A Simbologia da Franco-­Maçonaria (Parte II)

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Chegamos assim à primeira metade do século XVII, onde assistimos ao surgimento do movimento hermético-cristão ao qual se convencionou chamar de “iluminismo rosa-cruz”. Esse movimento, que concedia uma importância especial à invocação dos nomes divinos hebreus e cristãos, assim como às analogias e correspondências entre os três mundos ou planos da manifestação universal-corporal, anímico e espiritual – viria a ser decisivo para a gestação da Maçonaria especulativa. Os rosacrucianos, dentre os quais se encontravam autênticos homens de conhecimento do porte de Robert Fludd, Michel Maier e Juan Valentín Andreae (autor de As Bodas Químicas de Christian Rosenkreutz), eram, por assim dizer, o braço exterior e visível da enigmática “Ordem da Rosa-Cruz”, da qual tomaram o nome. Esta sociedade hermética era composta por doze membros (número primordial) que permaneceram sempre no mais completo anonimato, justificado pelas condições, cada mais vez mais adversas, provocadas pelo poder exercido de forma autoritária pela maior parte da nobreza e do dogmatismo inquisitorial. Esse “Colégio Invisível da Rosa-Cruz”, como igualmente se denominava, herdou, graças a organizações filo-templárias como a Fede Santa à qual pertenceu Dante, o essencial do simbolismo do Templo.

Durante os primeiros anos do século XVII o movimento rosacruciano estendeu as ideias herméticas por diversos Estados e Principados do Europa central, especialmente na Boemia e no Alto e Baixo Palatinado, fomentando um florescente, mas breve, período no qual se tentou perpetuar a cultura tradicional do Ocidente. Não obstante, tudo ficou truncado quando o movimento rosacruciano foi cruelmente dissolvido – como no caso dos templários – durante a “Guerra dos Trinta Anos”, acontecimento este que supôs que a “Ordem da Rosa-Cruz”, inspiradora desse movimento, desaparecera da Europa buscando refúgio na Ásia[1].

Cabe aqui destacar dois pontos: primeiro, o aspecto cruento que tomou a perseguição dos templários e dos rosacrucianos, aspecto esse que foi uma característica bastante frequente no Ocidente durante muito tempo, e que deve ser entendido, antes de mais nada, como a expressão de um gesto verdadeiramente sacrificial estreitamente ligado com os mitos solares, e que o próprio Cristo exemplificou com sua paixão e morte na cruz. Do mesmo modo, toda ação sacrificial sofre uma morte ritual seguida de um renascimento ou ressurreição (o sol repete este ato todo dia quando desaparece no Ocidente e volta a aparecer no Oriente), o que pode ser constatado em diversas histórias, incluindo as que se referem ao destino coletivo de todo um povo e das organizações iniciáticas e tradicionais. Segundo, o desaparecimento dos Rosa-Cruzes ocorreu exatamente 333 anos depois da destruição da Ordem do Templo (1314-1647).

Este número, 333, é um número cíclico, pois a soma de seus dígitos dá nove, que é o símbolo numérico da circunferência, que, por sua vez, simboliza um ciclo completo e fechado. Digamos, neste sentido, que o correto conhecimento da teoria dos ciclos é imprescindível para compreender o desenvolvimento histórico ao qual se circunscreve a vida dos povos e das civilizações, situando esse desenvolvimento em suas justas relações analógicas com os grandes ciclos cósmicos, relações que representam a expressão simbólica de tais ciclos no plano horizontal do mundo. Assim, pois, com a “Guerra dos Trinta Anos” finaliza-se um ciclo e começa outro: precisamente aquele que desembocaria na era de subversão dos valores tradicionais e sagrados que constitui o mundo moderno. De fato, com o desaparecimento dos Rosa-Cruzes acabaria de romper-se o laço que unia o Ocidente ao “Centro Supremo”, ou seja, à Tradição Primordial das origens.

Assim sendo, não obstante também se possa considerar as coisas de outro modo, e atendendo ao que neste sentido diz um autor maçom “… Ásia designa apenas o Oriente, onde está situada desde sempre a Loja do maçom”[2]. Sendo, desde logo, verdade que o “Colégio Invisível da Rosa-Cruz” se ocultou no Oriente físico, isso de forma nenhuma invalida que também o fizesse no Oriente simbólico e espiritual. Voltamos a repetir que os acontecimentos históricos, como todas as coisas, são sempre simbólicos, manifestando a nível sensível as realidades espirituais. A ordem metafísica e o natural não se negam – pelo contrário, se complementam – coadjuvando desta maneira à realização da harmonia universal, tendo sempre em conta, isso sim, uma preferência hierárquica do primeiro sobre o segundo, sem confundi-los.

