Em defesa de Tiradentes

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Causou-nos enorme perplexidade a notícia publicada recentemente por diversos órgãos da imprensa nacional sobre o projeto de lei apresentado pelo Deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) objetivando excluir o dia 21 de abril, dedicado à celebração da memória de Tiradentes, do calendário de feriados nacionais.

A intenção manifestada pelo parlamentar é de instituir como feriado, em substituição, o dia 22 de abril, data relativa ao descobrimento do Brasil pelas naus portuguesas comandadas por Pedro Álvares Cabral. Ainda segundo a justificação apresentada pelo nobre Deputado:

“Para que não permaneçam dois feriados nacionais em datas contíguas, estamos revogando o feriado de 21 de abril, relativo à morte de Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes. Essa data é uma criação do regime republicano, instalado no Brasil através de um golpe militar que baniu a família imperial brasileira.”

Conquanto concordemos com a grande importância histórica da data relacionada à chegada da frota de Cabral ao território brasileiro, que era habitado há milênios por povos que aqui se estabeleceram com absoluta primazia sobre os portugueses, impossível admitir o pretendido revisionismo histórico e tentativa de apequenamento da figura do Alferes Tiradentes, que pagou com a própria vida o preço de ter sonhado com a liberdade e a independência de nosso país.

O exercício do poder de legislar não prescinde de responsabilidade, equilíbrio, impessoalidade e ética por parte dos dignos representantes do povo brasileiro, que possui incorporado ao seu patrimônio jurídico comum, ou memória coletiva, personagens e fatos históricos que são representativos dos valores mais caros e de maior significação para a nossa nação. E, certamente, reside no movimento da Inconfidência Mineira e no exemplo que nos foi legado por Tiradentes uma das mais belas e expressivas páginas da história do nosso país.

Impossível negar tal fato, cujo julgamento não pode se dar com fundamento em convicções, interesses e ideologias de caráter pessoal, desvinculadas do sentimento comum que reside no âmago do coração da maior parte da nação, que ama a liberdade, cultua os seus heróis e reconhece o seu passado.

Talvez desconheça o nobre Deputado Federal autor  do sobredito projeto de lei que seu antepassado,  o digno e virtuoso Imperador Pedro II, quando de sua viagem a Minas Gerais, em 1881, demonstrou especial atenção e respeito pelo movimento inconfidente, chegando a registrar em seu diário ter visitado as casas de Tomás Antônio Gonzaga e Marília de Dirceu, em Ouro Preto, bem como a estalagem da Varginha, em Ouro Branco, local das reuniões dos conjurados e onde ficou exposto um dos quartos do corpo de Tiradentes, personagem que ora se pretende desdourar.

Vale ainda lembrar que no ano de 1994, em Lisboa, o então Presidente de Portugal, Mário Soares, em discurso proferido em sessão solene realizada na Embaixada Brasileira, deixou registrado:

“Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é hoje para todo o Brasil uma figura mítica, um herói, um mártir e uma referência tutelar. É, pois, essencial que Portugal o assuma como um herói igualmente seu, num sincero ato de contrição e de reabilitação histórica. Portugal, que tem uma história gloriosa, de que tanto nos orgulhamos, tem sabido sempre ter a coragem de, nos momentos cruciais, encarar, com verdade e com rigor, o seu passado multissecular, corrigindo erros, fazendo justiça a quem é devida, e, sobretudo, retificando as faltas, por forma a salvaguardar e preparar o futuro.”

É com esse sentimento de respeito pelo passado e seus vultos mais grandiosos que esperamos que o Congresso Nacional, norteado pelo equilíbrio e bom senso, rejeite a infeliz iniciativa de se tentar, novamente, condenar a figura do Alferes da Liberdade.

Autor: Marcos Paulo de Souza Miranda

Marcos Paulo é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Academia Mineira Maçônica de Letras.

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Tiradentes: um maçom, ainda que tardio

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Pois seja feita a vontade de Deus !
Mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria
pela libertação da minha Pátria !”
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes

Depois de trinta anos da execução de Tiradentes, Dom Pedro I, o herdeiro da coroa portuguesa que o enforcara e esquartejara, proclamava a Independência do Brasil. Prova irrefutável de que os propósitos de Joaquim José da Silva Xavier haviam sido plantados em terra fértil e frutificados. A semeadura não só proporcionou a conquista da nossa independência, como deu um imenso passo adiante na marcha da Humanidade, algo que lhe devemos, até hoje, por alguns dos benefícios políticos que gozamos.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, também tinha outras alcunhas como “o Corta Vento”  e “o Liberdade”. Foi taxado traidor pelo governo português da época, porém, para os brasileiros é um  dos maiores heróis nacionais, idealista e líder, com caráter ímpar em face do julgamento e da morte, apesar de alguns historiadores considerarem-no simples figurante numa conspiração de bacharéis ricos e poderosos, que ficou conhecida como Inconfidência Mineira. Na verdade, o que se atesta, é que foi um homem leal, de espírito inquieto. Joaquim José da Silva Xavier, reapresenta um arquétipo simbólico do mito do herói, com uma ação política que o tornaria exemplo para todos aqueles que no curso dos anos se dispuseram a libertar o Brasil do jugo de Portugal. A imagem, do fenômeno Tiradentes, está implantada no âmago do povo como um mito de origem e do herói de Vila Rica. É, oficialmente, o Patrono Cívico da Nação Brasileira!

A maioria dos movimentos rebeldes, que eclodiram no Brasil Colonial, não teve por objetivo central a independência, mas sim, outros objetivos, principalmente relativos a impostos e confiscos. Três desses movimentos, entretanto, tinham interesses separatistas e republicanos, e, os três foram denunciados por traidores: Inconfidência Mineira, que obteve maior notoriedade, a Inconfidência Carioca e a Inconfidência Baiana, menos conhecidas. Inconfidência quer dizer crime de lesa-majestade; os vassalos juram defender o seu rei e dar a vida por ele e, quando o vassalo cometia perjúrio ou faltava ao juramento, praticava crime de inconfidência. Sabe-se, contudo, que nenhum dos movimentos chamados “nativistas” tinha ambições nacionais entre seus integrantes, pelo simples motivo de que não existia ainda, um sentimento de “nação brasileira”, já que essa ideia só foi construída durante o governo e D. Pedro II (1840-1889). Entende-se porém, que esses movimentos são um momento de expressiva beleza na luta pela independência do Brasil, ocorrido nas duas últimas décadas do século XVIII, vistos pela ótica ufanista.

A Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira é uma das mais controversas passagens da história do Brasil. Não restam muitas informações e documentos a respeito de seus participantes, a não ser alguns relatos oficiais produzidos pelos juízes do governo colonial de então. Muito existe ainda a ser esclarecido acerca dos fatos ocorridos, em 1789, em Vila Rica, envolvendo pessoas de grande fortuna e alta posição na cidade, numa conspiração contra Portugal. Há também o agravante das versões apaixonadas produzidas por monarquistas e republicanos nos anos que se sucederam aos acontecimentos, as quais comprometem uma visão isenta sobre como tudo de fato aconteceu. Podemos, entretanto, dizer que pela condição de movimento nativista como pela ação desenvolvida, em nome de uma ideologia liberal, por alguns dos seus participantes, a Inconfidência Mineira constitui página de especial menção na evolução histórica do Brasil. Alguns pretendiam, mesmo, eliminar a dominação portuguesa e criar um país livre. Para os ensinamentos didáticos, a imagem de Tiradentes ficou sagrada como mártir e a ideia de que o movimento de rebeldia fora precursor da Independência do Brasil.

O movimento foi uma conspiração elaborada por parte da oligarquia de Minas Gerais entre os anos 1788 e 1789. Aprofundada em altas dívidas, sem condições de saldar os tributos, e, descontentes com a reforma administrativa a ser promovida na capitania pela Coroa Portuguesa, que lhe tiraria os privilégios, a elite mineira antevia na independência uma solução para os problemas. Boa parte dessas pessoas tinham educação e cultura acima dos padrões comuns à época, quase todos, contudo, cheios de ambição e muito habituados à prática de atos de corrupção e suborno que comprometiam as próprias autoridades locais. Esse grupo, que incluía homens de negócio, proprietários rurais, clérigos, militares e vários políticos, se protegiam clandestinamente e davam apoio aos idealistas: caso estes fossem descobertos, seriam eles os punidos pela repressão colonial portuguesa.

Havia outros fatores que contribuíam com a situação crítica da economia. Um deles se relacionava com o apetite fiscal da Coroa Portuguesa ser tão grande quanto a dificuldade em pagar suas dívidas com a Inglaterra. Portugal quase nada produzia além de vinhos e quinquilharias. O governo português comprava dos britânicos quase tudo o que consumia. O ouro do Brasil era a principal moeda de pagamento, mas, a partir da segunda metade do século XVIII, já dava mostras de esgotamento. A influência das ideias do Iluminismo e a notícia da Declaração de Independência do Estados Unidos da América (1776) serviram, igualmente, para alimentar os sentimentos de revolta contra os governantes. A tática, para atrair a simpatia do povo, pregava que o levante deveria ocorrer quando o governo colonial aplicasse a derrama (cobrança extraordinária de impostos, tributos em atraso e confisco de bens).

A voracidade fiscal e a tirania do governo revoltavam o povo, que sofria as consequências indiretas do confisco que atingia os mais ricos. Comércio, lavoura e pecuária também eram tributados. Os que não pagavam podiam ser presos e até degredados. Entretanto, antes de levar a efeito a rebelião, propriamente dita, a oligarquia mineira passou alguns anos tentando negociar com a Corte uma solução econômica e a manutenção dos privilégios na administração da capitania (um contra-senso, pois esses privilégios onerariam, ainda mais, a população).  Sem, contudo, obter êxito, tramaram um levante separatista, inspirado nos ideais do Iluminismo, propondo a constituição de um estado republicano. A insurreição previa a mobilização de tropas, que estavam sob o comando dos militares que aderiram à conspiração, para a tomada do governo da capitania. Todavia, aconteceu algo inesperado: a suspensão da derrama, pelo governo colonial, e a traição cometida por um dos inconfidentes. Todos os participantes foram presos!

