Revista Libertas – Nº 31

Caríssimos leitores,

Já está disponível no blog O Ponto Dentro do Círculo a edição nº31 da revista Libertas, uma publicação da Academia Mineira Maçônica de Letras.

Clique no link abaixo e boa leitura!

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Fraternalmente,

Luiz Marcelo Viegas

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O reconhecimento, a consciência e a imortalidade

Antes de mais nada, assumo e aceito, não ser reconhecido, não ter consciência e nem se quer entender a espiritualidade!

Mas por quê?

Essas fases distintas levam a uma simplicidade esotérica, de forma que para um pouco de esforço mental, rapidamente nos deparamos com a realidade, não enxergamos ainda além do véu!

Será preciso então ser transmutado desse plano, para que tal entendimento seja revelado? Talvez sim… não se entristeça, apenas reflita!

Primeira fase ser reconhecido como tal… coisa séria, não pode ser uma frase sem conteúdo, precisa ser internalizada, vir do eu mais puro e sincero, simples assim… ser reconhecido por todos já seria uma extrema audácia, então pelo menos pelos mais próximos, ou pelos amigos. Uma frase dessa envergadura não deve ser dita como num ditado, mas sim de forma espiritual, pois traduz o ser pleno e em gozo de suas virtudes, pense nisso!

A segunda parte, consciência, de quê? De quem? Quando?

Tal consciência me deixa muito livre de tais questionamentos, será que temos mesmo? Não é uma tarefa fácil, ter consciência é algo divino, puro, imaculado, sem reservas, religioso, responsável! Não uma fase, um degrau… Pense nisso!

Por fim, a espiritualidade! Como se fosse algo comprado na quitanda… não é bem assim! Sabemos disso.

Uma fase de encontro de si mesmo e da certeza que realmente, nada sabe! Uma arte real, sem sofismas, reserva mental, ou o que seja análogo, algo realmente, transcendental!

Concorda? Talvez não… muito mais simples se dizer: ” não sou mais servo “, sou, o que sou, e tenho dito! Não passa de uma exacerbação do próprio eu, mas se dito em espírito nobre, a perfeição! Quando? Na morte, com certeza. Pense nisso!

E onde está o fio que liga isso tudo? Cuidado com o Minotauro… Na nossa mente, na nossa vida, no nosso cotidiano!

A cada dia, é preciso ser reconhecido, ter consciência e ser altamente espiritualizado, pelo menos tentar, vamos conseguir? Claro que não… mas não desista, aí está a graça disso tudo, a busca infinita…

Como dizia o poeta: ” tente outra vez “

TFA

Autor: Renato Krile

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IGREJA CATÓLICA E MAÇONARIA: novas abordagens sobre uma antiga questão

1.    Introdução

É necessária uma boa dose de perspicácia para perceber quando um evento noticiado tem o condão de propiciar uma reflexão sobre o presente vivido a partir de continuidades históricas. Assim foi com a notícia do Vatican News de 15 de novembro de 2023 com o singelo, apesar de bem direto, título “A maçonaria continua proibida para os católicos” (VATICANO NEWS, 2023).

Trata-se de matéria que analisa a resposta do Dicastério para a Doutrina da Fé de 13/11/2023, aprovada pelo Papa Francisco, referente a uma consulta do bispo de Dumaguete, nas Filipinas, sobre como lidar adequadamente, do ponto de vista doutrinário, com o fato de que tem havido o aumento de fiéis filiados à maçonaria.

O Dicastério confirmou que “a filiação ativa de um fiel à maçonaria é proibida, devido à irreconciliabilidade entre a doutrina católica e a maçonaria (cf. a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé de 1983, e as mesmas Diretrizes publicadas pela Conferência episcopal em 2003)” (VATICANO NEWS, 2023) . A nota esclarece que os maçons e aqueles que seguem os princípios maçons estão abrangidos pelas normas da Declaração acima referida.

Com efeito, a Declaração (CBCP, 2023) conjunta do CBCP sobre sanções para os católicos que aderem à maçonaria, datada de 6 de julho de 2002, emitida pelo Bispo Orlando B. Quevedo, dispõe que:

Qualquer católico que seja publicamente conhecido por ser membro de qualquer Associação Maçónica e participe activamente no seu programa e actividades, ou promova os seus pontos de vista, ou exerça qualquer cargo nela existente, e se recuse a renunciar a essa filiação apesar de pelo menos uma advertência (Cf. Cânon 1347) deve ser punido com um interdito (Cf. Cânon 1374), Isto é:

  1. não deve ser admitido à Santa Comunhão e a outros sacramentos (Cf. Cânon 1332);
  2. é proibido atuar como padrinho no Batismo e na Confirmação;
  3. não ser admitido como membro de estruturas paroquiais ou diocesanas;
  4. devem ser negados ritos fúnebres, a me- nos que tenham sido demonstrados alguns sinais de arrependimento antes da morte (cf. cânon 1184, §1, n. 3);
  5. quando os ritos fúnebres da Igreja forem permitidos pelo bispo, não serão permitidos cultos maçônicos na Igreja ou cemitério imediatamente antes ou depois dos ritos da Igreja, a fim de evitar escândalos públicos (Cf. Cânon 1184, §1, n. 3, e Cânon 1374).

Assim, qualquer católico que seja membro convicto da Maçonaria será considerado excomungado e sofrerá todas as punições pertinentes, dentre elas o seu afastamento da vida religiosa e sacramental, isto é, será proscrito no sentido amplo do termo: exilado, banido, degredado da vida da igreja.

A questão que merece nota e justifica essa pesquisa se refere a necessidade de se entender a posição da Igreja a respeito da participação de fiéis e religiosos católicos na Maçonaria. Foi consultada documentação do Vaticano em busca de se perceber como se fundamentou a decisão eclesiástica do Dicastério que confirmou que a filiação ativa de um fiel à maçonaria é proibida, devido à irreconciliabilidade entre a doutrina católica e a maçonaria, sujeitando o fiel à penalidades canônicas.

Como toda pesquisa sobre um tema tão complexo, não se pretendeu esgotar o assunto em debate, ficando desde já esclarecido que a investigação merece mais aprofundamento. Ao cabo, é salutar afirmar que, para a Maçonaria – em seus diversos níveis e abordagens doutrinárias – se faz mister enfrentar a questão posta pela Igreja Católica, pois unicamente dela se originou a chamada incompatibilidade doutrinária com a Maçonaria. A Maçonaria, instituição imbuída de princípios elementares, dentre os quais a crença na democracia que propugna pela existência de diferentes formas de pensar, projeta-se na reflexão do tema, consciente de que historicamente participou e vem participando da construção do destino no país.

2. As bulas papais do século XIX e a Maçonaria

Contudo, a fim de que se possa entender o percalço do presente se faz necessário relembrar do passado. Para tanto, não é despiciendo conhecer as bulas papais que trataram da relação entre a Igreja Católica e a Maçonaria ao longo dos anos, em passagens de séculos, demonstrando a importância da celeuma.

Será, pois, necessária uma avaliação que extrapole o limiar lógico das normas recentes e alcance a História (enquanto ciência que estuda as relações no passado) do conflito entre maçons e católicos. Para tanto, devemos recuar no tempo e buscar como a Igreja Católica se posicionou frente à Maçonaria já no século XVIII, em documentação acessível através de pesquisa em websites oficiais da Igreja, através do Vaticano.

Em 1738, o Papa Clemente XII, regulando a relação com os maçons, expediu a Carta Encíclica denominada In Eminenti Apostolatus Specula, que tratou das sociedades secretas. Tal edito demonstrou a preocupação da Igreja Católica quanto às organizações secretas e em especial a Maçonaria. A alegação da Carta baseou-se na ideia de que a organização maçônica ameaçava a integridade da religião católica e poderia gerar perturbação nos fiéis católicos. Segundo o Papa, as organizações maçônicas não estavam de acordo com as leis civis e canônicas e agiam como raposas assaltando as casas católicas, roubando os fiéis. Para a Igreja da época, era dever do Papa proteger a fé católica e a Igreja desses ataques.

Em 1751, quase duas décadas após a Carta de Clemente XII, o papa Bento XIV expediu a bula papal denominada de Provida Romanorum Pontificum que confirmou o entendimento anterior sobre a relação da Igreja com a Maçonaria. Os maçons eram considerados como um perigo e o crescimento e expansão da maçonaria no mundo eram vistos com um problema grave. O Papa ratificou as sanções e proibições anteriormente decretadas sobre a participação de católicos na Maçonaria.

Na bula de Bento XIV estão enumerados os motivos que justificaram sua decisão:

  • filiação de pessoas dos diversos credos, gerando um perigo à pureza da religião católica;
  • a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembleias secretas;
  • o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo;
  • que tais sociedades são reconhecidamente contrárias às sanções civis e canônicas;
  • que em muitos países as ditas sociedades e agregações foram proscritas e eliminadas por leis de príncipes seculares;
  • que tais sociedades e agregações são reprovadas por homens prudentes e honestos e, no pensar deles, quem quer que se inscreva nelas merece o ferrete da depravação e perversidade.

Da leitura dos motivos é possível inferir que a Igreja, já naquela época, percebia a Maçonaria com um perigo à sua existência, especificamente baseada na crença de que a pluralidade de credos seria um atentado à pureza da religião católica e de sua missão.

Na Encíclica Ecclesianm a Jesu, de 1821, o Papa Pio VII, evidenciou que as sociedades secretas, especialmente a Maçonaria e a Carbonária (esta ligada a Ordem Maçônica pelo entendimento da Igreja), eram organizações que propagavam a liberdade religiosa e desprezavam os ritos e sacramentos da Igreja Católica. Assim posto, tais sociedades representavam uma séria ameaça à fé cristã, até pelo fato (segundo o Vaticano) de que eram responsáveis por tramar e influenciar rebeliões e conspirações por toda a parte. A Encíclica indica que essas sociedades ameaçavam a paz e a harmonia nos principados e reinos que adotaram o cristianismo católico.

A bula papal Quo Graviora, de 1825, do Papa Leão XII, abordou novamente a questão das sociedade secretas e da Maçonaria, enfatizando que – apesar de todos os esforços dos Papas que lhe antecederam, com medidas punitivas – a instituição maçônica continuava a crescer e atuar em diversos reinos da Europa, procurando causar revoltas e rebeliões. Segundo a bula, tais movimentos buscavam derrubar príncipes e causar danos a Igreja e a todos os homens de bem. Desse modo, a Maçonaria estaria envolvida em desordens e representava uma séria ameaça ao mundo ocidental.

Em 1829, o Papa Pio VIII editou a Encíclica Traditi Humilitati, que conclamava toda a comunidade católica a envidar esforços contra as sociedades secretas de homens facciosos, inimigos de Deus e dos Príncipes, que estariam dedicados a provocar a ruína do Igreja, minar os Estados, subverter a ordem universal e, quebrando as restrições da verdadeira fé, abriam caminho para todos os tipos de maldade. Segundo a Igreja, esses homens facciosos tentavam esconder nas trevas dos ritos arcanos a iniquidade dos seus conselhos e das decisões que neles eram tomadas. A ação das sociedades secretas representava uma suprema ofensa contra a sociedade religiosa – leia-se: Igreja Católica – e civil.

