe em movimento linear.

Deste modo, quem insiste em querer dissipar o ego está vivendo uma fantasia. Sendo o ego uma característica da mente, tudo o que for do pensamento parte inevitavelmente do mesmo princípio: o ego. Portanto, a ação em si já uma característica “corrompida” pela mente, impedindo que haja a separação, tão aclamada pelo pseudo consciente, entre seu Eu Profundo e o ego. Matá-lo então é um pensamento tolo.

Portanto, matar o ego é impossível, ele sempre existirá, a não ser num estado da não-forma, no estado da divindade em si, do espírito, do total abstrato e subjetivo. Enquanto houver antropomorfização do espírito, a mente persistirá.

O ego é a soma de nossos muitos defeitos psicológicos que vivem em nosso mundo interior, que foram criados e continuam a ser alimentados inconscientemente por nós mesmos.

Esses defeitos se nutrem das energias dos centros da máquina humana. Cada um desses defeitos é chamado também de “eu” ou ainda “detalhe do ego”.

O ego é realmente a causa de nossos sofrimentos, inconsciência, erros, vícios, medos, fraquezas, etc.

No antigo Egito o ego era conhecido como os demônios vermelhos de Seth. No BhagavadGita o ego é simbolizado como os “parentes” com os quais Arjuna, iluminado diretamente pelo Sr. Krishna, deveria travar terríveis batalhas. Na mitologia grega o ego é, entre outros simbolismos, representado pela Medusa, causadora de todo tipo de sofrimento aos homens e que é decapitada pela espada de Perseu. Na Bíblia podemos reconhecer o ego na passagem na qual o divino mestre Jesus pergunta ao demônio que possuía o infeliz geraseno qual era o seu nome, sendo que este lhe responde:

“Meu nome é Legião, porque somos muitos.” (Marcos – 5,1-20).

Também dentro do cristianismo podemos encontrar o ego representado nos chamados sete pecados capitais relacionados por Tomás de Aquino: luxúria, ira, inveja, cobiça, gula, preguiça e orgulho.

Enquanto mantermos em nosso interior essa natureza inumana e selvagem, seremos criaturas limitadas, inconscientes, sofredoras e vítimas das circunstâncias. Se os seres humanos não carregassem dentro de si o ego incontrolável, o mundo seria um verdadeiro paraíso.

Nossa consciência é uma partícula divina, que podemos também chamá-la de Essência.

Conforme escreveu Victor Hugo:

“Escuta tua consciência antes de agir, porque a consciência é a divindade presente no homem.”

A Essência é o que de mais nobre levamos dentro e é imortal. Conforme vamos eliminando os detalhes do ego vamos fortalecendo essa consciência ou alma, já que cada eu mantém aprisionada uma fração de nossa Essência.

Considere cada um, como uma garrafa que mantêm a nossa verdadeira consciência aprisionada. Quebrando a garrafa retorna a nós aquela parcela de consciência que estava presa. É dessa forma que vamos realmente mudar interiormente, substituindo pouco a pouco nossos muitos defeitos e vícios psicológicos por nobres e belas virtudes.

O trabalho da morte do ego é antiquíssimo e sempre foi ensinado à humanidade pelos vários Mestres, Jesus Cristo, Buda, Quetzalcoatl (O Cristo asteca), Hermes Trismegisto no Egito, Krishina entre outros, que vieram para instruí-la, mostrando-lhe os meios para acabar com seus próprios sofrimentos e limitações.

Cada um ensinou a mesma doutrina, porém adaptada ao seu tempo, com seus próprios termos e símbolos. Infelizmente quando o Mestre parte, os homens, manipulados por seus próprios egos, começam a distorcer a doutrina e pouco a pouco o principal se perde ou é oculto da humanidade.

A camada egóica é o primeiro estágio de transição entre o mundo externo finito, e o mundo sútil infinito. O ego está no mundo e a alma experimenta o mundo usando ego como veículo.

“O ego são hábitos da mente. São as identificações equivocadas e os padrões repetidos de pensamento que ocorrem repetidamente, no tempo passado e no tempo futuro(ilusões). O ego que encobre a experiência do ser ontológico. O ego surge, prendendo sua atenção e  puxa você para fora em direção ao mundo limitado temporal, assim refletindo ilusões, em vez de ir para dentro, em direção ao Ser(presente). Isso acontece com tanta freqüência e tão continuamente que a identidade original nunca tem a chance de entender sua natureza real. Você só pode escapar dos hábitos do ego, permanecendo na consciência como consciência(imanência do real). Seja quem você é. Seja como você é. Fique quieto. Ignore todos os hábitos do ego, que surgem na mente e fixe sua atenção no Ser, no agora.

… o ego não existe no agora, pois a mente temporal transcende sua ilusão de tempos que não é você, sua natureza original.” (Annamalai Swam)

Considerações finais

Diante de tudo o que foi exposto, podemos dizer que a experiência iniciática ritualística somada a experiência psicodélica têm como principal orientação e objetivo​, ​induzir um conhecimento experimental da morte​, uma EQM; ​a Verdadeira Iniciação​, um mergulho nas profundezas da Psiquê, uma amostra do Mysterium tremendum et fascinans, um vislumbre da eternidade divina, que sacode o indivíduo, e de alguma forma experimenta e entende o ​significado da morte na epifania psicodélica, com a experiência bioquímica na qual ele eleva a consciência cumprindo o papel de Hermes. O psicopompo do submundo que leva Perséfone de volta ao mundo superior, através do grande limiar da existência humana e em suas visões ou nas didáticas teatrais psicodramáticas de Elêusis,​o mistério filosófico da morte é revelado​.

Do mesmo modo, essa Tecnologia/Pedagogia do supra-mundo, somada aos ​símbolos, alegorias e psicodramas e ​transmissão de conhecimentos sistema mestre discípulo​, a experiência de quase morte (EQM) ou a experiência psicodélica, desencadeia uma transformação profunda e na maioria das vezes irreversível.

Acreditamos que essa transformação ocorreu devido à beleza e profundidade do que foi vivenciado (e entendido) em Elêusis. Escreveu o poeta Pindar

“Bem-aventurado aquele que viu essas coisas
antes de deixar a terra:
porque ele entende o fim da vida mortal
e o começo de uma nova vida, dada na divindade.”

Em várias tradições, quem conhece a morte, quem retornou de seu domínio ou que ​foi iniciado nos seus segredos é considerado alguém especial, que leva a marca do xamã, do místico, do profeta, do mestre, no sentido de poder orientar (direcionar para o Oriente) e conduzir os novos aprendizes neófitos, pois já mergulhou nas profundezas de si mesmo, não através de símbolos incompreendidos, ritualísticas automatizadas e alegorias desapercebidas, mas através da ​iniciação real, a morte Iniciática, e consequentemente sua “ressurreição”, a experiência em si resulta no conhecimento de si mesmo. Essas histórias de morrer e renascer se repete nos mitos e refere-se a essa ​iniciação “Real”.

O conhecimento de si mesmo, o ​desbastar da Pedra Bruta, é o primeiro passo para a “educação” do ego/personalidade. Através dessa “morte” momentânea, damos um “reboot”, um novo início, conscientes dos condicionamentos, preconceitos e fanatismos que acumulamos através de nossa formação humana normótica.

Primeiro o ​VITRIOL​, em seguida ​erguer templos a virtudes, e cavar masmorras aos vícios, vigilantes e perseverantes.

Não é totalmente difícil entender que a morte confere poder sobre os outros e também sobre a própria vida, talvez porque diante do conhecimento da imortalidade se perca o medo e a ansiedade que caracterizam os mortais, justamente porque eles pensam que são mortais. ​Aqueles que beberam do elixir da vida eterna se tornam imortais.

Para platonistas e budistas, manter a morte em mente é o fundamento da ética individual, pois a vida encontra seu significado na morte ou pelo menos a possibilidade de sua transcendência.

No caso da filosofia platônica, a morte, como Sócrates sugere, é a possibilidade de separar os impuros dos puros e elevar a alma a um estado beatífico de unidade com os deuses e as formas da eternidade. Esse estado de pureza contemplando a justiça, a bondade e a beleza, e agindo de acordo com estas noções mais altas que advêm da ideia do bem.

Também se sabe que uma das práticas espirituais de linhas específicas de monges budistas e yogues hinduístas é contemplar imagens de cadáveres, lembrando-lhes que a existência é impermanente (​memento mori), que o corpo é perecível e que eles têm uma oportunidade inestimável para finalmente transcender a morte ainda em vida.

Segundo Manly P. Hall, o que foi ensinado em Elêusis foi que a alma humana era a fênix, o misterioso pássaro de fogo renascido de suas cinzas. E simbolicamente, o ensinamento de que precisamos morrer para acessar nossa essência divina (ou simplesmente vislumbrar a realidade por trás do “véu de Maya” e da ilusão da ignorância).

Como escreveu o iniciador João Batista, nosso Patrono, que oferecia às margens do rio Jordão, a Iniciação Real através da prática essênia do afogamento ritualístico:

“Somente quem nasceu de novo terá acesso ao reino dos céus.
Mas para nascer de novo, é necessário estar disposto a morrer.”

O INICIADO

De um ponto de vista psicológico, o iniciado deve abandonar os anseios regressivos que demandam a eterna e passiva felicidade do útero, pelo Êxtase da Iluminação. Através deste processo, o homem livra a si mesmo de suas amarras inconscientes e, desta forma, libera e purifica suas energias mais profundas para realizar sua Verdadeira Vontade. Muitos vivenciam este processo como uma morte a perda do mundo infantiloide do ego criança e dos desejos que nunca tiveram a vontade ou a força para realizarem a si mesmos.

O homem não redimido está adormecido e simplesmente se debate em suas fixações inconscientes, acreditando nos sonhos da infância, aos quais se apega fixamente por meio dos ergs da natureza, para sempre sob sua inquieta misericórdia.

Para ser transformado, o homem em sua forma mais inferior deve encontrar uma energia despertadora em alguma fonte mais elevada. Esta força é o Gênio Superior, despertado e sustentado através dos rigores da preparação, culminando em iniciação.

O iniciado cria a si mesmo desde Si Mesmo, e através disto ele é rejuvenescido. Finalmente, o iniciado pronuncia e grita, seu próprio nome, aquele que ele finalmente escolheu para simbolizar sua Verdadeira Vontade. Este é seu renascimento. Mas mais ainda, pois ele não é o mesmo homem, mesmo em sua aparência física, pois para alguns isto também muda.

Para muitos, o nascimento do iniciado pode ser visto como a aurora de um Novo Sol. É o resultado do Velho Sol sendo devorado pelo Mar, fertilizado e prenhe, dando nascimento ao Novo Sol – A Aurora Dourada.

Israel Regardie
(What you should know about the Golden Dawn)

A Prudência nos alerta para encerrar por aqui.

Autor: Geovanne Pereira

Geovanne é professor de Filosofia, psicanalista, Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay, n°22 – GLMMG e, para nossa alegria, também um colaborador do blog.

