VITRIOL Podcast – Episódio 3 – Ordens Iniciáticas e você: tudo a ver?

Neste terceiro episódio, o trio formado por João Cézar, Luciano e Geovanne recebe o convidado Marco Antônio Filho, o Marquinho, para um descontraído bate papo sobre ordens iniciáticas.

Logo no início do programa, nosso querido Geovanne apresenta as definições de mística e de esotérico. Veja, ouça e aprenda!

Veja no vídeo como foi a conversa entre os quatro. Aproveite para fazer sua inscrição no canal Vitriol Podcast, deixar sua curtida e divulgar essa iniciativa para os seus contatos.

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VITRIOL Podcast – Episódio 2 – A Maçonaria e a Ordem DeMolay

Neste segundo episódio, João Cézar Roldão Porto recebe os convidados, Matheus Bandieira, Daniel Ávila e Ricardo Torido, para um bate papo sobre Maçonaria e Ordem DeMolay.

Será que a iniciação na Maçonaria é o caminho natural para um DeMolay quando este completa 21 anos? Essa é a pergunta que não quer calar!

Veja no vídeo ou ouça no Spotify, ambos disponíveis abaixo, como foi conversa entre os quatro. Aproveite para fazer sua inscrição no canal Vitriol podcast, deixar sua curtida e divulgar essa iniciativa para os seus contatos.

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A Iniciação Real e a Morte do Ego – Parte II

Memento mori, o recado que todo homem deveria lembrar - El Hombre

O que era Kykeon?

Qual poderia ser um elemento final mais apropriado para essas celebrações dos estados em mudança da natureza e do potencial agrícola do que consumir o kykeon, uma bebida geralmente à base de grãos que foi entendida como indutora de estados visionários.

Refletindo sobre as qualidades visionárias do kykeon, um iniciado descreveu o que aconteceu poeticamente:

“À meia-noite, vi o sol brilhando sob uma luz branca brilhante.”

Ao se unirem para unir, dançar, consumir a poção kykeon e se deleitar com seus efeitos reveladores, ​as pessoas que participaram promoveram um poderoso senso de conexão com amigos, família e o mundo em geral. Nesse sentido, os Mistérios forneceram um antídoto poderoso para sentimentos de isolamento, depressão e privação social.

O Kykeon é famoso por seu uso nos Ritos de Deméter, na cidade de Elêusis, onde foi usado pelos iniciados para experimentar o mistério da morte e do renascimento no ritual que passou a ser conhecido como Os Mistérios Eleusinos.

O Kykeon era diferente de uma bebida comum, pois possuía propriedades altamente psicoativas, provocadas por um fungo parasitário que cresce nos grãos de cevada e centeio que contém os alcaloides ergotamina. Segundo Hofmann, a ergotamina era o ingrediente psicoativo que alimentava os mistérios eleusinos.

MD, PHD, Albert Hofmann foi um cientista suíço, é mais conhecido como o “​pai” do LSD. Ao trabalhar no isolamento de princípios ativos presentes no fungo ergôt, sintetizou o Ácido Lisérgico obtido a partir da hidrolisação da ergotamina (substância obtida no fungo).

Era o que ​permitia aos iniciados nos Mistérios alcançar uma compreensão mais completa de seus objetivos na vida e para encerrar o medo da morte, como testemunhos de escritores antigos que participaram dos Mistérios atestam.

Entre os participantes estavam Sócrates, Aristóteles, Sófocles, Plutarco, Cícero, Platão, entre muitos outros, Platão menciona os mistérios especificamente em seu diálogo sobre o Fédon, alegando que somente aqueles que foram iniciados podem morar com os deuses. Foi sugerido que o Fédon lida com a imortalidade da alma, que Platão queria dizer que apenas os iniciados desfrutariam de uma vida após a morte gratificante. No contexto do diálogo, no entanto, parece mais provável que ele quis dizer que ​apenas os iniciados tinham uma compreensão dos assuntos mais importantes da vida enquanto viviam. Outros escritores antigos, como Plutarco, apoiariam essa interpretação. Ele escreveu que, depois de iniciado, perdeu o medo da morte e se reconheceu como uma alma imortal. O ingrediente psicoativo do ergot no kykeon, combinado com o ritual no subterrâneo Telesterion, produziu um evento de mudança de vida nos comunicantes. Os ritos de Deméter tinham uma importância incrível para aqueles que participavam deles, e kykeon foi a chave que abriu a mente daquele povo aos segredos de seus deuses.

Plutarco escreveu:

“Por causa das promessas sagradas e fiéis dadas nos mistérios … mantemos firmemente por uma verdade indubitável que nossa alma é incorruptível e imortal … quando um homem morre, ele é como aqueles que são iniciados nos mistérios. Toda a nossa vida é uma jornada por caminhos tortuosos, sem saída. No fim, surgem terrores, angústia medo e pânico. Então uma luz que se move ao seu encontro, prados puros que o recebem, cantos e danças e aparições sagradas.”

Dentro do templo escuro, os participantes tiveram que exclamar: “Eu jejuei, bebi o kykeon”. O que acontecia depois é, como o nome do evento sinaliza, mistério. No Fedro Platão apresenta este relato:

“Com uma companhia abençoada, nós seguimos na carruagem de Zeus e outros na de algum outro deus … vimos a  verdade e as visões divinas, e fomos iniciados naquilo que é justamente chamado o mais sagrado dos mistérios, que celebramos em um estado de perfeição … sendo permitidos como iniciados à visão de aparições perfeitas, simples, calmas e felizes, que vimos à luz pura, sendo puros e não sepultados naquilo que carregamos conosco e que chamamos de corpo, em que somos presos como uma ostra em sua concha.”

Assim, é bem claro que os psicodélicos tenham inspirado o dualismo mente, corpo predominante no Ocidente, não apenas na filosofia, mas também na religião: a influência de Platão no cristianismo era substancial. Nietzsche chegou a afirmar que “o cristianismo era platonismo para o povo”. Independentemente da validade ou não dos argumentos de Platão, seu pensamento visionário esclareceu nossa cultura. Através de uma caverna sombria, Platão veio a ver a luz e esse raio de sol da filosofia, ciência, razão e o próprio “Mito da Caverna”  surgiu da experiência Iniciática psicodélica.

Agora, se olharmos para culturas que usaram plantas psicoativas em rituais religiosos ou xamânicos por milênios, há uma constante nos ritos de provocar uma ​experiência de morte (EQM) e renascimento, o que às vezes é chamado de morte simbólica, descida ao submundo ou V.I.T.R.I.O.L.

A experiência psicodélica está profundamente ligada à experiência e ao conhecimento da morte.

Isso ficou evidente para o Timothy Leary, Ph.D., professor de Harvard, psicólogo, neurocientista, escritor e futurista, que na década de 1960 modelou a experiência psicodélica em torno do Livro Tibetano dos Mortos, ou o Bardo Thodol, o texto milenar do budismo tibetano que lida com a navegação pelos mundos intermediários (bardos) que continuam até o mundo dos mortos. Escatologia budista, na qual se acredita que a continuidade da mente está além deste plano da realidade.

Leary nos diz que os psicodélicos poderiam ser usados ​​como uma bússola para navegar por esses planos sutis da realidade, que emulavam os mundos intermediários ou zonas liminares que os místicos haviam atravessado antes.

A chave para uma experiência psicodélica e uma experiência mística, sugere Leary, é a morte do ego.

Na alquimia, a primeira etapa do processo alquímico é Nigredo, a morte do velho para que (dessa massa putrefata) nasça algo novo e melhor. A queda da árvore seca para nasça uma árvore nova. A queda do ego para o nascimento do homem natural, o homem divino.

Como em Elêusis ou nas meditações budistas, na yoga, no Vipassana e nas diversas outras práticas de expansão da consciência, o que se pode aprender em uma genuína experiência psicodélica é que a única coisa que pode realmente morrer é o ego, essa personalização ilusória, e esse é apenas o primeiro passo da experiência com a realidade que se esconde por trás de nossos condicionamentos e sistemas de crenças.

No entanto, as nuvens escuras acabaram por obstruir o sol com o surgimento de um cristianismo militarista. Em 392 dC, os templos eleusinos foram fechados por decreto pelo imperador romano cristão Teodósio I. Com isso, a Idade das Trevas começa, escondendo a luz do pensamento pagão ou secular, apenas para retornar com o Renascimento e depois com o Iluminismo.

A Morte do Ego

Morte do ego é uma “perda completa de auto identidade subjetiva”. O termo é utilizado em vários contextos entrelaçados, com significados relacionados. Na psicologia junguiana, o sinônimo termo​ morte psíquica é usado, que refere-se a uma transformação fundamental da psique. Na morte e na mitologia, o renascimento e morte do ego é uma fase de auto-entrega e de transição, como descrito por Joseph Campbell , em sua pesquisa sobre a mitologia da Jornada do Herói . É um tema recorrente na mitologia do mundo e também é usado como uma metáfora em algumas correntes do pensamento ocidental contemporânea.

O conceito também é usado na espiritualidade contemporânea e na compreensão moderna das religiões orientais para descrever uma perda permanente de ​”apego a um sentido separado de si mesmo” e ​egocentrismo. Esta concepção é uma parte influente dos ensinamentos de Eckhart Tolle, onde o Ego é apresentado como um acúmulo de pensamentos e emoções, continuamente identificados com, o que cria a ideia e sentimento de ser uma entidade separada, e só por desidentificação, a consciência pode verdadeiramente estar livre do sofrimento (linha filosófica budista).

Nossas consciências são como água cheia de barro agitada numa jarra de vidro. O Budismo chama isso de “mente nublada”, na qual é impossível enxergar de forma clara. Essa agitação sempre nos impossibilita de compreender melhor nossos sentimentos e reagir de uma forma mais adequada, gerando, assim, mais confusão e inquietude.

Através da experiência de morte do ego e, pela prática de diversas formas de expansão de consciência se aprende a aquietar essa água para que todo o barro assente e, enfim, possamos ver do outro lado.

O que resta quando removemos o ego, é a consciência real e imortal, diriam os místicos de todas as idades.

O ego não existe por si só. Se você meditar profundamente sobre um determinado ego (“eu”), vai perceber que ele se desvanece como uma nuvem. Ele não possui essência, não tem nada de concreto, é apenas uma associação de pensamentos que adquire uma personalidade própria. É como um fluir de pensamentos e emoções que se enredam e assumem a ilusão de ser alguma coisa real. Todos os egos são apenas associações de pensamento, assumem uma personalidade e quando estão no comando temos tanta certeza de sua existência que pensamos: este sou eu, eu sou assim, eu quero isso, eu não quero aquilo, é minha opinião. Porém, nada mais falso, são apenas pensamentos agrupados e associados que assumem vida própria e por alguns momentos acabam por assumir o comando.

Importantíssimo entender que a verdadeira iniciação, é uma morte momentânea do ego, uma abstração dos sentidos, dos pensamentos e da racionalização, uma expansão da consciência ilimitada do ser. O ego/personalidade é o nosso software/papel teatral, é essencial para atuação dos personagens no palco tridimensional em que nos encontramos​.

O ego não pode ser morto, pois não existe, é a ilusão de identificação com algum conceito que você criou de si mesmo (personalidade, corpo, status, etc.). Quando você diz que vai matar o ego, é o próprio falando. Quando você diz que se tornará superior ao ego, é o próprio falando. Quando você diz que vai lutar contra ele, é o próprio falando. Qualquer mentalização provém do ego. O que está além é a vontade pura, sem pontes para a expressão. É algo que não se descreve, não se fomenta e não se põe em movimento linear.

Deste modo, quem insiste em querer dissipar o ego está vivendo uma fantasia. Sendo o ego uma característica da mente, tudo o que for do pensamento parte inevitavelmente do mesmo princípio: o ego. Portanto, a ação em si já uma característica “corrompida” pela mente, impedindo que haja a separação, tão aclamada pelo pseudo consciente, entre seu Eu Profundo e o ego. Matá-lo então é um pensamento tolo.

Portanto, matar o ego é impossível, ele sempre existirá, a não ser num estado da não-forma, no estado da divindade em si, do espírito, do total abstrato e subjetivo. Enquanto houver antropomorfização do espírito, a mente persistirá.

O ego é a soma de nossos muitos defeitos psicológicos que vivem em nosso mundo interior, que foram criados e continuam a ser alimentados inconscientemente por nós mesmos.

Esses defeitos se nutrem das energias dos centros da máquina humana. Cada um desses defeitos é chamado também de “eu” ou ainda “detalhe do ego”.

O ego é realmente a causa de nossos sofrimentos, inconsciência, erros, vícios, medos, fraquezas, etc.