Pio VIII destacou que não era o primeiro papa a agir contra essas organizações inimigas da Igreja e citava os Sumos Pontífices Clemente XII (com a constituição In eminenti Apostolatus Specula), Bento XIV (com a constituição Provida Romanorum Pontificum), Pio VII (com a constituição Ecclesiam a Jesu Christo) e Leão XII (com a constituição Quo Graviora). De fato, esses pontífices já haviam atuado e excomungado essas sociedades secretas através de cartas apostólicas públicas que não deixavam dúvida de que cabia ao papa o poder apostólico de zelar pelos preceitos católicos e cuidar da observância escrupulosa dos mesmos.

Em 1884, A Encíclica Humanum Genus sobre a Maçonaria foi emitida pelo Papa Leão XII. Tal documento evidenciava, novamente, que o Vaticano continuava preocupado com o crescimento e expansão do movimento maçônico no mundo ocidental. Esse documento papal reforçava a denominação da Maçonaria como um inimigo da Igreja e da fé católica. Há nesta Encíclica a expansão doutrinária da missão de combate à Maçonaria, que além de ser um dever do Papa passava a ser também obrigação de todos os cristão, notadamente pelo fato de que a Maçonaria passou a ser denominada de seita maçônica.

Essa breve síntese histórica das bulas papais emitidas no século XIX dão conta de que, para a Igreja Católica, a Maçonaria era vista como uma sociedade inimiga dos preceitos eclesiásticos católicos, sob diversas alegações, desde a afirmação de que os maçons eram promovedores da desordem religiosa e civil até ao ponto em que a Maçonaria deveria ser condenava por aceitar em suas fileiras diversos credos religiosos, fato este que atentava contra a pureza católica.

3. O Código Canônico Católico e a Maçonaria

Contudo, para o historiador, é natural questionar se onde se apresentam continuações ou permanências das instituições também não se apresentam rupturas ou descontinuidades, muitas vezes escamoteadas através de abordagens temáticas minimamente diferenciadas.

Assim, chamou a atenção do pesquisador o texto incluído na Declaração conjunta do CBCP sobre sanções para os católicos que aderem à maçonaria emitida pela Conferência Episcopal Católica das Filipinas em 6 de junho de 2023.

Figurando como uma lágrima de crocodilo, o documento arremata que:

Como os maçons católicos são membros da Igreja, eles merecem as orações e a caridade que os cristãos devem uns aos outros. Embora as diretrizes da Igreja não devam ser diluídas, a situação pessoal e individual de um maçom católico deve ser considerada, para que gradualmente ele possa seguir livremente essas diretrizes. Recomenda-se que um maçom consulte seu pároco ou bispo para receber orientação pessoal e espiritual sobre este assunto. (CBCP, 2023)

A declaração afirma que os maçons católicos merecem as orações e caridade que os cristão devem uns aos outros, mesmo que em dado momento sua situação esteja em desacordo com os regramentos da Igreja. Para tanto, deverá ser levada em conta a situação pessoal e individual do maçom católico para que o mesmo possa aos poucos seguir livremente os regramentos eclesiásticos.

A Declaração CBCP de 2023 indica a existência de uma dualidade de aspectos: de um lado, há a assunção oficial de que um problema existe (há fiéis maçons que são católicos e que merecem atenção) e deve ser enfrentado. De outro lado, não há indicação exata de qual é a intransponível “incompatibilidade entre o cristianismo e os princípios da maçonaria que toca em questões importantes da vida cristã” (CBCP, 2023).

Para entender melhor tal incompatibilidade doutrinária será, ainda, necessário buscar no passado (algumas vezes não tão remoto) as indagações pertinentes.

A Dichiarazione Sulla Massoneria (Declaração Sobre A Maçonaria) (VATICANO, 1983), promulgada pela Congregazione Per La Dottrina Della Fede (Congregação Para A Doutrina Da Fé) estabeleceu que:

DECLARAÇÃO SOBRE A MAÇONARIA

Pergunta-se se o julgamento da Maçonaria pela Igreja mudou porque não é expressamente mencionado no novo Código de Direito Canônico como no Código anterior.

Esta Congregação é capaz de responder que esta circunstância se deve a um critério editorial também seguido para outras associações que também não são mencionadas por estarem incluídas em categorias mais amplas.

Portanto, o julgamento negativo da Igreja em relação às associações maçônicas permanece inalterado, uma vez que seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e, portanto, a pertença a eles permanece proibida. Os fiéis que pertencem a associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem receber a Santa Comunhão.

Não cabe às autoridades eclesiásticas locais pronunciarem-se sobre a natureza das associações maçônicas com um juízo que implique derrogação ao acima estabelecido, e isso está de acordo com a Declaração desta Sagrada Congregação de 17 de Fevereiro de 1981 (Cf. AAS 73, 1981, pp. 240-241).

O Sumo Pontífice João Paulo II, no decurso da audiência concedida ao abaixo assinado Cardeal Prefeito, aprovou a presente Declaração, decidida na reunião ordinária desta Sagrada Congregação, e ordenou a sua publicação.

Roma, da Sé da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 26 de novembro de 1983.

Joseph Card. RATZINGER – Prefeito Irmão Jérôme Hamer, O.P. – Arcebispo titulação de Lorium – Secretário

A Declaração estipula que os fiéis – caso estejam filiados à Maçonaria – estão em pecado grave perante a Igreja Católica Romana, pois “o julgamento negativo da Igreja em relação às associações maçônicas permanece inalterado, uma vez que seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e, portanto, a pertença a eles permanece proibida”.

Constata-se que é decisão da Igreja Católica entender que os princípios maçônicos são inconciliáveis com a doutrina da Igreja. Contudo, não está claro na Declaração quais princípios são esses.

Necessário, pois, buscar um pouco mais no passado as normas e textos que possam iluminar a questão, a fim de esclarecer ao público e ao jovem maçom em que campo doutrinário se situa a querela. Pesquisou-se, assim, a fonte documental indicada pela própria missiva: Declaração desta Sagrada Congregação de 17 de Fevereiro de 1981 (Cf. AAS 73, 1981, pp. 240-241).

De acordo com o L’Osservatore Romano (Edição semanal em Português, Número 10, de 8 de Março de 1981. pág. 2) a declaração de 17 de fevereiro de 1981 assim estabelece:

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRI- NA DA FÉ

DECLARAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE

CATÓLICOS À ASSOCIAÇÕES MAÇÔNICAS

(Declaratio de canonica disciplina quae sub poena excommunications vetat ne catholici nomen dent sectae massonicae aliisque eiusdem generis associationibus)

Em data de 19 de Julho de 1974, esta Congregação escrevia a algumas Conferências Episcopais uma carta reservada sobre a interpretação do cân. 2335 do Código de Direito Canónico, que veta aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçónicas e outras semelhantes.

Dado que a citada carta, tornada de domínio público, deu margem a interpretações errôneas e tendenciosas, esta Congregação, sem querer prejudicar as eventuais disposições do novo Código, confirma e precisa quanto segue:

1 – não foi modificada de algum modo a actual disciplina canônica que permanece em todo o seu vigor;

2 – não foi, portanto, ab-rogada a excomunhão nem as outras penas previstas;

3 – quanto na citada carta se refere à interpretação a ser dada ao cânone em questão, deve ser entendido, como intencionava a Congregação, só como um apelo aos princípios gerais da interpretação das leis penais para a solução dos casos de cada pessoa, que podem ser submetidos ao juízo dos Ordinários. Não era, pelo contrário, intenção da Congregação confiar às Conferências Episcopais o pronunciar-se publicamente com um juízo de carácter geral sobre a natureza das associações maçónicas que implique a derrogação das mencionadas normas.

    Roma, da sede da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 17 de Fevereiro de 1981. (VATICANO, 1981)

    Neste documento, a Sagrada Congregação Para A Doutrina Da Fé afirmou que enviou uma carta reservada a algumas Conferências Episcopais sobre a interpretação do Cânone número 2335 do Código de Direito Canônico, que veta aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçônicas e outras semelhantes. Contudo, o teor da carta tornou-se público, o que exigiu esclarecimentos quanto a interpretações errôneas. A Declaração supra reafirma que as Conferências Episcopais não poderão se pronunciar publicamente com um juízo de caráter geral sobre a natureza das associações maçônicas que implique a derrogação das mencionadas normas penais canônicas sobre o tema.

    Tal restrição imposta às Conferências Episcopais explica por que, depois de tão longo período, o bispo de Dumaguete (Filipinas) se viu na condição de solicitar orientação de como lidar adequadamente, do ponto de vista doutrinário, com o fato de que tem havido o aumento de fiéis filiados à maçonaria.

    Afinal, o que preceitua o Cânone número 2335 do Código de Direito Canônico?

    O Código de Direito Canônico foi promulgado pelo Papa João Paulo II em Roma, no Palácio Vaticano, no dia 25 de Janeiro de 1983, quinto ano do seu Pontificado. Sua Versão Portuguesa é a 4ª edição, revista pela Conferência Episcopal Portuguesa, em Lisboa, por António Leite, Serafim Ferreira e Silva, Samuel Rodrigues e Melícias Lopes. Esta edição pode ser encontrada no website do Vaticano.

    Logo na introdução do Código, o Papa João Paulo II informa que:

    As Leis Da Disciplina Sagrada teve a Igreja Católica, no decurso dos séculos, o costume de as reformar e renovar para que, conservando sempre a fidelidade ao seu divino Fundador, correspondessem adequadamente à missão salvífica que lhe foi confiada. Movidos por este mesmo propósito e satisfazendo finalmente a expectativa de todo o orbe católico, determinamos neste dia, 25 de Janeiro de 1983, a publicação do Código de Direito Canónico já revisto. Ao fazê-lo, o Nosso pensamento volta-se para o mesmo dia do ano 1959, quando o Nosso Predecessor João XXIII, de feliz memória, anunciou pela primeira vez ter decidido a reforma do Corpus vigente das leis canónicas, que tinha sido promulgado na solenidade de Pentecostes do ano 1917. (VATICANO, 1983)

    Ao tratar da extensão das decisões presentes na revisão de 1983, a nova norma se apresenta alterando a vigência de outros regramentos. Assim é que o Cân. 6 do Código Canônico determina que:

    Cân. 6 —

    § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

    1. ° o Código de Direito Canónico promulga- do no ano de 1917;
    2. ° as outras leis, quer universais quer particulares, contrárias às prescrições deste Código, a não ser que acerca das particulares se determine outra coisa;
    3. ° quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código;
    4. ° as outras leis disciplinares universais respeitantes a matéria integralmente ordenada neste Código.

    § 2. Os cânones deste Código, na medida em que reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em consideração também a tradição canónica. (VATICANO, 1983)

    Ao entender-se o termo ab-rogado (cuja etimologia pode ser encontrada no latim como abrogare) no sentido de anular ou abolir uma lei ou um decreto (o mesmo que revogar a validade de algo obrigatório ou instituído como um benefício ou privilégio) é consequente entender que as normas ab-rogadas tornaram-se obsoletas, obrigando a todos os obediente da normas a não mais usá-las, pois seus ditames foram suprimidos.