Ao finalizar a Guerra dos Trinta Anos, e durante ela, muitos rosacrucianos abandonaram o continente instalando-se na Inglaterra e na Escócia, seguindo o caminho que três séculos antes haviam empreendido os templários, e buscando, como esses, refúgio nas lojas dos “irmãos franco-maçons”. Significa dizer que estas relações tiveram suas consequências no simbolismo e rituais maçônicos, sobretudo em alguns símbolos e ritos onde se vê claramente a inspiração hermética e rosa-cruz. Por aquela época (século XVII) o caráter operativo da Maçonaria praticamente havia desaparecido, e, com ele, a perda das técnicas ritualísticas próprias do ofício de construtor e os conhecimentos simbólicos a elas vinculados, os quais ficaram sob posse de reduzidos grupos maçônicos, que em vista das condições adversas que se estavam apresentando, optaram por passar ao anonimato. Não obstante, achamos que essa perda ficou compensada, em parte, pela influência revitalizadora que a Maçonaria estava recebendo das diversas sociedades herméticas e de algumas das ordens de cavalaria iniciática que perduravam, ou foram-se criando, desde o final do período Medieval. O simbolismo arquitetônico ligado aos mistérios da cosmogonia seguiria vigente, pois constitui a senha de identidade da tradição maçônica; mas, a partir de então, esse simbolismo já só se aplicaria na edificação do templo interior. Quer dizer que havia quase desaparecido a “forma”, mas não o espírito, o núcleo, a essência.

É certo, por outro lado, que a admissão indiscriminada de pessoas que não tinham mínimos conhecimentos sobre o que era verdadeiramente o simbolismo e a iniciação, foi criando, paralelamente, as condições que levaram à gestação de uma Maçonaria privada de sua dimensão espiritual, que é certamente a que a grande maioria de nossos contemporâneos conhece. Assim, durante o século XVIII e princípios do XIX, todas aquelas influências tradicionais recebidas durante anos foram, realmente, decisivas para a estruturação definitiva dos “sistemas” ou Ritos mais importantes da Maçonaria especulativa, entre os quais destacam por seu caráter tradicional, o Rito Escocês Antigo e Aceito, o Rito Escocês Retificado e o Ritual de Emulação.

Este breve trajeto pelo tempo nos permitiu comprovar como a Maçonaria interveio nos feitos mais significativos da história de Ocidente, ajudando a tecer (muitas vezes de forma passiva e receptiva, é verdade, mas assim tinha que ser por razões que nos escapam) a trama sutil da mesma durante os últimos setecentos anos.

Símbolos e Ritos

Como tradição sagrada que é, a riqueza simbólica da Maçonaria promove no homem a busca do conhecimento de si mesmo, além de lhe oferecer os meios e os métodos para chegar a ele, os quais, fundamentalmente, se expressam como uma didática que facilita o despertar da consciência, que restitui a lembrança de sua dimensão universal. Esse ensinamento pode ser classificado em:

  • símbolos visuais e gráficos;
  • símbolos sonoros e vocais; e
  • símbolos gestuais ou ritos.

Entre os primeiros se encontram os de desenho geométrico, cuja diversificação é bem extensa, adequados à Maçonaria que costuma identificar-se com a própria geometria, palavra derivada de Gea (terra) e metrón (medida), ou seja “medida da terra”, o que, consequentemente, se relaciona com o ofício de construtor (e de agrimensor), na medida que este delimita um espaço com o fim de realizar uma obra arquitetônica. Entre os símbolos gráficos e visuais destacaremos o chamado “quadro da Loja” que já é, por si só, uma síntese simbólica da Loja, e que de alguma maneira resume os ensinamentos iniciáticos contidos em cada um dos três primeiros graus maçônicos. Como todo símbolo que se refere às ideias de “enquadramento” ou “marcação”, o quadro da Loja protege uma série de elementos de caráter sagrado destinados à meditação e contemplação. Nisto é semelhante aos mandalas ou yantras das tradições hindu e budista, modelos simbólicos que desenham uma imagem geométrica do universo. São, portanto, verdadeiros suportes de meditação, adequados para gerar no homem uma visão e um conhecimento de sua própria estrutura interior, refletida na estrutura do mundo. Dissemos que cada um dos quadros de Loja resume ou sintetiza o ensinamento do grau ao qual pertence, e isso é correto na medida em que nele se encontram os símbolos visuais e gráficos mais significativos e importantes. Trata-se das próprias ferramentas como o maço e o cinzel, o nível e o prumo, a régua de vinte e quatro polegadas, o compasso e o esquadro. Também achamos o símbolo do Delta, a estrela pentagramática, o Sol e a Lua, a pedra bruta, a pedra cúbica e a pedra cúbica em ponta, o pavimento mosaico, o frontispício do templo com as duas colunas (Jakin e Boaz ) destacadas de um e outro lado da porta de entrada da Loja, etc. Trataremos de algum destes símbolos.