*Clique AQUI para ler a primeira parte do texto.

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Por que construímos Teorias e Filosofias sobre e que acontece depois que morremos?

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Por que uma pessoa que está viva precisa construir teorias e filosofias sobre a morte? Ela é uma parte inseparável da vida, então por que está escondida de nós?

Os níveis inanimado, vegetativo e animado da natureza não têm consciência da morte. Eles se sentem fracos quando estão se aproximando da morte, mas apenas em termos de sua sobrevivência chegando ao fim. Portanto, eles não têm perguntas além da morte, nem sobre o passado, presente ou futuro em geral. Essas perguntas surgem apenas em humanos, porque temos um ponto especial acima da existência corporal e animal.

Não sentimos a vida enquanto somos gametas em nossos pais. Não sabemos como nossos pais se conheceram e trouxeram aquela célula viva inicial da qual nos desenvolvemos. Também não temos a sensação de como nosso corpo gradualmente se desfaz até que algo cause sua morte, assim como o que resta dele depois.

O que particularmente falhamos em entender é que, ao contrário de animais e plantas, nos sentimos como existindo em algo superior e maior que nossos corpos. Não podemos identificar essa sensação, mas em geral chamamos de “vida”.

Há subsistência, viver em prol da sobrevivência e da reprodução, e há vida, viver em prol de algo maior.

Passamos grande parte de nossas vidas contemplando, examinando e pesquisando esse ponto do que é a vida e como podemos preencher nossa existência. Esse desejo adicional acima de nossa vontade de sobrevivência significa muito para nós. Estamos prontos para trabalhar e sofrer por isso.

O desenvolvimento da humanidade está nos levando gradualmente a um desejo cada vez maior de entender a adição da vida acima de nossas necessidades de sobrevivência. O que é especialmente evidente em nossa era é que, enquanto temos uma abundância de necessidades da vida – mais do que em qualquer outro período histórico – a eterna pergunta sobre o sentido e propósito da vida desperta mais do que em qualquer outra época.

No entanto, a resposta a essa pergunta é elusiva.

A miríade de teorias, fantasias e métodos que desenvolvemos, sejam religiosos ou seculares, são todos especulações infundadas.

Por quê?

Porque a forma de nossas vidas atuais é selada em nossa natureza material corpórea inata, que é o desejo de receber prazer e prazer. Nós nos sentimos e nos identificamos nesse desejo e não temos capacidade de imaginar nada fora dele.

Nossas sensações, pensamentos, desejos e fantasias são todos voltados para a satisfação de nosso desejo de desfrutar.

Mas este é o nosso único desejo?

Se tivéssemos apenas o desejo de desfrutar, seríamos como animais, trancados unicamente em um impulso instintivo para nos realizarmos ao máximo em todos os momentos de nossas vidas.

No entanto, temos um ponto muito pequeno, uma centelha que vem de um nível superior à nossa existência animal. Devido a este ponto que desperta em nós, fazemos as perguntas: “Qual é o sentido da vida?” e “Para que vivemos?”

Esse ponto também desperta sensações negativas em nós – insatisfação, vazio, depressão, desamparo e desespero – que nossa geração sente mais do que qualquer outra. Organizamos nossas vidas para nos libertar das preocupações em prover nossas necessidades e, precisamente por causa disso, a pergunta sobre o sentido da vida é liberada, fazendo surgir demandas mais vigorosas. Como resultado, problemas muitos novos na sociedade humana estão surgindo.

Nós pensamos que temos todos os tipos de desejos diferentes na humanidade por dinheiro, honra e conhecimento, por todos os tipos de coisas além do nível de comida, sexo e família. No entanto, nós realmente só temos a pergunta sobre o sentido e propósito da vida, que exige uma resposta.

Existem diferentes níveis de sentimento e consciência desta pergunta em diferentes pessoas, e é uma grande influência em nossas vidas diárias.

Os diferentes maneirismos, culturas, costumes e crenças de todas as nações são, em última instância, respostas para a questão do sentido e propósito da vida. Em nossas necessidades básicas de comida, sexo e família, somos essencialmente os mesmos. No entanto, no momento em que entramos em nossos desejos sociais por dinheiro, honra e conhecimento, nossas vidas são moldadas pelo caráter de como a pergunta sobre o sentido e propósito da vida surge em nós e como respondemos a ela. Nós diferimos precisamente em como respondemos a essa pergunta.

Nós nos movemos em diferentes direções tentando responder à pergunta sobre o sentido e propósito da vida. No entanto, sem uma resposta verdadeira, que nos dê uma satisfação duradoura, continuamos a nos encontrar deprimidos, vazios e desesperados. Como resultado, hoje assistimos a uma redução do nosso desenvolvimento mental e emocional. Em eras passadas, tivemos muito maior respeito pela filosofia, ciência e artes. Hoje, no entanto, a sociedade está se voltando para maior conforto e conveniência, e valorizando as tecnologias que podem servir como um meio para esse fim.

Apesar de todos esses confortos e distrações, continua sendo verdade que, se não encontrarmos uma resposta satisfatória para a pergunta sobre o sentido e propósito da vida, sofreremos cada vez mais. Enquanto a geração mais jovem hoje se concentra mais em tecnologias, isso chegará ao fim. Com cada vez menos impulso para construir famílias e dar à luz filhos, eles não querem ser “feras comuns” que vivem como se estivessem em um rebanho, porque a questão sobre o sentido da vida vive e respira nelas.

Até agora, a geração mais jovem responde de forma passiva: “Não estamos no seu jogo. Vocês querem viver e ter sucesso, assim seja. Não é para nós”. O próximo estágio após esta geração será mais aguçado, e sua resposta, muito mais irritada.

Quanto mais a resposta à pergunta sobre o sentido da vida nos iludir, mais veremos a ascensão e queda de todos os tipos de distorções que tentam aparecer em seu lugar. A legalização e a promoção de drogas pesadas se levantarão para tentar nos acalmar. As tecnologias emergirão continuamente para tornar nossas vidas mais fáceis, para nos fazer sentir satisfeitos em ficar sentados em nossas residências durante todo o dia. Mas esses esforços não serão válidos.

De fato, se pusermos nossos corações para responder apenas a uma pergunta muito famosa, tenho certeza de que todas essas perguntas e dúvidas desaparecerão do horizonte, e você olhará para o lugar delas para descobrir que elas desapareceram. Essa pergunta indignada é uma pergunta que o mundo inteiro se faz, a saber, “Qual é o sentido da vida?”. Em outras palavras, esses anos enumerados de nossa vida nos custam muito e as inúmeras dores e tormentos que sofremos por eles, para completá-los ao máximo, quem é que os aprecia? Ou ainda mais precisamente, a quem eu me delicio? É verdade que os historiadores se cansaram contemplando-a, e particularmente em nossa geração. Ninguém sequer deseja considerá-la. No entanto, a pergunta permanece tão amarga e veemente quanto sempre. Às vezes nos encontra sem ser convidada, bica nossas mentes e nos humilha no chão antes de encontrarmos a famosa manobra de fluir sem pensar nas correntes da vida como sempre.

Séculos atrás, O Livro do Zohar, bem como o renomado Cabalista do século XX, Yehuda Ashlag (Baal HaSulam), previram que a partir do final do século XX, a pergunta sobre o sentido da vida se intensificaria em toda a humanidade, exigindo mais e mais pessoas buscando sua verdadeira resposta. Aqueles que permanecem insatisfeitos com o que nossa cultura cria para lidar com essa pergunta, entretanto, que continuam explorando diferentes abordagens, métodos e ambientes sem sucesso, devem acabar se descobrindo na sabedoria da Cabala

A sabedoria da Cabala é um método de como perceber e sentir a realidade eterna enquanto vivemos nossas vidas atuais. Atingir tal percepção, em última instância, responde a perguntas como “O que acontece quando você morre?” e “Qual é o sentido da vida?” Porque, ao fazer isso, acessamos nossa vida espiritual que continua vivendo após a morte de nossos corpos proteicos. Ao nos envolvermos no método, passamos por mudanças significativas que revelam uma percepção completamente diferente da realidade, descobrimos uma satisfação duradoura, uma conexão mais profunda com os outros e com a força causal da realidade, e obtemos um senso de integridade e harmonia com o mundo ao nosso redor. Essa maravilhosa sabedoria está aberta a todos e aguarda qualquer um com um desejo sincero de encontrar a razão principal de por que surgimos aqui neste planeta..

Autor: Michael Laitman

Fonte: http://www.michaellaitman.com/pt/

O conceito filosófico de tempo e a régua de 24 polegadas

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O presente artigo aborda a questão da régua de 24 polegadas e o conceito filosófico do tempo, buscando afirmar que o instrumento conferido ao aprendiz maçom contém diversos elementos de contemplação dos filósofos gregos. O artigo ressalta que o maçom, ao usar a régua como um instrumento cotidiano pode obter “tempo” para a vida maçônica e familiar, evitando-se a ausência em ambos os ambientes.

A questão do Tempo

A maioria das pessoas, lógico supor, admite uma compreensão intuitiva do tempo. Pra essa maioria o tempo é algo ao mesmo tempo cotidiano, empírico, científico, fácil e complexo, poético e assustador, sentimental ou frívolo.

Falamos do ontem, do hoje e do amanhã. Referenciamos no passado de nossas vidas, para hoje planejarmos e pensamos no futuro de nossas famílias. Enfim, existe um tempo que passa ao mesmo tempo em que outros passam o tempo.

Para muitos o passado como tempo é história e o futuro especulação. O hoje e o agora não existem, sendo apenas uma referência de segundos entre o passado e o futuro.

Deus é, diriam alguns, logo não existe passado ou futuro na mente de Deus. Talvez por isso Santo Agostinho tenha escrito em suas Confissões:

O que é o tempo? Se ninguém pergunta, sei o que ele é; mas se alguém me pergunta e tento explica-lo, já não sei mais.” (SANTO AGOSTINHO, 1997).

Poderíamos, partindo da premissa acima, considerar que o tempo é algo ou objeto de difícil definição, podendo apresentar diversos conceitos e abordado de formas diferentes, dependendo do ramo da ciência, seja arte, geometria, biologia, astronomia, matemática, física, sociologia ou filosofia.

Não se pretende neste artigo uma abordagem sobre cada um desses aspectos, mas apenas demonstrar que o simbolismo da régua de 24 polegadas, em especial no Rito de York, possui profunda atualidade filosófica sobre o que concerne ao tempo.

A régua de 24 polegadas na Maçonaria

A primeira observação que fazemos é quanto às características básicas da régua, um instrumento simples, milenar, que nos ensina, de uma forma mais simples ainda, o caminho direto entre dois pontos, dois destinos. Com a régua medimos um seguimento do infinito. Uma parte de nossa vida. A retidão que buscamos.