Dentre todas as personalidades importantes do Brasil, Tiradentes é, inegavelmente, um dos seus maiores heróis! É citado com frequência como mártir, porém, o melhor adjetivo para esse homem é herói! Líder da Inconfidência Mineira, seu verdadeiro nome era Joaquim José da Silva Xavier. Nasceu na Fazenda Pombal, em Vila de São José (atual Tiradentes) em 12 de Novembro de 1746, entretanto foi criado na cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto). Seus pais foram Domingos da Silva Santos e Maria Antônia da Encarnação Xavier. A família de Tiradentes possuía terras e lavras de ouro e pertencia à nobreza mineira, classe que dirigia a região. Tiradentes fez de tudo antes de ser ativista político: foi ourives, mascate, tropeiro, negociador de ouro, dentista, topógrafo e militar como alferes, posto hoje equivalente ao de subtenente; apesar de instrução muito sumária, tinha o dom da oratória e era, também, um autodidata. Tiradentes nunca se casou, mas manteve caso com duas mulheres e deixou descendentes: João, com a mulata Eugênia Joaquina da Silva, e Joaquina, com a ruiva Antônia Maria do Espírito Santo.

Em Primeiro de Dezembro de 1775, Tiradentes conseguiu ingressar, diretamente, no posto de alferes no Regimento dos Dragões de Minas Gerais, cavalaria, nomeado comandante de patrulha, cujo soldo era pago pela coroa portuguesa. Suas tarefas, como comandante de patrulha, incluíam viagens pelo interior nas quais constatou a situação de miséria em que viviam os moradores por onde passava. Isso foi um dos argumentos que lhe serviu, mais tarde, para propagar o seu idealismo.

Com licença do governo da Capitania, Tiradentes vai ao Rio de Janeiro para tratar com o Vice-Rei sobre propostas relativas à melhorias para a cidade de Vila Rica. Enquanto aguardava o despacho da papelada por parte do Vice-Rei, começou a travar conhecimento com inúmeros compatriotas que regressavam da Europa, cheios de entusiasmo com ideias absorvidas da Revolução Francesa e do iluminismo (Iluminismo foi um movimento que surgiu como uma filosofia de crítica ao Antigo Regime, na França, que pregava a razão como método, defendia a igualdade perante a lei, e a liberdade de mercado e criticava o absolutismo de direito divino). Dentre essas pessoas achava-se o Dr. José Alves Maciel, formado em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra, fervoroso orador e que estava imbuído em incutir, na população mineira, as ideias republicanas. A França desse período era, juntamente com os Estados Unidos da América, um dos centros irradiadores das ideias de democracia contemporânea, embora ainda escravistas independentes desde 1776.  Foi a Revolução Francesa quem inventou a democracia moderna e com a Revolução Industrial, na Grã Bretanha, marcou o início do mundo moderno. O ideário de revolução se espraiava pelo mundo, inclusive na América do Sul. Em Montpellier, França, os estudantes brasileiros José Mariano Leal e José Joaquim Maia, se dirigiam ao próprio Thomas Jefferson para pedir apoio americano à causa da Inconfidência Mineira. As orientações que recebiam, eram retransmitidas aos inconfidentes. Ainda na França, vários estudantes brasileiros filiavam-se à Maçonaria, vital centro de propagação das ideias libertárias. O inconformismo com a situação econômica, as informações sobre as revoltas na França e na América do Norte e a ideologia iluminista infiltrada pela Maçonaria na comunidade mineradora, fazem nascer no seio de Vila Rica a consciência revolucionária. Várias camadas da sociedade conspiram e tramam a conjuração mineira em favor do ideal libertário, com vistas à separação da colônia de Portugal opressor e à proclamação da independência do Brasil. Embora não seja explorado devidamente nos livros de historia, há fortes indícios da contribuição da Maçonaria na formação do país.

À insatisfação com a carreira militar, Tiradentes somava as novas ideias absorvidas. Passou a frequentar a biblioteca do cônego Luís Vieira da Silva, e, ali conheceu as teses dos franceses Rousseau, Montesquieu e outros iluministas, que secundavam o pensamento do inglês John Locke. Ao retornar a Vila Rica, aproveita a ocasião para fazer propaganda sobre os planos que havia idealizado. Procurou os companheiros que compartilhavam de seu pensamento e daí em diante foi se formando, assim, a ideia da Conspiração Mineira. Os principais elementos contatados foram: Francisco de Paula Freire de Andrade (chefe da Força Pública), Dr. Álvares Maciel, Dr. Inácio José de Alvarenga Peixoto, Desembargador Thomas Antonio Gonzaga (que viria ser o chefe do golpe), Padre Carlos Correia de Toledo, Padre José de Oliveira Rolim, Cláudio Manoel da Costa, Cônego Luís Vieira da Silva, Joaquim Silvério dos Reis, este contra a vontade de Tiradentes que o considerava um homem falso e sem caráter, fato provado mais tarde tendo sido traidor dos inconfidentes. Havia outros mais e todos considerados homens íntegros e de valor. Presume-se que havia Maçons entre eles. A estratégia, elaborada pelo grupo previa o levante para o dia que se anunciasse a derrama, isto é, no dia da cobrança dos impostos.

Certo de ter deixado semeado a ideia do movimento e muito animado com a ajuda que estava recebendo dos companheiros, Tiradentes volta para o Rio de Janeiro acompanhado apenas de um mulato, seu escravo. Sua intenção era de manter-se atualizado sobre as informações que vinham do exterior, recebendo orientações para retransmiti-las para os confrades do seu grupo em Vila Rica.

Em março de 1789, Joaquim Silvério dos Reis compareceu ao Palácio da Cachoeiro do Campo, residência do Visconde de Barbacena (Luís Furtado de Mendonça 1754-1830), governador da Capitania e se torna o primeiro delator da conspiração. Logo em seguida apareceram outros delatores: Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago e o mestre de Campo Inácio Correa Pamplona. O governo, entretanto, exigiu de todos que fizessem a denúncia por escrito. E assim foi feito!

Fato pouco mencionado nisso tudo, é sobre a personagem desconhecida: o Embuçado.  Foi uma pessoa que, quando Barbacena descobriu o golpe, saiu na calada da noite, envolto num balandrau negro com capuz que lhe cobria o rosto, batendo de porta em porta ou nas janelas de casas dos membros do movimento avisando aos inconfidentes para que fugissem, pois o plano havia sido descoberto. Nunca se soube quem era o Embuçado. Atitude puramente de maçom, pois, ao bater nas portas e nas janelas empregava um sinal convencionado para depois dar a senha secreta pré-estabelecida, provavelmente na Loja Maçônica. Alguns pesquisadores afirmam ser “UAI”, a palavra secreta, que era as inicias de União, Amor e Independência; posteriormente, “UAI”, acabou virando expressão entre o povo das Alterosas.  Vários inconfidentes conseguiram escapar, mas Barbacena sabia muito bem como encontrá-los, com a ajuda dos traidores.

Com o plano revelado, a primeira  providência do governador foi suspender a derrama com o objetivo de retardar o levante. Quando Tiradentes chegou ao Rio de Janeiro percebeu que estava sendo vigiado, e, desesperado, via correr o tempo sem nenhum sinal do levante em Minas Gerais. Procurou, então, esconder-se e tentar encontrar um meio de chegar a Vila Rica. Mas foi descoberto! O próprio delator, Joaquim Silvério dos Reis, o deteve e entregou ao Vice-Rei, Dom Luís de Vasconcelos.

O processo contra a conspiração durou cerca de três anos, até se formular a sentença condenatória. Durante os interrogatórios, Tiradentes sempre reivindicou para si a exclusiva culpa pela iniciativa da sedição, inocentando todos seus companheiros de outros crimes que não fosse o de ouvir suas ideias. Uma atitude tipicamente de maçom!

Outro indício, nos interrogatórios, que faz pensar que Tiradentes era maçom, é a de ao ser perguntado sobre o significado do triângulo na bandeira dos inconfidentes, ele ter respondido “Sagrada Trindade” e não “Santíssima Trindade”, detalhe que, supostamente, passou despercebido pelo escrivão.

Há, entre os pesquisadores e historiadores, um consenso muito forte da participação da Maçonaria na Conspiração Mineira e há também muitos que discordam dessa ingerência. As hipóteses vão desde o papel central na elaboração dos planos até a negação de sua influência na conjuração. Os que defendem que houve participação da Sublime Ordem, ressaltam que o seu papel é percebido como importante elemento de ligação e comunicação dos inconfidentes com grupos de apoio do Rio de Janeiro e Europa. Em contraponto, os que não acreditam, lembram que nos Atos da Devassa não há nenhum vestígio de ação propriamente Maçônica. Considerando o modus operandi da Sublime Ordem, das operações serem feitas em segredo, compreende-se.

Mais uma conotação Maçônica, com o movimento, está na Sociedade Literária do Rio de Janeiro, entidade fundada pelo poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga, na última década do século XVIII, com estatutos oficiais aprovados pelo Vide-Rei. Posteriormente, nos papéis sequestrados do Poeta Manuel Alvarenga, havia um rascunho de estatutos em que num dos itens exigia-se “a boa fé e jurando absoluto segredo, de modo que ninguém saiba do que se trata na Sociedade”. Tal documento foi interpretado como indício Maçônico. Nas atas das sessões secretas, havia registros de que se lia com entusiasmo, livros e gazetas francesas que citavam a Sublime Ordem. Havia manuscritos, para colocação em vários pontos da cidade, nos quais se denunciava com veemência o despotismo de Portugal e se exaltava a França e a Liberdade. E não os atemoriza o malogro de outros movimentos. Com tudo isso vindo à tona, D. Maria I foi inexorável: negou todos os pedidos de comutações de pena. Proclamou a sentença como exemplo, para que ninguém mais ousasse afrontar o governo português.