    Quanto à vigência e eficácia do novo Código não há dúvida, mormente frente à leitura do Cân. 7 que determinou que: “A lei é instituída quando se promulga”.

    Assim é que o Código de Direito Canónico promulgado no ano de 1917 foi juridicamente suprimido.

    Eis que, como consequência direta da revisão, o Cân. 2335 (que conforme a carta de 19 de Julho de 1974 da Congregação para a Doutrina da Fé vetava aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçônicas e outras semelhantes) foi abolido.

    Convém destacar que, pesquisando-se o texto do novo Código Canônico de modo literal, não se encontram em todo o arcabouço normativo sequer uma vez os termos “maçom” ou “maçonaria” na versão em língua portuguesa. Acredita-se que efetivamente tais termos não constem do documento em vigor.

    Assim, a inconciliável compatibilidade entre ser fiel da Igreja Católica Apostólica Romana e ser membro da Maçonaria deve se originar de uma interpretação da nova norma, isto é, do Código promulgado em 1983. Mas qual dispositivo pode esclarecer a questão?

    Com efeito, pode-se encontrar no novo Código o Cân. 1374, que assim estabelece:

    Cân. 1374 — Quem der o nome a uma associação, que maquine contra a Igreja, seja punido com pena justa; quem promover ou dirigir tal associação seja punido com interdito. (VATICANO, 1983)

    É interessante conhecer o Cân. 750 do novo Código que estabelece certos requisitos mínimos para que a fé católica possa ser percebida como pertencente à doutrina católica, e por conseguinte detentora de direitos e deveres canônicos, nos seguintes termos:

    Cân. 750 —

    § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias;

    § 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas. (VATICANO, 1983)

    Conclui-se que a fé deve estar inserida no contexto de aceitação da fé nos exatos termos determinados pelo Cân. 750, pois em contrário se aplicará o preceituado no Cân. 1371 que estabelece punição da seguinte forma:

    Cân. 1371 — Seja punido com pena justa:

    1 – quem, fora do caso previsto no cân. 1364,

    § 1, ensinar uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice ou pelo Concílio Ecuménico ou rejeitar com pertinácia a doutrina referida no cân. 750,

    § 2 ou no cân. 752, e, admoestado pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se retractar;

    2 – quem, por outra forma, não obedecer à Sé Apostólica, ao Ordinário ou ao Superior quando legitimamente mandam ou proíbem alguma coisa e, depois de avisado, persistir na desobediência. (VATICANO, 1983).

    Posto que as normas (mesmo as mais recentes) são reticentes ou lacunosas em especificar quais as partes das doutrinas católica e maçônica são incompatíveis, constata-se que o problema dentro da análise lógico-jurídica, persiste no sentido de se entender que a hermenêutica limitada aos regramentos e às suas justificações não é bastante para explicar o porquê dos maçons não poderem ser aceitos como fiéis na Igreja Católica, na medida em que no tempo presente não há indicativo de que os maçons estejam promovendo a desordem, destronando reinos ou enfraquecendo a pureza da religião católica.

    4.   A Igreja Católica e os Maçons

    Terá sido sempre assim na História do Brasil: católicos não podiam ser maçons? Maçons não podiam ser católicos? É possível entender a origem de tal dicotomia inconciliável?

    Como um fato verificável historicamente, é possível afirmar que a historiografia nacional (BARATA, 2002, 2006; CARVALHO,2019, COLUSSI, 1998) do século XIX comprova a forte presença de católicos na maçonaria brasileira, inclusive sacerdotes e religiosos, que exerceram cargos de liderança nos campos religioso e político do período. Destaca-se que alguns desses religiosos maçons foram protagonistas em momentos marcantes da história nacional, como a revolução de 1817 em Pernambuco, em que padres participaram ativamente desse movimento (DE SOUSA, 2023), ou na chamada Questão Religiosa, “durante os anos de 1872 a 1875, que foi uma série de acontecimentos envolvendo a Igreja Católica, a Maçonaria e o Governo Imperial em seu centro, mas que envolveu indiretamente outros elementos em voga” (CARVALHO, 2018, p. 105).

    É possível fazer uma síntese da Questão Religiosa no Brasil como sendo um efeito da confrontação que se verificava na Europa entre a Maçonaria e a Igreja Católica Romana. Várias autoridades eclesiásticas se envolveram na Questão que ditava, entre outros pontos, a autonomia da hierarquia e da estrutura da Igreja frente ao poder estatal da Monarquia. Houve intensos choques entre religiosos, com retaliações e penalidades eclesiásticas. Uma das consequências mais destacadas refere-se à expulsão de religiosos que pertenciam também à Maçonaria por ordem de Dom Vital e de Dom Antônio de Macedo Costa.

    Avançando-se na pesquisa, por conseguinte, para participar da Maçonaria é necessário primeiro saber o que ela representa. Vamos direcionar a pesquisa para melhor entender. Apesar de haver diversas definições sobre o que vem a ser a Maçonaria, uma definição mais geral e mais utilizada é a que lhe define como sendo um belo sistema de moralidade velado em alegoria e ilustrado por símbolos (ZELDIS, 2011). Alegorias e símbolos que precisam ser decifrados e ensinados a seus membros, a fim de que a sua tradição seja permanente, nesse sentido, William Preston, a definia como sendo um sistema regular de moralidade, concebido em uma tensão de interessantes alegorias, que desdobra suas belezas ao requerente sincero e trabalhador (PRESTON, 1867).

    Outrossim, percebe-se que a ordem maçônica é uma organização iniciática, de caráter fraternal, regida por normas e princípios próprios, que acolhe pessoas do sexo masculino em seu seio, com o objetivo de aprimorar seus conhecimentos por meio de um sistema baseado em símbolos, lendas e mitos, a fim de buscar o aprimoramento moral e intelectual.

    A Maçonaria é uma instituição universalista, filosófica, espiritualista, filantrópica e humanitária fundamentada nos postulados da liberdade, igualdade, fraternidade, paz, justiça e democracia (SOUSA, 2017, p. 20).

    Segundo a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, a Maçonaria tem como preceitos fundamentais: acreditar na existência de um princípio criador, o Grande Arquiteto do Universo; proclamar o trabalho como direito e dever do homem; respeitar as leis do País e defender a livre manifestação do pensamento e da dignidade da pessoa humana. A maçonaria combate o fanatismo e as paixões que tornam o homem cego e incapaz de tomar decisões justas, que o conduz ao caminho do mal.

    Em seus rituais, estão contidas lições e ensinamentos que – durante as suas cerimônias – são decifrados e possibilitam aos participantes vivenciarem experiências que os levam a refletir sobre as questões da vida cotidiana, de modo a contribuir com o seu aperfeiçoamento moral.

    A lei moral da maçonaria, presente nas Constituições de Anderson de 1723 (primeiro documento normativo maçônico aprovado pela Grande Loja Maçônica da In- glaterra, que foi a primeira potência maçônica) destaca que “um Maçom é obrigado, por sua Condição, a obedecer à Lei moral; e se compreende bem a Arte, não será jamais um Ateu estúpido, nem um Libertino irreligioso” (THE CONSTITUTIONS FREEMASONRY, 1755).

    No Rito Escocês Antigo e Aceito, a Bíblia está no centro do altar e, em todas as reuniões, há a leitura de passagens da Bíblia Sagrada que enaltecem a existência humana, a fé e a importância de uma conduta reta e moral. Em seus graus simbólicos, são retratadas passagens da história do Antigo Testamento, em que a construção do templo de Salomão é um dos principais enredos abordados.

    Entretanto, os atritos entre Igreja Católica e Maçonaria existentes durante o período da Revolução Francesa não podem ser olvidados, pois da sua compreensão se pode auferir lições importantes para a análise da situação presente.

    Na França, durante o período que se convencionou chamar de Revolução Francesa – de maio de 1789 a novembro de 1799 – segundo Simon Schama (1989, p. 421) que analisou continuidades e descontinuidades e o papel que coube à nobreza no processo de aceleração do fim do Antigo Regime,

    A fusão de velho e novo repetia-se por toda a França. No papel as transformações não poderiam ter sido mais abruptas ou radicais. Como organismos jurídicos os parlamentos simplesmente foram substituídos pelo fiat legislativo da Assembléia Constituinte e a velha jurisdição dos bailliages pelos dos juges de paix eleitos e dos tribunais dos distritos e departamentos. Da mesma forma, a natureza caótica do governo com fronteiras superpostas e entrecruzadas que diferiam da administração civil ao governo militar e à diocese eclesiástica desapareceu na unidade do departamento. […] A presença de “homens novos” — médicos, engenheiros, numerosos advogados, ocasionais comerciantes — na primeira leva de instituições criada pela Revolução certamente resultou, em parte, da maciça expansão de cargos eleitos. Pelo menos no atendimento às reivindicações por mais governo, formuladas nos cabiers, os notáveis revolucionários cumpriram amplamente seu dever. […] Um exame mais profundo dos novos regimes em muitas cidades, grandes e pequenas, da província francesa revela que muitos desses remanescentes do Ancien Régime estavam estrategicamente colocados.

    Schama atenta para o fato de que socialmente não havia muita diferença entre esses “homens novos” e aqueles tipificados como sendo da nobreza, especialmente quando viviam no ambiente de uma cidade ou centro comercial. De fato, “todos pertenciam ao mesmo ambiente cultural: o mundo das academias e das lojas maçônicas. Todos endossavam o projeto otimista do final do Iluminismo segundo o qual as ciências necessariamente levariam a uma prosperidade maior e a um governo mais perfeito”. SCHAMA (1989, p. 422).

    Se, de um lado o discurso radical dos “homens novos” punha na escrita dos decretos revolucionários toda uma narrativa de mudanças e rupturas, de outro lado os mesmos homens – aos quais tanto se criticava por fazerem as vezes do Antigo Regime – de fato continuavam no poder, porém agora com o apoio popular da turba mobilizada. “Assim, foram exatamente os homens dos quais tanto se queixavam os cabiers rurais – abastados coqs de village e outros proprietários, alguns deles nobres — que se apoderaram dos bens da Igreja quando estes foram colocados no mercado”. SCHAMA (1989, p. 423).

    É possível, pois, afirmar com base em forte documentação histórica que a relação da Igreja com a Maçonaria estava – a partir dos idos do fim do século XVIII – definitivamente posta em termos de conflito aberto de interesses, igualmente em intensidade nos campos político, cultural e ideológico.

    Ainda quanto ao século XIX, base histórica para essa reflexão, ainda há que se debater o fato da Maçonaria Brasileira ter sido uma instituição que apoiou o fim do regime do padroado patrocinado pela Monarquia portuguesa e a laicidade do Estado, assim como a acolhida aos protestantes em seu seio. Tal atuação pode ter causado a decisão pela incompatibilidade naquela época em terras nacionais.

    Outro aspecto que merece nota é que durante a Questão Religiosa, no século XIX, o conflito entre Igreja e Maçonaria pode ter se acirrado a partir do advento da chamada Maçonaria Especulativa de cunho iluminista (iniciado no século XVIII), com forte apelo filosófico- racionalista, cujo pendão de encadeamento de raciocínio lógico extremado pode não ter sido devidamente compreendido à época, exatamente em um contexto cultural europeu em que o raciocínio lógico se punha como um discurso científico contra a metafísica, o espiritual e o divino.