No antigo Egito o ego era conhecido como os demônios vermelhos de Seth. No BhagavadGita o ego é simbolizado como os “parentes” com os quais Arjuna, iluminado diretamente pelo Sr. Krishna, deveria travar terríveis batalhas. Na mitologia grega o ego é, entre outros simbolismos, representado pela Medusa, causadora de todo tipo de sofrimento aos homens e que é decapitada pela espada de Perseu. Na Bíblia podemos reconhecer o ego na passagem na qual o divino mestre Jesus pergunta ao demônio que possuía o infeliz geraseno qual era o seu nome, sendo que este lhe responde:

“Meu nome é Legião, porque somos muitos.” (Marcos – 5,1-20).

Também dentro do cristianismo podemos encontrar o ego representado nos chamados sete pecados capitais relacionados por Tomás de Aquino: luxúria, ira, inveja, cobiça, gula, preguiça e orgulho.

Enquanto mantermos em nosso interior essa natureza inumana e selvagem, seremos criaturas limitadas, inconscientes, sofredoras e vítimas das circunstâncias. Se os seres humanos não carregassem dentro de si o ego incontrolável, o mundo seria um verdadeiro paraíso.

Nossa consciência é uma partícula divina, que podemos também chamá-la de Essência.

Conforme escreveu Victor Hugo:

“Escuta tua consciência antes de agir, porque a consciência é a divindade presente no homem.”

A Essência é o que de mais nobre levamos dentro e é imortal. Conforme vamos eliminando os detalhes do ego vamos fortalecendo essa consciência ou alma, já que cada eu mantém aprisionada uma fração de nossa Essência.

Considere cada um, como uma garrafa que mantêm a nossa verdadeira consciência aprisionada. Quebrando a garrafa retorna a nós aquela parcela de consciência que estava presa. É dessa forma que vamos realmente mudar interiormente, substituindo pouco a pouco nossos muitos defeitos e vícios psicológicos por nobres e belas virtudes.

O trabalho da morte do ego é antiquíssimo e sempre foi ensinado à humanidade pelos vários Mestres, Jesus Cristo, Buda, Quetzalcoatl (O Cristo asteca), Hermes Trismegisto no Egito, Krishina entre outros, que vieram para instruí-la, mostrando-lhe os meios para acabar com seus próprios sofrimentos e limitações.

Cada um ensinou a mesma doutrina, porém adaptada ao seu tempo, com seus próprios termos e símbolos. Infelizmente quando o Mestre parte, os homens, manipulados por seus próprios egos, começam a distorcer a doutrina e pouco a pouco o principal se perde ou é oculto da humanidade.

A camada egóica é o primeiro estágio de transição entre o mundo externo finito, e o mundo sútil infinito. O ego está no mundo e a alma experimenta o mundo usando ego como veículo.

“O ego são hábitos da mente. São as identificações equivocadas e os padrões repetidos de pensamento que ocorrem repetidamente, no tempo passado e no tempo futuro(ilusões). O ego que encobre a experiência do ser ontológico. O ego surge, prendendo sua atenção e  puxa você para fora em direção ao mundo limitado temporal, assim refletindo ilusões, em vez de ir para dentro, em direção ao Ser(presente). Isso acontece com tanta freqüência e tão continuamente que a identidade original nunca tem a chance de entender sua natureza real. Você só pode escapar dos hábitos do ego, permanecendo na consciência como consciência(imanência do real). Seja quem você é. Seja como você é. Fique quieto. Ignore todos os hábitos do ego, que surgem na mente e fixe sua atenção no Ser, no agora.

… o ego não existe no agora, pois a mente temporal transcende sua ilusão de tempos que não é você, sua natureza original.” (Annamalai Swam)

Considerações finais

Diante de tudo o que foi exposto, podemos dizer que a experiência iniciática ritualística somada a experiência psicodélica têm como principal orientação e objetivo​, ​induzir um conhecimento experimental da morte​, uma EQM; ​a Verdadeira Iniciação​, um mergulho nas profundezas da Psiquê, uma amostra do Mysterium tremendum et fascinans, um vislumbre da eternidade divina, que sacode o indivíduo, e de alguma forma experimenta e entende o ​significado da morte na epifania psicodélica, com a experiência bioquímica na qual ele eleva a consciência cumprindo o papel de Hermes. O psicopompo do submundo que leva Perséfone de volta ao mundo superior, através do grande limiar da existência humana e em suas visões ou nas didáticas teatrais psicodramáticas de Elêusis,​o mistério filosófico da morte é revelado​.

Do mesmo modo, essa Tecnologia/Pedagogia do supra-mundo, somada aos ​símbolos, alegorias e psicodramas e ​transmissão de conhecimentos sistema mestre discípulo​, a experiência de quase morte (EQM) ou a experiência psicodélica, desencadeia uma transformação profunda e na maioria das vezes irreversível.

Acreditamos que essa transformação ocorreu devido à beleza e profundidade do que foi vivenciado (e entendido) em Elêusis. Escreveu o poeta Pindar

“Bem-aventurado aquele que viu essas coisas
antes de deixar a terra:
porque ele entende o fim da vida mortal
e o começo de uma nova vida, dada na divindade.”

Em várias tradições, quem conhece a morte, quem retornou de seu domínio ou que ​foi iniciado nos seus segredos é considerado alguém especial, que leva a marca do xamã, do místico, do profeta, do mestre, no sentido de poder orientar (direcionar para o Oriente) e conduzir os novos aprendizes neófitos, pois já mergulhou nas profundezas de si mesmo, não através de símbolos incompreendidos, ritualísticas automatizadas e alegorias desapercebidas, mas através da ​iniciação real, a morte Iniciática, e consequentemente sua “ressurreição”, a experiência em si resulta no conhecimento de si mesmo. Essas histórias de morrer e renascer se repete nos mitos e refere-se a essa ​iniciação “Real”.

O conhecimento de si mesmo, o ​desbastar da Pedra Bruta, é o primeiro passo para a “educação” do ego/personalidade. Através dessa “morte” momentânea, damos um “reboot”, um novo início, conscientes dos condicionamentos, preconceitos e fanatismos que acumulamos através de nossa formação humana normótica.

Primeiro o ​VITRIOL​, em seguida ​erguer templos a virtudes, e cavar masmorras aos vícios, vigilantes e perseverantes.

Não é totalmente difícil entender que a morte confere poder sobre os outros e também sobre a própria vida, talvez porque diante do conhecimento da imortalidade se perca o medo e a ansiedade que caracterizam os mortais, justamente porque eles pensam que são mortais. ​Aqueles que beberam do elixir da vida eterna se tornam imortais.

Para platonistas e budistas, manter a morte em mente é o fundamento da ética individual, pois a vida encontra seu significado na morte ou pelo menos a possibilidade de sua transcendência.

No caso da filosofia platônica, a morte, como Sócrates sugere, é a possibilidade de separar os impuros dos puros e elevar a alma a um estado beatífico de unidade com os deuses e as formas da eternidade. Esse estado de pureza contemplando a justiça, a bondade e a beleza, e agindo de acordo com estas noções mais altas que advêm da ideia do bem.

Também se sabe que uma das práticas espirituais de linhas específicas de monges budistas e yogues hinduístas é contemplar imagens de cadáveres, lembrando-lhes que a existência é impermanente (​memento mori), que o corpo é perecível e que eles têm uma oportunidade inestimável para finalmente transcender a morte ainda em vida.

Segundo Manly P. Hall, o que foi ensinado em Elêusis foi que a alma humana era a fênix, o misterioso pássaro de fogo renascido de suas cinzas. E simbolicamente, o ensinamento de que precisamos morrer para acessar nossa essência divina (ou simplesmente vislumbrar a realidade por trás do “véu de Maya” e da ilusão da ignorância).

Como escreveu o iniciador João Batista, nosso Patrono, que oferecia às margens do rio Jordão, a Iniciação Real através da prática essênia do afogamento ritualístico:

“Somente quem nasceu de novo terá acesso ao reino dos céus.
Mas para nascer de novo, é necessário estar disposto a morrer.”

O INICIADO

De um ponto de vista psicológico, o iniciado deve abandonar os anseios regressivos que demandam a eterna e passiva felicidade do útero, pelo Êxtase da Iluminação. Através deste processo, o homem livra a si mesmo de suas amarras inconscientes e, desta forma, libera e purifica suas energias mais profundas para realizar sua Verdadeira Vontade. Muitos vivenciam este processo como uma morte a perda do mundo infantiloide do ego criança e dos desejos que nunca tiveram a vontade ou a força para realizarem a si mesmos.

O homem não redimido está adormecido e simplesmente se debate em suas fixações inconscientes, acreditando nos sonhos da infância, aos quais se apega fixamente por meio dos ergs da natureza, para sempre sob sua inquieta misericórdia.

Para ser transformado, o homem em sua forma mais inferior deve encontrar uma energia despertadora em alguma fonte mais elevada. Esta força é o Gênio Superior, despertado e sustentado através dos rigores da preparação, culminando em iniciação.

O iniciado cria a si mesmo desde Si Mesmo, e através disto ele é rejuvenescido. Finalmente, o iniciado pronuncia e grita, seu próprio nome, aquele que ele finalmente escolheu para simbolizar sua Verdadeira Vontade. Este é seu renascimento. Mas mais ainda, pois ele não é o mesmo homem, mesmo em sua aparência física, pois para alguns isto também muda.

Para muitos, o nascimento do iniciado pode ser visto como a aurora de um Novo Sol. É o resultado do Velho Sol sendo devorado pelo Mar, fertilizado e prenhe, dando nascimento ao Novo Sol – A Aurora Dourada.

Israel Regardie
(What you should know about the Golden Dawn)

A Prudência nos alerta para encerrar por aqui.

Autor: Geovanne Pereira

Geovanne é professor de Filosofia, psicanalista, Mestre Maçom da ARLS Jacques DeMolay, n°22 – GLMMG e, para nossa alegria, também um colaborador do blog.

*Clique AQUI para ler a primeira parte do texto.

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O Irmão Rabugento

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Nem todo velho é bom só por ser velho. Ao contrário, se não acumularmos bom humor, autocrítica, certa generosidade e cultivo de afetos vários, seremos velhos rabugentos que afastam família e amigos” (Lya Luft)

O termo “rabugento” logo traz à mente a fisionomia de uma pessoa que reclama de tudo, vive se queixando e implicando com tudo e com todos, e não se restringe a idade ou gênero específicos. Nos dicionários colhemos ainda: ranzinza, ranheta, briguento, birrento, mal-humorado, impaciente etc. Com certeza, a associação com “rabujo”, que significa fedor, sarna ou mau cheiro, e provoca um afastamento estratégico, permite-nos entender o simbolismo envolvido.

Seguramente, um número bem reduzido, excetuando-se os praticantes do socrático “conhece-te a ti mesmo”, se dá conta da situação e, como sempre, os outros é que nos “reconhecem como tal”, pois identificar uma pessoa com essas características é relativamente fácil.  Nesse cenário, inconcebível não vir à mente a citação bíblica sobre ficar olhando o cisco no olho do irmão e não prestar atenção na trave que há em nosso próprio olho.

Antes de prosseguir informamos, cautelarmente, que os comentários e exemplos abaixo, pertencentes à esfera da ficção, que qualquer semelhança com a realidade de nossas lojas é mera coincidência. Trata-se de “causos” capturados durante peregrinações com a Escola Maçônica. Poder-se-ia até supor que a narrativa calhasse em Oriente longínquo, preferentemente de outra Potência, quiçá “irregular”. Mas, a caricatura pode ser proveitosa como um sobreaviso para que não nos deixemos sucumbir frente às garras da rabugice.

Deparamo-nos, eventualmente, com situações em que obreiros atravessam a ritualística e quebram a harmonia dos trabalhos com comentários paralelos, julgando-se senhores do certo e do errado. Outros apontam deslizes de forma abrupta, como se donos fossem, com ar professoral e recorrendo à condição de “fundadores”, usurpando função dos titulares responsáveis, quando não reclamam de uma determinada circunstância, falando fora de hora e invocando “questão de ordem”, desconcentrando os demais. Esses críticos contumazes, em várias oportunidades, ao executarem uma função, cometem erros similares aos que apontam ou ainda costumam desempenhar o ofício de forma apática, desobrigando-se a observar as regras.