A Devassa, processo oficial da Inconfidência, promoveu a acusação de 34 pessoas, que tiveram suas sentenças definidas em 19 de abril de 1792, com onze dos acusados condenados à morte: Tiradentes, Francisco de Paula Freire de Andrade, José Álvares Maciel, Luís Vaz de Toledo Piza, Alvarenga Peixoto, Salvador do Amaral Gurgel, Domingos Barbosa, Francisco Oliveira Lopes, José Resende da Costa (pai), José Resende da Costa (filho) e Domingos de Abreu Vieira. Desses, apenas Tiradentes, que chamou para si toda a responsabilidade, foi executado; os demais tiveram a pena comutada para degredo perpétuo e foram deportados para a África.

Na manhã de 21 de Abril de 1792, cercado pela tropa do governo, Tiradentes é conduzido pelas ruas do Rio de Janeiro, partindo da prisão até o patíbulo, que fora instalado no largo da Lampadosa. Tem a cabeça e a barba raspadas, coberto por um manto de confecção tosca, portando uma imagem de Cristo crucificado. Ao chegar no cadafalso, sobe calmamente os degraus, acompanhado do padre que lhe dava amparo espiritual, com orações e frases de reflexões, até a hora da morte. Em volta da cena, a multidão assistia com consternação. Já no patamar, Tiradentes se dirige ao carrasco e pede-lhe que abrevie o sofrimento. O carrasco pede perdão e diz que está apenas cumprindo a Lei. Todavia, tão logo o corpo ainda vivo projeta-se no vazio, o carrasco jogou-se sobre seus ombros, forçando seu peso sobre o de Tiradentes para apressar sua morte. A mando da rainha D. Maria I e por ordem da Corte de Justiça da Coroa Portuguesa, depois da morte, com todos os requintes atrozes de perversidade, decapitaram-no. Sua cabeça ficou espetada num poste de Vila Rica e o seu corpo em pedaços foi espalhando pelas cidades vizinhas. D. Maria I acabou morrendo louca.

A origem da bandeira do Estado de Minhas Gerais é outra história onde se procura dar, como prova, o envolvimento da Maçonaria na Inconfidência Mineira. A princípio era um projeto para uma bandeira nacional e acabou sendo instituída como bandeira oficial do Estado de Minha Gerais. Foi baseada na bandeira dos inconfidentes e de onde foi copiada a frase LIBERTAS QUAE SERA TAMEN (Liberdade, ainda que tardia). Os que defendem essa teoria dizem que bastaria contemplar a bandeira, fixando-se no seu triângulo, que estaria vendo a sagrada trindade da Maçonaria: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Há estudiosos maçons que lembram que era uso em voga, naquela época, de se conceder o título de maçom por comunicação, com aval de uma Loja francesa. Não seria impossível, portanto, que Tiradentes tivesse recebido tal concessão através de seus companheiros iniciados na França. Infelizmente nunca foi encontrado esse possível registro. Assim como Abraham Lincoln foi eleito maçom sem ter sido, Tiradentes é assim considerado pelos maçons, face à sua figura ímpar e impoluta, que o faz merecer o heroísmo a ele atribuído! Por analogia do que está inserido na bandeira de Minas Gerais, é possível inferir Tiradentes, maçom, ainda que tardio…

Autor: E. Figueiredo

E. Figueiredo é jornalista – Mtb 34 947 e pertence ao CERAT – Clube Epistolar Real Arco do Templo; Integra o GEIA – Grupo de Estudos Iniciáticos Athenas; Membro do GEMVI – Grupo de Estudos Maçônicos Verdadeiros Irmãos; Integrante do Grupo Maçonaria Unida; Obreiro da ARLS Verdadeiros Irmãos – 669 – (GLESP).

Nota do Blog

Agradecemos ao autor por ter gentilmente nos encaminhado o artigo para que pudéssemos publicá-lo.

Bibliografia

Castellani, José  – Os Maçons que Fizeram a História do Brasil

Faraco, Sérgio – Tiradentes: Alguma Verdade

Fernandes, Paulo de Tarso – Raízes de Liberdade (Palestra)

Ferreira, Manoel Rodrigues e Tito Lívio – A Maçonaria na Independência Brasileira

Figueiredo, E.  – A Ideia de Igualdade

Figueiredo E. – UAI!

Furtado, João Pinto – O Manto de Penélope

Hobsbawm, Eric . – A Era das Revoluções (1789 – 1848)

Hobsbawm, Eric – Ecos da Marselhesa

Maxwell, Kenneth  – A Devassa da Devassa: Inconfidência Mineira

Oliveira, Carolina Rennó Ribeiro de – Biografias de Personalidades Célebres

Scantimburgo, João de  – O Brasil e a Revolução Francesa

A Inconfidência Mineira, a Maçonaria e a Arcádia Ultramarina – Parte II

Ficheiro:Antônio Parreiras - Prisão de Tiradentes, 1914.jpg ...A Prisão de Tiradentes, por Antônio Parreiras

“Existem dois tipos de história mundial: uma é a oficial, mentirosa, própria para as salas de aula; a outra é a história secreta, que esconde a verdadeira causa dos acontecimentos”. (Honoré de Balzac, escritor e filósofo francês)

O escritor Tenório D’Albuquerque (1960), sempre tripudiado por Castellani (1992), lembra que causava temor até proferir a palavra “maçonaria”, tamanho o fanatismo e a ignorância do povo, não havendo liberdade para promover reuniões e tampouco registrá-las em qualquer tipo de ata. Vale comentar que era proibido imprimir textos na Província. As reuniões de cunho maçônico eram feitas nas residências dos envolvidos e em outros locais improvisados, de forma que os assuntos discutidos ficassem protegidos das autoridades e dos curiosos. Roberto Letière (2001), cotando Pedro Calmon (História Social do Brasil), transcreve:

“A Maçonaria teve a maior parte das responsabilidades naqueles acontecimentos. Foi o sigilo maçônico a alma da revolução de 1789…”.

Quanto ao alerta recebido por Cláudio Manuel sob as prisões que se avizinhava (vide Autos da Devassa – Vol. II – fls. 237/240), Tenório D’Albuquerque (1960) comenta no capítulo “O Misterioso Embuçado”, que esse é um episódio inexplicável da Inconfidência Mineira. Questiona o citado autor:

Quem seria capaz de disfarçar-se, correndo grave risco, para ir avisar aos inconfidentes que se precatassem?”.

O também criticado Gustavo Barroso (1990) acrescenta que

era o poder oculto que procurava salvar o segredo do movimento e a melhor gente que dele participava, no intuito de reservar forças para melhor oportunidade...”.

O que se sabe pelos documentos é que Luiz Antônio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais e sobrinho do vice-rei Dom Luiz de Vasconcelos e Souza, quando se inteirou do aparecimento do tal personagem determinou novas inquirições, mas nada conseguiu esclarecer.

O controvertido brasilianista, professor e pesquisador da Universidade de Colúmbia (EUA), Kenneth Maxwell (1977), e sempre festejado por Castellani, também ao comentar o destino dos planos dos conjurados relata que em 17 de maio de 1789, sabendo-se em Minas que o alferes Tiradentes estava sendo seguido,

Cláudio Manuel viu gente à sua porta, em Vila Rica, sendo abordado por um tipo misterioso que lhe contou que houvera prisões no Rio de Janeiro e recomendou-lhe a queima dos papéis incriminadores” (p. 179).

Acerca da documentação que envolve o movimento em Vila Rica, Florival Cáceres (1995) conclui que

um dos maiores problemas no estudo da Inconfidência Mineira é a falta de documentos. Com medo da repressão, os inconfidentes não deixaram documento escrito, nenhum plano militar ou de governo. As investigações históricas baseiam-se nos interrogatórios feitos pela justiça portuguesa e em depoimentos dos acusados. Os riscos quanto a sua interpretação são grandes”.

Por sua vez, de forma surpreendente, Castellani (1992) afirma que prefere

ficar com a pesquisa nos Autos da Devassa, que representam o instrumento básico, essencial, de informações sobre a conjura…” (p. 168).

O Bispo de Elvas, D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, publicou em 1794, junto à Academia Real das Ciências em Portugal, o seu “Ensaio econômico sobre o comércio de Portugal e suas colônias”, onde no prefácio ataca a Maçonaria, denominada por ele de “seita”, nos seguintes termos:

Há mais de trinta anos que esta mesma Seita principiou a espalhar a semente das revoluções, para separar as Colônias das suas Metrópoles, principalmente as de Portugal e Espanha, as mais ricas do mundo…. passaram a traçar planos para que a separação, que eles chamavam emancipação necessária para o bem da humanidade, fosse menos dolorosa e menos violenta”.

Aí está bem clara a denúncia do Bispo ao afirmar que a Maçonaria, na década de 1760, começou a espalhar nas Américas Inglesa, Espanhola e Portuguesa, a semente das revoluções emancipadoras, “em nome da Liberdade e da Humanidade” (Ferreira, 1972).