    5.   O Cristianismo e as Religiões

    De início, é de se considerar que a Ordem Maçônica não é uma religião, mas uma instituição de cunho iluminista. Sua organização filosófico-racionalista baseia-se nos antigos mistérios e está harmonizada com as religiões monoteístas de seus integrantes. Dessa maneira, não há qualquer tipo de afronta à Igreja Católica ou aos seus dogmas. Por isso, é substancial o entendimento de que proibir, conforme imposto pela alta hierarquia da Igreja Católica, que os católicos sejam também maçons é desnecessário e ineficaz tendo em vista que, mesmo que na aparência se difunda que se quer proteger o católico da influência maçônica, de fato não se está a respeitar um dos preceitos básicos do cristianismo que é o de aceitar a pluralidade de caminhos que visam a salvação.

    A respeito deste tema relativo à salvação do Cristão, em 1997, a Comissão Teológica Internacional do Vaticano, em análise do tema “O Cristianismo e as Religiões”, redigiu estudo sobre as relações da Igreja com outras religiões, cujo objeto de pesquisa se fundamentou nos seguintes termos:

    Numa época em que se aprecia o diálogo, a compreensão mútua e a tolerância, é natural surgir tentativas de elaborar uma teologia das religiões a partir de critérios aceitos por todos, isto é, que não sejam exclusivos de determinada tradição religiosa. Por isso, nem sempre se distinguem claramente as condições para o diálogo interreligioso e os pres supostos básicos de uma teologia cristã das religiões. Para fugir dos dogmatismos procuram-se padrões exteriores, que permitam avaliar a verdade de uma religião. Os esforços realizados nessa direção não chegam a convencer. Se a teologia é fides quaerens intellectum, não se vê como se pode abandonar o “princípio dogmático” ou refletir teologicamente prescindindo das próprias fontes. (VATICANO, 1997)

    Como se vê no trabalho de 1997, pouco mais de uma década após a promulgação do novo Código Canônico de 1983, a compreensão doutrinária da Igreja ampliou-se em busca do diálogo e compreensão mútua, da qual espera-se tolerância e a elaboração de uma teologia das religiões a partir de critérios de consenso.

    Tal ampliação da visão doutrinária católica está explicitamente definida nos itens 62 e 63 do Capítulo II.4. – Ecclesia Universale Salutis Sacramentum do texto referido anteriormente, como segue:

    62 – Não se pode desenvolver uma teologia das religiões sem levar em conta a missão salvífica universal da Igreja, testemunhada pela Sagrada Escritura e pela tradição de fé da Igreja. A valorização teológica das religiões foi impedida durante muito tempo por causa do princípio “extra Ecclesiam nulla salus”, entendido em sentido exclusivista. Com a doutrina sobre a Igreja como “sacramento universal da salvação” ou “sacramento do Reino de Deus”, a teologia trata de responder à nova apresentação do problema. Tal ensinamento, também acolhido pelo concílio Vaticano II, se concilia com a visão sacramental da Igreja no Novo Testamento.

    63 – Atualmente, a questão primária já não é se os homens podem alcançar a salvação ainda que não pertençam à Igreja Católica visível; tal possibilidade é considerada como teologicamente certa. A pluralidade das religiões, da qual os cristãos são cada vez mais conscientes, o melhor conhecimento dessas mesmas religiões e o necessário diálogo com elas, sem deixar em último lugar a mais clara consciência das fronteiras espaciais e temporais da Igreja, nos interrogam sobre se se pode ainda falar da necessidade da Igreja para a salvação e sobre a compatibilidade desse princípio com a vontade salvífica universal de Deus. (VATICANO, 1997).

    De fato, para a Igreja Católica – de acordo com a Comissão Teológica Internacional do Vaticano – não se trata mais de saber apenas se os homens podem se salvar, inclusive os que não pertencem à Igreja Católica. Tal possibilidade é certa do ponto de vista doutrinário. Discute-se, agora, se apenas a Igreja será considerada o único caminho da salvação eis que há uma “vontade salvífica universal de Deus”.(VATICANO, 1997).

    Atenta ao desenvolvimento globalizado das relações interculturais, a Comissão Teológica do Vaticano refletiu sobre a questão da verdade teológica, indicando que é necessário reconhecer a alteridade da verdade das diferentes religiões, de modo a levar o cristianismo a aprender a conviver respeitosamente com outras religiões. Aos poucos, mesmo que de modo relutante, vai expandindo a noção doutrinária de que é necessário ao católico aprender a conviver com outros tipos de religiosidades tendo em vista que se pode observar uma mudança da consciência do homem atual, nos seguintes termos:

    102. A crescente interrelação das culturas na atual sociedade mundial e sua constante interpenetração nos meios de comunicação fazem com que a questão da verdade das religiões tenha passado ao centro da consciência cotidiana do homem de hoje. As presentes reflexões consideram alguns pressupostos dessa nova situação; nelas, porém, não se entra na discussão de conteúdos com as diferentes religiões. Esta deveria realizar- se na teologia dos diferentes lugares, ou seja, nos diferentes centros de estudo que estão era contato cultural direto com as outras religiões. Ante a situação de mudança da consciência do homem atual e a situação dos fiéis, é claro que a discussão com a pretensão de verdade das religiões não pode ser um aspecto marginal ou parcial da teologia. A confrontação respeitosa com essa pretensão deve representar um papel no centro do trabalho cotidiano da teologia, deve ser parte integral dessa mesma teologia. Com ela o cristianismo de hoje deve aprender a viver, no respeito pela diversidade das religiões, uma forma da comunhão que tem seu fundamento no amor de Deus pelos homens e se funda em seu respeito para com a liberdade do homem. Esse respeito pela “alteridade” das diferentes religiões está por sua vez condicionado pela própria pretensão de verdade (VATICANO, 1997).

    É perceptível que a doutrina católica está buscando se adequar à atualidade, ampliando a visão de alteridade de seus fiéis, indicando que a salvação não está limitada a apenas um caminho doutrinário e clamando aos católicos para absorver espiritualmente o novo clima global de diversidade cultural.

    Ainda se pode falar da necessidade exclusiva da Igreja para a salvação frente à compatibilidade desse princípio com a doutrina que prega que a vontade de salvação do fiel é universal desde que direcionada à busca de Deus?

    6. A ação maçônica no Brasil do século XXI

    A Maçonaria, enquanto instituição iniciática, filosófica e social conseguiu evoluir e se expandir pelo mundo todo. Nos últimos trezentos anos, sobreviveu a diversas transformações culturais, políticas e sociais e, atualmente, é considerada como sendo uma instituição universal e de amplo alcance social.

    Não obstante todos os desafios e obstáculos enfrentados, a Maçonaria tem sua História. Para entendê-la, faz-se necessário refletir sobre quais foram os fatores que contribuíram para o seu êxito enquanto instituição, donde se destaca a continuidade de sua própria existência como uma organização ativa e influente no mundo moderno. Esta reflexão se impõe especialmente frente à permanência da celeuma com a Igreja Católica, cuja origem no século XVII foi possível rastrear sucintamente neste estudo, conforme se observou nos documentos papais referidos.

    Uma das hipóteses que aqui evidencia-se é que ela vem conseguindo sensibilizar homens que buscam ingressar em uma organização fraternal. Buscam benefícios pessoais, novos conhecimentos filosóficos, reconhecimento social, ajuda mútua tanto quanto a possibilidade do exercício de diferentes micro-poderes.

    E, ao se analisar de modo crítico o contexto atual da instituição, faz-se história também reconhecer que – apesar de permanecer ativa – não demonstra mais a força e o protagonismo social e político que teve no passado. Vivemos em um outro momento histórico, em que a Maçonaria se apresenta mais cumprindo um papel social do que propriamente de protagonismo político e social, e em muitos casos a formação maçônica, está em segundo plano.

    No caso da Maçonaria Brasileira, alguns pesquisadores maçônicos evidenciam o momento crítico, que a instituição vem vivenciando. Tal assertiva se evidencia por pesquisas recentes conduzidas pela CMSB e CMI que apontaram a evasão maçônica e o fechamento de lojas em diversos países, como um sinal de um momento crítico para a Ordem Maçônica no mundo ocidental. Essa é uma realidade que pode impactar a maçonaria brasileira, que já vivencia o problema da evasão maçônica, em virtude de conflitos internos, desmotivação, e falta de conteúdo nas reuniões, que foram evidenciados por De Morais (2017).

    Kennyo Ismail (2013), avaliando os motivos da crise da Maçonaria brasileira, destacou que ela precisava assumir uma vocação, assim como a maçonaria americana já o tinha feito, sobre o risco de vir a perder a sua importância.

    Seguindo princípios mais filosóficos do que práticos, a Maçonaria brasileira, assim como toda a Maçonaria latina, parece enfrentar uma crise de identidade, ou melhor, uma crise de obsolescência, ao sustentar vocações tão úteis em outros momentos históricos, mas menos necessárias no atual cenário mundial do Ocidente (ISMAIL, 2013, p. 20).

    A análise de Kennyo parece ser sensata e prudente. Contudo, é preciso destacar que a Maçonaria Brasileira, apesar de ser uma das mais populosas do mundo, enfrenta desafios e sofre com problemas crônicos, que necessitam ser enfrentados pelas lideranças maçônicas. Destaca-se o alto índice de turnover nas lojas maçônicas brasileiras, quando muitos iniciados, ao alcançar o grau de mestre, de alguma forma, se afastam dos trabalhos de sua loja. Esse é um fator preocupante. Necessário buscar soluções mais eficazes já que se demonstrou que tal problema não será resolvido apenas com incentivos ao aumento de iniciações, ou flexibilização ou facilitação nos processos de sindicância.

    A tese defendida pelo Maçom Albert Mackey (1869) advertia sobre o problema da formação maçônica e da valorização das vaidades na Ordem. Essa advertência se mantém vigente, em especial quando se constata que muitas lojas maçônicas têm dificuldades para cumprir o seu principal papel, que é a formação do homem.

    Compasso (2020) destaca que nessa formação é importante que os mestres maçons compreendam o seu papel, que é o de zelar pelo futuro da instituição, de modo a garantir que os aprendizes e companheiros sejam formados com qualidade e que tenham o mínimo de conhecimento maçônico necessário para manter a tradição.

    O autor destaca que:

    A base da filosofia maçônica tem por objetivo restabelecer seu antigo e verdadeiro caráter indelével e apostolado da mais alta moralidade, da prática das virtudes, da Liberdade debaixo da Lei, da Igualdade segundo o mérito, com subordinação e disciplina e, da Fraternidade com deveres mútuos (COMPASSO, 2020, p. 51).

    Há sem dúvida necessidade urgente de melhor formar os obreiros, a fim de construir o futuro da instituição. Caminhos são válidos como valorizar quem estuda e dar oportunidade a quem sabe e deseja formar os novos maçons. O despeito dessa constatação pode gerar, já no curto prazo, uma situação em que a instituição pereça por falta de qualidade doutrinária e por desconhecimento da sua força social, do seu simbolismo e de suas tradições. O risco real é que acabe por tornar-se simplesmente um clube social ou teatral, no qual pessoas se reúnem periodicamente apenas para praticar determinado ato teatral, sem significado e entendimento algum.