Poucos, quando não cochilam, resmungam por nada e o tempo todo, “pensam alto”, reclamam de demora da reunião ou do tempo de estudos – “o trabalho ficou grande, poderia ter feito um resuminho…se desse uma boa enxugada ficaria melhor…poderia ter diminuído a falação…perdemos o primeiro tempo do jogo… ou … o ágape já começou, sabia?!”. Nas oportunidades em que recebem uma cópia de trabalho, desdenham e o “esquecem” sobre o assento ao se retirarem.

Ainda não foram confirmadas ocorrências da espécie, mas já se especula sobre a possibilidade de rabugentos e seguidores evoluírem no sentido de se colocarem contra proposições da direção da Loja apenas e tão-somente para obstaculizar a operacionalização de sugestões, ao impor derrotas e não dar créditos para os proponentes, com demonstrações de mentalidades tacanhas ou vingativas. Dir-se-ia, talvez, que se pode ouvir nos átrios comentários do tipo “eu faria diferente…”, típico dos “engenheiros de obras feitas” ou a “fácil sabedoria ex-post”. Esperamos que fique apenas no campo da imaginação, mas é importante manter a vigilância.

Nossos rabugentos favoritos, se não estão carrancudos, fazem caras e bocas e agitam-se o tempo todo. Ao argumentarem ou questionarem sobre algum episódio, e mesmo com razão, exprimem nervosismo e esticam mais do que podem a fala. Nas sessões magnas pedem a palavra, se inflamam ao tecer arrastadas loas individualmente aos diversos contemporâneos ocupantes de cadeiras cativas no Oriente, com o uso de frases elaboradas, expressões emotivas, gestos enfáticos, narrativas de experiências alhures compartilhadas e nada sobre o ato que acaba de ser realizado, apenas para desejar um bom fim de semana a todos e a cada um em particular.

Não são raros os casos em que esses amados irmãos durões se melindram com a mais cortês crítica, dizendo – “já cansei de falar sobre isso e ninguém me leva a sério, minhas palavras foram levadas pelo vento. Doravante não falo mais nada”. Na sequência, atravessam um pedido de desculpa geral e auto impõem-se um obsequioso silêncio. Durante um bom período se fecham em copas, mostrando-se reticentes em fazer qualquer comentário. Mas, graças às luzes do Grande Arquiteto do Universo suplicadas na exortação de abertura dos trabalhos, e depois de alguns afagos, voltam a se manifestar e a compartilhar os inexauríveis conhecimentos de que são detentores.

Há ainda os que se julgam os únicos a enfrentar adversidades, sempre se vitimizam e não revelam serenidade para ouvir os demais quando em uso da palavra. Ai daquele obreiro mais inspirado que ousa ilustrar uma explanação com um recurso filosófico ou poético, provocando a ira dos rabugentos a sussurrarem que maçonaria é “coisa de macho”, instigando sorrisos sarcásticos de concordância por parte de títeres que não refletem criticamente.

Os mais estrategistas não falam diretamente nos momentos apropriados, mas enviam recados por intermédio dos mais simpáticos e acolhedores, com grande movimentação dos Mestres de Cerimônias, que já estão habituados a ouvir o som do estalar de dedos ou a chamada com um gesto do indicador. E tem aquele que nos faz lembrar a letra da música “Sabiá” de Dominguinhos – “A todo mundo eu dou psiu – Psiu, Psiu, Psiu”. Ex-Veneráveis mais modernos às vezes são persuadidos a levar mensagens dos rabugentos (diga ao seu Venerável isso, isso e isso…..). Perdoemos, por ora, os renitentes produtores de efeitos sonoros com copinhos descartáveis e papeis de balas, que mesmo alertados persistem, lembrando-nos o crepitar de uma fogueira de São João – nosso Patrono.

Nestes tempos de redes sociais palpitantes e funcionando as 24 horas do dia, com as caixas de entrada de e-mails superlotadas, aplicativos repletos de mensagens e vídeos repetitivos, longos, cansativos e fora de contexto, enviados por impulso e sem nenhuma avaliação prévia, não podemos deixar de falar dos melindrosos, que por uma opinião divergente, saem do grupo de WhatsApp –  “espírito obsessor”, segundo os que rejeitam e torcem para que essa tecnologia se exploda – da Loja, por qualquer motivo, retornam por algum tempo, quando não são bloqueados provisoriamente pelos administradores para dar uma esfriada nos ânimos, mesmo sendo portadores da mais alta estima e consideração. Tudo por amor e em nome da harmonia e da fraternidade.

Se o irmão teve perseverança para ler até aqui e não se reconheceu em nenhuma das descrições acima (Glória a Deus!), compreenda que dentro de um rabugento bate um coração afável e incomensurável. Nesse contexto, vislumbra-se emblemática a mensagem do poema “Amor é Síntese” de Myrtes Mathias (atribuído a Mário Quintana em determinados sites), que permitimo-nos propor, com a devida vênia por um oportuno e sutil ajuste em destaque:

Por favor, não me analise.

Não fique procurando cada ponto fraco meu.

Se ninguém resiste a uma análise profunda, quanto mais eu…

Ciumento, exigente, inseguro, carente, todo cheio de marcas que a vida deixou.

Vejo em cada grito de exigência, um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese, é uma integração de dados.

Não há que tirar nem pôr.

Não me corte em fatias, ninguém consegue abraçar um pedaço.

     Me envolva [fraternalmente] em seus braços e eu serei o perfeito [irmão].

Por tudo isso e mais, a Loja é uma escola onde somos instigados a praticar a tolerância, a aceitar as diferenças e a exercitar o verdadeiro amor fraterno, valorizando o respeito mútuo, desafiando-nos constantemente a estar vigilantes quanto aos nossos vícios e focados na prática das virtudes. Não necessariamente precisamos ter juízo sobre tudo e querer sempre estar certos, alentando o individualismo e o ego. Como diz a sabedoria popular, às vezes é melhor ser feliz, ter uma relação boa com a vida, do que ter razão. A oração de São Francisco é inspiradora (Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz…).

Enfim, torna-se de bom alvitre refletir sobre o criativo ensinamento do Professor Mário Sérgio Cortella: “A regra beneditina que eu mais gosto é a regra 34: É PROIBIDO RESMUNGAR! Não é proibido discordar, reclamar, debater. Resmungar é aquele que ao invés de acender a vela fica amaldiçoando a escuridão. É uma questão de decisão, de atitude. Decidir acender a vela, procurar a vela e acendê-la. Por isso, vamos falar como São Bento: é proibido resmungar. Vai e faça, levante e faça”. Exerçamos, portanto, a Plenitude Maçônica[1].

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, um colaborador do blog.

Nota

[1] – Clique AQUI para ler o artigo sobre a Plenitude Maçônica

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A grande viagem: conhece-te a ti mesmo

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A temática da viagem tem uma importância fundamental na maçonaria. O compromisso maçônico é visto como um percurso. E sem grande exceção, não de grau, de lendas aferentes, sem ideia de encaminhamento, de viagem em stricto sensu, de busca … O maçom, especialmente a partir do segundo grau é convidado a ir ao encontro do outro, que muitas vezes é apenas ele mesmo. Mas é toda a vida que passa por uma grande jornada desde o nascimento até a morte … e talvez além. Uma grande viagem com suas provas, seus objetivos, suas alegrias, suas dores, respondendo a esquemas narrativos constantes cuja consideração assegurará o sucesso do percurso: o confronto consigo mesmo provavelmente passando por uma – ou várias – transformação).

Alguns puderam fazer da viagem do primeiro – se não único – modelo do mito. Este é notavelmente o caso conhecido do mitógrafo Joseph Campbell e seu conceito de monomito[1], que ele desenvolveu em seu best-seller “O herói de mil faces”[2]. E mesmo que seu esquema possa às vezes ser contestado, ele não deixa de ser uma referência e sua estrutura será um bom ponto de partida para abordar o lado iniciático-transformador da viagem.

Sobre a ideia da viagem em maçonaria … e em outros lugares

Essa dimensão transformadora da viagem é, logicamente, um elemento importante da maçonaria, em cada acesso a um novo grau, como ela o são quase todas as mitologias ou lendas fundadoras do mundo. Vale a pena mencionar, entre muitas outras histórias de jornadas iniciáticas, o livro bíblico de Êxodo, a Odisseia de Homero – cujos nomes são agora sinônimos de grandes viagens – mas ainda a viagem de Bran / Saint Brendan, as sagas escandinavas, o épico de Gilgamesh, as grandes viagens ao mundo dos mortos (Osíris, Orfeu, Enéas, Balder …), o asno de ouro de Apuleio, as histórias do Caminho de Santiago (o “Campo da Estrela”), as gestas Arturianas com sua busca pelo Graal, até o Mapa de Tendre do século XVII, de Gulliver e Pinóquio, bem como os contos de fada, a Viagem ao centro da Terra de Verne, ao Senhor dos Anéis de Tolkien, à Viagem profundamente iniciático-transformadora ao Oriente de Herman Hesse, até mesmo ao Alquimista de Paulo Coelho e mesmo Tintin[3].

Se encontramos em algumas dessas histórias, um eco das grandes migrações originais de povos nômades, de caçadores-coletores, elas são principalmente evocações de metamorfoses de personagens em busca de algo para finalmente encontrarem a si mesmos. Será que nos surpreenderá que a maioria dos maiores “iniciados” – alguns dos quais são exaltados na maçonaria – sejam também caminhantes: Jesus, Buda, Maomé, Aristóteles? Esse processo de transformação não é sem paralelo com a abordagem hermético-alquímica, que subjaz a certos ritos maçônicos.

Escreve J.E. Bianchi:

“Sobre a tradição hermética, reteremos o significado que nossos ancestrais nos deram desde a Antiguidade até a Renascença incluída. Trata-se de um ensinamento secreto, iniciático, conhecido até na China, já praticado pelos gregos e os árabes. Esse ensinamento veio até nós sob a forma de uma “técnica”: a Alquimia, onde o Aprendiz Maçom encontra os símbolos pela primeira vez na Câmara de Reflexão (pelo menos no Rito Escocês Antigo e Aceito).”[4]

“A alquimia não pode ser classificada como ciência física, mas (…) deve ser entendida antes como um conhecimento estético da matéria, situado entre a poesia e a matemática. Ela empresta seus princípios da metafísica e, tradicionalmente, também encontra seu lugar entre o universo dos símbolos e o mundo dos números sagrados. Simbolicamente, pode-se dizer que os materiais reais teriam se transformado em ouro se tivessem permissão para “crescer”, à medida que o iniciado crescesse espiritualmente através do trabalho sobre si mesmo.”[5]

Seguramente, com a alquimia, é uma questão de ciência, mas também, conforme observa Bianchi, de “poesia”. E alegorias de viagem não faltam, seja em formas literais ou sob o véu de algumas imagens subliminares, às vezes transmitidas por aquilo que muitos – a começar pelos alquimistas – chamavam de “linguagem dos pássaros” – a linguagem do céu na terra ou da terra ao céu (não podemos deixar de ver aqui uma correspondência direta com a sentença fundamental da Tábua de Esmeraldas de Hermes Trismegistus, “O que está em baixo assim como o que esta em cima”). Esta linguagem “hermética” joga com as palavras. Há exemplos bem conhecidos, como o famoso “O Mercúrio é um Sal” de Fulcanelli, que, por trás dessa evidência química, pode ocultar uma fórmula espagírica “Mercúrio-estanho-sal” ou um igualmente explícito e inspirador “O Mercúrio brilha”. Quanto a peregrinação à Compostela, como objetivo de viagem sagrada, se transforma em “componst-asa”: o composto de matéria-prima se transforma em volátil (pela alquimia da estrela). E já que estávamos falando sobre a Tábua de Esmeralda, essa linguagem volátil facilmente nos impressionará – e, com relação a nosso assunto – um “aime – (la) rode”, um apetite por rondar, navegar, buscar … (os jogos de palavra somente têm sentido em francês).

Para esta “linguagem secreta” os trovadores occitanos tinham um termo: trobar clus, a arte de trovar – sua arte poética – “fechada”. Mas se para os linguistas, o termo trovar – que deu “trovador” – pode ter significado, a partir do século XII, “compor [em verso]”, “inventar”, originalmente, e como seus equivalentes do Norte, os “Trouvères”, esse nome veio da raiz latino-occitana de “encontrar”, “descobrir”…

É aqui que, na nossa peregrinação poética e hermética, voltamos ao nosso tema da viagem. Porque a origem mítica desta sociedade de trovadores – que quase nos sentiríamos tentados a chamar de “alquímico-especulativa”, mas isso é ainda outra história – nos remete a uma das grandes narrativas de viagem: a de Jasão e os Argonautas partindo em busca do Velocino de Ouro. Segundo sua lenda, o primeiro trovador da história teria se chamado “Salvador”, que não é nada mais que o significado do nome grego, Jasão (ou ainda “Curandeiroc).