As narrativas existentes sobre a Inconfidência Mineira não identificam uma liderança em especial por parte de algum conjurado. Tiradentes chegou a declarar que o movimento não tinha chefe. Todos os envolvidos negaram participação no movimento, exceto o próprio Tiradentes que, conservando extrema dignidade durante os longos meses de interrogatório, afinal assumiu toda a responsabilidade de chefia, imolando-se por uma pátria livre e demostrando um grandioso gesto de fraternidade. O simples envolvimento, mesmo que superficial, e nada reportar às autoridades, era considerado crime de lesa-majestade, isto é, de traição contra a pessoa do Rei ou de seu Real Estado, conforme definido pelas Ordenações Filipinas, sancionadas em 1595, punível com execução pública e sequestro de bens, além de ter os familiares condenados à infâmia. “Inconfidência” significava crime de lesa-majestade.

Comparando-se aquele contexto com os episódios recentes de nossa história no que se refere à captação de evidências e provas nos esquemas do “Mensalão” e da “Operação Lava Jato”, constata-se que, não obstante toda a tecnologia hoje existente, ainda é extremamente intricado todo o processo de apuração. As evidências são baseadas em denúncias, depoimentos, cruzamento e obtenção das provas documentais, que foram intencionalmente destruídas, codificadas ou estão em lugar incerto. As pesquisas e investigações são fruto de trabalho árduo e demorado. Inicialmente, os envolvidos alegavam que não houve “Mensalão” nem “Petrolão”, pois não havia prova cabal, sendo tudo intriga da oposição e da imprensa. Agora, volte-se o raciocínio para quase 230 anos atrás, em ambiente tecnologicamente primitivo e onde tudo era vetado, menos a corrupção já vicejante, nascida das propinas pagas pelos contratadores ou pelo contrabando, e façam-se as avaliações.

Portanto, evidencia ingenuidade ou ironia os reiterados argumentos triunfalistas de alguns escritores e mesmo os detratores de sempre sobre a inexistência de prova cabal para desacreditar o movimento maçônico articulado em Vila Rica naquele exíguo espaço de tempo, como documentos originais, atas com registro de decisões e assinaturas em planos para “derrubar o governo”, dado o cenário de época. Os conjurados eram estruturalmente fracos, portanto, grandes planos não foram muito além das salas de reunião. Ademais, estavam “isolados da grande massa do povo e pensando em armas para o levante só no último momento” (Alencar, 1985). Entretanto, as evidências das ações de cunho maçônico na Inconfidência Mineira no campo dos ideais iluministas são inquestionáveis.

Vila Rica, perto dos anos 1780, passou a ser dominada pelas ideias sobre progresso das ciências, necessidade de se estudarem as riquezas do país e a possibilidades de se construir uma nação separada de Portugal. Mas, as efetivas tratativas pelo grupo mais restrito dos conjurados tiveram curta duração, iniciando-se em meados de 1788 com a chegada

ao Rio de Janeiro, de regresso da Universidade de Coimbra, de uma larga viagem por alguns países da Europa, entre eles a Inglaterra, o jovem José Álvares Maciel, que se filiara à maçonaria e que participara das conversações para que se obtivesse o apoio de alguns países para o levante no Brasil” (Lima Júnior, 2010).

Nas casas de Cláudio Manuel e Tomás Gonzaga tratavam-se programas de doutrina e planos de organização política do projetado Estado. A casa do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade era o quartel-general onde se traçavam as operações militares do levante.

Tomando como referência os autos da Inconfidência Mineira, temos apenas, e tão-somente, a versão dos julgadores, não podendo ser considerado um relato histórico, vez que era facultada a obtenção de confissões de culpa por todos os meios, mediante constrangimento físico, psicológico e legal. Todos os réus tiveram um único defensor, o advogado da Santa Casa de Misericórdia José de Oliveira Fagundes. A defesa mostrou os conjurados como insanos (caso de Tiradentes), ou ingênuos, para livrá-los da pena máxima (Castellani, 1992). Segundo Tenório D’Albuquerque “o processo tinha sido secreto e arbitrário, e o tribunal supremo gozava das prerrogativas absolutas da Coroa”. O que se sabe é que contra os réus da inconfidência todas as pressões eram permitidas, todas as ações justificáveis e era imperativo que os algozes mostrassem dedicação à Rainha, daí o empenho em levá-los à forca.

É de se considerar, por outro lado, que havia uma preocupação das autoridades portuguesas com a possibilidade de o levante atingir as vizinhas Capitanias do Rio de Janeiro e de São Paulo, cuja elite também simpatizava com a ideia de independência. Por isso a repressão contra o movimento. Segundo a entrevista de Isolde Helena Brans, por ocasião do Bicentenário de Tiradentes, contida no Apêndice Nº 3 (p. 240) do livro de Castellani (1992),

À Coroa lusa, porém, não convinha divulgar a extensão daquele movimento libertário, nem a importância da obra de seus líderes ou ‘cabeças’. A versão oficial, portanto, sempre foi a de minimizar os fatos. Até hoje, em nossos livros escolares ainda é possível encontrarmos a Inconfidência descrita como um ‘devaneio de poetas’. Os nomes de seus líderes caíram no esquecimento – como convinha a Portugal”.

Com relação a vários dos envolvidos exsurgem ainda questionamentos se alguns teriam de fato participado da Inconfidência como membros voluntários e conscientes dela. Até mesmo os vínculos estreitos entre o Governador Visconde de Barbacena, também formado na Universidade de Coimbra, e vários dos idealizadores do movimento, colocam em xeque o seu desconhecimento sobre o que ocorria ao seu redor, suspeitando-se de que, sabedor das consequências de sua omissão, teria decidido reagir de última hora ao receber a denúncia escrita e pressionado pelo seu tio e vice-rei do Estado do Brasil, que já havia aberto um processo judicial no Rio de Janeiro. Em Portugal, Barbacena fora aluno e protegido do italiano Domenico Vandelli, pertencente à maçonaria e um dos que levou a instituição para aquele país e que se mudou para Portugal em 1764 a convite do Marquês de Pombal. Quando Vandelli estava doente, o futuro Visconde de Barbacena o substituía (Doria, 2014). Sabe-se que o Visconde “teria sido o primeiro secretário-geral da iluminista Academia de Ciências de Lisboa, no início da década de 1780” (Furtado, 2002).

Porém, todo o sonho da independência em Vila Rica encerrou-se em maio de 1789, transformando-se em pesadelo com a prisão dos envolvidos. Com a destruição dos documentos antes da apreensão dos conjurados e a adulteração de muitos depoimentos pelos juízes, a verdadeira história do movimento “tornou-se muito obscura e difícil de ser reedificada”, resumindo-se aos papeis oficiais contidos nos Autos da Devassa de natureza inquisitorial e prestando-se, portanto, aquele período a especulações de toda ordem. E esse é um desafio aberto aos pesquisadores e muito existe ainda a ser esclarecido, inclusive no que se refere ao efetivo rol dos conjurados.

De concreto, registrou-se logo de início o assassinato de Cláudio Manuel da Costa em uma cela improvisada na Casa dos Contos, de propriedade de João Rodrigues Macedo, rico contratador e amigo bem próximo do Visconde de Barbacena. Cláudio era o decano da Plêiade Mineira, conforme defendemos em Trabalho apresentado junto à Academia Mineira Maçônica de Letras, em três de março de 2015, cujas circunstâncias da morte intencional não é acolhida pela Professora Laura de Mello e Souza (2011), que acoberta como outros a tese do suicídio. Constam, ainda, as mortes de Francisco José de Melo e Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego fortes, no cárcere.

Rematando o processo, ficou a sentença aos réus da Inconfidência, fruto da devassa iniciada em Minas, que durou quase três anos, e encerrou-se na capital, no Rio de Janeiro, em 18 de abril de 1792, com 11 conjurados condenados à morte, o sequestro de bens e familiares declarados infames e todo o sofrimento daí decorrente. Entretanto, um decreto de D. Maria I, que já estava pronto e aguardando momento apropriado, emitido no dia seguinte, comutou a pena de morte de todos em degredo, à exceção de Tiradentes, “que foi executado em 21 de abril de 1792 (sábado), às onze horas e vinte minutos, tendo seu corpo tratado com requintes de crueldade, exemplo para os moradores da Província e advertência, para que ninguém ousasse tramar contra o reino de Portugal”.

Com muita paciência e compulsando diversas obras e sítios da internet sobre temas maçônicos, é possível colher todo tipo de comentário abalizado e contraditório acerca da condição maçônica de alguns dos conjurados, bem assim sobre dúvidas da participação efetiva de um ou outro na conjuração. Críticos, em declarados esforços de contrainformação, asseveram que a maçonaria procura se mostrar presente há tempos na história do Brasil e na sua cultura, construindo a narrativa da Inconfidência como um movimento que poderia ser denominado de “’tradição inventada”, que indicaria a criação de um passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade, conforme artigo de Françoise Jean de Oliveira Souza (2007)[NB – link para o artigo disponível nas Referências Bibliográficas].

É possível admitir que, na abordagem e tratamento de fatos, um escritor ou um pesquisador que não tenha “familiaridade” com a maçonaria, não vislumbre padrões nas linhas de pensamento dos líderes da Inconfidência, podendo algumas sutilezas passar despercebidas por aqueles que são desenvolveram um olhar mais apurado conforme características dos simbolismos apresentados aos iniciados na Arte Real. Nesse particular, é sempre necessário realçar que todo trabalho, em qualquer tempo, sempre foi feito por maçons e não pela Maçonaria como instituição, que apenas prepara seus obreiros para que exerçam influência e atuem como construtores sociais. Ressaltando o velho mantra: a Maçonaria inspira, os maçons transpiram.

Por outro lado, sem um exame mais aprofundado dos valores aceitos pela sociedade no século XVIII, alguns autores chegam a promover um julgamento moral dos conjurados, destacando particularidades da vida social de alguns, apurando argumentos para denegrir reputações, ou para os “deslustrar”, aproveitando o termo utilizado por João Pinto Furtado (2002), para logo em seguida cair na contradição da ausência de documentos, porém desqualificando os méritos do movimento ou quase reedificando as conclusões dos “Autos da Devassa”.