    Enfim, não se pode esquecer o que a Ordem é. O irmão, pesquisador e escritor Ailton Elisiário concebeu o entendimento de que:

    A Maçonaria é o centro de união e o meio de conciliar uma amizade sincera, entre as pessoas que nunca haveriam de poder, sem isto, chegar a ela. Seu fundamento é a fraternidade. Portanto, o futuro da Maçonaria no restante do Século XXI está para o Brasil e para o Mundo no trabalho maçônico, que se exprime na lapidação da pedra bruta e em tornar feliz a Humanidade. Os maçons não podem ser mais apenas coadjuvantes, mas efetivos participantes da vida pública. Daí, as discussões para o erguimento das colunas da Maçonaria Executiva (ELISIÁRIO, 2020, p. 49).

    Portanto, a Maçonaria brasileira deve direcionar seus esforços para melhor formar seus quadros e priorizar a qualidade dos processos seletivos, evitando a massificação no ingresso, o que isoladamente não garante a melhoria dos quadros de filiados.

    Não é tarefa simples. Mas medidas simples podem ser adotadas: É preciso formar melhor, qualificar as reuniões, ter projetos e principalmente criar um propósito para que as pessoas permaneçam na instituição.

    Desse modo, por meio de

    Maçons mais conscientes e dotados de mais conhecimentos sobre a ordem estarão mais comprometidos e engajados nas atividades da instituição, pois serão mais capazes de contribuir na construção de uma Maçonaria mais forte e atuante (SOUSA, 2020, p. 30).

    Além disso, é essencial que só sejam eleitos para os cargos de direção da organização homens comprovadamente qualificados para as funções e comprometidos com os ideais da Maçonaria. Que estejam dispostos a servir à instituição, oferecendo mais que dela possam se beneficiar, seguindo a esteira do pensamento de Albert Mackey (1869).

    Tal situação se apresenta tanto mais difícil quanto mais contundente for a questão apresentada pela Igreja Católica no sentido de declarar a irreconciliável incompatibilidade entre maçons e católicos.

    7.   Considerações finais

    Não basta esperar por novos entendimentos por parte da Igreja, em uma atitude reativa. Espera-se que os maçons se tornem agentes de seus próprios ideários, e construam seu tempo histórico. Para isso, será necessário estudar o assunto e enfrentar os desafios. Não há como negar que há pela frente grandes embates doutrinários e filosóficos.

    Argumenta-se que tal tema abordado neste estudo não seja tão importante para o maçom no seu cotidiano. Parece que, à primeira vista, a sociedade de modo geral não está muito preocupada com tal questão, tanto que não houve grande repercussão na imprensa nacional. Espera-se mesmo que a decisão publicada no Vatican News, em 15 de novembro de 2023, sob o título “A maçonaria  continua  proibida  para  os  católicos” (VATICANO NEWS, 2023) não repercurta muito na vida dos católicos.

    Entretanto, do ponto de vista da Maçonaria Brasileira, é de se considerar que tal decisão é um fato importante, que necessitará ser enfrentado com a devida atenção pelas lideranças maçônicas, principalmente visando orientar seus membros, com destaque para os que são responsáveis pelas milhares de lojas maçônicas existentes no Brasil.

    Se for levado em consideração o fato de que nosso país é o maior território nacional cristão e católico do mundo ocidental, a decisão ganha dimensão quase continental, eis que a imagem da Maçonaria Brasileira está sendo afetada, inculcada na mente da população como sendo uma instituição anti-cristã, o que obviamente compromete todos os esforços doutrinários e de ação social de interesse dos maçons.

    É certo que a Maçonaria, por suas próprias condições intelectuais e de formação cidadã, tem as ferramentas que podem ser utilizadas para melhor educar e formar cidadãos que compõem e comporão seus quadros. Contudo, algumas práticas necessitam ser reavaliadas no sentido de se evitar a mitificação de pessoas, concessão de medalhas com propósitos diminutos, construção de templos desnecessários e atividades sociais sem proveito efetivo para a instituição. De fato, há que se defender com vigor que é necessário investir na formação moral do homem maçom, não se admitindo com leveza que as disputas políticas entre Potências e Lojas diminuam o papel histórico da Maçonaria.

    Por fim, já com o devido alerta sobre a recente incursão da Igreja Católica na definição de um “inimigo institucional”, faz-se mais que necessário que os líderes maçônicos compreendam a importância de seu papel como representantes legítimos de seus irmãos.

    De se concluir, pois, que a Maçonaria pode estar escorregando para uma série crise ainda não percebida por suas lideranças, situação esta que não deriva necessariamente da declaração da Igreja Católica, mas que em função dela pode se agravar. A proibição da Igreja Católica que impede católicos de serem maçons está a esperar uma tomada de posição da Maçonaria Brasileira, e esta pode se dar com certeza através de mudanças de atitude da própria Ordem no sentido de enfrentar o debate doutrinário, melhorar a formação do quadro maçom e aprimorar a ação social da instituição.

    Autores: Kleber Cavalcante de Sousa e José Roberto Santhiago

    Fonte: Revista Ciência & Maçonaria, vol. 10, n. 1, p. 37-49, jul/dez, 2023.

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    Referências

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    O Oriente Eterno

    Pedra angular da cosmogonia maçônica, o Oriente simboliza a origem de toda sabedoria e luz. Ele “dirige” o olhar do maçom para o templo, localiza-o no espaço e o acolhe além da morte. Mas, para além do simbólico, é também um espaço geográfico, literário e cultural que esconde uma proximidade espiritual com a Maçonaria através das suas ricas e fascinantes tradições iniciáticas.

    No início de sua iniciação, quando é levado a refletir sobre sua escolha no gabinete de reflexão, o candidato tem diante de si a imagem de um galo, anunciando o dia no céu ainda escuro do amanhecer, representando o despertar do espírito, o novo nascimento daquele que cruzará o limiar simbólico que separa a sombra da luz,  a ignorância do conhecimento, o profano do iniciado. Foi em 1773 que a Grande Loja da França, criada em 1738, tornou-se oficialmente o Grande Oriente da França.

    Por que essa mudança quando o termo Grande Loja era perfeitamente apropriado para a designação de uma estrutura que assegurasse a representação de todas as lojas agrupadas por uma disciplina e status comuns?

    Em primeiro lugar, para marcar uma ruptura com a primeira Grande Loja, que foi abalada por inúmeras brigas, e também porque o termo Oriente se refere à luz. Mas será que é tão esclarecedor quanto parece? Uma questão de interpretação. E interpretações que às vezes se sobrepõem. Ou mesmo se contradizem. Há, é claro, o iluminismo filosófico. As da razão racional, que pretendem levantar o véu da religião para que o progresso e a liberdade iluminem livremente o mundo. Sim, mas essa religião cristã, que em sua forma católica mais severa aprisiona as luzes do espírito no calabouço obscuro do fanatismo, não vem do Oriente, onde a luz divina estava encarnada em Cristo?

    E não seriam aqueles templários, cuja herança é reivindicada pela maçonaria dos altos graus, ao mesmo tempo soldados do cristianismo mais obscuro e cavaleiros que, no Oriente, teriam sido iniciados em segredos tão coruscantes que só poderiam ser comunicados a iniciados cujos olhos fossem suficientemente temperados para ver a luz divina sem serem cegos? 

    Na Inglaterra, onde nasceu, a maçonaria era um puro produto da Bíblia. E, portanto, da revelação que moldou a identidade profunda de um Ocidente tão “orientalizado” que o cristianismo se proclamou “o novo Israel”. Em países protestantes, como Reino Unido, Alemanha e Suécia, onde a fé é afirmada pela leitura da Bíblia, os maçons originais não escaparam de um processo de identificação que os fez se identificar com os personagens das narrativas do Antigo Testamento. Assim, trabalhando em templos à imagem de Salomão, simbolicamente voltados para o Oriente como os judeus para Jerusalém e os muçulmanos para Meca, os maçons tinham o prazer de sentir que eram judeus sem serem judeus e eleitos sem serem eleitos, assim como sonhavam em ser Cavaleiros do Oriente sem terem pisado lá mais do que seus cavalos ou cascos. E mais tarde, para alguns, acreditar que eram os detentores do segredo das antigas iniciações egípcias, sem saber nada sobre o Egito a não ser os contos produzidos pela imaginação de personagens como Cagliostro, para quem a penetração dos antigos arcanos do hermetismo pouco fez para esconder a paixão pela intriga e pelo lucro.

    O Oriente encantado das lojas

    Foi da França, nas primeiras décadas do século XVIII, que a moda de um exotismo potencializou com cores quentes e perfumes orientais inebriantes o austero espírito protestante das lojas. Foi de fato o francês Antoine Galland, poliglota, que apresentou à Europa as Mil e Uma Noites, uma coleção de contos persas publicada na França em vários volumes entre 1704 e 1717. Tão erudito quanto imaginativo, acrescentou com a própria mão as conhecidas aventuras de Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa, e a de Ali Babá e os 40 Ladrões. A obra teve um impacto considerável e deu origem a várias vocações literárias orientalizantes entre alguns dos primeiros maçons franceses. Assim, Antoine-Joseph Pernéty, beneditino desequilibrado, membro da loja de Avignon dos Sectateurs de la Vérité, adepto de Swedenborg, alquimista e hermetista, fundador da seita paramaçônica dos Illuminati de Avignon, publicou em 1758 suas Fábulas Egípcias e Gregas Reveladas, obra na qual glosava a alquimia e a natureza mágica dos hieróglifos. Com espírito semelhante, foi em 1731 que o abade Jean Terrasson publicou seu romance de seis volumes Sethos, histoire, ou Vie pris des monuments, anecdotes de l’ancienne Égypte, traduzido de um manuscrito grego no qual desenvolveu de forma puramente imaginária, a história de uma iniciação aos mistérios do antigo Egito apresentada como o santuário de toda a sabedoria antiga. O Abbé Terrasson não era maçom, mas sua obra certamente foi inspirada na mitologia maçônica e teve um impacto importante entre os irmãos. O jovem Sethos empreende uma busca iniciática sob a orientação dos sumos sacerdotes egípcios. Chegando à “porta do Oriente”, localizada em um poço na base da Grande Pirâmide, Sethos lê esses caracteres em letras pretas: “Todo aquele que seguir este caminho sozinho, e sem olhar para trás, será purificado pelo fogo, pela água e pelo ar, e se puder vencer o medo da morte, sairá do seio da terra, verá a luz novamente, e terá o direito de preparar sua alma para a revelação dos mistérios da grande deusa Ísis.”