O Velocino de Ouro teria sido o supremo segredo iniciático que os trovadores, os “buscadores de ouro” da Occitânia, iam buscar e cujos mistérios eles ocultavam sob a alegoria de sua linguagem secreta. “A fábula do Velocino de Ouro”, escreveu Fulcanelli, “é um completo enigma do trabalho hermético que deve terminar na Pedra Filosofal. Na linguagem dos Adeptos, chama-se Velocino de Ouro o material preparado para a obra, assim como o resultado final.”[6] Em O Asno de Ouro de Apuleio (século II), já mencionado acima, nessa verdadeira viagem iniciática mascarada sob um passeio libertino, Psique é ordenada por Vênus a se apossar do Velocino de Ouro de ovelhas assassinas. Quanto a Newton, ele considerava em A Cronologia dos antigos reinos corrigida que muitas das constelações refletiam uma evocação da epopeia dos Argonautas. O que está acima é como o que está abaixo…

A viagem como elemento transformador

A lenda de Jasão, em seu aspecto particularmente arquetípico, fornece uma boa oportunidade para retornar a Campbell e seu monomito. Se seus trabalhos “narratológicos”, baseados no estudo de diferentes mitologias, inspiraram muitos autores, contadores de histórias e cineastas, de Georges Lucas para sua série Star Wars a Spielberg, passando por Coppola ou Georges Miller e muitos outros, ele mesmo se inscreve na esteira de Carl-Gustav Jung e sua psicanálise dos arquétipos.

De acordo com Campbell, é através do monomito da viagem que a transformação – até poderíamos dizer transmutação – do herói deve vai se manifestar. É um verdadeiro processo alquímico que ele define: “A aventura mitológica do herói segue um itinerário típico que é uma ampliação da fórmula expressa nos ritos de passagem: separação-iniciação-retorno, uma fórmula que poderia ser definida como a unidade nuclear do mito.[7] Separação(ou partida)–iniciação-retorno … Tem-se aí quase o ternário alquímico da Grande Obra entre Putrificação / Dissolução-Purificação-Rubificação / Sublimação. Mas, de uma maneira quase prática, também se pode imaginar a viagem através de um modelo simples pela busca arturiana:

  • Identificar o objetivo da busca;
  • Armar-se bem [encontrar um ou mais guias e adquirir qualidades físicas ou psíquicas usadas como armas ou armaduras];
  • Partir [esperar o momento certo];
  • A busca em si [associada às viagens e provas em geral triplas, visando o autocontrole, frequentemente apresentada em forma alegórica do domínio de um dragão [e claramente seu dragão interior]];
  • Encontrar.

A viagem do herói (+ imagem de Ulisses)

Campbell decorticou a “viagem do herói” em 17 etapas (que, mais ou menos, ecoam os mitemas de Claude Lévi-Strauss), divididas entre essas três fases ou “atos” antropo-alquímicos:

Fase Partida

O herói recebe o chamado; ele está relutante, mas receberá ajuda, particularmente de um mentor, para cruzar o primeiro limiar e permanecer na matriz fundadora.

  1. O chamado da aventura (problema ou desafio a revelar);
  2. A recusa da aventura (medo do desconhecido);
  3. A ajuda sobrenatural (geralmente um sábio mentor, suprimento de armas mágicas);
  4. A transição do primeiro limiar (ponto de não retorno até o sucesso);
  5. O ventre da baleia (pausa matricial antes da prova)[8].

Fase Iniciação

Depois de cruzar o limiar, ele entra em outro “mundo”, onde enfrentará provas, com ou sem ajuda, até a última prova, a Apoteose, na caverna central, para alcançar seu propósito, sua transformação, seu “Elixir”, seu Graal.

  1. O caminho das provas;
  2. O encontro com a deusa (uma ajuda);
  3. A mulher tentadora (ameaça);
  4. O encontro com o pai (outra imagem do mentor no “outro lado”);
  5. Apoteose (a prova final, enfrentando a morte);
  6. O dom supremo (a recompensa, o objeto da busca, o elixir ou uma resposta).

Fase Retorno

  1. A recusa do retorno (hesitação em retornar a um mundo imperfeito);
  2. A fuga mágica (perseguida pelos guardiões do tesouro);
  3. A libertação vinda de fora (ajuda externa);
  4. A passagem do limiar no retorno;
  5. Mestre dos dois mundos (herói realizado em duas dimensões, “o que está acima e o que está abaixo”;
  6. Livre frente à vida (o herói transformado é capaz de melhorar a vida de seu mundo original).

Para ter sucesso na busca, é preciso ter-se transformado, corrigido, “curado”. Ao curar o rei mutilado [“ferido”], graças às boas perguntas que ele lhe faz, Percival deve se curar por um efeito de espelho.

O Fim do Caminho?

“Visite o interior da terra e, por retificação, encontrarás a pedra oculta”, diziam então os alquimistas [e agora os maçons], que eles sintetizaram na sigla VITRIOL. Muitas buscas ou viagens alegóricas partem do reino da morte, chegam lá ou pelo menos passam por ele. No curso transformador da jornada, existe, em todos os sentidos, uma ideia de morte e renascimento, sob uma forma ou de outra, que é também uma das fontes do percurso maçônico, em diferentes estágios de progresso – da partida até os cruzamentos de limite.

No paradoxal Atanor estático de transformação do ser que é a loja, o maçom parte como o herói viajante, passa por crises, provas que ele deve vencer para se transformar… Mas de onde ele retorna depois seu percurso? A viagem é uma jornada? Um retorno ao ponto de partida, o que sugeriria uma abordagem alquímica?

“O grande princípio do ensino hermético é a Unidade: “Um e Todo”, que contém em si o começo e o fim, que se opõe a qualquer divisão como a de eu e não-eu ou o ser interior e o ser exterior. O símbolo que a representa é o círculo, ou a cobra que morde a cauda: o “Ouroboros”, que ao mesmo tempo representa a Grande Obra, em outras palavras, a realização total do homem por meio da alquimia espiritual.[9] Essa singularidade alquímico-espiritual está no coração da viagem, e em particular da grande jornada vida-morte, que o mito de Er [narrado por Platão na República, Livro X] traduz: “A história da Er nos diz que o cosmos é uma unidade e que somos parte de um grande Todo que evolui de acordo com leis ordenadas e harmoniosas neste vasto sistema organizado. A morte é apenas uma etapa no continuum do grande Um “.[10]

Em muitas narrativas, o verdadeiro termo da busca não é o sucesso da busca em si, a realização do objetivo, a aquisição do tesouro visado [ou sua destruição, se é o propósito redentor invertido, como em O Senhor dos Anéis], mas a capacidade de retornar ao ponto de partida. O indivíduo deve ser transformado para voltar a transformar o aqui e agora de seu mundo de origem. O mito de Er, precisamente, ilustra até que ponto, escalar e ascendente ou descendente conforme possa ser o caminho, sempre se chega a um momento em que o ser deve operar o caminho oposto.

Alegórica e literalmente, o significado da viagem mudou hoje em dia. Agora em diante “ignora-se o que estamos almejando. Ignora-se porque somos movidos.”[11] Isto é explicado pelo fato de que “toda a comunicação entre a zona consciente e a zona inconsciente da psique humana foi quebrada e estamos cortados em dois”. Mas se o “sentido” da viagem mudou, sua razão de ser fundamental permanece: “O ato a ser executado pelo atual herói não é mais o mesmo que nos dias de Galileu. Lá onde reinava a escuridão encontra-se hoje a luz; mas também lá onde a luz estava hoje se encontram as trevas. A proeza do herói moderno é tentar trazer de volta à luz esta Atlântida perdida que é a nossa alma reunida.”[12]

Autor: Francis Moray
Tradução: José Filardo

Fonte: REVISTA BIBLIOT3CA

Publicado inicialmente na Revista FM-Franc-Maçonnerie Magazine

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Notas

[1] – Um termo emprestado de James Joyce, que ele usa em Finnegans Wake.

[2] – Robert Laffont, 1977 (ed original: O Herói com Mil Faces, 1949).

[3] – A misteriosa estrela, para citar apenas uma, supostamente reproduz a lenda de Jasão e os Argonautas. Sobre esoterismo – em particular alquímico – de Hergé, ver em particular Bertrand Portevin, O mundo desconhecido de Hergé, Dervy, 2001, e O demônio desconhecido de Hergé, Dervy, 2004, e Étienne Badot A chave alquímica do trabalho de Hergé, The Philosopher’s Stone, 2016.

[4] – Jean-Émile Bianchi, Simbolismo Tradicional e Busca Espiritual, Edições PF, 2017, p. 92

[5] – Ibid, p. 92-93

[6] – O Mistério das Catedrais, Pauvert [ed. original, 1926] p. 194.

[7] – Op. Cit., P. 50 [paginações são levadas aqui da edição de bolso J’ai Lu, 2014]

[8] – “A ideia de que a passagem do limiar mágico permite o acesso a uma esfera de renascimento é representada pela imagem simbólica do ventre, vasto como o mundo, da baleia” Campbell, p. 128.

[9] – Bianchi, op. cit., p. 93.

[10] – Liz Greene & Juliet Sharman-Burke, Viagem ao coração dos mitos: mitos como guias da nossa vida, Dervy, Paris, 2013, p. 291

[11] – Campbell, p. 515

[12] – Ibid.

Descenso al Interior de la Terra

Vitriol – Wikipédia, a enciclopédia livre

Al comienzo mismo del rito de nuestra iniciación somos conducidos por el Hermano Experto a una pequeña y oscura estancia llamada la Cámara, o Gabinete, de Reflexión, dentro de la cual permanecemos encerrados durante un período de tiempo indeterminado, y antes de entrar por primera vez en el Templo. Al introducirnos en ella dicho Hermano nos dirige las siguientes palabras:

“Caballero, aquí es donde Vd. va a sufrir la primera prueba, que los antiguos iniciados llamaban la “prueba de la Tierra”. A tal fin, es indispensable que se deshaga de toda ilusión y, para hacerse sensible materialmente a lo que debe ejecutar dentro de Vd. espiritualmente, le ruego me dé lo que lleva de valioso y, particularmente, todos los objetos de metal, que simbolizan lo que reluce con brillo engañoso… Ahora, Caballero, vais a ser abandonados a Vd. mismo, en la soledad, el silencio, y con esta débil luz. Los objetos y las imágenes que se ofrecen a su vista tienen un sentido simbólico y deben incitaros a la meditación.”

Estas palabras son sumamente reveladoras acerca del significado de ese momento solemne de nuestra recepción. Ellas nos advierten de la necesidad de purificarnos de todas las ilusiones, egos y vicios que conforman nuestra errónea «personalidad», y que hemos ido adquiriendo en nuestro contacto con las «tinieblas exteriores» del mundo profano. Sin ese previo «despojamiento de los metales» –que crean una dura y gruesa costra alrededor de nuestro verdadero ser impidiendo que se manifieste– jamás podríamos recibir la influencia espiritual vehiculada por el rito y los símbolos de la iniciación, impidiendo así la posibilidad salvífica del renacimiento, de volver a nacer en un mundo nuevo bañado por una luz mucho más transparente y sutil: el mundo de las ideas y arquetipos emanados del Gran Arquitecto del Universo.

Pero, lógicamente, nadie podrá hacer ese trabajo por nosotros, razón por la cual somos abandonados a nuestra suerte, recogidos en la soledad y el silencio, encerrados en fin, en nuestra particular Cámara de Reflexión, y una vez allí morir a la condición profana. Ese acto o gesto interno de negación y muerte a un mundo y a una personalidad ficticia se vive simbólicamente (lo que por cierto hace válida y real esa experiencia) como un «regreso al útero» materno, o a la matriz de la tierra nutricia, es decir a un plano de concentración extrema donde «reflexionamos» sobre el sentido de nuestra existencia, sobre quién somos en verdad.

En realidad, la Cámara de Reflexión es lo mismo que el athanor, «huevo filosófico» u horno alquímico, símbolos todos ellos de la conciencia herméticamente cerrada a las influencias externas, y en donde, amparados en la íntima y generativa oscuridad, se lleva a cabo un proceso de cocción, fermentación, destilación, sublimación y finalmente transmutación de lo espeso en lo sutil, de lo terrestre en lo celeste. Este proceso, como sabemos, es el vivido por la semilla en su eclosión vertical hacia los espacios aéreos, o por el gusano de seda, que después de un tiempo encerrado en el capullo sale de él transmutado en mariposa, en un ser completamente otro, pasando de lo que repta a lo que vuela.