Esses mesmos autores consideram irrelevantes os fatos objetivos e, influenciados por emoções, preconceitos e crenças pessoais, transformam acontecimentos em opinião e denigrem a ação dos conjurados, criando uma nova versão de pós-verdade, para não dizer o termo apropriado. Para construir os cenários de época e diálogos se valem desses mesmos documentos produzidos pelos juízes sabidamente tendenciosos. Felizmente, para a maioria, o legado se consubstancia na construção de um sentimento nacionalista e que frutificou no devido tempo.

Sabe-se que as interpretações mudam no curso da história, à medida em que novos fatos vêm à tona. Até mesmo dúvidas absurdas sobre a real morte do “Tiradentes original” são irresponsavelmente levantadas, não obstante todo o aparato e ritualística montados para sua execução, compreendendo as inúmeras autoridades civis, militares e eclesiásticas e uma enorme multidão como testemunhas, tudo como se se tratasse de uma grande festividade, conforme depoimento do Frei Raimundo da Anunciação Penaforte (Apêndice 5, do livro de Castellani – 1992). Voltando à entrevista de Isolde Helena Brans, citada acima,

A vida e obra do Alferes Joaquim José da Silva Xavier cumpre ainda a sentença de D. Maria I, que determinava o esquartejamento de seu corpo e de sua memória, para sempre.” (destaque da entrevistada – p. 240).

Nessa seara, cabe a cada um formar sua convicção e é livre para acreditar no que quiser e especular sobre a teoria da conspiração que melhor lhe aprouver. Como sói acontecer, muitos estão convictos de que o homem não chegou à Lua, outros já viram o “ET de Varginha”, outros tantos alegam manter contatos extraterrestres e um grupo de fãs tem certeza de que Elvis Presley não morreu. Em Belo Horizonte, a “Loira do Bonfim” não é uma lenda urbana, garante um bom número de pessoas.

É certo que muito ainda há de ser escrito e especulado sobre essa parte da história do Brasil. Não pode ser olvidado, entretanto, é que a Arcádia Ultramarina funcionou como efetivo portal de entrada e manto de proteção poético para os conjurados, alguns deles maçons iniciados no exterior, dando-lhes um ar de inocência, porém na clandestinidade servindo como terreno culturalmente fértil para que o ideal maçônico, focado no pensamento de autonomia da sua Terra, fosse difundido junto aos grandes proprietários, intelectuais e outros setores, contribuindo para a conscientização sobre a injustiça do pacto colonial e da necessidade de que o Brasil se separasse de Portugal, e com isso disseminar as sementes de uma república com anseios de democracia e liberdade, forjados na Europa e trazidos para as terras brasileiras pelos pioneiros maçons visionários.

Enfim, pagou-se, naquele momento, o preço pela audácia de vislumbrar a data da derrama, estrategicamente suspensa, como sonho para deflagrar a frustrada revolta emancipadora contra a opressão e a exploração por parte da Coroa Portuguesa, interrompida pelo gesto da traição, permitindo a reação violenta do governo. Naquele grandioso episódio, entretanto, foram edificadas as bases para as mudanças que se tornaram realidade com a Liberdade apenas 30 anos depois, proclamada por D. Pedro I, neto de Dona Maria I, em 1822, e a República, em 1889, tendo ambos os eventos o protagonismo de maçons como personagens sempre presentes e atuantes em momentos marcantes de nossa história, em busca da consolidação dos avanços iluministas como fruto de uma consciência cidadã.

Finis

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

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Referências Bibliográficas

Academia Mineira Maçônica de Letras – A Casa de Tiradentes. A Verdade dos Inconfidentes. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 2013;

ALENCAR, Francisco. História da Sociedade Brasileira, 3ª Edição. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985;

Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, 2ª Edição. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1978;

BARROSO, Gustavo. História Secreta do Brasil – Volume 1. Porto Alegre: Editora Revisão, 1990.

CÁCERES, Florival. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1995;

CASTELLANI, José. A Maçonaria e o movimento republicano brasileiro. São Paulo: Editora Traço, 1989;

CASTELLANI, José; COSTA, Frederico Guilherme. A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve. Londrina: Editora A Gazeta Maçônica, 1992.

D’ALBUQUERQUE, A. Tenório. A Maçonaria e a Inconfidência Mineira. Rio de Janeiro: Aurora, 1960;

DÓRIA, Pedro. 1789: A História de Tiradentes e dos contrabandistas, assassinos e poetas que lutaram pela independência do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014;

ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL – Volume 17. São Paulo: Enciclopédia do Brasil Publicações Ltda., 1981;

FERREIRA, Tito Lívio; Manoel Rodrigues. A Maçonaria na Independência Brasileira – Volume I. São Paulo: Gráfica Biblos, Ltda.- Editora, 1972;

FURTADO, João Pinto. O Manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002;

LETTIÈRE, Roberto. A Inconfidência Mineira e a Maçonaria Brasileira. 1ª ed. Londrina: Gráfica e Editora Boa Vista, 2001;

LIMA JÚNIOR, Augusto de. História da Inconfidência de Minas Gerais.  Belo Horizonte: Itatiaia, 2010;

MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa – A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977;

OLIVEIRA, Almir de. Gonzaga e a Inconfidência Mineira. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1985;

RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poemas de Cláudio Manuel da Costa (Introdução, seleção e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos).  São Paulo: Cultrix, 1966.

Revista SUPERINTERESSANTE. Maçonaria: A Ordem, publicação de31.08.2005, em

http://super.abril.com.br/historia/maconaria-a-ordem/

SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Em Busca de uma Tradição Inventada artigo publicado em História Viva Uol, edição 47 – Setembro 2007, acessível em “O Ponto dentro do Círculo:

https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2017/01/13/em-busca-de-uma-tradicao-inventada/

SOUZA, Laura de Mello. Cláudio Manuel da Costa – O Letrado Dividido. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

A Inconfidência Mineira, a Maçonaria e a Arcádia Ultramarina – Parte I

Tiradentes esquartejado”, de Pedro Américo: uma leitura crítica ...Leitura da sentença de Tiradentes, por Leopoldino Faria

Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.

(Extraído do livro “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles: Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência)

O arcadismo, escola literária conhecida também como setecentismo ou neoclassicismo, surgiu no Século XVIII na Europa, tendo como objeto a exaltação da natureza, onde poetas adotavam com frequência pseudônimos de pastores gregos ou latinos. A denominação é uma referência a uma região grega pastoril do Peloponeso, conhecida como Arcádia, considerada como de inspiração poética.

A escola árcade experimentava forma literária simplificada, produzindo poesias de motivos pastorais, com características ingênuas e idílicas, com enfoque em temas mais ligados ao dia-a-dia, expressando uma visão mais sensualista da existência, como o amor e o abandono pela pessoa amada, a morte, a tristeza, o casamento, a solidão, celebrando a poesia, a música e a vida natural, sempre em contraposição aos exageros e rebuscamento do Barroco, recorrendo a uma literatura liricamente menos sofisticada, em contraste com a realidade e a razão. Os autores árcades valorizavam a vida no campo, o “locus amoenus”, como contraponto à vida nos centros urbanos.

A “Arcádia Lusitana”, que tinha por lema a frase latina “Inutilia truncat” (“acabe-se com as inutilidades”), reunia artistas e intelectuais portugueses para discutir a Arte e teve seu desenrolar entre os anos de 1756 e 1825, quando a fase então se encerrou com a publicação do poema Camões, de Garrett, dando início ao Romantismo. Dentre os nomes inseridos na escola árcade, em Portugal, destacam-se Bocage, António Diniz Cruz e Silva, Pedro António Correia Garção, Francisco José Feire e Marquesa de Alorna.

O Brasil, ao tempo do início do movimento árcade, era Província da Monarquia Portuguesa (Estado do Brasil) e Vila Rica reconhecida como centro econômico de grande importância, em decorrência da mineração e do ciclo do ouro. A Capitania de Minas Gerais, no período de 1720 a 1815, era dividida em quatro Comarcas: Vila Rica, Rio das Mortes, Rio das Velhas e Serro Frio.

Naquele período minerador, em meados do século XVIII, surgiu a primeira escola literária brasileira – o Arcadismo.

Nessa época, portugueses e jesuítas deixaram de monopolizar a cultura. Liam-se também, principalmente em Minas Gerais, autores franceses e ingleses que eram críticos do absolutismo, do mercantilismo e da intolerância religiosa, louvadores da natureza, do progresso e da liberdade” (Cáceres, 1995).

Por isso, algumas produções literárias tiveram como forte inspiração cidades históricas mineiras, episódios da história do país nas poesias heroicas, o índio como tema literário e a sátira política como crítica à exploração portuguesa e à corrupção sempre contemporânea e já devastadora desde então. Daí a expertise do Brasil que passou a exportar exemplos desta técnica desonesta de desvios de recursos públicos, com maestria, para toda a América Latina, África e a antiga metrópole.

Efetivamente, o movimento árcade se desenvolveu no Brasil com a fundação, em Vila Rica, no ano de 1768, da “Arcádia Ultramarina”, tendo como referência a publicação, por Cláudio Manuel da Costa, de suas “Obras Poéticas”, constituindo o embrião de uma geração literária brasileira. Cláudio Manuel foi um poeta de transição, pois como ele próprio afirma no prólogo das “Obras” sofreu influência do Barroco, mas abraçou a causa árcade. Publicou ainda, “Culto Métrico”, “Munúsculo Métrico”,“Epicédio”, “O Parnaso Obsequioso e Obras Poéticas”, “Vila Rica” e “Poesias Manuscritas”.