    O libreto da Flauta Mágica do Irmão Mozart, escrito pelo Irmão Emmanuel Schikaneder, é em grande parte inspirado em Sethos. Em particular, o ataque a Tamino por uma cobra que abre a ópera é uma continuação do primeiro teste que Sethos tem que enfrentar. Embora não tenha se inspirado diretamente na obra de Abbé Terrasson, mas sim em Telêmaco de seu mestre Fénelon – a ponto de Voltaire chamá-lo de plagiador – Andrew Ramsay, que ligou a origem da Ordem ao Oriente por intermédio dos cruzados e dos templários, escreveu um conto alegórico publicado em 1722, As Viagens de Ciro. A escolha de Ciro por Ramsay não foi evidentemente fortuita, uma vez que, depois de ter tido que empregar, uma vez no trono da Pérsia, “vinte anos inteiros em fazer guerra contra os assírios e seus aliados” e, finalmente, ter tomado a Babilônia, o soberano publicou em 538 a.C. seu famoso édito autorizando o retorno dos judeus exilados a Jerusalém para reconstruir o templo sob a liderança do príncipe Zorobabel, auxiliado pelo profeta Ageu e pelo sumo sacerdote Josué. Especialidade maçônica britânica, o tema da reconstrução do templo é o mito que é a fundação do grau do Arco Real, o primeiro e mais difundido dos graus laterais, os “altos graus” da maçonaria anglo-saxônica. Nesta obra, como mais tarde em seu tratado filosófico, Ramsay foi para a Pérsia, onde Ciro conheceu Zoroastro; no Egito, onde encontra o faraó; em Creta, onde conheceu Pitágoras; Na Babilônia, onde conheceu os profetas Daniel e Eleazar, bem como o imperador Nabucodonosor, o meio de enraizar na sabedoria antiga do Oriente um cristianismo “iluminado” inspirado na ideia de uma república universal, “a verdadeira pátria da raça humana”, apresentada por seu mestre Fénelon.

    Um Oriente pretexto

    Ao mesmo tempo, a onda orientalista já havia se espalhado para a maçonaria inglesa, às vezes de forma altamente fantasiosa. “O Oriente era então sobretudo uma convenção, um espaço sagrado traçado pelos maçons, o quadro imaginário do seu trabalho, que assegurava uma mudança de cenário necessária à sua liberdade de pensamento, um lugar de sabedoria, longe de qualquer censura política ou religiosa. As divisões seculares são momentaneamente esquecidas em favor de uma harmonia redescoberta […] “, escreve Cécile Révauger. É esse Oriente, pretexto para a liberdade de tom, que Montesquieu ilustra com suas Cartas Persas. Publicado em 1721 em Amsterdã anonimamente como uma troca de cartas entre dois jovens persas, Uzbeque e Rica, o livro usa a cobertura do exótico Oriente para criticar os costumes da França do século XVIII. Montesquieu só foi feito maçom na loja Horn Tavern, em Londres – a mesma de Ramsay – nove anos depois da publicação das Cartas Persas, mas o Oriente imaginário do autor se juntou ao simbolismo maçônico do Oriente. O quadro orientalizado de seu discurso permite que ele se desenvolva por trás de uma tela de tons cintilantes, da forma como os maçons transpõem a exaltação das virtudes profanas para o misterioso e colorido universo do arcano hebraico e egípcio, revisitado pela filosofia.

    Em 1760, o Citizen of the World de Oliver Goldsmith foi publicado em Londres, inspirado no processo das Cartas Persas. O autor é maçom e o herói de seu romance é um chinês chamado Lieng Chi Altanghi que viaja pela Inglaterra e não hesita em criticar algumas de suas deficiências. A começar pela proliferação de seitas religiosas. Sua ironia é especialmente sobre aqueles que os ingleses chamam de “entusiastas”, aqui sinônimo de fanáticos. À maneira de Umberto Ecco em O Nome da Rosa, Goldsmith tem seu “turista” chinês dizendo: “Eles têm aversão ao riso… Você terá entendido que estou descrevendo a seita dos Entusiastas, que você terá comparado aos Faquirs, aos brâmanes e aos talapoínos do Oriente. A verdadeira razão pela qual o entusiasta é inimigo do riso é que ele mesmo é um objeto perfeito de ridículo.” De modo mais geral, o conto oriental em voga na literatura secular coincide com os contos cautelosos da literatura maçônica do século XVIII. Os sonhos, entendidos como viagens celestiais, são um tema privilegiado. Laurence Dermott, um comerciante de vinhos irlandês radicado em Londres que afirmou que a Grande Loja da Inglaterra havia traído o espírito da maçonaria e a decretou “Moderna” para criar uma nova que chamou de “Antiga”, usou o processo em seu Ahiman Rezon, uma obra com um título abstruso que alguns acreditam ser tirado do hebraico e outros do espanhol e que contém várias referências de inspiração muçulmana. Referindo-se ao Alcorão, Dermott descreve um sonho que lembra o miraj, o momento em que Maomé teria subido ao céu na companhia do anjo Gabriel. No relato de seu sonho, o irlandês diz que conheceu quatro indivíduos de língua hebraica, a menos que fosse árabe ou caldeu, que lhe disseram que tinham vindo de Jerusalém, onde haviam sido nomeados porteiros do Templo pelo próprio Salomão. Em seu sonho, Dermott é confrontado por uma figura de “barba longa” que o deslumbra e lhe revela que “a Maçonaria existe desde a Criação (embora com um nome diferente); que foi um dom divino de DEUS”, que retoma assim o tema segundo o qual o Islã é a única e primeira religião da humanidade revelada desde a época de Adão, que foi seu primeiro profeta.

    Ao mesmo tempo em que a Maçonaria deixava sua marca no espaço político e cultural britânico, acompanhava com interesse o progresso do poder imperial no Oriente, que aos poucos escapava das fantasias de uma literatura inclinada ao exotismo, para se tornar uma realidade geográfica e política onde era possível tocar com a mão o que até então pertencia ao reino dos sonhos e da poesia. O inglês William Jones ilustra essa passagem fazendo do orientalismo um objeto de estudo baseado na etnografia e na linguística. Em 1784 fundou a Sociedade Asiática de Bengala, uma das primeiras associações dedicadas ao estudo científico das civilizações e línguas orientais. Publicações maçônicas como The Sentimental e a Revista Maçônica deram ampla cobertura ao trabalho de William Jones, pois era consistente com as ideias de tolerância desenvolvidas nas Constituições de Anderson. Em sua Dissertação sobre os árabes, o linguista escreve: “Os homens sempre terão concepções diferentes de civilização; cada um a mede pelos padrões dos hábitos e preconceitos do seu próprio país; mas se a cortesia e a polidez, o amor à poesia e à eloquência, a prática das mais altas virtudes, nos permitem estimar o grau de perfeição de uma sociedade, então temos a prova de que o povo da Arábia, tanto nas planícies como nas cidades, nos estados republicanos e monárquicos,  foi eminentemente civilizado muito antes de sua conquista da Pérsia”. Essa visão é compartilhada pelos maçons que, ao se proibirem de falar de religião ou política na loja, afirmam que as opiniões políticas e a orientação religiosa dos irmãos são apenas uma questão de sua liberdade de consciência, desde que essa liberdade não contrarie as leis.

    Ao encontro do Oriente Real

    Este relativismo é um produto do deísmo, que sustenta que a crença em um princípio criativo e uma religião universal prevalece sobre o sectarismo religioso. É por isso que muito antes da França e do resto da Europa continental, as lojas inglesas concordaram muito cedo em iniciar judeus, maometanos e hindus. Essa abordagem foi, de fato, integrada ao processo imperial britânico e, ao longo do século XIX, ao processo colonial francês. 

    Na Argélia, sob o regime militar após a conquista de 1830, os oficiais, alguns dos quais eram maçons com espírito Saint-Simoniano, tentaram justapor seu romantismo orientalista com a realidade de um povo dominado que esperavam encantar ao se interessar por seus costumes. As pessoas gostam de viver em tendas, criam os corpos dos Spahis e dos Zouaves vestidos com calças de harém e usam a chechia, e às vezes se convertem ao Islã para se casar com belos nativos. Mas as lojas argelinas que se formarão na segunda metade do século nos círculos europeus passarão gradualmente do fascínio orientalizante e da curiosidade benevolente ao apoio sem reservas à colonização e à missão civilizatória da França. Alguns maçons eram assimilacionistas, como o irmão César Bertholon, venerável da Loja Belisário de Argel. Em 1868, ele escreveu por ocasião de um inquérito sobre a situação da agricultura argelina: “O bom senso, a equidade, a boa ordem, o respeito pela dignidade nacional impõem a lei francesa a todos aqueles que habitam a Argélia […] sem distinção de cultos ou raças. ». Se, ao final do decreto promulgado pelo irmão Adolphe Crémieux em 1870, os “judeus nativos” se tornassem com sucesso “israelitas franceses”, sua “desorientalização” despertaria tanto o ressentimento da população muçulmana, que havia sido deixada para trás, quanto o ódio de uma parte dos europeus, incluindo as lojas, que não suportavam ver os judeus passarem do status de colonizados para o de iguais e, portanto, concorrentes.

    As fortunas e desgraças da maçonaria no Oriente real

    No entanto, se no espaço muçulmano do norte da África a maçonaria serviu como auxiliar da dominação colonial e não da confraternização e do respeito recíproco entre culturas, ela foi acolhida muito cedo no Império Otomano. Já em 1748 havia em Esmirna uma loja dependente da Grande Loja da Escócia, cujo venerável era o cônsul britânico. Em 1762 havia lojas nas principais cidades do império. Várias delas estavam ligadas à Loja Mãe Escocesa de Marselha. Há vários cidadãos europeus e nativos, mas estes são cristãos orientais gregos e armênios ou judeus. Os primeiros maçons muçulmanos só foram admitidos em 1850. Mas antes disso, a vida da Ordem Maçônica no país otomano não era fácil. 

    A bula papal de 1738 condenando a maçonaria foi estritamente aplicada a pedido do clero, católico, ortodoxo e armênio. As lojas foram fechadas e um maçom muçulmano chegou a ser executado em 1785. Não foi até meados do século XIX que uma loja oriental da Grande Loja Unida da Inglaterra foi reativada em Constantinopla, seguida por lojas italianas e francesas que foram as primeiras a iniciar muçulmanos. A União do Oriente e Proodos – progresso em grego – ambas do Grande Oriente da França, foram as mais ativas neste campo em um momento em que a Turquia vivia uma evolução liberal. O advogado francês Louis Amiable, conhecido por ter reformado o rito francês do Grande Oriente em um sentido adogmático e positivista, foi então colocado em Constantinopla como consultor jurídico do sultão. Ele providenciou a tradução dos rituais para o turco e encorajou fortemente as elites liberais do país a se juntarem às lojas. Tanto que a União do Oriente, que tinha apenas três muçulmanos em 1865, tinha quatro anos depois cinquenta e três dos cento e quarenta e três membros. Em 1876, a loja Proodos chegou a iniciar o sultão liberal Murad V, apelidado de “sultão maçom”. As lojas italianas, onde muitos dos apoiadores de Garibaldi podiam ser encontrados, não deveriam ser superadas. Uma delas, Orhania, no oriente de Esmirna, foi a primeira a adotar a língua turca, em 1868. No entanto, a tomada conservadora empreendida em 1878 pelo sultão Abdülhamid II pôs fim à turcificação das lojas, que viriam a experimentar um longo período de dormência. Isso só terminará sob o impulso do movimento Jovem Turco, muitos pertencentes às lojas italianas de Salônica e outros, depois de terem sido treinados em Paris na escola do Grande Oriente da França dentro do comitê “União e Progresso”.