Após a cerimônia de iniciação maçônica, no primeiro grau da Ordem, o Aprendiz Maçom recebe uma régua, ou é instado a pensar sobre a utilidade de “uma régua de 24 polegadas”, que, devidamente dividida em três partes iguais, deve remetê-lo a adequar a utilização do tempo cotidiano. A Maçonaria a adota porque simboliza o dia com suas vinte e quatro horas, exigindo dos maçons uma adequada utilização das horas do dia.

No campo maçônico, a graduação nela colocada de vinte e quatro polegadas, serve para mensurar o tempo, as vinte e quatro horas do dia, em que o homem deve distribuir suas atividades. No Rito de York, a “cautela” ganha importância na vida do maçom. Associar, portanto, a cautela à régua de 24 polegadas nos parece ser um bom caminho para explorarmos o conceito de tempo.

Um maçom deve usar, no cotidiano de sua existência, as 24 polegadas como representação de 24 horas, divididas em três partes de 8 horas: descanso, trabalho e solidariedade.

Assim deve, de certa forma, dividi-las entre suas atividades matinais, nem sempre realizadas, como sua primeira refeição diária, às vezes esquecida. Outras horas dedicadas ao seu trabalho; à necessária recreação, muitas das vezes não considerada; suas reflexões, em geral pouco ou mal aproveitadas; e o merecido repouso, como nos prega a mensagem maçônica. E as outras oitos horas servindo a Deus ou a algum necessitado.

Filosoficamente, poderíamos dizer tratar-se de um caminho entre a norma e a ordem, entre o que se quer fazer e o que se deve fazer, entre o passional e o racional, entre a direção da ponta do malho ao topo do cinzel. Indica a própria construção do homem, a lapidação de sua forma mais bruta em busca da perfeição (RAGON, 2005).

O exercício na separação de cada tempo, dando o ritmo necessário para cada etapa, faz com que o homem evolua, cresça, se realize e desenvolva habilidades que de outra forma poderia pensar ser impossível realizá-las.

A constante assertiva de muitos maçons contemporâneos de que “não tem tempo”, quer para ir à Loja ou realizar atividades de filantropia, demonstra uma não utilização dos princípios maçônicos sobre a administração do tempo (ALCÂNTARA FILHO, 2012).

Segundo os conceitos filosóficos do simbolismo maçônico, “tempo obtido” seria uma vitória pessoal, inigualável, uma capacidade de autogestão, ou a pura demonstração da vontade, de responsabilidade e do reconhecimento de si própria. Um caminho que se propõe reto é íntegro e honesto. Cada nova ação proposta deverá ser bem estudada, analisada, e, para ser edificada, basta incluí-la nos intervalos de cada ponto de nossa régua, utilizando para isso os princípios éticos que envolvem a liberdade, a igualdade e a fraternidade (BAYARD, 2004).

No campo simbólico, junto ao malho e o cinzel, a régua forma um conjunto de ferramentas, ou instrumentos, que devem ser usados pelo Aprendiz em seu trabalho, como diz o ritual do Rito Escocês Antigo e Aceito. Já no Rito de York, mais antigo que esse, a régua de 24 polegadas está associada ao “martelo de corte”, um instrumento muito mais apropriado ao trabalho no “desbastar” da Pedra Bruta.

De qualquer forma, a régua era usada pelos maçons operativos, aqueles que remontam das lendas míticas aos construtores de templos, para executar um trabalho de precisão na construção, medindo, delineando, ajustando o traçado ou limites do corte de uma determinada pedra para uma construção específica.

O Tempo: primeiros conceitos

Aristóteles (1995), em sua obra “Physique IV, Tratado do Tempo”, faz uma reflexão sobre a realidade física do tempo, aquela que é medida pelos relógios, dando inclusive a impressão que descarta o tempo psicológico, demonstrando que o tempo é uma ilusão. Para ele, o momento presente, como “instante”, não pode existir para o homem, pois não pode ser percebido instantaneamente, como no sonho (BURNET, 1994).

Ele formula uma questão-chave:

O tempo poderia existir sem a alma e o pensamento, que são os verdadeiros sujeitos de toda a medição?” (218b).

Depois de uma análise desta questão, ele mesmo formula a resposta afirmando que isso poderia ser válido para todas as coisas, menos para o tempo e o movimento.

As respostas acima seriam analisadas séculos depois por Santo Agostinho. Mas, retornando a Aristóteles, podemos ressaltar a definição de seu objeto:

O tempo, se não é o próprio movimento, é seu número calculado, isto é o resultado da medição” (219). Assim ganhamos consciência do tempo pelo fato do movimento representar uma sucessão contínua, definida como um antes e um depois, ou seja, “O tempo é o número do movimento conforme o antes e o depois.” (219b).

Lógico que já evidenciamos esses conceitos aristotélicos no simbolismo da régua de 24 polegadas, no sentido de podermos medir numericamente um espaço de movimento menor (ciclo de oito horas) durante um dia (três ciclos de oito horas).

Analogamente, no item 223-b da mesma obra, Aristóteles diz que “a locomoção circular (o movimento dos astros no céu) é a melhor medida, porque seu número é o mais conhecido”, o que também remete a simbolismo maçônico do Rito Escocês.

Heidegger (2012), ao citar Platão, afirmou que o tempo nasceu quando um ser divino colocou ordem e estruturou o caos primitivo. O tempo tem, portanto, de acordo com Platão, uma origem cosmológica. Ele procura estabelecer a distinção entre o “ser” e o “não ser”. O mundo do “ser” é fundamental e não está sujeito a mutações. Ele é, portanto, eternamente o mesmo. Este mundo, entretanto, é o mundo das ideias, apreensível apenas pela inteligência e pode ser entendido utilizando-se a razão. O mundo do “não ser’’ faz parte das sensações, que são irracionais, porque “dependem essencialmente de cada pessoa” (LUCE, 1994).

O domínio do tempo estaria nesse segundo mundo, assim como tudo o que se observa no universo físico, tendo assim uma importância menor. Talvez possa ser dito que, para Platão, o tempo essencialmente não existe, uma vez que faz parte do mundo das sensações.

O Tempo da Alma

Platão (2002), em Timeu, afirma que o “deus quis que todas as coisas fossem boas”. Portanto, para ele, esse deus:

[…] teve a ideia de criar uma espécie de imagem móvel da eternidade, e, enquanto organizava o céu, criou à semelhança da eternidade imutável em sua unidade, uma imagem em eterna evolução, ritmada pelo número; e é isto que chamamos de tempo. À constituição do tempo, ele combinou o nascimento dos dias, das noites, dos meses e do ano (Platão. Timeu e Critias ou Atlântida, 2002).

Esses princípios mostram a universalidade do ensino simbólico da Maçonaria, em especial na régua de 24 polegadas, pois o ciclo se repete, a cada 8 medições numéricas, num ciclo ininterrupto de 3 medições. Ou seja, a cada hora, a cada dia, mês e ano. Enfim, a régua e os conceitos platônicos nos remetem a nossa própria vida e eternidade.

Santo Agostinho (op. cit) oferece-nos outra reflexão sobre o tempo onde ele opõe a eternidade imóvel num eterno presente e o tempo que passa. Para ele o “Verbo” eterno é o criador de todos os tempos em que a criação pode ocorrer. E no capítulo XIII afirma que não havia tempo antes que o tempo existisse, mostrando que o futuro não existe ainda, o passado já não existe mais e presente vai desaparecer a medida que o tempo avança, sendo portanto efêmero.

Outra contribuição de Agostinho é que do tempo “psicológico” de Aristóteles constrói a ideia de tríade:

[…] passado-presente-futuro que não existem em atos, mas nas representações de nossas mentes, e se existem nas representações de nossas mentes, eles o fazem na forma presente, pois é no presente que concebemos ou imaginamos o futuro e nos recordamos do passado (cap. XVII)”. (ABRÃO & COSCODAI, 1999).

A humanidade tem necessidade de medir o que ela concebe como tempo. A régua de 24 polegadas expressa essa necessidade. Portanto, deve ser dividida em 3 partes iguais, pois aqui o tempo se apresenta como número e, como todos os números, indicando quantidade – quer de tempo ou de horas – não passa de um produto prático de pensamento.

Considerações Finais

A natureza do tempo tem sido um dos maiores problemas desde a antiguidade, quer no que concerne a medição, passagem, fluidez, linearidade ou circularidade, se divino, cósmico ou meramente físico.

Acredita-se cada vez mais que ele é uma das propriedades gerais do pensamento humano ou uma se suas exterioridades e que, para a compreensão e entendimento de nossa humanidade, precisa ser dividido em três dimensões lineares: o passado, o presente e futuro.

Sabemos que devemos a máxima de “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio” a Heráclito (1988), que é o filósofo da transformação e do movimento perpétuo. Conceito que reforça o princípio de que a divisão igual em 24 partes da régua, embora repetida cotidianamente pelos maçons, nunca terá o mesmo objetivo, pois se renova automaticamente, ao final de cada ciclo de 24 horas.

Mesmo sendo uma contraposição ao pensamento de Platão (op. Cit), que, ao defender um “ciclo mítico de eterno retorno”, onde o tempo era um movimento cíclico e assíduo, pois aquilo que acontecia no passado era repetido e retornava (VERNANT, 1992), a régua de 24 polegadas reafirma um conceito de que a repetição insensata de pensamentos e ações, diariamente, traz infortúnios.

Na perspectiva de Kant, o tempo é uma estrutura da relação do sujeito com ele próprio e com o mundo, uma forma “a priori” da sensibilidade, uma espécie de intuição pura e ao mesmo tempo, uma noção objetiva de observação e não extraído da experiência, ou seja, um dos limites para o conhecimento no plano da sensibilidade.

Independente do valor material, físico e matemático da medição do tempo, relacionando-o ao passado, presente ou futuro, a medida que o tempo se torna subjetivo ou psicológico, cada ser humano pode vivenciá-lo numa situação agradável, desagradável, lenta, rápida, penosa ou alegre. Conclui-se portanto que o homem, pela sua condição de mortal, é afetado por processos diferentes do que ocorrem no espaço infinito.

Há uma assertiva na Maçonaria brasileira de que “somos todos aprendizes”. Sendo assim, a régua de 24 polegadas, pelo menos teoricamente, nos acompanha sempre. Se seu simbolismo é usado junto à nossa capacidade mental de reter acontecimentos e imagens passamos a ter uma condição fundamental para as características fundamentais da vida social, o que inclui obrigatoriamente a necessidade de “tempo” para nós mesmos e para nossas famílias.