Esto que decimos está claramente ejemplificado por los diversos objetos, inscripciones e imágenes simbólicas presentes en la Cámara. Allí, depositados sobre una mesa, encontramos tres pequeños recipientes conteniendo azufre, mercurio y sal, los tres principios herméticos que simbolizan el espíritu, el alma y el cuerpo, respectivamente, lo cual nos sugiere la idea de que la Gran Obra iniciática incumbe al ser humano considerado en su totalidad, y no tan sólo en un aspecto o modalidad de ésta; una jarra con agua y al lado un trozo de pan, símbolos del agua de vida y del alimento espiritual que restituyen el «recuerdo» y fortalecen al candidato después de sufrir la primera muerte iniciática, expresada a su vez por el cráneo y las tibias cruzadas. Este es el estado que la Alquimia denomina nigredo, o «negro más negro que el negro» que señala la descomposición de la personalidad egótica. Pero esa descomposición o putrefacción contiene ya el germen del nuevo nacimiento, anunciado por el gallo, ave emblemática del dios Hermes, y cuyo canto proferido en lo más profundo de la noche avisa sin embargo de la proximidad del día y de la luz del Sol nacida en el Oriente. En este sentido, nos dice la Tradición que «cuando todo parece perdido, es cuando todo será salvado», pues después de descender, como Dante, a las profundidades del Infierno, no queda más remedio que ascender por el eje que une la Tierra y el Cielo. Y precisamente ese descenso y ese ascenso están sugeridos por las siglas V.I.T.R.I.O.L. que aparecen grabadas en una de las negras paredes de la Cámara. El significado de estas siglas alquímicas es bastante elocuente al respecto: «Visita el Interior de la Tierra y Rectificando Encontrarás la Piedra Oculta». La rectificación de que se trata tiene que ver con el cambio de «orientación» que se va produciendo en nosotros conforme progresamos «…por las vías que nos han sido trazadas», es decir, por la vía sagrada de la iniciación, lo que es simultáneo al despertar de nuestras potencialidades internas que nos conducirán a la obtención del Conocimiento, simbolizado por la Piedra Oculta (Filosofal) o Piedra Cúbica en punta del maestro masón.

Así, pues, sólo cuando el postulante sepa comprender – o asimilar en sí mismo – el mensaje de todos estos símbolos que se ofrecen a su meditación, habrá «superado satisfactoriamente la prueba de la Tierra, a la Gloria del Gran Arquitecto del Universo», y estará, por tanto, preparado para llamar a las «puertas del Templo», lo que hace una vez ha sido reducido a pura posibilidad de ser presta a recibir los efluvios emanados del resto de los elementos purificadores que determinarán su desarrollo y crecimiento interior: el Aire, el Agua y el Fuego.

Autores: Sete Mestres Maçons

NOTA

Este texto pertence ao livro Símbolo, Rito, Iniciación, publicado por Ed. Obelisco, Barcelona 1992, e posteriormente por Kier, Buenos Aires 2003 com o título Cosmogonía Masónica: Símbolo, Rito, Iniciación.

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Qual é a arte da Arte Real?

Arte Real Atelier de Paramentos Maçônicos - Vila Gomes Cardim, São ...

Liberdade vai buscando, que é tão querida
Como sabe quem por ela rechaça a vida.
Dante, Purgatório. I, 71-72. [1]

Segundo os antigos rituais e as antigas Constituições maçônicas, a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento do homem.

Os antigos mistérios clássicos não tinham outro objeto e conferiam a télétê, perfeição iniciática. Este termo técnico estava vinculado etimologicamente aos três sentidos de fim, morte e perfeição, como já observa o pitagórico Plutarco. Jesus utiliza também a palavra téleios quando exorta seus discípulos a serem “perfeitos como vosso Pai que está nos céus”, inclusive se, por uma dessas frequentes incongruências das Santas Escrituras, afirma que “ninguém é perfeito exceto meu Pai que está nos céus”.

Essa definição poderia parecer explícita e precisa; e, não obstante, uma ligeira mudança formal alterou fundamentalmente o conceito. Tomemos como exemplo o dicionário de Pianigiani que afirma que a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento da humanidade; grande quantidade de profanos, assim como numerosos maçons, aceitam essa definição. A primeira vista pode parecer que aperfeiçoamento do homem e aperfeiçoamento da humanidade significam a mesma coisa. Na realidade, se referem a dois conceitos profundamente distintos, e sua aparente sinonímia gera um equívoco e oculta uma incompreensão. Outros utilizam a expressão aperfeiçoamento dos homens, igualmente equivocada. Evidentemente, é quase impossível decretar qual é a expressão correta, porque qualquer franco-maçom pode declarar correta a que está mais de acordo com suas preferências, e ainda comprazer-se, talvez, no equívoco. Mas quando se trata de determinar, histórica e tradicionalmente, a interpretação correta e conforme com o simbolismo maçônico, a questão muda de aspecto e já não se trata de preferências particulares.

O manuscrito encontrado por Locke (1696) na Bodleian Library – e que não foi publicado até 1748 – e atribuído a Henrique VI, da Inglaterra – define a franco-maçonaria como “o conhecimento da natureza e a compreensão das forças que há nela”; enuncia expressamente a existência de um vínculo entre a Maçonaria e a Escola Itálica, pois afirma que Pitágoras, um grego, viajou para instruir-se, ao Egito, à Síria e a todos os países onde os Venezianos [leia-se os Fenícios] haviam introduzido a Maçonaria. Admitido em todas as lojas dos Maçons, adquiriu um grande saber, voltou à Magna Grécia… e fundou uma importante loja em Crotona[2].

Para dizer a verdade, o manuscrito fala de Peter Gower; e, como o nome Gower existe na Inglaterra, Locke ficou bastante perplexo ante a identificação de Gower com Pitágoras. Mas outros manuscritos e as Constituições de Anderson mencionam explicitamente Pitágoras. O manuscrito de Cooke diz que a Maçonaria é a parte principal da Geometria, e que foi Euclides, sábio e sutil inventor, quem deu as regras desta arte e a chamou de Maçonaria. Há outros traços de reminiscências pitagóricas tanto nas “Old Charges” como no mais antigo dos rituais impressos (1724)[3], que atribui uma importância particular aos números ímpares, de acordo, neste caso, com a tradição pitagórica[4].

Todos os antigos manuscritos maçônicos concordam ao assinalar o aperfeiçoamento do homem, ou do simples indivíduo, como único objetivo da franco-maçonaria. As provas iniciáticas, as viagens simbólicas, o trabalho do aprendiz e do companheiro têm um caráter manifestamente individual e não coletivo.

Segundo a mais antiga concepção maçônica, a “grande obra” do aperfeiçoamento é realizada trabalhando sobre a “pedra bruta”, ou seja, sobre o indivíduo, desbastando, polindo e esquadrinhando a pedra bruta até transformá-la em “pedra cúbica da Maestria”, graças às regras tradicionais da “Arte Real” maçônica de edificação espiritual. Existe uma perfeita analogia com uma tradição paralela, a tradição hermética, que, pelo menos desde 1600, se encontra enxertada nela e ensina que a “grande obra” é realizada trabalhando sobre a “matéria prima”, transformando-a em “pedra filosofal” segundo as regras da “Arte Real hermética”. Operação que resume a máxima de Basílio Valentino: V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae retificando Invenies Occultum Lapidem = Visita o interior da Terra, por retificação encontrarás a pedra oculta) ou a Tábua de Esmeralda, que modernos arabistas atribuem ao pitagórico Apolônio de Tiana. Pelo contrário, segundo a concepção maçônica profana e mais moderna, o trabalho de aperfeiçoamento deve ser realizado sobre a coletividade humana. É a humanidade ou a sociedade que ela há que transformar e aperfeiçoar; e, desse modo, substitui-se a ascese espiritual do indivíduo pela política coletiva. Os trabalhos maçônicos acabam por ter então uma meta e um caráter primeiramente social, às vezes unicamente social. O verdadeiro fim da franco-maçonaria – o aperfeiçoamento do indivíduo – passa a segundo plano quando não é francamente descuidado, esquecido e ignorado.

Tradicionalmente a primeira concepção é sem dúvida a correta e na literatura maçônica do século XVIII estiveram muito em moda as comparações e identificações exageradas e fantasiosas entre os mistérios de Elêusis e a franco-maçonaria. É indiscutível que o patrimônio ritual e simbólico da ordem maçônica somente se harmoniza com a concepção mais antiga da finalidade da maçonaria; efetivamente, o testamento do candidato à iniciação, as viagens simbólicas, as terríveis provas, o nascimento para a Luz iniciática, a morte e a ressurreição de Hiram, não podem ser compreendidos em sua relação com os trabalhos maçônicos e com a finalidade da franco-maçonaria caso tudo deva ser reduzido a fazer apenas política.

Historicamente, o interesse e a intervenção da franco-maçonaria nas questões políticas e sociais se manifesta apenas por volta de 1730, e unicamente em algumas regiões europeias, com a introdução da franco-maçonaria inglesa no continente. O pouco que se sabe das antigas lojas de antes do século XVII mostra a presença e o uso nos trabalhos maçônicos de um simbolismo de ofício, arquitetônico, geométrico, numérico, que, tendo por sua natureza um caráter universal, não se encontra ligado nem a uma civilização determinada nem a uma língua em particular e permanece independente de todo credo de ordem política e religiosa; é por essa razão que o maçom, de acordo com o ritual, não sabe ler nem escrever.

Com a lenda de Hiram e a construção do Templo faz sua aparição um elemento hebraico; e as palavras sagradas do aprendiz e do companheiro (as únicas graduações ou graus então existentes) que se referem a esta lenda são hebraicas. Mas esta lenda não pertence ao patrimônio tradicional da Ordem; a morte de Hiram não figura nos antigos manuscritos maçônicos, e as Constituições de Anderson ignoram o terceiro grau. De todas as maneiras, não há nada de extraordinário na presença de elementos e palavras hebraicas em uma época em que o hebreu era considerado como uma língua sagrada, a língua sagrada, aquela que Deus havia utilizado para falar ao homem no Paraíso Terrestre; trata-se de um fato cuja importância e significado não há que ser exagerado e que de nenhuma maneira é suficiente para se justificar a afirmação do caráter hebreu da franco-maçonaria. A letra G do alfabeto greco-latino, inicial de geometria e de Deus (God) em inglês, que aparece na Estrela Flamejante ou no Delta maçônico, parece ser apenas uma inovação (sem utilidade para quem não sabe ler nem escrever), enquanto que os dois símbolos fundamentais da ordem são os dois mais importantes do pitagorismo: o pentalfa ou pentagrama e a tetraktys pitagórica. A arte maçônica ou arte real, termos utilizados pelo neoplatônico Máximo de Tiro[5], era identificada com a geometria, uma das ciências do quadrivium pitagórico, e é difícil compreender como um Oswald Wirth, maçom erudito e hermetista, pode escrever que os maçons do século XVII[6] se proclamavam adeptos da Arte Real porque em outro tempo houve reis que se interessaram pela obra das privilegiadas corporações dos construtores da Idade Média. Os elementos de puro caráter maçônico constituem, junto com o simbolismo numérico e geométrico, o patrimônio simbólico e ritual arcaico e autêntico da fraternidade. Não dizemos seu patrimônio característico, porque estes elementos aparecem também, pelo menos parcialmente, no Companheirismo (compagnonnage), que de resto é muito próximo da franco-maçonaria.

Posteriormente, entre os séculos XVII e XVIII, quando as lojas inglesas começaram a receber como irmãos os accepted masons (pessoas que não exerciam a profissão de arquiteto ou o ofício de pedreiro), fazem sua aparição elementos herméticos e rosacrucianos como, por exemplo, Elias Ashmole (1617-1692), tal como assinala Gould em sua história da franco-maçonaria. O contato entre a tradição hermética e a maçônica fora da Inglaterra se produziu igualmente quase à mesma época, o que, evidentemente, implica a existência no continente de lojas maçônicas independentes da Grande Loja Inglesa. O frontispício de um texto hermético importante, editado em 1618[7], reproduz junto aos símbolos herméticos (o Rebis) os símbolos estritamente maçônicos do esquadro e do compasso; ocorre o mesmo em um opúsculo italiano de alquimia[8], impresso em lâminas de chumbo e que remonta praticamente a essa época.