    O Grande Oriente Otomano, criado em 1909, rapidamente se tornou o centro do poder político sob o governo do Jovem Turco e recrutou tanto na parte grega do ainda Império Otomano quanto em todo o Oriente Médio árabe. Mas divididos entre liberais seculares e conservadores religiosos, os maçons turcos se dividiram. Ao mesmo tempo, o Estado Jovem Turco assumiu uma forma despótica e nacionalista, culminando em 1915 com o horror do genocídio na Armênia em 1923. A chegada ao poder de Mustafa Kemal, que recuperou seu país da derrota de 1918 e o libertou da ocupação estrangeira, recebeu o apoio do que restava dos seculares e moderados Jovens Turcos. Até 1935, sessenta e cinco lojas do Grande Oriente Otomano foram criadas, principalmente em Constantinopla, que se tornou Istambul, e em Esmirna, que se tornou Izmir. Muçulmanos, judeus e cristãos, recrutados nas esferas mais ocidentalizadas do país, conviviam em harmonia. No entanto, em seu desejo nacionalista de unir o país e secularizá-lo em marcha forçada, modernizando-o, o homem conhecido como Atatürk – o pai dos turcos – estabeleceu um regime de partido único e decidiu fechar as lojas, algumas das quais continuaram a trabalhar na clandestinidade e ressurgiram na década de 1950 com a criação do Grande Oriente da Turquia, que se tornou a Grande Loja dos Maçons Antigos e Aceitos da Turquia. 

    Uma tradição iniciática oriental específica

    A peculiaridade da maçonaria turca, a mais antiga e mais bem estabelecida na terra do Islã, é que ela sempre foi capaz de administrar de forma mais ou menos equilibrada a contribuição filosófica da maçonaria ocidental e as características particulares de um Oriente onde a religião e a crença em Deus determinam identidades. É por isso que as lojas turcas, mesmo as mais próximas do Grande Oriente da França, nunca abandonaram o princípio da crença em Deus. Assim, um dos grandes mestres da obediência, o pensador Riza Tevfik, que também foi primeiro-ministro da Turquia, afirmou no início do século XX que “quem não acredita em um poder criador não pode ser maçom”. Por esta razão, os livros sagrados muçulmanos, judeus e cristãos permanecem abertos durante os trabalhos. Mas a grande originalidade desta Maçonaria é ter podido encontrar, particularmente na tradução dos rituais, correspondências com as tradições iniciáticas e de fraternidade do Oriente.

    A descrição da iniciação de um aprendiz numa futuwwa, uma irmandade de guilda árabe na Síria, mostra que ele recebe um cordão e uma senha durante uma cerimónia que termina com um banquete. Nas irmandades sufistas, uma iniciação progressiva é praticada em quatro graus. Cada iniciado usa um hábito particular de acordo com sua posição. Ele usa um arnês e adota um nome secreto. “Os tradutores otomanos, para reproduzir com precisão certos termos maçônicos, recorreram à linguagem do misticismo islâmico (sufismo), à das ordens místicas e do corporativismo muçulmano (futuwwa, lonca), convencidos de que estavam confrontados com o modelo ocidental de sua forma de sociabilidade fraterna”, escreve o pesquisador e historiador Thierry Zarcone, especialista em espiritualidades do mundo islâmico. 

    Já no século 19, os membros do tarikat, as irmandades sufistas, foram conquistados pelas ideias do Iluminismo europeu, a fim de encontrar uma maneira esclarecedora de alcançar reformas políticas e sociais de acordo com os princípios do Islã. Deste ponto de vista, os maçons eram considerados como os sufis do Ocidente, e a maçonaria era considerada como uma tarikat. E é o vocabulário da guilda muçulmana que tem sido usado para traduzir os termos maçônicos da maneira mais fiel. Deve-se notar também que há muitas semelhanças, tanto filosófica quanto simbolicamente, entre as irmandades sufistas e a maçonaria. São principalmente os membros das irmandades Bektashi, um movimento sufista relacionado ao xiismo, presente na Turquia, Albânia e Macedônia do Norte, que foram para a maçonaria. Os drusos, que constituem tanto um grupo étnico quanto uma corrente espiritual, presentes no Líbano, na Síria e em Israel, professam uma doutrina esotérica entregue por iniciação na qual Gérard de Nerval, em sua Viagem ao Oriente, queria ver uma “Maçonaria do Oriente”.

    Mas, apesar desse passado rico, a Maçonaria na terra do Oriente nunca conseguiu realmente alcançar a mistura cultural que lhe permitiria ser o centro da União entre o Oriente sonhada pelos maçons e o Oriente real. Mesmo na Turquia, no Líbano e em Marrocos, onde é tolerada, a maçonaria, que é discreta, hoje diz respeito apenas a um círculo ocidentalizado muito pequeno. Mais estabelecido nos meios econômicos do que políticos, tem o cuidado de não intervir no debate público. Especialmente porque o Oriente muçulmano conservador sempre considerou a maçonaria como o cavalo de Tróia do cristianismo e, desde o século XX, como um instrumento da conspiração sionista judaico-maçônica. Somente em Israel ainda podemos encontrar vestígios de uma maçonaria plural, multiconfessional, distante dos dogmas religiosos, como as lojas da Palestina no século XIX e início do século XX. E isso, mesmo que a maçonaria israelense, que geralmente está perdendo força, viva no vácuo, tentando da melhor forma possível cultivar valores universais que estão a mil quilômetros de distância das preocupações de um país cada vez mais focado em sua segurança, onde uma parte crescente da opinião pública é conquistada pelo fanatismo nacional-religioso.

    A Maçonaria foi formada a partir de mitos do Oriente, por vezes reduzidos ao folclore infantil como entre os shriners americanos, mas nunca conseguiu alcançar uma verdadeira síntese entre um Oriente e um Ocidente que não pode mais misturar-se do que petróleo e água. E, por mais exótica que seja, está mais do que nunca confrontada com o dilema que opõe seu ideal de universalidade à ascensão irreprimível das retiradas identitárias.

    O Oriente Eterno, a última iniciação

    Entre os maçons, para quem “tudo é simbólico”, a morte é descrita como uma passagem para o Oriente eterno. Assim passamos ao mesmo tempo em que morremos. Isso lembra a antiga travessia do Estige, onde é preciso pagar com seu ego pelo direito de ir e descansar para sempre na outra margem. Viajando do Ocidente para o Oriente, o maçom, no final de uma corrida oposta à do sol, supõe-se, ao deixar este mundo, passar pela iniciação final que transforma o homem de carne em um fragmento de luz condenado a ser apagado como a chama de uma vela quando ninguém se lembra dele novamente. Inventado para dar um nome ao que não pode ser descrito, o Oriente Eterno deixa a imaginação livre para brincar se quiser para o leste do Éden dos primórdios e talvez para descobrir uma passagem secreta para um novo ciclo.

    Autor: Jean-Moïse Braitberg
    Traduzido por: José Filardo

    Fonte: Bibliot3ca Fernando Pessoa

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    Fraternalmente,

    Luiz Marcelo Viegas

    O discreto protagonismo da maçonaria

    Introdução

    Nós representamos uma fraternidade que acredita na justiça e na verdade e na ação honrosa em sua comunidade… os homens que estão se esforçando para ser melhores cidadãos… [e] para fazer com que um grande país seja ainda maior. Esta é a única instituição no mundo onde podemos encontrar honestamente todos os tipos de pessoas que querem viver corretamente. (Harry S. Truman, presidente dos Estados Unidos, Ex-Grão-Mestre do Missouri – apud Hodapp, 2015, p.289).

    A Maçonaria Universal como uma escola de aperfeiçoamento moral, intelectual e espiritual, se impõe como um celeiro de construtores e articuladores sociais, formando um rico capital humano, onde seus valorizados membros gozam de reconhecimento e diferenciação pelos bons princípios perseguidos e de atuação efetiva junto à sociedade desde longa data. 

    Ao recrutar as melhores mentes no seio da comunidade, acolhendo cidadãos livres e de bons costumes, não estabelece nenhum pré-requisito ideológico, e pelo seu ecletismo não é proselitista e não impõe nenhuma doutrina como obrigatória, mas insiste no cumprimento do dever do Iniciado de procurar sempre a verdade, investindo na formação de homens com espírito inquiridor e fraternal. Em contrapartida, oferece uma convivência harmoniosa dentro de um clima de pluralidade de pensamentos, de crenças religiosas e filosóficas de seus membros, pregando o respeito, o aperfeiçoamento dos costumes e a tolerância, de forma a promover o bem estar da Pátria e da Humanidade.

    Centro de união

    A “Constituição Maçônica de 1723”, também denominada “Constituição de Anderson”, é reconhecida como uma obra crucial por ter desempenhado papel fundamental no estabelecimento e na estruturação da Maçonaria Moderna. No célebre artigo sobre Deus e religião, a parte que registra o foco no acolhimento, assim se expressa:

    Com relação a Deus e à Religião. O Maçom está obrigado, por seu título, a praticar a moral […….] Donde se conclui que a Maçonaria é um Centro de União e o meio de conciliar uma verdadeira amizade entre pessoas que, de outra maneira, ficariam perpetuamente separadas (Castellani, 1995, p.38).

    Cabe destacar que, ao completar 300 anos em 2023, aquela conclusão manteve a sua integridade na nova Constituição publicada em 1815, resultante da formação da Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI), constante do Book of Constitutions [….] “Thus masonry is the centre of union between good men and true, and the happy means of conciliating friendship amongst those who must otherwise have remained at a perpetual distance” (Book of Constitutions – Craft Rules, 2022, p. 155) [1].

    Sobre esse artigo, FERRER-BENIMELI (2007) destacando as razões que levaram Anderson, Deságuliers e seus contemporâneos a utilizar a Loja, suas fórmulas e suas tradições, comenta:

    Eles buscaram na Maçonaria o local de encontro de homens de uma certa cultura, com inquietações intelectuais, interessados no humanismo como fraternidade, acima das separações e das oposições sectárias que haviam provocado tantos sofrimentos na Europa, a Reforma de um lado e a Contra Reforma de outro. Eles estavam imbuídos pelo desejo de se encontrar em uma atmosfera de tolerância e fraternidade (p.44).

    HODAPP (2015) esclarece o sentido de acolhimento, igualdade e tolerância, ao comentar:

    Uma das ideias básicas da Maçonaria era que todos os homens, fossem de classe alta ou baixa, estivessem no mesmo nível na Loja. Dada as diferenças de classe muito rígidas na sociedade do século XVIII, esse conceito era verdadeiramente único e originou-se diretamente da história da fraternidade. Nobres pedindo para se unir a Lojas de trabalhadores qualificados que trabalhavam com as mãos a fim de ganhar a vida, e não o contrário. Era o oposto exato da forma como o elitismo geralmente funcionava. As classes altas e baixas e pessoas do interior e da cidade estavam se reunindo agora e sentando-se lado a lado. Os conceitos de cortesia, boas maneiras, conduta social, boa oratória e o valor do intelecto começaram a ser transmitidos para homens que nunca tinham dado muita atenção a isso antes. Essa foi a origem da noção de que o objetivo da Maçonaria era pegar os bons  homens e melhorá-los. O conceito de refinamento começou a crescer e a se espalhar. Ser tolerante com as opiniões e com o comportamento de um homem se você o conhecesse bem era uma coisa, mas estender essa tolerância a homens que você não conhecia era uma enorme mudança (p. 37).