Além de Claudio Manuel, vários escritores se destacaram no Arcadismo brasileiro, como Tomás Antônio Gonzaga (autor de “Cartas Chilenas” e “Marília de Dirceu”), Frei José de Santa Rita Durão (autor do poema “Caramuru”), Inácio de Alvarenga Peixoto (autor de “A poesia dos inconfidentes: poesia completa”), José Basílio da Gama (autor de “O Uruguai”), Manuel Inácio da Silva Alvarenga (autor de “O Desertor das Letras”, “Glaura – Poemas Eróticos”).

Naquela quadra da história, constituía-se tradição as famílias com mais recursos enviarem seus filhos para estudar em Portugal (Coimbra), França (Montpellier e Bordeaux) e Reino Unido (Londres e Edimburgo), onde as ideias revolucionárias eram fermentadas pelo iluminismo, propiciando grande vivência cultural, que inevitavelmente era trazida para a Província e tinha relevo nas reuniões e saraus musicais e literários então promovidos, as famosas academias. Sem dúvida, naqueles eventos discutiam-se poesias, literatura, e, claro, filosofia e política. Entre os anos de 1768 e 1788, vinte anos portanto, 157 estudantes das diversas capitanias luso-brasileiras foram diplomados na Universidade de Coimbra (Ferreira, 1972).

Tomás Antônio Gonzaga era

um homem que se encantava com ideias”. Estudou em Coimbra e “meteu-se nos grupos de estudantes que se reuniam secretamente para ler e discutir Locke, Hobbes, Montesquieu e Voltaire, os ícones iluministas”. “Na universidade, um de seus melhores amigos era brasileiro e se tornaria companhia para a vida: Alvarenga Peixoto” (Dória, 2014).

Cláudio Manuel graduou-se na Universidade de Coimbra e especula-se que teria ligações com os Illuminati, sociedade secreta de cunho iluminista criada na Baviera e que influenciou inúmeras revoluções, fraternidades, arcádias literárias e associações com os mais diversos propósitos.

Naquele período, o Brasil não possuía universidades, imprensa e bibliotecas eram proibidas, a circulação de livros estava submetida a três instâncias de censura, de modo que os mecanismos de exploração e opressão não fossem fragilizados. A política oficial permitia o funcionamento das escolas religiosas, dominadas pelos jesuítas até sua expulsão em 1759, depois assumidas por outros padres e mestres laicos. O ambiente sociocultural se apoiava nas realizações de caráter artístico, expressos através da religiosidade popular, da escultura, da música e da arquitetura. Em 1768, o Marquês de Pombal instalou a Real Mesa Censória, centralizando e organizando o trabalho da seleção do que podia ou não ser lido (Dória, 2014). O direito de reunião era vigiado. De cada cem brasileiros, menos de dez sabiam ler e escrever.

As academias literárias foram incentivadas na gestão do Marquês de Pombal em Portugal, durante o reinado de D. José I, entre 1750 e 1777. Pretendia-se ampliar o público leitor, que, no Brasil, se resumia a poucos escritores e literatos e ao reduzido número de pessoas da elite aos quais eles estavam ligados por laços familiares, econômicos, funcionais ou de amizade (Cáceres, 1995). Por isso, as academias se revestiram de alguma importância cultural e mesmo política. Nesse meio, os livros passavam de mãos em mãos. Seus rituais acadêmicos eram uma maneira de passar o tempo de forma mais agradável nas cidades provincianas como Salvador, Vila Rica e Rio de Janeiro.

Do grupo de intelectuais que se revelaram na literatura, três poetas tiveram participação decisiva no movimento da Inconfidência Mineira – Cláudio, Gonzaga e Alvarenga Peixoto, ao lado de juristas formados em Coimbra, além de padres, comerciantes e militares, alimentando um fervedouro cultural e social orientado pelo sonho de independência do Brasil do domínio português, principalmente após a repercussão da independência dos EUA em 1776, com a ajuda de liberais franceses, quando

exemplares da Constituição Americana, em traduções francesas, tendo como preâmbulo a Declaração de Direitos, andavam às escondidas, como livros heréticos, sendo lidos e comentados, em segredo, pelos grupos de iluministas disfarçados e alojados em toda a parte, nos navios, na tropa, nas repartições públicas, nos conventos e seminários” (Lima Júnior, 2010).

Repercutia-se a notícia de que, dos 56 homens que assinaram a Declaração de Independência dos Estados Unidos em 4 de julho de 1776, muitos eram maçons, incluindo Benjamin Franklin e o próprio George Washington.

As ideias iluministas, fruto do movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII, visavam reformar a sociedade, opondo-se ao conhecimento herdado da cultura medieval, buscando propagar a ciência, o saber e o progresso, com base na crença de que o bem-estar coletivo somente poderia advir da razão. O pensamento iluminista de caráter burguês e anticlerical pregava conceitos considerados subversivos pela Corte Portuguesa, por envolverem “abomináveis ideias francesas” ligadas ao separatismo e república. Tinham como meio de difusão as Academias, a Enciclopédia, a Maçonaria, os Clubes, Cafés e Salões e as Universidades.

A Maçonaria era uma sociedade eminentemente secreta porque não podia lutar abertamente contra o absolutismo. Seus trabalhos eram rigorosamente proibidos. E daí o seu caráter misterioso (Ferreira, 1972).

Segundo Pedro Doria (2014),

“a perspectiva de ser iniciado neste mundo e conhecer algo desconhecido por quase todos era, desde o início, boa propaganda”.

Para Andrew Prescott, diretor do Centro de Estudos da Maçonaria da Universidade de Sheffield, na Inglaterra,

“ser maçom nos séculos 18 e 19 era um pouco como ser de esquerda no começo do século 20. Em geral, eram pessoas liberais, receptivas a novas ideologias e preocupadas em reorganizar a sociedade”.

Como consequência óbvia dessa atuação a ordem frequentou os primeiros lugares da lista de maiores inimigos das monarquias absolutistas (Revista Superinteressante 2005).

Publicações chegavam ao Brasil de forma clandestina. Os membros da elite na Província liam Rousseau, Voltaire, Montesquieu, enciclopedistas como Diderot e D’Alembert e outros. Novas palavras e conceitos como colônia, decadência, classe, história, levante, plebe, revolução e república passaram a ser utilizadas com frequência cada vez maior pelos maçons iniciados na Europa e que divulgavam a ideologia revolucionário-burguesa (Alencar, 1985). O periódico “A Gazeta de Lisboa”, que circulou entre 1715 e 1820, chegava a Minas com as últimas notícias do reino e do mundo. Com isso, aqueles homens tomaram conhecimento da independência americana,

sobre a opulência da Corte Portuguesa, e era inevitável que contrastassem todos os acontecimentos com o que viam em sua terra” (Dória, 2014).

No que se refere à maçonaria no contexto do Brasil de então, é recorrente o argumento de que a mesma não teria atuado na Inconfidência Mineira pela inexistência de Lojas regulares à época, já que a instalação da primeira Loja Simbólica reconhecida teria ocorrido apenas em 1801, com o nome de “Reunião”, no Rio de Janeiro, filiada a uma Obediência francesa. Conforme registro acima, é por demais sabido que a maçonaria naquele tempo era uma sociedade secreta e clandestina, não admitida em território brasileiro, assim como na Metrópole, onde seus membros eram perseguidos e presos.

Qualquer tentativa de regularização de uma “Loja” local junto a uma das Obediências Inglesa ou Francesa naquele período poderia ser considerado um ato suicida. Segundo vários registros, bastava ter livros escritos em francês ou possuir a constituição dos Estados Unidos para que um cidadão fosse perseguido, preso e processado por alta traição.

Em Portugal, “Lojas” funcionaram sigilosamente durante o governo de D. José I (1750-1777). Com o Marquês de Pombal abriram-se em todas as cidades do Reino filiais da loja de Lisboa e a Maçonaria tivera seu prestígio na década de 1760-70. Com a morte do rei, em fevereiro de 1777, sucedeu-lhe no trono D. Maria I, que depôs Pombal, e as perseguições contra os maçons foram deflagradas pelo Intendente-Geral da Polícia Diogo Inácio de Pina Manique, que acumulava vários cargos, tornando-se o grande senhor do governo de D. Maria I.

Durante sua gestão, Pina Manique

reprime com ferocidade tudo quanto possa lembrar a Revolução Francesa e perigar o regime absoluto; persegue, constantemente, afrancesados, jacobinos e pedreiros-livres, proíbe a circulação de livros, prende, tortura e castiga qualquer sombra de pensamento independente, compele ao exílio numerosos escritores, sábios, poetas e artistas” (Mirador, 1981).

Nos 25 anos que esteve à frente da Intendência da Polícia, desenvolveu perseguição sistemática contra as lojas maçônicas, que passaram a atuar na clandestinidade. Assim, o clima na Província não poderia ser diferente.

Entretanto, os ideais maçônicos já estavam arraigados, e isso acontecia pelos reflexos da independência dos Estados Unidos da América e pelos antecedentes da Revolução Francesa, onde a maçonaria funcionou como extraordinário veículo político das ideias liberais (Castellani, 1989). A Revolução Francesa, tendo como marco a queda da Bastilha, não influenciou os conjurados mineiros, pois, quando o fato ocorreu, eles já estavam presos, mas dois anos antes, com uma reação dos notáveis franceses – clérigos e nobres – contra o absolutismo, inspirados em ideias iluministas, o movimento já vinha sendo construído e gerando seus frutos.

Na França, onde o Grande Oriente fora fundado em 1773, a maçonaria ajudou a promover a aproximação social e até política da nobreza dominante e da burguesia ascendente, pois os elementos mais brilhantes e mais ativos da aristocracia faziam parte dela. Apesar da sua influência decisiva na Revolução, esta também orientou fortemente os rumos da maçonaria.