Entre o segundo grupo de símbolos, os sonoros e vocais, encontramos as “palavras sagradas” e as “palavras de passe” (todas de origem hebraica e cristã) e as lendas dos distintos graus iniciáticos. As palavras sagradas se relacionam diretamente com o que, na Maçonaria se chama de “busca da Palavra perdida”, que constitui o verdadeiro Nome do Deus inefável, e cuja reconstituição equivale a “reunir o disperso”, quer dizer, harmonizar os distintos elementos do ser na unidade de seu princípio divino ou supra individual. Todas as “palavras sagradas” que se dão do primeiro até o último grau, poderiam ser vistas como uma escala ordenada e hierarquizada que conduz à “Palavra de Vida”, que não é outra senão o verbo interior luminoso e regenerativo propiciador do nascimento espiritual. Nesse sentido, a vocalização das palavras sagradas na Maçonaria recorda, em certos aspectos, as técnicas de vocalização dos mantras, em uso entre as tradições hindu e budista. Como se repetiu em diversas ocasiões, os mantras são sílabas e palavras de poder, geradoras de vibrações sutis que conferem a iluminação iniciática ao transmitir a potência do verbo divino imanente na própria realidade da vida cósmica e humana. As “palavras de passe” estão estreitamente vinculadas às “palavras sagradas”. Como sua própria definição indica, as “palavras de passe” aludem ao simbolismo de passagem ou de trânsito, ou seja, contém uma chave que abre a porta de um espaço e tempo interior sagrado e qualitativo. Devemos dizer que cada uma das palavras e letras das línguas sagradas tem seu próprio valor numérico, e tudo junto, palavras e números, formam a “ciência dos nomes”, em si mesma um código simbólico que expressa as diferentes leituras da realidade nos distintos níveis e planos em que se manifesta. Quanto às lendas dos graus, há que vê-las como uma espécie de história sagrada da Maçonaria que permanentemente restitui a lembrança e a memória do tempo mítico das origens. São relatos exemplares, modelos a seguir pelo iniciado e através dos quais este se identifica com as façanhas e vivências de seus antepassados, reatualizando-as no tempo presente, que desta maneira adquire sua verdadeira qualidade.

E o terceiro grupo de símbolos refere-se, como se disse, aos ritos. E esta palavra, “rito”, é idêntica, fonética e etimologicamente, ao sânscrito rita, que significa ordem. O rito seria, pois, a repetição de um gesto ou ato ordenado. Na realidade o rito iniciático (também religioso) é o próprio símbolo em ação executado conforme uma ideia ou arquétipo, e, por sua vez, o símbolo é a fixação de um rito primordial, tal qual o “gesto” do Grande Arquiteto criando o mundo. Se o trabalho com os símbolos gráficos e geométricos se baseia fundamentalmente na concentração e nos estudos de caráter intelectual, os ritos são uma série de gestos e posturas corporais que “fixam” no plano psicossomático do ser a energia-força que precisamente o símbolo geométrico veicula. Estes gestos rituais maçônicos são semelhantes aos mudras hindus e budistas, que através de certas posturas e gestos manuais descrevem uma linguagem sagrada articulada por uma cadência rítmica que é em si uma “música visual”. Essa mesma relação símbolo-rito se pode estender também aos propriamente sonoros e vocais; tudo isso expressa uma unidade de pensamento e ação que deve encarnar-se na realidade cotidiana e diária, pois obviamente de nada serviria meditar na energia salutar dos símbolos se depois não a levamos à prática de uma maneira ordenada e consciente. Da mesma forma, o rito se realiza e desenvolve tanto no tempo como no espaço; no tempo porque os trabalhos maçônicos se realizam do meio-dia em ponto (zênite solar) até meia-noite em ponto (zênite polar); e no espaço porque tais trabalhos são feitos seguindo a direção dos quatro pontos cardeais, ou seja, do Oriente ao Ocidente e do Meio-dia ao Setentrião. Em tudo isso se reconhece uma estrutura circular e cruciforme que abrange conjuntamente a ordem do macrocosmos e do microcosmos, religados ambos pela recriação de um gesto ou rito comum.

Pois bem, essas três categorias de símbolos maçônicos (que por certo se encontram em todas as tradições) estão ordenadas pela lei qualitativa do número, já que tanto quando se desenha uma figura geométrica, se vocaliza um nome divino, ou se executa um gesto ritual, não se está senão manifestando um ritmo interior que, ao exteriorizar-se e plasmar-se na realidade concreta das coisas, toma necessariamente uma estrutura numérica. A este respeito, disse José de Maistre em seu livro “As Noites de São Petersburgo“: “O Criador nos deu o número, e é pelo número que se manifesta para nós, assim como pelo número o homem se evidencia a seu semelhante; tire o número e tirareis as artes, as ciências, a palavra e, por conseguinte, a inteligência. Devolve-o, e reaparecerão com ele suas duas filhas celestiais, a harmonia e a formosura: o grito se converterá em canto; o estrépito, em música; o salto, em dança; a força se chamará dinâmica, e os traços, figuras”.

Continua…

Autor: Francisco Ariza
Tradução: Sérgio K. Jerez

Notas

[01] – A palavra “sacrifício” procede do latim sacrum facere, um ato ou um fazer sagrado.

[02] – Jean Tourniac, Vie et perspectives de la Franc-maçonnerie Traditionnelle.

Nota do Blog

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