Neste opúsculo se vê, entre outras coisas, Tubalcaim com um esquadro e um compasso em suas mãos. No entanto, na Bíblia, Tubalcaim é considerado como o primeiro ferreiro. Um erro de etimologia, naquela época muito praticado, e que o erudito Vossius repetiu, o identificou com Vulcano, o ferreiro dos Deuses e Deus do fogo, o qual, segundo os alquimistas e os hermetistas, presidia o fogo hermético (ou ardor espiritual), fogo que realizava a grande obra da transmutação. Em uma de nossas obras da juventude[9] demos uma interpretação errada da p∴ de p∴ Tub∴, pois ignorávamos a equivocada identificação de Vulcano com Tub∴ que era aceita pelos hermetistas e eruditos dos séculos XVII e XVIII. Hoje, nos parece evidente que esta p∴ de p∴ e algumas outras vêm do hermetismo, e que provavelmente foram introduzidas na franco-maçonaria e acrescentadas às palavras sagradas, constituindo provas do contato que havia se estabelecido entre a tradição hermética e a maçônica. As p∴ de p∴ do 2o. e 3o. graus não existem no ritual de Prichard (1730). Hermetismo e Maçonaria têm como fim a “grande obra da transmutação” e ambas as tradições transmitem o segredo de uma arte, à qual designam com o termo Arte Real já utilizado por Máximo de Tiro. É, pois, natural que tenham se sentido muito próximas uma da outra. Observemos que a adoção do simbolismo hermético não é efetuada em detrimento da universalidade maçônica nem de sua independência frente à religião e à política, pois o simbolismo hermético ou alquímico é, também, estranho, por sua natureza, a todo credo religioso ou político. A arte maçônica e a arte hermética, ou simplesmente a arte, é um arte e não uma doutrina ou uma confissão.

Até 1717 cada loja, de fato, era livre e autônoma. Os irmãos de uma oficina eram recebidos como visitantes nas demais oficinas, com a condição de satisfazer o telhamento (uma espécie de exame que permitia reconhecer que alguém era, na verdade, um irmão); mas somente o Venerável de uma oficina detinha a autoridade única e suprema entre os irmãos da mesma.

Em 1717, foi produzida uma mudança com a constituição da primeira Grande Loja, a Grande Loja de Londres, e pouco depois o pastor protestante Anderson redigia as Constituições maçônicas para as lojas sob a Obediência da Grande Loja de Londres; e, se bem que teoricamente uma oficina podia e pode conservar sua autonomia ou filiar-se à Obediência de uma grande loja[10], na prática só se consideram hoje lojas regulares aquelas que, direta ou indiretamente, são emanações ou derivações da Grande Loja de Londres, na suposição de que esta derivação, e somente ela, possa conferir a “regularidade”.

Isso posto, é muito importante observar que as Constituições de Anderson afirmam explicitamente que, para ser iniciado e pertencer à franco-maçonaria, a única condição é ser um homem livre de costumes irrepreensíveis, e exaltam (ao contrário das diversas seitas cristãs) o princípio da tolerância de cada qual pelos credos dos demais, ressalvando somente que um maçom não será nunca um “ateu estúpido”. Poder-se-ia pensar que Anderson admite que o franco-maçom pode ser um ateu inteligente, mas é mais verossímil que, como bom cristão, pensasse que um ateu é obrigatoriamente um imbecil, segundo a máxima que diz: Dixit stultus in corde suo: Non est Deus, (O estúpido diz em seu coração: Deus não existe). Aqui, seria necessário fazer uma digressão e observar que nesta disputa tanto o que afirma como o que nega não possui em geral nenhuma noção se aquilo que afirma existe ou não e que a palavra Deus é empregada habitualmente em um sentido tão vago que toda discussão é inútil. Seja como for, as Constituições da franco-maçonaria são explicitamente teístas; e os profanos, que acusam a franco-maçonaria de ateísmo, ou o fazem de má fé ou ignoram que ela trabalha para a glória do Grande Arquiteto do Universo. Observemos ainda que esta designação, que se harmoniza com o caráter do simbolismo maçônico, tem, igualmente, um sentido preciso e inteligível, ao contrário que certas designações vagas ou carentes de sentido como as “Nosso Senhor”, “Pai de todos os homens”, etc.

A qualidade de homem livre, exigida ao profano para iniciá-lo ou ao maçom para considerá-lo como irmão, é de grande interesse. Anderson não deixa de chamar de franco-maçons aos Free Masons, restando então examinar em que consiste essa freedom (liberdade) dos Free Masons. Trata-se somente da franquia econômica e social que exclui aos escravos e servos, e das franquias e privilégios que a corporação dos franc-maçons desfrutava frente aos governos dos estados e das distintas regiões onde exercia sua atividade? Ou essa denominação de maçons francos ou liberados deve ser tomada em outro sentido, referindo-se a pessoas que não são escravas dos preconceitos nem dos credos, liberdade que seria inútil trazer à luz? Se fosse assim, resultaria vão querer buscar as provas documentais e a pergunta ficaria pendente. Não obstante, pode aportar-se um esclarecimento graças a um documento de 1509 cuja existência ou cuja importância não foi, ao que parece, destacada até o presente.

Trata-se de uma carta escrita em 4 de fevereiro de 1509 a Cornelius Agrippa por seu amigo italiano, Landolfo, para recomendar-lhe um iniciado. Landolfo lhe escreve[11]:

“É alemão como tu, originário de Nuremberg, mas que vive em Lyon. Investigador curioso nos arcanos da natureza, é um homem livre, completamente independente dos demais, que deseja, por causa da reputação que já possuís, explorar também teu abismo… Lança-o, pois, para prová-lo ao espaço; e levado nas asas de Mercúrio voa das regiões do Austro às do Aquilão, toma também o cetro de Júpiter; e se nosso neófito quer jurar nossos estatutos, associa-o à nossa fraternidade.”

Tratava-se de uma associação secreta hermética criada por Agrippa, e há uma evidente analogia entre a prova do espaço que o iniciado deve enfrentar e as terríveis provas e viagens simbólicas da iniciação maçônica, inclusive quando a prova, aqui, se faz nas asas de Hermes. Hermes Psicopompo, o pai dos filósofos segundo a tradição hermética, é o guia das almas no além clássico e nos mistérios iniciáticos. Nesta carta também, se destaca a qualidade de homem livre, suficiente para abrir ao profano a porta do templo ao qual aspira; também aqui se manifesta substancialmente o princípio da liberdade de consciência e, ao seu lado, a tolerância. Ambas as tradições paralelas, hermética e maçônica, impõem idêntica condição para iniciar o profano: a de ser um homem livre, de onde se pode presumir que ela não se referia às franquias particulares das corporações de ofício, e por outro lado não faria sentido pedir isso aos accepted Masons que não eram pedreiros de profissão mas sim franco-maçons.

O caráter fundamental das Constituições de Anderson reside, pois, no princípio da liberdade de consciência e de tolerância, que permite também aos não cristãos pertencer à Ordem. Nas Constituições de Anderson a franco-maçonaria conserva seu caráter universal, não está subordinada a nenhum credo filosófico particular nem a qualquer seita religiosa, e não manifesta nenhuma inclinação por trabalhos de ordem social ou político. Pode ser que este caráter aconfessional e livre tenha inspirado igualmente à Maçonaria anterior a 1717 e que Anderson apenas o retificou nas Constituições.

Ao ser implantada na América e no continente europeu, a franco-maçonaria conservou em geral seu caráter universal de tolerância religiosa e filosófica e permaneceu à parte de todo movimento político e social, inclusive acentuando às vezes, como na Alemanha, seu interesse pelo hermetismo. Ao redor de 1740, começaram a multiplicar-se os novos ritos e os altos graus, mas conservando cuidadosamente os rituais e o rito dos três primeiros graus, os da verdadeira franco-maçonaria, chamada igualmente Maçonaria simbólica ou azul.

Os rituais destes altos graus são por vezes um desenvolvimento da lenda de Hiram, ou se relacionam com os rosa-cruzes, o hermetismo, os templários, o gnosticismo, os cátaros…, e já não têm um autêntico caráter maçônico. Do ponto de vista da iniciação maçônica, são absolutamente supérfluos. A franco-maçonaria está completa nos três primeiros graus, reconhecidos por todos os ritos, e nos quais se baseiam os altos graus e as lojas superiores dos diferentes ritos. O companheiro franco-maçom, uma vez que tenha chegado a mestre, acabou simbolicamente sua grande obra. Os altos graus só poderiam ter uma função verdadeiramente maçônica se contribuíssem para uma interpretação correta da tradição maçônica e para uma compreensão e aplicação mais inteligente do rito, ou seja, da arte real.

Isto não significa que se tenha que abolir os altos graus, já que os irmãos que foram agraciados com eles são livres, e que quem gosta de reunir-se em ritos e corpos para efetuar trabalhos que não se opõem às obras maçônicas devem ter a liberdade de fazê-lo. Não obstante, do ponto de vista estritamente maçônico, sua pertinência a outros ritos e a outras lojas superiores não os põe acima dos mestres que querem apenas efetuar o trabalho da Maçonaria universal dos três primeiros graus. Além disso, é evidente que ritos distintos como o de Swedenborg, os Escoceses, os da Estrita Observância, de Memphis…, ao serem diferentes, já não são universais, ou o são apenas na medida em que se baseiam sobre os três primeiros graus. Esquecer ou tentar desnaturalizar o caráter universal, livre e tolerante da franco-maçonaria, para impor aos irmãos das lojas pontos de vista ou objetivos particulares, seria ir contra o espírito da tradição maçônica e contra os termos das Constituições da Fraternidade.

É na França onde aparece a primeira alteração, ao mesmo tempo em que afloram os altos graus. A efervescência das ideias nessa época, o movimento da Enciclopédia, repercutem na franco-maçonaria que se difunde ampla e rapidamente. E, pela primeira vez, o interesse da ordem se dirige para as questões políticas e sociais e nelas se concentra. Afirmar que a Revolução Francesa seja obra da franco-maçonaria nos parece pelo menos exagerado. Por outro lado, é inegável que a franco-maçonaria sofreu na França – e seria difícil que isso não tivesse ocorrido – a influência do grande movimento profano que levou à revolução e culminou no império. A franco-maçonaria francesa tornou-se então e seguiu sendo desde esse momento, uma Maçonaria comprometida e interessada nas questões políticas e sociais. Alguns quiseram considerá-la como “tradicional” quando no máximo representa a tradição maçônica francesa, bem distinta da antiga tradição. Este desvio e este compromisso é a causa principal, se não a única, da oposição que seguidamente nasceu entre a Maçonaria anglo-saxônica e a francesa; na Itália, criou as divergências destes últimos cinquenta anos, que tiveram como consequência sua desunião e a debilitação ante os ataques e a perseguição dos jesuítas e os fascistas. Seja como for, inclusive os irmãos que seguem a tradição maçônica francesa não esqueceram o princípio de tolerância, e nas lojas maçônicas italianas, muito antes da perseguição fascista, havia irmãos de todas as crenças religiosas e de todos os partidos políticos, inclusive católicos e monárquicos.

Há que se recordar também, que no período que antecedeu à Revolução Francesa, nem todos os maçons esqueceram a verdadeira natureza da franco-maçonaria, mesmo quando ficaram desorientados pela plêiade de ritos diversos e opostos. No Convento dos Philalèthes reuniram-se maçons de todos os ritos, animados todos eles pelo mesmo desejo de restabelecer a unidade. Só Cagliostro, que havia fundado o rito da Maçonaria Egípcia, que unicamente constava de três graus e era exclusivamente dedicado à obra de edificação espiritual, se negou a comparecer a este Convento por razões que seriam muito extensas para explicar.

A influência maçônica francesa ocorreu também na Itália, depois da Revolução e durante o império. Ainda hoje, a presença de certos termos técnicos nos “trabalhos” maçônicos, como o “malhete” do Venerável (traduzido, no italiano, literalmente, por “maglietto”) assim como outros termos (louveton, tradução fonético-semântica de Lufton, filho de Gabaon, nome genérico do maçom segundo os primeiros rituais ingleses e franceses) são prova de isso. A franco-maçonaria francesa e a italiana mantiveram estreitas relações durante todo o último século, e por vezes uma atitude revolucionária, republicana, mas também materialista e positivista que seguia a moda filosófica da época. Não obstante, não se pode dizer que a franco-maçonaria italiana se converteu numa franco-maçonaria materialista, pois ainda que tenha sido tolerante diante de todas as opiniões, nem por isso deixou de venerar, e muito particularmente, um grande espírito como Giuseppe Mazzini e grandes franco-maçons como Garibaldi, Bovio, Carducci, Filopanti, Pascoli, Domizio Torrigiani e Giovanni Amendola, todos idealistas e espiritualistas[12]. Foi a selvageria furiosa e o vandalismo dos incultos fascistas que devastou os nossos templos, as nossas bibliotecas e quebrou os bustos de Mazzini e Garibaldi que decoravam as nossas sedes.