Autor: Luiz Franklin de Mattos Silva

Fonte: Revista Fraternitas in Praxis

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Referências Bibliográficas

ABRÃO, B.S.; COSCODAI, M.U. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ALCÂNTARA FILHO, N. Irmãos, Ajudai-me a Abrir Loja. São Paulo: Madras, 2012. ARISTÓTELES. Physique IV, Traité du temps. Paris: Kimé, 1995. BAYARD, J. P. A Espiritualidade da Maçonaria: da Ordem Iniciática Tradicional às Obediências. São Paulo: Madras, 2004. BURNET, J. O Despertar da Filosofia Grega. Trad. M. Gama. São Paulo: Siciliano, 1994. HERÁCLITO. Fragments et Témoignages, Les Présocratiques. Paris: Gallimard, 1988. HEIDEGGER, M. Platão, o Sofista. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2012. LUCE, J.V. Curso de Filosofia Grega. Trad. M.G. Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. PLATÃO. Timeu e Critias ou Atlântida. Rio de janeiro: Hemus Editora, 2002. RAGON, J. M. Ritual do Aprendiz Maçom. 8ª Ed. São Paulo: Pensamento, 2005. SANTO AGOSTINHO. Confissões. Rio de Janeiro: Editora Paulus, 1997. VERNANT, J. P. As origens do Pensamento Grego. Trad. I.B.B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 7ª ed., 1992.

Tempo e eternidade – Excurso sobre a concepção agostiniana de tempo

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Introito

É sabido que os primeiros dez livros das Confissões são devotados em sua maior parte a contar a história de Agostinho, sua infância, sua vida interior e seus conflitos espirituais, sendo os três livros seguintes dedicados a uma meditação sobre as primeiras palavras do Gênesis[1]. Também se sabe que é no primeiro desses três livros subsequentes, por ocasião de uma reflexão sobre o verbo criador, que Agostinho enfrenta o problema do tempo. Assim, ainda que Agostinho se ocupe da temporalidade ou a mencione em outros escritos, é nas Confissões onde trata da problemática do tempo com mais profundidade. Por isso é que o nosso interesse aqui recairá sobre elas; e porque se trata de longe da fonte mais estudada por todos aqueles que se ocupam do tempo[2].

A concepção que Agostinho sustentou nas Confissões acerca da temporalidade sempre suscitou atenção. Não somente pela influência que exerceu sobre o mundo cristão ocidental, mas também e sobremaneira pela clareza com que Agostinho expôs a questão e pela forma em que soube respondê-la. O que nos concerne aqui, não obstante, não é tanto a sua resposta quanto as questões que  provoca. Numa palavra: o que mais nos interessa aqui é a própria questão.  Para bem compreendê-la, porém, não é menos importante destacar como e por que o Bispo de Hipona chega a levantá-la; por que precisa respondê-la, como a responde e até que ponto essa resposta é relevante para uma investigação filosófica acerca da essência do tempo. Neste sentido, dividiremos a exposição em três momentos. No primeiro, tentamos mostrar como Agostinho chega a deparar-se com o problema do tempo; no segundo, oferecemos uma interpretação da resposta que ofereceu à pergunta pela essência  do tempo; finalmente, no terceiro, apresentamos algumas conseqüências  que se nos afiguram dignas de menção.

Deus, o tempo e a eternidade

De início Agostinho enfrenta uma objeção de caráter herético: o que fazia o criador antes da criação? À primeira vista, a questão parece ociosa; mas não o é. A questão levanta um grave problema: se Deus  “fazia algo” antes de criar o mundo e todas as coisas, então a criação seria “posterior” aos afazeres da divindade neste hipotético e preliminar estado em que o criador não era ainda o artífice de todas as coisas. Dito de outro modo: se Deus porventura tivesse feito algo “antes”, Deus teria feito coisas antes e depois; a saber, estaria submetido à ordem do tempo e seria temporal. Não seria um ser eterno. Por conseguinte, Agostinho precisa responder à objeção, salvando assim a eternidade de Deus e Sua diferença face a todas as coisas criadas.

O mesmo problema aparece sob outro aspecto. Se Deus é o criador, como ele criou? As escrituras sagradas dizem que ele criou com a palavra. Bastou-lhe pronunciar o verbo divino para que todas as coisas fossem criadas. Novamente surge uma dificuldade: as palavras são sucessivas, pois ao serem ditas, ocorrem de acordo com uma seqüência na qual  primeiro vêm a ser e depois deixam de ser[3]. Mas se Deus é um ser eterno, um ser que criou com seu  mero verbo, como fez então para que este não fosse um verbo de palavras sucessivas, temporais, finitas?[4] Ou melhor, como Deus, que é eterno, pode gerar todas as coisas pela palavra, que é sucessiva?

Note-se que em ambos os casos, para responder às objeções, Agostinho precisa separar Deus e Sua ação divina do mundo das coisas temporais, porque o Criador deve agir e ser diferente de todas as coisas criadas. Deve ser eterno e deve criar desde a eternidade, a qual não pode sofrer mudança, por carecer de começo e de fim[5].  Deus deve ser então diverso de tudo que é temporal. Mas, como?

Para pensar sobre a essência peculiar da divindade Agostinho conta com as escrituras. É a partir delas que medita sobre a eternidade de Deus e a diferença radical entre Ele e as criaturas. Deus — diz Agostinho — não pode fazer nada antes da criação, porque antes da criação não há nenhum “antes”: o tempo e todas as coisas temporais são simultâneos ao primeiro ato da criação[6]. O nascimento do tempo coincide com o primeiro segundo da criação. Deus cria o tempo — e a pergunta pela anterioridade, que é uma pergunta “temporal”, só faz sentido após o ato divino da criação. Isto é compreensível, se Deus é  de fato criador e eterno.

Mas, mesmo assim, ainda é um problema sério compreender como Ele pôde ter criado com a palavra  — pois toda palavra é sucessiva e sua existência é temporal. É de supor, portanto, que o verbo criador possa não ser da mesma natureza que as palavras finitas que conhecemos. Agostinho diz que a palavra do verbo divino é uma palavra pronunciada eternamente. Tratar-se-ia de uma ação “coeterna”- i.é, de uma ação que é simultânea a sua eternidade. O que significa que o ato da criação é extemporâneo, atemporal[7].

Essa resposta, evidentemente, não satisfaz o leitor moderno. Como não satisfez a outra, a saber, que Deus não podia fazer nada antes da criação, porque se o fizesse, a criação teria ocorrido no tempo, e então não seria uma criação ex nihilo, posto que teria sido precedida por algo anterior[8].

Nenhuma das duas respostas nos satisfaz porque adivinhamos a suposição de um dogma: a diversidade essencial entre o “Criador” e o mundo das “criaturas”, entre a eternidade divina e a finitude temporal. E no entanto elas nos ajudam, em algum sentido; mesmo que não aceitemos o dogma. Pois face à questão que nos ocupa, a da essência do tempo, agora compreende-se melhor como Agostinho chega a encará-la: precisa mostrar que o tempo é diferente da eternidade para afirmar que o verbo divino não poderia ter sido temporal; precisa mostrar que a eternidade de Deus não se coaduna com a mudança sucessiva que corrompe todas as coisas para afirmar que a pergunta pelos afazeres divinos antes da criação se baseia num mal-entendido.

É assim que Agostinho se vê obrigado a tratar da natureza do tempo — sempre em oposição à eternidade. Curiosamente, opondo, do mesmo modo que Aristóteles, a eternidade do que é divino à constante fugacidade do vir a ser das coisas sujeitas à geração e à corrupção, mas sendo que aqui se trata não apenas de um primeiro motor imóvel, mas de um criador.

O  problema  do  tempo

A primeira coisa que caracteriza o âmbito do tempo, é que as coisas criadas se transformam e estão sujeitas a mudanças[9]. A corruptibilidade, o desgaste e o envelhecimento evidenciam a fugacidade, a transitoriedade do mundo criado. Numa palavra: sua imperfeição. Pois para Agostinho, como para Aristóteles, só pode mudar o que carece de algo, justamente tendo em vista alcançar sua perfeição, sua plenitude[10]. A eternidade da divindade, em contrapartida  repousa incessantemente em seu presente imutável e infinito[11].

Esta diferença radical configura a pressuposição básica de tudo que virá depois: o caráter intrinsecamente mutável das coisas temporais face ao caráter essencialmente isento de transformação que signa a onipresença do criador[12]. Por aí reaparece agora a dicotomia entre o tempo e a eternidade, mas também uma ideia mais antiga (já presente de algum modo na arcana sentença de Anaximandro)[13], segundo a qual não há tempo sem coisas que nele se transformem, nem coisas que se transformem fora do tempo. Assim, do casamento indissolúvel entre tempo e mudança (caro a Platão, mas muito mais a Aristóteles) vem decorrer o fato de que tudo que não é eterno tenha um começo e um fim; e passe, sucessivamente. Pois “passar” não é senão a ocorrência no tempo de um ser que muda, que deixa de ser algo ou modifica alguma parte para alterar-se e tornar-se outro, ou para simplesmente definhar e desaparecer. Do mesmo modo, ainda, decorre daí uma outra conseqüência, desta vez no que diz respeito à divindade: sendo Deus eterno, deve permanecer imutável em sua eternidade, que por isso só pode ser definida como um presente absolutamente incapaz de passar. Não como um tempo infinitamente prolongado, tanto em direção ao passado como ao futuro, posto que tempo implica mudança, e esta tem começo e fim. Um tempo infinito ainda seria temporal; uma eternidade impotente, porque sujeita às vicissitudes do trânsito. Um presente absoluto, porém, seria digno de onipresença do Criador. Esse sim poderia definir a eternidade agostiniana, porque seria completo, absoluto, e não careceria de nada.

Desta diferença entre o presente que sempre passa e o presente sempiterno arranca toda a análise de Agostinho. Um é pura completitude; o outro diz respeito a  algo incompleto que procura sua plenitude, e por isso recai na esfera da mudança.

A mudança, entretanto, é pensada por analogia ao problema do mal. Se é verdade que Agostinho define o mal como privação do bem[14], também é verdade que pensa a mudança como privação de perfeição; perfeição cujo correlato é o devir temporal. “O tempo —nos revela- não corre em vão”[15]. As coisas belas “nascem e morrem, e nascendo começam a existir, e crescem para alcançar a perfeição, e uma vez perfeitas, começam a envelhecer, e morrem”[16]. E “embora nem tudo chegue à velhice, tudo perece. Logo, quando nascem e esforçam-se por existir, quanto mais depressa crescem para existir, tanto mais se apressam para não existir. Essa é sua condição…[17].

Isto que Agostinho diz sobre a brevidade da beleza terrena, aplica-se à brevidade de todas as coisas temporais. Passam e morrem; crescem e desaparecem; surgem e somem com a fugacidade de uma estrela cadente. São temporais: “passam para dar lugar a outras”[18]. Passam e transcorrem no tempo, sucedendo-se umas às outras. Mas, afinal, o que é o tempo? “Se ninguém mo pergunta, eu o sei; mas, se mo perguntam, e quero explicá-lo, não sei mais nada” — confessa Agostinho[19].

Sua confissão, porém, nos diz aquilo que todos sabemos: cremos saber o que é o tempo, mas no fundo ignoramo-lo. Contemplamos o calmo curso das horas nos ponteiros do relógio, falamos de um “ontem”, de “hoje” e de um “amanhã”; de “antes”, de “agora” ou “depois”. Cremos saber e entender o que é o tempo. Mas, se no-lo perguntarem, se perguntamos a nós mesmos o que é realmente o tempo, veremos que de fato não o sabemos.