Influenciados por esses movimentos, estudantes mineiros que frequentavam cursos de universidades europeias, foram iniciados na maçonaria francesa por volta de 1776 e passaram a arquitetar a libertação da sua terra natal, com destaque para José Álvares Maciel, José Joaquim da Maia, Domingos Vital Barbosa, José Pereira Ribeiro, José Mariano Leal….

“todos de vinte e poucos anos, que iam e vinham portadores de ideias contagiosas, que pegavam nos outros” (Oliveira, 1985). Para Castellani (1992) “consta que Maia, Maciel e Vital Barbosa, entre outros, foram maçons, o que é plausível, pois a Maçonaria europeia já era bastante pujante, principalmente na França e na Inglaterra”. Complementa, afirmando que “em 1776, na França, já existiam 547 Lojas, dez das quais estavam localizadas em Montpellier, que, por sua grande atividade universitária, tinha, também, grande atividade maçônica, pois a Maçonaria da época reunia o topo da intelectualidade europeia”.

Documentos comprovam que chegou a ser discutido um possível apoio dos Estados Unidos, que tomaram conhecimento da conspiração a partir de um contato entre Thomas Jefferson, seu embaixador na França, e o estudante José Joaquim da Maia. Referido encontro ocorreu em Nímes, “longe dos estudantes portugueses a serviço do Intendente Geral de Polícia Pina Manique” (Castellani, 1992). Na carta enviada por Maia a Jefferson, em 1787, surge pela primeira vez a palavra “brasileiro”, como designativo de natural do Brasil (Ferreira, 1972). Até então o termo era associado apenas ao comerciante de pau-brasil.

Álvares Maciel frequentou em Londres os meios políticos maçônicos liderados por Francisco Miranda, interessados na independência dos países latino-americanos e que viriam a formar a Grande Reunião Americana. No seu retorno ao Brasil, juntamente com seus companheiros, trouxe a ideia do movimento emancipador, encontrando campo fértil na Capitania de Minas Gerais (Castellani, 1989). José Álvares Maciel é considerado por todos os estudiosos o intelectual da Inconfidência Mineira. Após sua condenação declarou-se maçom em confissão ao frade franciscano Raimundo da Anunciação Penaforte (Nota 17 – Apêndice 5 – Castellani, 1992).

Na sua obra “Gonzaga e a Inconfidência Mineira”, Almir de Oliveira (1985) comenta que

“na Vila Rica daqueles tempos havia um grupo de literatos, que formava a Arcádia Ultramarina. Eram intelectuais, que se reuniam em sessões, onde se debatiam coisas do espírito. Poetas e juristas. E clérigos. É natural que, num ambiente de inteligências polidas, afeitas ao trato de problemas humanos, surgisse a ideia de fazer-se de Minas, quiçá do Brasil, um Estado livre, nos moldes da República americana do norte”. Pedro Calmon (História do Brasil, 4º Vol. p. 1.248), citado em nota por Roberto Lettière (2001), registra que “o ‘clima’ do fim do século era nefasto aos congressos intelectuais. Nem estes eram apenas intelectuais. A Maçonaria repontara, instalava-se, estendia-se. Não seria de admirar que as esdrúxulas Academias….fossem… conventículos de pedreiros-livres…”.

Foram atraídos por essas ideias vários intelectuais, militares e sacerdotes, aí considerados os poetas árcades Cláudio Manuel, Alvarenga Peixoto e Tomás Gonzaga, além do cônego Luiz Vieira, padre Rolim, padre Carlos Toledo, tenente-coronel Freire de Andrade, sargento-mór Luiz Piza e o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e tantos outros. Em outra Nota, de número 4 (Apêndice 5 – Castellani, 1992 – p. 276), registra Penaforte que “quase todos cabeças ou eram poetas que tinham assento no parnaso português, ou aprendizes”.

O integralista e escritor Gustavo Barroso, em “A História Secreta do Brasil” (1990), conta que

em Vila Rica, sede do governo da capitania, havia uma roda de homens cultos, participantes duma Arcádia Literária, a qual facilmente se tornaria o centro diretor de qualquer movimento de ideias a se objetivar em ação”.

Citando o monarquista convicto e depreciador de Tiradentes, Joaquim Norberto de Souza e Silva, em “História da Conjuração Mineira”, ressalta que “tornou-se, com efeito, e envolto em tanto mistério que mal sabiam os conjurados do que nele se tratava, nem ao certo as pessoas de que se compunha”. Mencionando ainda Joaquim Felício, em “Memórias do distrito diamantino”, destaca que “a inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria”, afirmação esta combatida por Castellani em seu livro “A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve” (1992), dando munição aos detratores, mas recepcionada em outra obra de sua autoria (1989), conforme abaixo.

Ainda segundo Barroso (1990), notório antissemita e anti-maçom, esses movimentos

criaram um meio social propício à guerra do que está em baixo contra o que está em cima…” (p. 26). Assevera que o Marquês de Pombal principiou “no reino lusitano a era dos maçons, que não passavam de cristãos novos, tanto que as duas palavras eram sinônimos e, no campo, pedreiro-livre era sinônimo de judeus” (p. 151).

Segundo Castellani, no seu livro “A Maçonaria e o Movimento Republicano Brasileiro” (1989), contrariamente ao que afirma em “A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve” (1992), e naquela obra resumindo a Inconfidência Mineira, comenta que

a participação maçônica no movimento deve ser ressaltada, já que as ideias iniciais e o espírito de libertação chegaram a Minas na palavra de homens iniciados na maçonaria europeia”. Acrescenta, entretanto, que “nem todos os conjurados eram maçons, como querem fazer crer alguns historiógrafos maçônicos mal informados, que desejam, talvez por entusiasmo pela sua Ordem, fazer, de cada grande homem, um maçom perante a história”.

Aqui cabe um parêntesis para destacar a forma bastante deselegante com a qual o escritor Castellani (1992) se refere ao seu irmão Tenório D’Albuquerque, não poupando argumentos para depreciar sua obra “A Maçonaria e a Inconfidência Mineira” (1960), referindo-se a ele, dentre outras qualificações, como “um compilador altamente tendencioso” (p. 147, 148, 168, 175, 183, 185, 201, 202).

Sobre Tiradentes, comenta Castellani a respeito da inexistência de documentos que comprovem sua condição de maçom e das conclusões precipitadas tiradas por muitos autores, aproveitando-se do fato de terem sido destruídos pelos conjurados os escritos relativos à insurreição, e que alegam que ele “deve ter sido iniciado numa das lojas que devem ter existido em Minas e na Bahia...”. Muitos apologistas da maçonaria afirmam que o Alferes teria funcionado como intermediário entre os maçons de Vila Rica e os do Rio de Janeiro.

Continua…

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.

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Em busca de uma tradição inventada

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A história é continuamente reescrita. À medida que a realidade presente muda, as interpretações acerca de um fato passado também são alteradas, buscando respostas que correspondam melhor às necessidades do tempo atual. Foi assim com a Inconfidência Mineira (1789). Poucos momentos foram tão debatidos, reescritos e apropriados quanto esse.

Durante boa parte do século XIX, a Inconfidência não assumiu lugar de destaque na historiografia brasileira. Tal situação modificou-se apenas na segunda metade do século, quando o princípio da nacionalidade tornou-se uma questão premente a ser resolvida. Urgia ao Brasil a construção de laços de pertencimento capazes de criar um sentimento nacionalista, e era fundamental encontrar os elementos fundadores da nação, construindo uma identidade que pudesse particularizá-la. Com o golpe militar que inaugurou a República em 1889, essas necessidades foram reforçadas. O regime instaurado de cima para baixo estava longe de apresentar-se como uma demanda da população em geral. Assim, era preciso legitimá-lo perante o povo, apresentando-o não como um elemento estranho à sociedade, mas sim como um desejo histórico presente havia muito tempo.

A solução para essas questões passava pela criação de um mito fundador que estabelecesse uma ideia de continuidade entre o fato presente e o passado brasileiro. Era necessário criar uma tradição republicana para a nação por meio de heróis que já tivessem ansiado pela implantação desse regime. Nessa ocasião, a Inconfidência Mineira e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, assumiram com propriedade o papel de precursores da República.

A escolha de Tiradentes como herói nacional não é difícil de ser explicada. Com a publicação da obra de Joaquim Norberto de Souza e Silva, História da Conjuração Mineira (1873), que ressaltava o fervor religioso do personagem nos últimos momentos de sua vida, inúmeras representações simbólicas tornaram-se possíveis, aproximando-o à figura de Cristo. Outro fator importante para essa opção foi que o movimento não aconteceu efetivamente, o que poupou os inconfidentes do derramamento de sangue e os manteve imaculados. Eles foram apenas vítimas da violência, nunca agentes.

A Inconfidência como objeto passível de ser novamente apropriado permitiu à historiografia refazer as linhas gerais do levante sempre que a conjuntura política brasileira teve necessidade de reavivar o sentimento nacional. Seu legado simbólico foi retomado de tempos em tempos, mais especificamente nos momentos de rupturas históricas no decorrer do século XX. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até mesmo os militares de 1964, auto-intitulados “os novos inconfidentes”, apropriaram-se do fato histórico em favor de seus interesses políticos. Sob novas roupagens, o mito repetia-se incessantemente.