Por outro lado, há de se reconhecer que se a franco-maçonaria inglesa conservou sempre um caráter espiritualista e nunca lhe ocorreu negar a existência do Grande Arquiteto do Universo, frequentemente esteve tentada, e ainda está, a conferir um certo tom cristão ao seu espiritualismo, afastando-se dessa forma do espírito de imparcialidade absoluta e não confessional das Constituições de Anderson. Não se pode negar que o fato de obrigar a prestar juramento sobre o Evangelho de São João não é uma prova de tolerância perante profanos e irmãos agnósticos ou pagãos, judeus ou livre pensadores, que não têm uma especial simpatia pelo Evangelho de São João e ignoram tudo da tradição joanista. A intolerância acentua-se com o mau costume de impingir a leitura e o comentário dos versículos do Evangelho durante os trabalhos da Loja. Se este hábito criticável adquirir importância, terminará por reduzir os trabalhos da Loja a um simples serviço religioso corriqueiro ou puritano, uma espécie de “rosário” ou de “vésperas” fastidiosas, inúteis e insuportáveis para a livre consciência de tantos irmãos que, na Inglaterra e na América, não vão à missa, não aceitam a infalibilidade do papa, nem tampouco a autoridade da Bíblia. É necessário criar mal-estar e irritação nas nossas colunas sem uma contrapartida apreciável? Pode acreditar-se que, por esses meios, se converterá os outros às próprias crenças e que dessa forma se conterá o agnosticismo inglês e americano?

Estas considerações exortam a conservar o caráter universal da franco-maçonaria acima dos credos religiosos e filosóficos e dos compromissos políticos. Isto não significa que se deva ignorar a política. Com efeito, devemos nos proteger dela. A intolerância não pode tirar o espaço da tolerância e a tolerância pode tolerar tudo exceto a intolerância deliberadamente hostil. Desde o momento em que apareceram as Constituições de Anderson com o seu princípio de liberdade e de tolerância, a Igreja católica excomungou a franco-maçonaria, culpável precisamente de tolerância; e o encarniçamento contra a franco-maçonaria nunca seria desmentido. Na Itália, a perseguição à franco-maçonaria durante estes últimos vinte anos foi iniciada e mantida pelos jesuítas e pelos nacionalistas[13]; enquanto os fascistas, para ganharem a simpatia destes senhores, não vacilaram em provocar a aversão do mundo civilizado, no que diz respeito à Itália, com o seu vandalismo contra a franco-maçonaria. Os jesuítas perderam esta guerra, mas a lepra da intolerância propaga-se sempre, reveste-se de novas formas e é necessário que nos protejamos dela. Por outro lado, chegou a hora, se não nos enganamos, de difundir a franco-maçonaria por toda a Terra e estabelecer uma fraternidade entre os homens de todas as raças, civilizações e religiões. Para levar a bom termo esta tarefa é necessário que a franco-maçonaria não assuma uma fisionomia e um tom pertencente a uma minoria perante a qual as grandes civilizações orientais, China, Índia, Japão, Malásia, o mundo do Islã, têm se mostrado refratárias. Isso é possível desde que a franco-maçonaria não se circunscreva a uma crença qualquer e permaneça fiel ao seu patrimônio espiritual, que não consiste nem de uma fé codificada, um credo religioso ou filosófico, um conjunto de postulados ou de preconceitos ideológicos e moralistas, nem de uma bagagem doutrinal considerada detentora e portadora da verdade, à qual os não crentes devam ser convertidos. Há que se pensar que, ainda que a verdadeira religião e a verdadeira filosofia existam, é uma ilusão crer que se pode conquistá-las ou comunicá-las mediante uma conversão, uma confissão ou o recitar de certas fórmulas, porque cada qual entende as palavras destes credos e fórmulas à sua maneira, de acordo com a sua civilização e a sua inteligência; e no fundo, não são, como dizia Hamlet, mais que “words, words, words[14].

Enquanto não se reflete sobre isto, tem-se a ilusão de que essas palavras são compreendidas de igual maneira; tão rápido como se começa a raciocinar, surgem seitas e heresias, cada uma convencida de que detém a verdade. A sabedoria não pode ser compreendida racionalmente, nem expressada, nem comunicada. É uma visão, uma vidya, essencial e necessariamente indeterminada, incerta. E quando os olhos se abrem à luz com o nascimento na nova vida, aproximamo-nos dessa visão. A arte maçônica ou arte real é a arte de trabalhar a pedra bruta para tornar possível a transmutação humana e a percepção gradual da luz iniciática. O que não significa, naturalmente, que a franco-maçonaria tenha o monopólio da arte real.

No decurso dos dois últimos séculos a maior parte dos inimigos da franco-maçonaria recorreram sistemática e unicamente à injúria e à calúnia, apoiando-se em sentimentos moralistas e patrióticos. Afirmaram, assim, que os trabalhos maçônicos consistiam de orgias abomináveis, e com isso se tem manipulado os rituais, se tem desvelado as cerimônias maçônicas expondo-as ao ridículo, se tem acusado os maçons de trair a sua pátria pelo caráter internacional da Ordem, se tem afirmado que a franco-maçonaria é apenas o instrumento dos judeus, sempre para enganar e levantar os crentes e o público em geral contra a “Sociedade Secreta”. Os franco-maçons, naturalmente, sabiam muito bem que se tratava apenas de calúnias. E, como nada conseguia convencê-los, pensou-se em suprimi-los ou em retirar-lhes a possibilidade de se reunirem para trabalhar ou de responder e defender-se. Recentemente, um escritor católico[15] publicou um estudo histórico sobre “Tradição Secreta”, conduzido com competência e habilidade. As habituais e costumeiras calúnias, destinadas a impressionar os profanos, foram habilmente substituídas nele por uma crítica insidiosa, destinada a impressionar o leitor culto e o espírito dos nossos irmãos.

Esta crítica afirma que, no fundo, a tradição secreta não contém senão o vazio absoluto (pág. 139) e conclui afirmando que “na Escola Iniciática ou por meio dela a Tradição Secreta não tem ensinado absolutamente nada à humanidade” (pág.155). Não se compreende muito bem então como se pode afirmar igualmente que este vazio absoluto, “esta tradição secreta coincide (pág. 141), ainda que frequentemente de uma forma corrompida, com as doutrinas gnósticas. Mas não pretendamos demasiado. A franco-maçonaria é, pois, segundo o autor, uma esfinge sem segredo, dado que não ensina nenhuma doutrina. Desse modo o leitor se vê levado a concluir que, ao estar desprovida de conteúdo, a Maçonaria não tem nenhum valor.

Nas linhas precedentes mostramos que a franco-maçonaria não ensina nenhuma doutrina e nem deve ensiná-la, destacando que esta atitude é um de seus méritos. Isso posto, para chegar a concluir que a Tradição Secreta contém o vazio ao não conter uma doutrina, deve-se crer que somente uma doutrina pode ocupar o vazio. Na página 153, o autor afirma ainda: “o sistema iniciático supõe que o homem possa chegar a compreender, por um esforço da inteligência, os problemas inexplicados do cosmos e do além”. Na página 152 escreve: “a Igreja católica opõe às vãs elucubrações dos que se autodenominam iniciados, a força intangível de seu dogma que deve ser único porque não podem existir duas verdades” e que o sistema iniciático é incompatível com o cristianismo. A estas afirmações respondemos que ignoramos a existência de um sistema iniciático, que não conhecemos iniciados que façam suposições, e ainda menos que criem ilusões sobre a possibilidade de resolver por meio de sua inteligência ou de elucubrações os problemas inexplicados. Mas nos é impossível admitir que a fé em um dogma possa constituir um conhecimento, pois saber não é crer. De fato compreendemos que a verdade é necessariamente inefável e indizível. Deixamos aos profanos a consoladora e ingênua ilusão de crer que é possível formular de alguma maneira esta verdade e este conhecimento em credos, fórmulas, doutrinas, sistemas e teorias. Além disso, até Jesus sabia que suas parábolas eram apenas parábolas. Mas dizia também a seus discípulos que a eles “lhes era dado entender o mistério do reino dos céus”. Evidentemente só fides sufficit ad firmandum cor sincerum[16], mas non sufficit[17] para entender os mistérios. O que é igualmente válido para o simples raciocínio. Com isso não queremos diminuir de nenhuma maneira o valor da fé e do raciocínio. A fé isoladamente conduz ao desespero filosófico. E ambos são um pouco como o tabaco e o café: dois venenos que se compensam, mas certamente não basta fumar cachimbo e degustar um café para alcançar-se o conhecimento. Ao conhecimento multi vocati sunt[18], mas não todos e, entre estes muitos, pauci electi sunt[19]. Segundo a Igreja Católica, pelo contrário, é suficiente ter fé no Dogma, e o conhecimento e o paraíso estão ao alcance de todos os bolsos a preços realmente insuperáveis.

Resumindo: não existe uma doutrina maçônica secreta[20]; mas existe uma arte secreta, chamada Arte Real ou mais simplesmente Arte. É a arte da edificação espiritual à qual corresponde a arquitetura sagrada. Os instrumentos maçônicos têm, pois, um sentido figurado na obra da transmutação, e ao segredo da Arte Real corresponde o segredo arquitetônico dos construtores das grandes catedrais medievais. É natural que os franco-maçons venerem o Grande Arquiteto do Universo, mesmo que não se defina o que se deve entender por esta fórmula.

Na arquitetura antiga, especialmente na arquitetura sagrada, as questões de relação e proporção tinham uma importância capital. A arquitetura clássica estabelecia a proporção das diferentes partes de um edifício, e em particular dos templos, baseando-se em um módulo secreto ao qual alude Vitrúvio. Existe toda uma literatura referente à arquitetura egípcia e sobretudo à pirâmide de Quéops, que ilustra seu caráter matemático. E, inclusive, procedendo com a maior circunspeção, é certo, por exemplo, que esta pirâmide se encontra exatamente a 30o de latitude para formar com o centro da Terra e o Polo Norte um triângulo equilátero. É certo que está perfeitamente orientada e que a face voltada para o setentrião é exatamente perpendicular ao eixo de rotação terrestre, em função da posição que este tinha na época de sua construção. Quanto aos construtores da Idade Média, não eram guiados somente por alguns critérios estéticos. Preocupavam-se com a orientação da igreja, com o número de naves, etc. A arte dos construtores estava relacionada à ciência da geometria. O esquadro e o compasso são os dois símbolos de ofício fundamentais na arte maçônica; e a régua e o compasso os dois instrumentos fundamentais na geometria elementar. A Bíblia afirma que Deus fez omnia in numero, pondere et mensura[21]. Os pitagóricos criaram a palavra cosmos para indicar a beleza do universo no qual reconheciam uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma proporção. E entre as quatro ciências liberais do quadrivium pitagórico, a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, a primeira estava na base de todas as demais. Dante comparava o céu do Sol com a aritmética porque “como da luz do Sol todas as estrelas se iluminam, assim da luz da aritmética se iluminam todas as ciências” e da mesma forma “que o olho não pode olhar ao sol, assim o olho do intelecto não pode olhar o número que é infinito”[22].

Sem entrar na crítica desta passagem, não deixa de ficar estabelecida a posição que a Aritmética ocupa segundo Dante. Por outro lado, tanto a Bíblia como a arquitetura aconselhavam considerar os números. Hoje em dia, ainda que se negue a reconhecer no cosmos uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma lei, e aceitando apenas o determinismo limitado pela lei das probabilidades, a física moderna continua considerando os números e as relações numéricas. De fato, não ficam senão eles, e tanto Einstein como Bertrand Russell constataram e reconheceram que a ciência moderna retornava ao pitagorismo.

Assim, pois, não há nada de surpreendente no fato de que os franco-maçons tenham identificado a arte arquitetônica com a geometria e tenham dado ao conhecimento dos números uma importância tal que ela (geometria) justifica sua tradicional pretensão de serem os únicos a conhecer os “números sagrados”.