As coisas mudam através do tempo, numa sucessão de instantes que advêm e passam, desdobrando-se em pretérito, presente e porvir, enquanto que a eternidade permanece simultânea e sempre presente[20]. O futuro vira presente e o presente passa e deixa de ser presente para tornar-se passado: “Se o presente, para ser tempo, deve unir-se ao passado, como podemos declarar que existe, se não pode existir senão deixando de existir? (…) o que nos autoriza a afirmar que o tempo existe é a sua tendência a deixar de existir”[21]. Dizer que as coisas mudam sucessivamente é dizer que elas passam do futuro ao presente e afundam no passado. O fato de o presente virar passado é aquilo que o distingue do presente sempre eterno. Pois justamente porque muda não pode o presente ser todo presente. Somente a eternidade é sempre toda presente. A “sucessão dos tempos é feita de uma multidão de instantes que não podem correr simultaneamente (…) todo passado e futuro tiram sua existência e curso do eterno presente (…) a eternidade, que não é futura, nem passada, determina o futuro e o passado…”[22].

Todavia, se o que define a existência do tempo “é sua tendência a deixar de existir”[23], e se todo presente deixa de sê-lo para tornar-se passado, como é que se pode apreender o tempo? Além disso, o que é que mantém as coisas temporais em constante mudança, em busca de sua perfeição, senão aquela perfeição do presente eterno? Parece que o passado e o futuro, que se transforma em presente, e logo em passado, tiram sua existência da eternidade. Agostinho parece sugerir, assim, uma certa preeminência do presente sobre o passado e sobre o futuro, uma vez que o passado já não é mais e o futuro ainda não é[24]. Numa palavra: o futuro e o passado são como que um não-ser, uma vez que o ser só cabe ao presente, à atualidade a partir da qual definimos o futuro para diante e o passado para trás. A persistência do presente, por onde passa o fluido dos instantes, advêm do futuro e se perdem no passado, parece fundar-se em última instância na eternidade. Como se houvesse um ponto de contato absoluto e inefável entre o tempo e o que está fora do tempo — o portal do presente. A insistência do presente, onde sempre estamos situados, opera como um reflexo da eternidade divina. O presente pontual, o agora instantâneo, também passa — mas o constante presente, o leito por onde passa o rio da sucessão dos instantes, fica ancorado. Ela não passa: bem antes, é nele que tudo se passa.

Mas será mesmo que o futuro e o passado não existem? Não fazemos previsões, não guardamos expectativas acerca do futuro? Não contamos histórias que nos lembram fatos acontecidos no passado? Ainda que o futuro não exista, porque ainda não é, não existe de algum modo em nossas esperanças, como uma sorte de antecipação? E ainda que o passado não exista, porque já se foi, não existe em nós a memória das coisas e dos eventos passados?[25] Só podemos dizer que o presente existe, enquanto passa e deixa de ser, ou, de alguma maneira, ainda podemos admitir a existência do passado e do futuro, mesmo que esta possa ser diferente  do modo de ser do presente?

Apesar de ter dito que só existe o presente, enquanto passa, Agostinho se vê obrigado a admitir que em alguma medida, o futuro e o passado também existem[26]. Como isto é possível? É que nós medimos o tempo, comparamos a duração de um período de tempo com outros. Assim, por exemplo, dizemos que a guerra dos trinta anos foi longa — trinta anos! — mas  menor que a guerra dos cem anos. Mas, como medir o passado, se ele não mais existe? E contudo, de fato, medimo-lo. O que medimos, porém, é mesmo o passado? Não, o que medimos é o que do passado perdura em nossa memória. O passado enquanto passado já era, mas podemos medi-lo enquanto evocamos as imagens que deixou na lembrança. O mesmo se passa com o futuro: não podemos medi-lo em si mesmo, posto que ainda não veio a ser, mas podemos invocá-lo em nossa consciência e calcular nossas expectativas. O que medimos, assim, não é o tempo passado nem o tempo o futuro em si mesmos, porquanto eles não existem, mas sim a memória e a esperança dos mesmos em nossa consciência. Enquanto passam, porém, tornam-se presentes. E o presente não tem duração alguma[27]. Medimos no entanto “o tempo que passa”; medimo-lo “quando o sentimos passar”[28]. De tal maneira que “quando o tempo passa, pode ser percebido pela consciência  e medido[29]. Assim, medimos o passado e o futuro, que em si mesmos não existem, quando os tornamos presentes a partir de lembranças e pressentimentos[30]. A bem dizer, não existem propriamente o presente, o passado e o futuro, mas o “presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro, porque essas três espécies de tempo existem em nosso espírito, e não os vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança”[31].

Porém Agostinho não se contenta com essa conclusão, ainda que muitos se contentem com ela e considerem que resume a teoria agostiniana do tempo. Sugere além disso que o tempo, enquanto passa, é medido em analogia com o espaço. Diz-se que um lapso é o duplo, ou o triplo, ou a metade daquele outro lapso de tempo, ou um quarto deste, ou menor,  ou maior, etc. Mede-se sempre, por conseguinte, “espaços de tempo”[32]. E aqui surge uma outra questão: em que lugar medimos o tempo que passa quando o medimos através de representação de espaços de tempo?[33]. A sua resposta ainda não é oferecida. Antes Agostinho nos lembra que não só medimos a duração dos tempos como também a duração dos movimentos a partir do tempo. Medimos o tempo com base numa analogia especial, e simultaneamente medimos o movimento com base no tempo. O tempo, como em Aristóteles, aparece definido agora como a medida do movimento, como a medida da duração dos movimentos dos corpos[34]. Trata-se do argumento que serve tradicionalmente para negar a identificação entre tempo e movimento: o tempo não é o movimento, porque o movimento é que se dá sempre no tempo[35].

Ao negar-se a identificação entre tempo e movimento, parece-nos, prepara-se o caminho para uma compreensão em que o tempo é o tempo medido, o tempo cronológico que mede o movimento e o repouso. Por haver tempo no repouso, e por haver aceleração ou desaceleração de movimentos sem que mude o ritmo do tempo, é que tempo e movimento são vistos como coisas de natureza diversa[36]. Ao refletir-se sobre quem mede e onde mede, para retornar à pergunta acima, chega-se a uma resposta que é quase  a aristotélica: quem mede é a alma, e o lugar da medição é próprio espírito[37]. Se quem mede o tempo é a alma, talvez o tempo seja uma distensão da própria alma[38]. Ao passarem pelo palco do espírito, as imagens evocadas pela  memória e as imagens antecipadas pela espera estendem-se por um espaço de tempo : é justamente essa extensão que medimos, a saber, “o intervalo que separa um começo de um fim”[39]. Medimos o tempo como a distensão da memória, da atenção e da espera: “o espírito espera, está atento e se recorda”[40]. O presente mesmo carece de duração, porque é um instante que passa, mas perdura a atenção[41]. É a alma que desloca seu foco de atenção nas dimensões do atual, do pretérito e do ainda por vir: “é um ato presente de atenção que faz passar o que era futuro ao estado de tempo passado”[42]. Assim, “quanto mais se prolonga essa operação [de atenção], tanto menor se torna a espera e tanto maior a memória, até o momento em que a espera se esgota completamente, e, terminada, a ação passa inteiramente para a memória”[43].

Se com isso Agostinho responde à questão pela essência do tempo, é algo que se pode aceitar ou questionar. Pareceria ser filosoficamente mais profícuo, em todo caso, extrair algumas implicações da sua análise.

Algumas consequências

Do ponto de vista histórico parece impor-se uma conseqüência que não é tão trivial quanto parece: a de que Agostinho deve no mínimo tanto a Aristóteles quanto a Platão, se não mais. E desta surge uma outra: a de que a originalidade de Agostinho está muito mais no tratamento do que nas teses que defende. Mais especificamente, eu diria, sua originalidade consiste em problematizar o tempo. Ainda que sua análise seja uma conjunção admirável de teses judaico-cristãs e pagãs, a “descoberta” do enigma do tempo é que se constitui no meu entender como seu maior contributo a uma filosofia do tempo.

Do ponto de vista de uma abordagem estritamente filosófica do tempo, porém, na análise agostiniana existem elementos que merecem ser levados em consideração e elementos que podem ser deixados de lado sem prejuízo algum. Neste sentido, creio que existiriam outras três conseqüências que poderiam ser explorados tendo como alvo principal a elaboração de uma teoria filosófica sobre a natureza do tempo. Cada uma das três representa um elemento digno de menção numa investigação desta natureza, mas desde que tentados do ponto de vista dos princípios, o que significa dizer, em se tratando de Agostinho, que tais aspectos devem ser “dessacralizados”.

A primeira concerne a relação entre os conceitos de tempo e de eternidade. A pergunta é por que Deus não poderia ser eterno e existir no tempo ao mesmo tempo? Se pensarmos não na eternidade divina, mas no conceito de eternidade, nada nos impede de pensar a eternidade como um tempo infinito, mesmo que ele comporte mudança. A negação quase parmenídica da mudança para a eternidade só faz sentido do ponto de vista teológico da eternidade divina, que deve ser imutável[44]. Se a eternidade fosse um tempo infinito, o tempo nada mais seria do que um recorte no fluxo infindável da eternidade.

A segunda concerne uma dificuldade essencial a toda teoria subjetivista do tempo. Por um lado conjuga-se tempo e mudança, e diz-se que as coisas temporais mudam e que toda mudança ocorre no tempo. Mas quando se define o tempo em função da alma, do espírito ou de qualquer instância relativa à esfera da subjetividade ou da consciência, parece como se as coisas, que mudam elas mesmas, não fossem temporais – nega-se tacitamente a objetividade dos processos temporais. Para colocar a dificuldade em Agostinho: se o tempo é uma distensão da alma, o que dizer então das “coisas temporais”? Será que então não há tempo nas coisas, para além da sucessividade dos processos conscientes?

A terceira questão é a mais ampla e complicada. Agostinho posiciona-se dentro da tradição aristotélica: o tempo não é nem pode ser o movimento — antes o movimento das coisas ocorre no tempo. Mas o argumento não se resume a isso. A sua força de convicção baseia-se em duas alegações:

  • O tempo não pode ser o movimento, porque há tempo no repouso;
  • O tempo não pode ser o movimento porque a desaceleração ou a aceleração do movimento dos corpos não modifica o curso do tempo.