Contudo, não foram apenas os governos que utilizaram a influência do movimento e de seu herói. Muitas instituições também procuraram um “lugar ao sol” nessa festa de apropriações simbólicas. Foi o caso da maçonaria, que tomou Tiradentes como seu símbolo maior no Brasil ainda no século XIX. A partir de 1870, ocorreu um crescimento acelerado do número de lojas maçônicas no país e muitas delas foram batizadas de “Tiradentes”. Frequentemente, suas bibliotecas tinham o inconfidente por patrono e até mesmo os jornais maçônicos carregavam seu nome. Já no século XX, Tiradentes pareceu ganhar em definitivo um lugar de destaque no panteão maçônico, tornando-se patrono da Academia Maçônica de Letras.

Mas por que esse mineiro poderia representar a maçonaria? Que legitimidade haveria nisso? “Simples”, responderiam os historiadores ligados a essa organização: Tiradentes teria sido maçom, e a Inconfidência Mineira, uma conspiração maçônica em prol da libertação nacional!

Muitos maçons, historiadores ou não, aventuraram-se a escrever sobre o episódio para desvendar sua “verdadeira” história e demonstrar o papel crucial da maçonaria na definição dos acontecimentos de 1789. Em geral, essas narrativas começam demonstrando que a Inconfidência não foi um episódio regional. Tal movimento teria feito parte de um projeto internacional elaborado para tornar livres todos os povos oprimidos. A Inconfidência, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos seriam expressões de um mesmo fenômeno: o do anseio revolucionário por independência, democracia e liberdade que sacudiu a Europa e a América por meio das atividades maçônicas.

Desse modo, o sentimento nativista não seria suficiente para explicar os anseios dos inconfidentes pela República. Acreditar apenas nisso, segundo os escritores da maçonaria, seria “ingenuidade e romantismo”. Os conspiradores mineiros agiriam inspirados não só pela ideia de nação brasileira, mas, principalmente, pelos sentimentos de sua organização. “Mirando-se no exemplo vitorioso da revolução americana guiada por George Washington, Thomas Jefferson, etc., (…) os líderes inconfidentes questionaram o que a metrópole impunha como sendo inquestionável”, escreve o maçom Raymundo Vargas. Eles não teriam planejado uma revolta se não tivessem certeza de que os “irmãos” americanos prestariam auxílio ao restante do continente. O projeto também incluía a Europa, e a França foi o palco escolhido para os contatos que uniriam o Brasil “a essa corrente universal de liberdade”.

A narrativa maçônica apresenta-se confusa para aqueles que sabem que a instituição foi fundada no Brasil em 1801. A Inconfidência poderia caracterizar-se como um movimento maçônico se ainda não havia lojas no Brasil? De acordo com seus escritores, haveria, sim, centenas de maçons organizados em lojas, mas estas funcionavam clandestinamente, já que a ordem se encontrava proibida pela legislação portuguesa.

O relato que inaugurou a crença em uma Inconfidência de caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos, que, curiosamente, não era maçom. Em sua obra Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio (1924), ele escreve que a “Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres”. Com base nessa passagem, estudiosos, maçons ou não, começaram a associar automaticamente a Inconfidência à maçonaria. Surgiu a crença de que Tiradentes, que ia muito à Bahia para refazer o sortimento de mercadorias de seu negócio, acabou, numa de suas viagens, tornando-se maçom. Ele seria o responsável pela criação de uma loja maçônica, local onde os conjurados teriam sido iniciados na organização, “introduzida por Tiradentes quando por aqui passava vindo da Bahia para Vila Rica”, escreve Tenório D’Albuquerque.

Prova maior da importância do triângulo como símbolo maçônico teria se dado no momento da execução de Tiradentes, quando o maçom e capitão Luiz Benedito de Castro não distribuiu as tropas em círculo como de costume, e sim formou um triângulo humano em torno do patíbulo. A multidão “não poderia compreender o significado simbólico daquele triângulo, mas Tiradentes, no centro dele, compreendia aquela última e singela homenagem”, descreve Raymundo Vargas.

Finalmente, as narrativas maçônicas encontram explicação também para um instigante mistério: o sumiço da cabeça de Tiradentes. A urna funerária contendo a cabeça do herói da Inconfidência teria sido retirada secretamente às altas horas da noite pelos irmãos maçons remanescentes do movimento. O roubo da cabeça seria, segundo Raymundo Vargas, uma das primeiras afrontas da maçonaria às autoridades repressoras portuguesas, mostrando-lhes que “a luta só começava”. Segundo autores maçons, não teria sido por acaso que, no mesmo local onde a cabeça de Tiradentes fora exposta, o então presidente da província mineira e grão-mestre da maçonaria brasileira em 1874 Joaquim Saldanha Marinho, em 3 de abril de 1867 ergueu uma coluna de pedra em memória do mártir maçom.

Vários outros aspectos da Inconfidência foram trabalhados pelos autores ligados à organização, tais como a personalidade maçônica do Visconde de Barbacena ou as “irrefutáveis” provas da viagem de Tiradentes à Europa para fazer contato com seus irmãos da ordem. Percebe-se que a maçonaria, por meio de seus intelectuais, construiu uma série de argumentos para não deixar dúvida quanto ao papel de destaque dessa instituição no desenrolar de todos os fatos da Conjuração. Recentemente, surgiram alguns trabalhos elaborados por historiadores maçons mais criteriosos que refutam muitas das teses aqui apresentadas. Contudo, estes ainda não foram suficientes para derrubar do imaginário maçônico a figura do herói mineiro.

De fato, existem vestígios de que maçons passaram pelas Minas setecentistas. Analisando os processos inquisitoriais luso-brasileiros de fins do século XVIII e início do XIX, encontram-se denúncias contra mineiros de Vila Rica e do Tijuco, acusados de libertinos, heréticos e maçons. Sabe-se também que muitos estudantes brasileiros em Coimbra e Montpellier iniciaram-se na maçonaria europeia e trouxeram seus valores e ideias para o Brasil. Alguns deles, como José Álvares Maciel e Domingos Vidal, ajudaram nos planos dos inconfidentes.

Para além da discussão da veracidade ou não desses relatos acerca da Inconfidência, é interessante perceber de que maneira a elaboração de tal narrativa histórica favorece a instituição dos pedreiros livres. Em diversos momentos, a presença da maçonaria em território brasileiro foi questionada. Com a proclamação da República, por exemplo, a Igreja Católica perdeu o título de religião oficial do Estado e, para tentar reaver sua influência política, reforçou o combate à organização. O catolicismo oficial passou a apresentar a maçonaria como uma sociedade “estranha” à cultura brasileira, vinda de fora, representante do imperialismo e, logo, uma ameaça à soberania nacional. Mais tarde, com esses argumentos, Getúlio Vargas a colocaria na ilegalidade.

Diante de situações como essas, tornou-se fundamental para a maçonaria apresentar-se à sociedade brasileira como uma instituição que, ao contrário do que dizem seus opositores, mostra se presente há tempos em nosso território e em nossa cultura. Assim, a narrativa da Inconfidência como um movimento maçônico pode ser denominada de “’tradição inventada”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm que indica a criação de um passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade. Construir por meio de uma historiografia uma tradição na qual os maçons teriam feito parte do momento fundador da nação brasileira é, sem dúvida, uma maneira de assegurar sua presença no Brasil. Ao associar a imagem de Tiradentes à sua, essa ordem passa a ser lembrada como a defensora dos nobres valores carregados pelo herói nacional. Mais do que uma forma de defesa, a apropriação maçônica da simbologia da Inconfidência lhe dá legitimidade perante a sociedade. Por ora, a estratégia teve êxito na medida em que a insurreição de 1789 e a atuação maçônica encontram-se, ainda hoje, intimamente associadas no imaginário popular.

Autora: Françoise Jean de Oliveira Souza

Françoise é doutora em história pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora da dissertação Vozes maçônicas na Província Mineira – 1869-1889, UFMG, 2004.

Notas

A bandeira mineira – A origem da bandeira de Minas Gerais é mais uma prova, para os maçons, do envolvimento desta organização na Inconfidência. “Se ainda ao mais incrédulo dos incrédulos restasse um resquício de dúvida quanto à origem maçônica da Inconfidência Mineira, bastaria contemplar-lhe a bandeira”, afirma Tenório D’Albuquerque, em A bandeira maçônica dos inconfidentes. Utilizando como disfarce a ideia da Santíssima Trindade, o triângulo representaria, na verdade, a sagrada trindade da maçonaria: liberdade, igualdade e fraternidade. No interrogatório relatado nos autos da devassa, ao ser perguntado sobre o significado da bandeira, Tiradentes teria respondido “sagrada trindade” e não “santíssima”. Tal detalhe supostamente passou despercebido ao escrivão.

Discordância entre historiadores – A historiografia acadêmica encontra-se longe de um consenso acerca da participação ou não da maçonaria na Inconfidência. As hipóteses vão desde o papel central dos maçons na elaboração dos planos do levante até a negação total de sua influência na Conjuração.

Augusto de Lima Júnior ressalta o papel da maçonaria ao percebê-la como um importante elemento de ligação e comunicação dos inconfidentes com os grupos de apoio no Rio de Janeiro e na Europa. Em posição oposta está Lúcio José dos Santos, alegando que o fato de não haver nenhum vestígio da ação propriamente maçônica nos autos da devassa seria a maior prova da ausência dessa sociedade na Inconfidência. Também argumenta que, se a maçonaria possuísse prestígio suficiente a ponto de ser a idealizadora do movimento, ela teria tido forças para impedir a condenação de seus membros. Finalmente, a meio-termo entre as duas opiniões encontra-se Márcio Jardim, para quem a atuação maçônica teria sido importante, mas secundária: seu papel seria apenas o de aglutinar pessoas e ideias. O autor observa, ainda, como a maçonaria dos dias atuais se apropria da figura de Tiradentes, o que revelaria um desejo de mostrar poder acima do comum, causando lhe surpresa o fato de “boatos sobreviverem ao tempo e à evidência das provas contrárias”.

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