Mas ainda temos de fazer algumas observações. A geometria, em seu aspecto métrico, ou seja, nas medidas, exige o conhecimento da aritmética. Isso posto, antigamente a acepção da palavra geometria era menos específica que hoje, e geometria significava genericamente toda a matemática. Assim a identificação da Arte Real com a geometria, tradicional na franco-maçonaria, não se refere à geometria tomada em seu sentido moderno, mas também à aritmética. Além disso, devemos observar que a relação entre geometria, Arte Real da arquitetura e edificação espiritual é a mesma que inspira a máxima platônica: “Que ninguém entre aqui se não é geômetra”. Máxima cuja atribuição é algo duvidosa, pois apenas é mencionada por um comentarista bastante tardio. Mas em obras que indiscutivelmente são de Platão podemos ler:

“…a geometria é um método para dirigir a alma para o ser eterno, uma escola preparatória para um espírito científico, capaz de voltar as atividades da alma para as coisas supra-humanas”, […] “inclusive é impossível chegar a uma verdadeira fé em Deus caso não se conheça a matemática, a astronomia e a íntima união desta última com a música.”[23]

Estas concepções e atitudes de Platão devem ser as da Escola Itálica ou pitagórica, que exerceu sobre ele uma grande influência, o que permite dizer quando se quer sustentar que a Maçonaria se inspirou em Platão que, em última análise, se volta sempre à geometria e à aritmética dos pitagóricos. O vínculo entre a franco-maçonaria e a ordem pitagórica, sem que se trate de uma derivação histórica ininterrupta, mas somente de uma filiação espiritual, é seguro e manifesto. O arcipreste Domenico Angherà no prefácio que escreveu para a reedição dos Estatutos Gerais da Sociedade dos Franco-maçons do Rito Escocês Antigo e Aceito (1874), que já haviam sido publicados em Nápoles em 1820, afirma categoricamente que a ordem Maçônica é idêntica à ordem pitagórica. Mas , mesmo sem ir tão longe, a afinidade entre ambas as ordens é certa. A arte geométrica da franco-maçonaria, em particular, provém direta ou indiretamente da geometria e da aritmética pitagóricas. E não é anterior, porque os pitagóricos foram os criadores destas ciências liberais, segundo o que se pode deduzir historicamente e a partir dos testemunhos de Proclo.

Aparte de algumas propriedades geométricas atribuídas, sem dúvida equivocadamente, a Tales, a geometria – diz Paul Tanery – brotou completa do cérebro de Pitágoras da mesma forma que Minerva saltou inteiramente armada do cérebro de Júpiter. E os Pitagóricos foram os primeiros a estudar a aritmética e os números.”

Para estudar as propriedades dos números sagrados dos franco-maçons e sua função na franco-maçonaria, a via que se oferece por ela mesma é, pois, a do estudo da antiga aritmética pitagórica. E o estudá-la tanto do ponto de vista aritmético ordinário como do ponto de vista da aritmética simbólica ou formal, como a chama Pico da Mirandola, correspondente à tarefa filosófica e espiritual que Platão atribui à geometria. Ambos os sentidos se encontram estreitamente ligados no desenvolvimento da aritmética pitagórica. A compreensão dos números pitagóricos facilitará a dos números sagrados da Maçonaria.

Autor: Arturo Reghini

Tradução: S.K.Jerez

Fonte: BIBLIOT3CA

Arturo Reghini (1878-1946), matemático e filólogo, ocupou um alto cargo na Maçonaria italiana (Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, e membro honorário de Supremos Conselhos de outros países). Manteve correspondência com René Guénon, fundou e dirigiu as revistas Atanor – onde este último publicou em primeira versão o Esoterismo de Dante e o Rei do Mundo – e Ignis (1924-25) e contribuiu com a Ur (1927-28); escreveu numerosos artigos, e foi também chefe de redação daRassegna Massonica. Entre suas obras, Cagliostro, documents et études; Notes brèves sur le Cosmopolite; Considérations sur le Rituel de l’Apprenti Franc-Maçon; les Mots sacrés et de passe des trois premiers grades et le plus grand mystère maçonique; Aritmosofia; les Nomes Sacrés dans la Tradition Pythagoriciene Maçonique, todos editados hoje por Archè, Milano, e uma obra inédita em sete tomos: Dei Numeri Pitagorici.

NOTAS

[1] – Libertà va cercando ch’è si cara Come sa chi per lei vita rifiuta. (Dante, Purgatorio. I, 71-72.)

[2] – Hutchinson, Spirit of Masonry; Preston, Illustrations of Masonry; G. De Castro, Mondo segreto, IV, 91; A. Reghini, Noterelle iniziatiche, Sull’origine del simbolismo, en Rassegna Massonica, junio-julio 1923.

 [3]The Grand Mystery of Freemasons discovered wherein are the several questions put to them at their Meetings and installation, Londres 1724.

[4] – Virgilio, Bucólicas, Égloga VIII

[5] – Máximo de Tiro, Discours philosophiques, tradução Formey, Leyden, 1764: Discurso XI, pág. 173.

[6] – Cf. Oswald Wirth, Le Livre du Maître, 1923, pág. 7.

[7] – Johannes Daniel Mylius, Basilica Philosophica, Francfort, 1618.

[8] – Cf. Pietro Negri [= A. Reghini], Un codice plumbeo alchemico italiano, en UR, números 9 e 10, 1927

[9] – Cf. A. Reghini, Le parole sacre e di passo ed il massimo mistero massonico, Todi 1922.

[10] – O. Wirth expressa categoricamente esta opinião, cf. Le Livre du Maître, pág. 189.

[11] – Cornelius Agrippa, Cartas. Cf. também a monografía de A. Reghini, prefacio da versão italiana da Filosofía Oculta de Agrippa

[12] -Giuseppe Mazzini (1805-1872), fundador da “Jovem Itália” (sociedade secreta que trabalhava para o estabelecimento da república na Itália). Giuseppe Garibaldi (1807-1882), patriota italiano que luchó para libertar a Itália do domínio austríaco, dos Bourbons (reino das Duas Sicílias) e, finalmente, do papado. Giovanni Bovio  (1841-1903) filósofo e político radical de esquerda. Giosue Carducci (1835-1907) poeta. Quirico Filopanti (1812- 1894) patriota e universitário. Giovanni Pascoli (1855-1912) poeta. Domizio Torrigiani (1879-1932). Giovanni Amendola (1882-1926) político, filósofo, fundador do Movimento União Democrática Nacional.

[13] – Cf. os artigos de Emilio Bodrero em Civiltà cattolica, orgão da Companhia de Jesus, e em Roma Fascista, periódico; cf. também Ignis yRassegna Massonica, ano de 1925.

[14] – palavras, palavras, palavras (N.T.)

[15] – Cf. Raffaele Del Castillo, La tradizione segreta, Milão 1941

[16] – a fé é sincera o suficiente para compreender (N.T.)

[17] – não suficiente (N.T.)

[18] – muitos são chamados (N.T.)

[19] – poucos foram escolhidos (N.T.)

[20] – O. Wirth já havia dito a mesma coisa em 1941: “Como o método iniciático se nega a inculcar o que quer que seja, apenas é admissível que se tenha ensinado uma doutrina positiva no seio dos Mistérios”, no Livre du Maître, pág. 119. Del Castillo sustenta, ao contrário – e sem nenhuma prova – que a Maçonaria pretendeu ensinar uma doutrina secreta, e constata que não se encontra traço desta doutrina positiva. Ao invés de reconhecer que seu ponto de vista não é defensável, acusa a Maçonaria de ser redundante e incapaz. O vos qui cum Jesu itis, non ite cum Jesuitis.

[21] – Todas as coisas em número, peso e medida (N.T.)

[22] – “come del lume del Sole tutte le stelle si alluminano, così del lume dell’aritmetica tutte le scienze si alluminano […] che l’occhio dell’intelletto non può mirare […] il numero […] è infinito”. Dante, O Banquete, II, XIII, 15 e 19.

[23] – Gino Loria, Le scienze esatte nell’antica Grecia, 2ª edição, Milão 1914, pág. 110.

A Câmara de Reflexões

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É a lei: todo ser, antes de ver a luz, tem que se formar, enclausurado em ambiente de recolhimento. Só depois de ver a luz é que se inicia a sua aprendizagem e aperfeiçoamento, mercê de um processo contínuo, até que sobrevenha a morte material. Assim uns passam pelo ovo, pelo casulo; outros pela semente, pelo ventre materno. Assim também o Maçom, ainda profano, antes de ser iniciado, passa pela Câmara de Reflexões, o “útero ” de sua Loja mãe.

Mergulhado na escuridão de sua ignorância, o profano vai ali meditar sobre a sua vida, tomando como padrões símbolos existentes naquele gabinete: o pão e a água; o enxofre, o sal e o mercúrio; a bandeirola “Vigilância e Perseverança”; os ossos, a caveira, a foice e a ampulheta; a sigla V.I.T.R.I.O.L.; as perguntas cujas respostas irão compor seu testamento.

Tal simbologia fundamenta-se toda no Hermetismo: trata-se da primeira fase da Grande Obra, a Putrefação, que não ocorre somente no interior do Ovo Filosófico, criação que não é apenas inerente ao homem, mas também e, principalmente, à natureza operante.

A Câmara de Reflexões, dessa forma, faz as vezes de útero, onde se dá a maravilha da criação, imediatamente antes da iniciação, que é o nascimento, o conhecimento da luz. A grandiosidade da Criação Maçônica, que ocorre nessa câmara fechada e quase totalmente escura, é análoga à iniciação dos Essênios, identificando a união de Deus com a alma, como o princípio de toda a vida mística.

Há também a analogia dessa câmara com a Caverna Sagrada dos Templários, onde o ambiente tétrico e sinistro do “Clima do Norte” somavam-se emblemas da morte. E era na dicotomia gerada pelo Norte e o Meio-Dia que os Templários fundamentavam seu esoterismo, incutindo nos iniciados a existência de uma outra vida: “nada se perde, tudo se renova!”.

Na Câmara de Reflexões, além dos símbolos já citados, o profano vê projetadas contra a parede negra as advertências de que a curiosidade não justifica a sua presença ali; de que o sentimento de medo deve fazê-lo retroagir; de que somente a perseverança o conduzirá das trevas para a luz.

O pão e a água são emblemas da simplicidade que há de orientar a trajetória do recipiendário prestes a iniciar-se. Não representam tão somente os alimentos do corpo, como também os do espírito, porquanto o trigo moldado pela água simboliza, segundo muitas crenças a carne do Deus sacrificado. É o alimento indispensável ao feto em desenvolvimento, é a mesma fonte de força que possibilitou Elias galgar o monte Oreb, energia que, da mesma forma, possibilitará ao iniciando vencer as provas a que será submetido é o maná que mobiliza a vontade de transpor o deserto da ignorância.

O enxofre, o sal e o mercúrio sugerem os três princípios herméticos contidos em qualquer corpo: o Espirito; a Sabedoria e a Ciência; a ousadia e a Vigilância, posto que o mercúrio se materializa na figura de um galo. Este ser, intimorato por natureza, anuncia a chegada da Luz, ao mesmo tempo que se faz sentinela e guardião contra a influência profana.

A bandeirola, condutora das duas palavras “Vigilância e Perseverança” , faz saber ao futuro Maçom que, a partir daquele momento, ele deve permanecer atento e concentrar-se nos múltiplos significados sugeridos pelos símbolos, cuja compreensão só será conseguida através da paciência e da vontade.

Os ossos, a caveira, a foice e a ampulheta são referências a Saturno, portanto ao chumbo-metal. Simbolizam a morte do profano transmudado para a vida espiritual a metamorfose do chumbo em ouro; é o despojamento do antigo homem que se prepara para um novo nascimento.

O “V.I.T.R.I.O.L.” que acrescido de um “O” final significa sulfúreo, pedra ácida, pedra oculta e vulcânica do fundo da terra, condensa a frase latina: VISITA INTERIORA TERRAE RECTIFICANDOQUE, INVENIES OCCUNTUM LAPIDEM (Visita o interior da terra e, retificando, encontrarás a Pedra Oculta). É o chamamento ao “eu” profundo, à alma, através do silêncio e da meditação.

Respondendo sobre as obrigações, que deve a Deus. à Humanidade, à sua Pátria, à Família, a seus semelhantes e a si próprio, o profano procede ao testemunho de suas intenções filosóficas, contraindo assim uma prévia obrigação. Tal testemunho passa a ser seu testamento, pois, sabedor de sua morte para a vida profana, o iniciado naturalmente terá que fazer aquele juramento.

É nessa Câmara ou Caverna terrível, solene e escura, que se passa o primeiro momento em que se desvendam os olhos do recipiendário. Ali ele medita solitário sobre o que se vê, seu vigia é a morte, na qual ele deve pensar; não obstante, deve também pensar na nova vida uma vez que lhe são feitas perguntas sobre Deus, sua Nação, sua Família, o resto dos Homens e ele próprio.

Somente depois desta experiência maravilhosa, de vivenciar a primeira morte, o recipiendário estará pronto, para as demais provas.

Autor: Klebber S. Nascimento

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