A primeira coisa que cabe perguntar é se o tempo não poderia ser um caso especial do movimento, a saber, a mudança (o próprio Aristóteles diferenciou quatro espécies de movimento: geração e corrupção, aumento e diminuição, mudança de lugar e mudança). A resposta é não, se as alegações acima mencionadas forem verdadeiras ou não passíveis de questionamento. Mas, e se porventura fossem passíveis de questionamento? Será que o tempo não poderia ser pura mudança? Não podemos responder aqui a essa pergunta (já demos uma resposta preliminar em outra parte), mas podemos pelo menos oferecer três contra-argumentos às alegações agostinianas enraizadas na concepção aristotélica que defende ser impossível identificar tempo e mudança:

  • Até que ponto dizer que as coisas que se movem estão no tempo não é apenas um simples modo de falar? Não podemos dizer com sentido, assim como dizemos que os movimentos ocorrem no tempo,  que o tempo transcorre nas coisas que mudam? De resto, se as coisas e os movimentos ocorrem no tempo, não se pode dizer que o tempo é da ordem da alma, do espírito, ou da consciência, como Agostinho, e mais recentemente Kant, Husserl e toda a tradição da Fenomenologia;
  • Dizer que o tempo não é o movimento porque há tempo no repouso não é um bom argumento porque o repouso pode ser aparente (poderíamos ver repouso, em função da finitude de nosso aparelho cognitivo, onde na verdade existissem movimentos que não percebemos);
  • A aceleração ou desaceleração do movimento medido no tempo não muda o curso ou a velocidade do tempo medido que conhecemos de acordo com o padrão de referência temporal que usamos. Mas o padrão poderia ser mudado: se o sistema solar mudasse de velocidade, acelerando ou desacelerando, nosso ciclo temporal poderia não ter um ano de 365 dias nem um dia de 24 horas. Além do mais, toda medição é medição de alguma coisa; por que então quando falamos do tempo o confundimos com a sua medição, a saber, com o tempo cronológico dos relógios e barras de medida? Não será que o tempo é algo que subjaz ao tempo medido, precisamente aquilo que é medido? Tento um exemplo. A aceleração ou desaceleração das mudanças que observamos nos ciclos naturais de todos os corpos e seres,  parece,  poderiam modificar o curso do tempo: a duração de cada corpo e de cada ser depende dessas mudanças. Assim, a velocidade das transformações (por exemplo, do metabolismo) determina de fato a duração da vida de certos seres, por exemplo. Assim, a duração da pedra difere da tartaruga, e esta do homem. Não devemos dizer que nesse caso a velocidade das mudanças é mais acelerada nos seres cuja vida dura menos e é menos acelerada em seres ou coisas que duram mais? É só uma hipótese, ou melhor, uma analogia, mas sendo plausível basta como alternativa ao argumento tradicional acima referido.

Autor: Juan Adolfo Bonaccini

Fonte: Crítica na Rede

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Notas

[1] – John F. Callahan, Four Views in Ancient Philosophy, New York: Greenwood Ppress, 1968, p. 168.

[2] – Como bem me lembrou o colega Marcos Costa (UNICAP).

[3] – Confissões, XI, 6.

[4] – Ibidem, XI, 6-7.

[5] – Ibid. XI, 8.

[6] – Ibid. XI, 13-14, 30-31; XII, 9, 11-12.

[7] – Ibid. XI, 7. Cf. ib. XIII, 29.

[8] – Em XI, 10 o argumento refere-se à vontade divina de criar, que sempre deve ter existido, pois caso contrário ela teria início e seria no entanto precedida por um ato volitivo anterior, o que acarretaria mudança, e por isso sucessão, temporalidade.

[9] – Ibid. XI, 4; XII, 8.

[10] – Cf. ibid. IV, 10; VII, 12;  XI, 4;  XII, 11. Aristóteles, porém, vai pensar esta completude de modo diferente.

[11] – Ibidem, XII, 12.

[12] – Cf. ibid. I, 4. Vide também X, 6 e XI, 4  e 7.

[13] – Sobre isto veja-se meu ensaio “Sobre o tempo”, in: Princípios, Natal, 5/6 (1998),  p. 126-7. Cf. Confissões XII, 11.

[14] – Ibidem, III, 7.

[15] – Ibid., IV, 8.

[16] – Ibid., IV, 10. Cf. XI, 4.

[17] – Ibid., IV, 10.

[18] – Ibid., IV, 11.

[19] – Ibid., XI, 14.

[20] – Ibid., XI, 11.

[21] – Ibid., XI, 14.

[22] – Ibidem, XI, 11.

[23] – Ibid., XI, 14.

[24] – Ibid., XI, 14-15.

[25] – Curiosamente, a tese de que o futuro existe como expectativa, esperança ou antecipação, o presente como percepção atual ou atenta, e o passado como memória ou recordação do que já foi, não é de Agostinho. E digo curiosamente porque se costuma crer que a originalidade do tratamento dado por Agostinho ao problema do tempo reside na divisão entre o “presente do passado”, o “presente do presente” e “presente do futuro”, algo que Aristóteles já dissera com clareza em De memoria (449 b 25-27): “Memory is, therefore, neither perception nor conception, but a state or affection of one of these, conditioned by lapse of time. As already observed, there is no such thing as memory of the present while present; for the present is object only of perception, and the future, of expectation, but the object of memory is the past. All memory, therefore, implies a time elapsed; consequently only those animals which perceive time remember, and the organ whereby they perceive is also whereby they remember…” (“On Memory”, in: The Complete Works of Aristotle, ed. by J. Barnes, Princeton: New Jersey, Princeton University Press, 1984, Volume I, p. 716).

[26]Confissões, XI, 17, 21.

[27] – Ibid., XI, 15.

[28] – Ibid., XI, 6. Para atestar outra curiosidade: em XI, 27 Agostinho dirá que não medimos o tempo que passa, ainda que meçamos o tempo. E mais adiante, após ter dito que o tempo é “talvez” uma distensão da alma, diz que a impressão que as coisas nos deixam ao passar é o tempo — ou então não o medimos! Em XI, 29 diz ignorar a ordem do tempo. Assim, ainda que o tempo todo Agostinho forneça respostas, deixa-nos entrever o quanto hesita e oscila  em vários momentos  na afirmação de suas teses.

[29] – Ibid., XI, 16.

[30] – Ibid., XI, 18.

[31] – Ibid., XI, 20.

[32] – Ibid., XI, 21.

[33] – Ibidem.

[34] – Ibid., XI, 24.

[35] – Ibid., XI, 24. Cf. Aristóteles, Physica, IV, 11-12 218 b, 220 b.

[36]Confissões, XI, 24.

[37] – Ibid., XI, 26-27. Cf. Aristóteles, Physyca, IV, 14 223 a.

[38]Confissões, XI, 26.

[39] – Ibid., XI, 27.

[40] – Ibid., XI, 28.

[41] – Ibidem.

[42] – Ibidem.

[43] – Ibidem.

[44] – Ainda que essa tradição encontre pontos de contato na filosofia grega, não se pode esquecer que os gregos (tanto no Timeu como na Física) permitiram pelo menos um caso particular de movimento aos seres eternos, ou seja, o movimento circular. A idéia do “grande ano” que se repete eternamente no Timeu e muitas passagens da Física, da Metafísica e de outros textos aristotélicos são um bom exemplo disso.

Cronos e Kairos: Os Matizes do Tempo – Artigo 6

Ilustraciones de William BlakeNewton – William Blake (1795–c.1805)

O Tempo entre os espaços sagrados

Falar em Sagrado é falar no sublime no mágico, no que está muitas vezes acima do que pensamos algo muitas vezes apenas no nosso imaginário, porém nesse tempo sagrado existem os espaços sagrados, no qual Bourdieu, assim relata:

Um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem a seus ocupantes, agentes ou instituições. Em outras palavras , o campo pode ser considerado um mercado em que os agentes se comportam como jogadores. No caso do campo religioso brasileiro, o surgimento constante de novos atores sociais na disputa com o clero, institucionalizado na manipulação simbólico mais amplo do que as fronteiras da religião institucionalizada. (BOURDIEU, 1990 apud BITUN, 2011)

Para (ELIADE, 2001, pp 63-64) nos esclarece que assim tal como o espaço, o tempo também não é para o homem religioso, nem homogêneo nem continuo. E nestes casos relata:

Há , por um lado, os intervalos de Tempo Sagrado, o tempo das festas; por outro lado, há o tempo profano, a duração temporal ordinária na qual se inscrevem os atos privados de significado religioso. Entre essas duas espécies de tempo, existe é claro, uma solução de continuidade, mas por meio dos ritos o homem religioso pode passar, sem perigo de duração temporal ordinária par o tempo sagrado. (ELIADE, 2001.pp 63- 64)

Ainda para Eliade, o mito conta uma história sagrada, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Para ele o mito é pois a história do que se passou in Illo tempore, é a narração que os deuses ou os seres divinos fizeram no começo dos tempos. (2001. P.84). Contudo Cronos e Kairos são termos gregos para designar o tempo. Cronos é o tempo medido pelo relógio. É o tempo determinado dentro de um limite. Kairos significa o momento certo, oportuno. Refere-se a um aspecto qualitativo do tempo. Nosso dia-a-dia é marcado por esses dois tempos, enquanto cronos quantifica, kairos qualifica. Devemos restabelecer o tempo Sagrado, tornando nos contemporâneos dos deuses – o tempo possibilita que as pessoas experienciem os diversos tipos de tempo, construam um tempo interior principalmente perante acontecimentos de pausas, silêncio pequenas perdas, luto e morte. (SANTOS, 2010)

A autora nos afirma “homem compreende subjetivamente seu lugar no mundo de acordo com o tempo e o espaço ”Não devemos esquecer que toda festa religiosa, representa a reatualização de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico. O tempo é essencial e até para Deus esse tempo é:

“Há, para todas as coisas, um tempo determinado por Deus, e há tempo para todo propósito debaixo do Céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de colher o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar; tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz” (Eclesiastes 3:1-8).

SANTOS assim nos descreve:

A palavra cronologia possui origem grega em chronos que é definido como o tempo; e logos como estudo, ou seja, a sequência, a organização do tempo. Dentro desta terminologia, existe uma diferenciação entre Chronos (Χρόνος) e Cronos (Κρόνος). Chronos é um termo geral que significa alguma coisa relativa ao tempo; assuntos relativos à temática do tempo; já Cronos é uma das personificações do deus grego, que personifica o tempo. Cronos é filho do Titã Urano (que é o Céu) casado com Rhéa, e pai de Zeus. (SANTOS 2010)

Já sobre Kairós podemos assim dizer que “ pode ser visto como um momento “ponte” em que é necessário atravessar para enxergar novas situações, que partem de uma situação e tomam uma direção e um sentido diferente. A autora ainda nos diz que devemos compreender em que momento ele surge e essa descoberta é uma descoberta individual; cada pessoa sente, percebe de alguma forma quando ele está acontecendo. É aquele momento que escutamos no consultório quando os pacientes dizem: “que tudo está conspirando ao meu favor”, no sentido de que as ações feitas, estão sendo realizadas e desenvolvidas no tempo certo. (SANTOS 2010) De acordo com o Dicionário Grego do Novo Testamento, conceituamos Cronos e Kairós em:

Kairós – “Tempo”, especialmente um “ponto no tempo”, “momento”, “tempo oportuno”, “oportunidade favorável”, “ponto justo”, “medida certa”, “lugar apropriado”, “aquilo que é conveniente apropriado ou decisivo”. Na teologia passou a ser usado para descrever a forma qualitativa do tempo ou “o tempo de Deus”, o tempo que não pode ser medido, é o tempo da oportunidade, livre do peso das cargas que se passam e da ansiedade das coisas que acontecem antes do tempo, ele se manifesta sempre no presente, instante após instante; Kairós marca os momentos que se tornam inesquecíveis, ainda que tenham sido breves, os gregos acreditavam que com o Kairós poderiam enfrentar o cruel e tirano Chronos. Quando se fala em Kairós se quer indicar que alguma coisa aconteceu tornando possíveis ou impossíveis certas coisas.

Chronos – “Tempo”, “período de tempo”, “espaço de tempo, longo ou breve”.Chronos serve inicialmente para a designação formal de um espaço de tempo, ou ponto de tempo, refere-se ao tempo cronológico ou sequencial que pode ser medido. Ele controlava o tempo desde o nascimento até a morte, um pensamento Grego era que Chronos representava o tempo que faltava para a morte, uma vez que era impossível fugir do mesmo, todos seriam mais cedo ou mais tarde vencidos (devorados).

Contudo a autora conclui que:

Carecemos aprender a lidar com o tempo, mas com o nosso próprio tempo, ao qual reconheço como tempo interno. É valorizar o tempo das simplicidades e reconhecer o prazer e a felicidade dentro da alma de cada um de nós, considerando nossa história passada, vivenciando plenamente o presente e agradecendo de alguma forma o que o destino, do qual somos responsáveis, nos reserva. É resgatar o tempo de espera, refletir sobre a necessidade de sempre preencher o tempo, e ainda lidar com o inevitável potencial do vazio/solidão que carregamos em nós. É experienciar o tempo como um processo, o desfrutar de um caminho e não uma meta. Só assim o tempo estará a serviço das transformações internas. (SANTOS, 2010)

Autor: Alexandre Salomé de Souza

Fonte: Revista Pandora Brasil

Referências bibliográficas

BIBLIA SAGRADA, Ave Maria, 71ª edição, Edição Claretiana, 1989. BITUN, Ricardo. Mochileiros da fé. São Paulo. Editora reflexão. 2011 ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo. Martins Fontes. 2001 RUSCONI, Carlo; Dicionário do Grego do Novo Testamento; 4ª edição; São Paulo; Editora Paulus; 2003. SANTOS, Karina Servi. EXPERIÊNCIAS DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE TEMPO E ALMA. Curitiba .2010. Disponivel em: http://www.symbolon.com.br/monografias/Experiencias%20do%20tempoKarinaCervi.pdf. Acesso em 23 de Novembro de 2015)

Cronos e Kairos: Os Matizes do Tempo – Artigo 5

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O TEMPO DE SALOMÃO

O Eclesiastes e a Sociedade Contemporânea

Uma visão a respeito dos tempos no Cronos, Kairós e Aion

Hoje o tempo voa, amor Escorre pelas mãos Mesmo sem se sentir Não há tempo que volte, amor Vamos viver tudo o que há pra viver Vamos nos permitir. Trecho da canção de Lulu Santos, ‘Tempos Modernos

Sociedade do coelho branco

Uma fina ironia: um ensaio, meio crônica, a respeito dos conceitos de tempo sendo produzido sob a sensação pouco confortável de que não se dispõe de tempo suficiente para fazê-lo. Afinal, vive-se na atmosfera de uma sociedade em que a aceleração do tempo é fator preponderante para a produção de uma variedade de bens em número cada vez maior, num tempo cada vez menor. Desse modo, as sobras que recolhemos são o ruído, a superficialidade e a pressa. Assim, Carl Gustav Jung irá dizer que “a pressa não é do diabo; ela é o diabo”[1]. E o ‘diabo’ tem deixado suas marcas na economia de um 2015 marcado pelo excesso de produção e de oferta, e retração na procura.

A contradição na qual se vive pode ser percebida na relação que se estabelece entre a correria desesperada para se alcançar alvos a fim de que no tempo futuro se possa largar a fim de desfrutar do tempo. O problema é que o carrossel, uma vez girando, parece não parar mais. ‘Pare o mundo que eu quero descer’? Zigmund Bauman dirá desse tempo que “é preciso acelerar o alcançar caso se deseje a delícia do largar” (Bauman, 08). Se é possível emitir algum juízo de valor com base nos recorrentes surtos de saudosismos, já houve tempos melhores.

Os seres humanos da sociedade moderna ocidental parecem programados com um tipo de descompasso cronológico, pois à semelhança do coelho branco da fábula ‘Alice no País das Maravilhas’, de Lewis Carrol, vive-se gritando “estou atrasado, estou atrasado”, ou “é tarde demais, é tarde demais”. Num determinado momento, a personagem principal vai perguntar ao apressado: “Quanto tempo dura o eterno”? Ao que o coelho responde: “Às vezes apenas um segundo”. O coelho parece conectado com a teoria da relatividade tempo-espaço, não a de Eistein, mas aquela que brota da perspectiva do Deus da Bíblia, sobre quem o escritor irá dizer: “… para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos é como um dia” (2Pedro 3.8).

Do lado de cá da eternidade, ou no ‘andar de baixo’, é possível perceber o caráter de relatividade num mesmo fragmento de tempo. Para um maratonista, que corre seus 42 Km de prova, um segundo não adquire a mesma importância daquela fração de que pode decidir a medalha para um corredor dos 100 metros rasos. Para a senhora que aguarda o nascimento do primeiro rebento, os segundos se esticam indefinidamente, os mesmos que parecerão tão velozes quando se desfruta de um prazer longamente esperado. Para Karl Marx, o tempo do operário do século XIX é relativizado e alienado pelo dono do capital, pois para aquele um dia de trabalho renderá muito menos do que uma hora para este, no fim das contas.

Todavia, há momentos cuja fugacidade irá se revestir de importância e de tal densidade que farão os outros recortes do tempo parecerem insignificantes. Trata-se do tempo da decisão, da oportunidade única, irrepetível. Quando criança, o autor deste ensaio prendia a respiração naquele que era o clímax das apresentações circenses: o trapézio. O ponto alto era aquele instante exato de tempo em que um – ou uma – dos artistas soltava suas mãos e voava no espaço para alcançar aquela barra transversal que vinha em sua direção, ou os braços estendidos de seu parceiro de show. O segundo anterior, e aquele que sucede ao fragmento no qual a decisão é tomada, são relativizados. São apenas moldura que cerca o tempo da decisão. Introduz-se, nesse ponto, duas dimensões do tempo: ‘cronos’ e ‘kairós’.

Chronos e Kairós: a realidade do mito

Os significados que convencionalmente passou-se a atribuir às duas expressões que se referem ao tempo, ‘chronos’ e ‘kairós’, teriam surgido da mitologia grega. Representado como um velho tirano e cheio de crueldade, Chronos controlava o tempo desde o nascimento até a morte, ditando aos mortais o que deveria ser realizado. No mito, Chronos emasculou o próprio pai com a intenção de se apoderar do mundo. Mais tarde, como Senhor do Tempo, devora seus próprios filhos para continuar soberano. Imagem bizarra, que não é vista dessa maneira na moderna sociedade de produção, que recompensa os que fazem do cronômetro o seu deus, e que somente mais tarde perceberão que os filhos de Chronos serão por ele devorados: família, valores e significado.

Kairós era filho de Cronos, retratado como um jovem calvo, com apenas um cacho de cabelos na testa, de agilidade sem igual. Possuidor de asas nos ombros e calcanhares, Kairós corria rapidamente e só era possível detê-lo agarrando-o pelos cabelos, encarando-o de frente. Porém, depois que ele passava, era impossível trazê- lo de volta. Devido a tal agilidade, Kairós podia não ser percebido pelo observador desatento. Contrariamente ao seu pai, expressava uma ideia considerada metafórica do tempo, ou seja, não-linear e que não se pode determinar ou medir, uma oportunidade ou mesmo a ocasião certa para determinada coisa.

O mito grego é, antes, projeção antecipada de uma sociedade que o filósofo Zigmund Bauman vai chamar de ‘líquida’, “sociedade em que as condições sob as quais agem os seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir” (Bauman, 7). Ou seja, uma sociedade precária, vivida em condições de constante incerteza.

Não admira que nesse mundo líquido neuroses e patologias modernas como a depressão surjam, em grande parte, das sementes do diabo citado por Jung, ‘a pressa’. Fenômeno que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), afeta cerca de 5% da população mundial com desdobramentos extremamente negativos, em alguns casos, trágicos, não apenas para os portadores como para seus familiares, a depressão é o mal do século. (Máspoli, 14).

Contradição, o fato de que a ciência recente que estuda os ciclos, ritmos e compassos que a natureza biológica determina, e que de alguma forma funcionam como proteção do ser humano, leve o nome de cronobiologia, posto que são estes ingredientes exatamente aqueles que são triturados e consumidos pela voracidade de Chronos. Assim, distraídos, pressionados e amedrontados por ele, não vemos passar o filho Kairós, perdemos o ‘timing’, o tempo oportuno.

1. Eclesiastes: uma reflexão sobre o tempo, decisões e melancolia

Visitar o tempo que passou, cultivando ingredientes de saudosismo melancólico, parece ser o passatempo preferido daqueles que olham para o cronômetro da existência como se esta estivesse agonizando. Assim parece se comportar o autor do livro do Eclesiastes, expressa sua crise e incertezas acrescentando lembranças de um passado de grande prosperidade como ingredientes que aprofundam a melancolia sem perceber que, ainda que o Kairós seja reconhecido e decisões tenham sido habilmente tomadas, Cronos continua determinando que a existência escoe por entre os dedos.

O Eclesiastes foi introduzido no cânon judaico e cristão não sem muito debate, em razão de seu conteúdo por vezes polêmico e de um existencialismo deprimente. Ed René Kivitz, pastor batista, vai nomeá-lo de ‘o livro mais mal-humorado da Bíblia’[2]. De autoria desconhecida, a obra pode ser mais adequadamente datada no período pós-exílico, em razão da linguagem, próxima do hebraico rabínico, bem como o conteúdo, que aponta para uma cosmovisão teológica que reflete a influência de um pensamento bem posterior à data em que viveu o personagem a quem o conteúdo homenageia, a saber, Salomão, filho de Davi, cuja vida e/ou contribuições literárias certamente fornecem a matéria prima para a obra.

Em razão de seu conteúdo compósito, não se trata de uma obra de fácil compreensão, e às vezes parece ter sido escrita por mais de um autor. Na realidade, o seu autor estabelece uma linha de discussão consigo mesmo criticando os próprios pensamentos e ações. O texto base para a reflexão deste ensaio se encontra no capítulo 3, com sua ênfase na discussão a respeito do tempo enquanto momentos que se sucedem e, sobretudo enquanto oportunidade, escolha e decisão.

2. O Tempo ‘Aion’ de Salomão

Salomão, filho de Davi, a quem os capítulos 1 e 2 do Eclesiastes nitidamente se referem, reinou por quarenta anos em Jerusalém (962 a 922 a.C) se revelando um empreendedor extraordinário, proporcionando que o seu período de reinado fosse o tempo que todo o judeu adotou como paradigma escatológico, como o passado que se deseja repetir, e dentro do qual viver, tempo de tal dimensão que convida à rendição:

Em Aion, alcançamos a dimensão do eterno, da finalidade da expansão, da justa medida imprecisa entre a imanência e a transcendência. Porque este é o “não tempo”. E “não tempo” também é tempo. Imensurável. Tempo do para sempre.[3]

Salomão assumiu o trono num tempo em que os impérios do Egito, Assíria e Babilônia enfrentavam crises internas e, portanto, não ofereciam ameaças a Israel, assim, o novo rei soube como ninguém aproveitar as oportunidades. Esse homem de estado e chefe militar, consolidou seu poder eliminando inimigos (incluindo o seu meio irmão Adonias, que havia usurpado o trono) e estabelecendo relações e alianças com vários monarcas que reinavam no entorno do reino de Israel. Apesar de não ser guerreiro como fora seu pai Davi, estava longe de ser inexperiente em matéria de conhecimento militar, assim, aumentou sensivelmente o número de seu exército e o equipou. Salomão era um ‘gênio’ comercial, capaz de compreender perfeitamente a posição estratégica onde se localizava Israel, assim, proporcionou que Israel vivesse uma era de grande prosperidade econômica e florescimento cultural.

Contudo, aos poucos Salomão revela as faces de uma personalidade contraditória. A sabedoria do rei se mistura com a cobiça indisfarçável, e com delírios de grandeza, algo que parece acometer os grandes empreendedores: déficit no orçamento e elevação de impostos para compensar; a instituição da corveia (escravidão ‘branca’), a penhora e venda de cidades para custear os gastos, casamento com dezenas de mulheres para ratificar alianças e, finalmente, desintegração das convicções internas, pela adoção de práticas religiosas que eram incompatíveis com a fé de Israel. John Bright, historiador, irá afirmar:

Ele era naturalmente um homem de grande astúcia, capaz de realizar plenamente as potencialidades econômicas criadas por Davi. Ao mesmo tempo, ele manifestou em outras áreas uma cegueira tal, para não dizer estupidez, que apressou a desintegração deste império. (Bright, 276).

É por meio das lentes multifocais voltadas para os dois tempos (aion) que o livro do Eclesiastes pode, e deve ser lido: o período da edição da obra, por volta do ano 250 a.C, e recuperando-se imagens dos tempos de saudosa prosperidade do reinado de Salomão.

3. Kairós: há tempo para todo o propósito debaixo do céu

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu… Eclesiastes 3.1

2 há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; 3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de edificar; 4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; 5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar 6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; 7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; 8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz. 9 Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga? 10 Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir. 11 Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim. (Versão Almeida Revista e Atualizada)

No capítulo três do Eclesiastes, entre os versículos 1 a 11, a expressão tempo traduzida na Septuaginta[4] por ‘kairós’ ocorre 30 vezes, como tradução do termo hebraico zeman, palavra somente encontrada na literatura posterior (como em Neemias 2.6; Ester 9.27; 31). A tradução indica ‘tempo determinado’. A palavra grega vai ocorrer no Novo Testamento como ‘tempo oportuno’ ou ‘apropriado’ (Rm 5.6; Gl 6.10). Por sua vez, a palavra ‘cronos’, no espaço citado, vai ocorrer apenas no verso 1, o que pode ser explicado pelo fato de que uma das características notáveis do pensamento do Antigo Testamento é a ausência de um vocábulo para tempo cronológico abstrato na mesma medida em que o grego o usa. (Douglas, pág.1309).

Seja como for, a ênfase do autor não reside no tempo que escorre pela ampulheta, mas nas estações próprias que se apresentam diante da existência de formas variadas, nem sempre convidativas, mas ainda convocando a uma decisão.

O autor evita emitir um juízo de valor como se a expressão kairós estivesse, de alguma forma, associada sempre a uma estação primaveril permanente. Por meio de oposições, o autor revela que o kairós inclui na existência tanto momentos que evocam celebração quanto experiências que conduzem ao quebrantamento. Bem e mal recebem significados distintos daqueles que a sociedade moderna estabeleceu, associando o ‘bem’ a situações de experiências prazerosas e confortáveis e ‘mal’ como sendo aqueles momentos dramáticos.

Uma das dificuldades de compreensão da mensagem do Eclesiastes guarda relação com a aparente contradição entre a cosmovisão hebraica acerca do tempo, linear, e a visão cíclica e repetitiva, como apresentada pelo autor, sobretudo no capítulo 1. Este aspecto certamente indica algum tipo de influência do ambiente no qual o livro foi escrito, no período ptolomaico.

4 Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. 5 Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. 6 O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. 7 Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr. Eclesiastes 1. 4-7

4. Pessimismo Apocalíptico ‘versus’ Existencialismo Pessimista

O período em que o Eclesiastes foi escrito leva as violentas marcas da tentativa de Alexandre, o Grande, de implantar a cultura grega sobre os povos dominados. Alguns, como os persas, parecem ter aberto os portões de sua cultura e de seus palácios para o filho de Felipe da Macedônia. Tal não seria o caso dos judeus, povo que após o regresso do exílio babilônico se tornaria dominado por uma escatologia que lhes fazia pensar no tempo futuro como o período de paz, liberdade e prosperidade. Nada obstante, o período em questão, vai gestar um certo tipo de pessimismo que de alguma forma dará à luz o que conhecemos como literatura apocalíptica, uma tentativa de reinterpretação dos tempos estabelecidos pelos profetas a respeito da restauração de Israel. Os autores apocalíticos fazem resignificar as profecias a respeito da restauração de Israel, arrancam-nas do tempo presente e as lançam para um ‘aion’ a ser estabelecido tão somente pela intervenção catastrófica de Deus na história.

Mark Sneed escreve excelente obra a respeito do pessimismo que envolve o povo judeu, chamando a atenção para o fato de que a versão pessimista da história nesse período do judaísmo está, todavia, muito distante do pessimismo existencialista proclamado por pensadores modernos tais como Jean Paul Sartre, Martin Heidegger e Albert Camus. (Sneed, 168). O desencantamento, ou a vacuidade na experiência do escritor do Eclesiastes (Ec 1.2, 14) que de alguma forma representa o povo judeu, não é da mesma natureza. O pessimismo judeu aponta para Deus, crê em sua intervenção. O vazio existencial se revela no pessimismo quanto ao tempo presente, mas aposta no ‘aion’, aquele tempo futuro que é desdobramento de todas as ações e promessas de Deus no tempo passado. O ‘nada’ do cronos e a ausência de um novo kairós são plataformas que lançam a fé para o futuro.

5. Entre o messianismo e a modernidade

A agonia pela qual passa o pregador está relacionada com sua insatisfação a despeito de tantas oportunidades aproveitadas. Kairós não tem poder para esticar o contentamento obtido pelo aproveitamento da oportunidade. Assim, é preciso que outra oportunidade e outra e outra surjam, o tempo todo. O empresário empreendedor, incansável, que amealhou muitas riquezas à medida que corre atrás do cronos, poderá perceber que seu empreendedorismo lhe cegou para outras oportunidades que o kairós disponibilizou. Nesses termos, nada mais moderno do que o Eclesiastes, nada mais conectado com o processo de secularização. Correr atrás do cronos foi correr atrás do vento (Ec 2.17).

A sociedade brasileira retém nos substratos de seu inconsciente coletivo a noção de tempo que ainda preserva elementos de um messianismo sebastianista, que ignora o kairós, o tempo da oportunidade, à espera de que o cronos escorra até o tempo em que algum messias crie um tipo de ‘aion’ apocalíptico. Por outro lado, vive a gente tupiniquim pressionada pelos valores – ou anti-valores – da sociedade moderna e neoliberal, que privilegia o consumo a todo custo, portadora de uma agenda orientada pela pressa, aquele diabo que na mitologia levou o nome de cronos. Um povo que dias atrás se esforçava por fazer o tempo acelerar, ainda não aprendeu a ver o kairós passar. A crise na qual se vive neste 2015, vista na retração do consumo, nos escândalos financeiros e políticos e na ética esvaziada de seus elementos básicos, deveria ser o tempo da oportunidade para a ruptura com o lamento alienante e para decisões de tomar o tempo nas mãos.

O pessimismo do Eclesiastes estabelece a plataforma de lançamento a partir da qual decisões são tomadas. O tempo é este, já foi, não está mais aqui. Como aquele coelho branco, o atraso faz correr atrás do cronos, não se limita a vê-lo escapar.

1 Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás. 2 Reparte com sete e ainda com oito, porque não sabes que mal sobrevirá à terra. 3 Estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra; caindo a árvore para o sul ou para o norte, no lugar em que cair, aí ficará. 4 Quem somente observa o vento nunca semeará, e o quem olha para as nuvens nunca colherá. 5 Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. 6 Semeia pela manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas. Eclesiastes 11.1-6

O autor deste ensaio não tem sido muito hábil em enxergar a passagem do kairós daqui pra lá, e de lá prá cá. Mas aprendeu com seus pais, que zombavam da tirania do cronos e que viviam na doce expectativa de que o aion já os esperava. A propósito dos trapezistas, eles acertaram o segundo em que deveriam largar as mãos aqui e agarrar ali. Mesmo que tivessem se adiantado ou atrasado, havia ali o aion da rede, sempre à espera de um erro eventual. Esse é o tempo, que desafia todos os tempos.

Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer. Eclesiastes 12.1

Autor: Amauri Vassão Filgueiras

Fonte: Revista Pandora Brasil

Notas

[1] – Citado por Richard Foster em ‘Celebração da Disciplina, o Caminho do Crescimento Espiritual. Editora VIDA, 1983, pág. 10.

[2] – Obra publicada pela Mundo Cristão, 2009.1ª ed. 2009; 7ª edição, 2011.

[3] – Extraído de artigo a respeito dos tempos ‘aion, cronos e kairós’. http://www.biocentrum.com.br/2012/03/ostempos-em-aion-kairos-e-kronos-por.html

[4] – Sptuaginta, ou tradução dos LXX (setenta). Resultado de séculos de esforços de tradução para o grego do Antigo Testamento a partir do período pós-exílio.

Referências bibliográficas

SNEED, Mark. R. The Politics of Pessimism in Ecclesiastes. Society of Biblical Literature. Atlanta, 2012. 342 p. CHAMPLIN, Russel Norman. O Antigo Testamento Interpretado. Hagnos, 2001. São Paulo. 2ª Ed. O Novo Dicionário da Bíblia. Org. J. D.; Douglas. Ed. Vida Nova. Reimpressão 2007. São Paulo. KIVITZ, Ed René. O Livro Mais Mal Humorado da Bíblia. Ed. Mundo Cristão, São Paulo. 2009. ECLIPSE DA ALMA: A depressão no contexto da psiquiatria, da psicologia de Carl Gustav Jung e da religião. Antonio Máspoli Gomes Araújo, org. 2ª Ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2014. 400p.

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