    Para aqueles que flertam com a Maçonaria e ainda têm dúvidas acerca de seus objetivos primordiais, representado pela magia que encerra o amor entre os irmãos, uma verdadeira forma de união, que purifica a amizade e as relações fraternais, torna-se imperativo o entendimento da reflexão de HALL (2016):

    O verdadeiro Irmão da Ordem, enquanto luta constantemente para se melhorar, mental, física e espiritualmente através dos dias de sua vida, nunca faz de seus desejos o objetivo de seus trabalhos. Ele tem um dever que é colaborar nos planos do outro e deve estar pronto a qualquer hora do dia ou da noite para deixar de lado seus afazeres ao chamado do Construtor […] Não é o que acontece dentro da limitada Loja, a base de sua grandeza, mas o caminho no qual ele encontra os problemas da vida diária. O verdadeiro estudante maçônico é conhecido por suas ações fraternas e pelo senso comum(p. 82).

    A conduta dos obreiros dentro da Ordem Maçônica e os deveres inerentes ao papel assumido perante a sociedade consideram a sua deontologia[2] representada por um conjunto de princípios éticos e morais, baseados em suas tradições, rituais e instruções, de forma a promover o desenvolvimento pessoal e espiritual, para que se aperfeiçoem e se tornem homens melhores e cidadãos mais responsáveis e conscientes.

    Segundo LIRA (1964), “a Maçonaria verdadeira exige de seus adeptos rigoroso cumprimento do dever, como uma das vigas mestras do caráter bem formado dos seus filhos” (p. 105). Prega primeiro, deveres, depois, direitos. A verdadeira doutrina consiste na educação do dever (p.106/107). Conforme prescreve a moral maçônica, o que em um cidadão comum seria uma qualidade rara, não passa no Maçom do cumprimento dos seus deveres, bem assim, toda ocasião que perde de ser útil é uma iniquidade, todo socorro que recusa é um perjúrio, considerando-se que um dos juramentos que livremente presta é o da prática das virtudes, em especial a solidariedade.

    Ações de destaque na sociedade

    MOREL e SOUZA (2008) destacam que a Maçonaria, enquanto associação de socorro mútuo, encontra na fraternidade sua essência. Mas, vai além no reconhecimento do alcance de suas ações:

    Foi justamente esta concepção ampla de fraternidade (que ultrapassa fronteiras internacionais, barreiras religiosas e culturais) que tornou a maçonaria uma organização sui generis. Com diferentes significados – a ajuda entre os irmãos e o socorro aos necessitados em geral – a filantropia ligada à noção de fraternidade tornou-se instrumento de coesão entre os maçons, bem como a base de sustentação no mundo profano[3]. [….] Por fim, a solidariedade maçônica reflete-se nas inúmeras outras relações estabelecidas entre os obreiros em espaços profanos. Frente a isto, parece claro que a estrutura de ajuda mútua, criada dentro da ordem maçônica, acabou por representar um importante instrumento de cooptação de homens para a instituição, o que, por vezes, gerou distorções sobre o verdadeiro propósito da iniciação nas lojas. A fraternidade entre os irmãos pode também ser entendida como uma nova proposta de convívio entre os homens, pautada na cordialidade, no respeito e na conduta pacífica dos membros (p.48/49).

    Nesse contexto, valorosos obreiros são vinculados a momentos decisivos da história e à fundação de entidades de ajuda humanitária, que funcionam em todo o mundo, e congregam pessoas de todos os matizes, sendo notórias as ações de manutenção de hospitais, asilos e entidades filantrópicas, prestando serviço desinteressado e minorando o sofrimento daqueles menos favorecidos pela sorte.

    Em apertada síntese merecem relevo grandes nomes da Ordem, que idealizaram e organizaram entidades de prestígio internacional, como Jean Henry Dunant e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1876) [4]; Paul Harris e os Clubes de Rotary (1905) [5]; Melvin Jones e os Clubes de Lions (1917) [6]; Frank Sherman Land e os grupos de jovens DeMolays (1919) [7], dentre outros. A condição de Maçom de Robert Baden-Powell, fundador do escotismo e do Movimento Bandeirante (1907), é contraditória[8]. HODAPP (2015) esclarece: Baden-Powell nunca foi Maçom, mas, curiosamente, várias Lojas maçônicas têm seu nome, todas elas na Austrália. Algumas de suas ideias quando ele criou os Lobinhos foram moldadas pelos escritos de seu amigo, Rudyard Kipling, um Maçom dedicado (p. 255).

    Para a Maçonaria, a família é a célula da humanidade e, portanto, um patrimônio muito especial, pois é através dela que se edificam os valores morais e humanitários e onde os laços de solidariedade se tornam fortes. Para esse fim, no âmbito das Potências Regulares, a participação de esposas e familiares de maçons tem sua distinção em um leque bem amplo de atividades encabeçadas pelas entidades paramaçônicas, as quais não são normalmente de pleno conhecimento da sociedade, por atuarem de uma forma discreta.

    As Fraternidades Femininas, constituídas pelas esposas de maçons, prestam assistência social e filantrópica às pessoas carentes, apoiando instituições que desenvolvem um trabalho em prol dos mais necessitados, realizando visitas, promovendo eventos beneficentes, campanhas e arrecadando doações advindas de pessoas de todos os seguimentos para gerar recursos, que são revertidos para a consecução das metas e ações propostas[9].

    Por sua vez, a Ordem Demolay, de caráter filosófico e filantrópico, patrocinada e mantida pela Maçonaria, é destinada a jovens do sexo masculino entre 12 e 21 anos[10]. Na mesma linha atua a Ordem Internacional das Filhas de Jó, fundada em 1920, para jovens do sexo feminino entre 10 e 20 anos, que orientam para os princípios fraternais, filosóficos e filantrópicos. Importante ressaltar que meninos entre 9 e 11 anos, e meninas entre 6 e 9 anos,  têm também a oportunidade de participar dos projetos “Ordem dos Escudeiros “ e “Abelhinhas”, respectivamente, como etapa preparatória antes que possam ingressar como membros nessas entidades[11].

    A Ordem da Estrela do Oriente é outra organização fraternal constituída por homens maçons e mulheres acima dos 18 anos com parentesco maçônico, que tem como um de seus objetivos congregar a família maçônica e dar suporte à Ordem Internacional do Arco-Íris para Meninas e a Ordem Internacional das Filhas de Jó, sendo reconhecidas por inúmeras obras assistenciais[12].

    Outra entidade filantrópica vinculada à Maçonaria, reconhecida pela ONU e atuante em vários Países, é a fraternidade Shriners International, que se identifica como uma organização composta exclusivamente por Mestres maçons regulares, onde participam as respectivas esposas e que cuida do atendimento gratuito na área de saúde para crianças com até 18 anos, por intermédio dos Hospitais Shriners para Crianças®[13].

    A lista de entidades paramaçônicas apresenta ainda interessantes possibilidades de integração, como: o supracitado Escotismo, com a participação de obreiros e familiares e o patrocínio de algumas Lojas Maçônicas[14]; a Associação dos Médicos Maçons – AMEM, contando com associados em 13 estados, São Paulo e Interior de São Paulo e cinco coligadas nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Santa Catarina e Paraíba, cuidando, sobretudo, de divulgar pesquisas médicas recentes, temas maçônicos e outros que possam envolver interesse da sociedade e seus membros e também estimular a filantropia dentro dos preceitos maçônicos a ser desenvolvida por seus afiliados, assim como ampliar o conhecimento maçônico entre seus associados[15].

    Destaque ainda para os maçons motociclistas e familiares, que também realizam campanhas solidárias, com ênfase para o Moto Clube Bodes do Asfalto[16]. FRANZEN (2023) esclarece:

    Durante o começo dos anos 2000, os chamados ‘Clubes de Bodes’ se tornaram febre no Brasil. Não são necessariamente ‘ordens paramaçônicas’, mas muitos já se tornaram ‘Entidades de Utilidade Pública’ Maçônica, como é o caso da entidade que puxou a fila, os Bodes do Asfalto (p. 35).

    Diante do crescimento de clubes fraternais temáticos de maçons regulares, foi fundada no Brasil a Associação dos Clubes de Bodes, que tem como objetivo reunir os clubes/equipes de maçons que têm em suas paixões algo em comum além da fraternidade. A entidade não possui fins lucrativos, sendo apenas um ponto de encontro dos irmãos de todo o Brasil (p. 41).

    No contexto da ajuda entre os irmãos, vale ressaltar os grupos formados nas várias localidades e que se movimentam em situações emergenciais em que irmãos, apesar de não se conhecerem pessoalmente, se socorrem dos meios de intercâmbio de mensagens via redes sociais ou por e-mail, como o do Grupo MMAALLAA [17] (abreviatura de “Maçons Antigos Livres e Aceitos), atualmente contando com mais de 2.400 participantes de Minas Gerais e que repercute em outras comunidades maçônicas espalhadas pelo Brasil e América Latina, prestando, sobretudo, serviços de utilidade pública, assistência social, orientação aos irmãos em trânsito pelo País e divulgação de oportunidade de empregos à família maçônica e a todo irmão que carecer de algum tipo de orientação. Há relatos de situações de apoios prestados em regiões longínquas pelas Lojas da jurisdição, quando irmãos em viagens a trabalho ou com a família deparam-se com acidentes, demandas por atendimento médico ou direcionamento para uma emergência qualquer. O MMAALLAA se presta também à divulgação da cultura maçônica, como as publicações do Blog “O Ponto Dentro do Círculo” [18], dentre outros.

    Numa visão mais ampla, acolhendo a síntese de RODAPP (2015), mesmo que alguns casos ocorram mais frequentemente nos Estados Unidos, o protagonismo dos membros da Maçonaria Universal é muito amplo e “nenhuma autoridade ou administração internacional controla a Maçonaria […], mas algumas crenças básicas são comuns a todas as organizações maçônicas regulares e convencionais” (p.60). Ainda segundo o autor:

    Três séculos de incentivo de boas ações em seus membros resultaram em grandes instituições de caridade patrocinadas por maçons. Tais ações incluem bolsas de estudo, auxílio durante desastres naturais e doações para escolas e famílias desamparadas. Os maçons proveem casas de repouso para seus próprios membros, bem como escolas e casas para órfãos, e também participam de uma vertiginosa lista de programas comunitários e sociais. Especialmente notáveis são as muitas filantropias médicas patrocinadas pela Maçonaria, que englobam desde tratamentos neuromusculares, odontológicos e oftalmológicos até o mundialmente famoso programa para crianças dos Hospitais Shriners. Ainda que essas instituições de caridade prestem uma enorme contribuição à sociedade e causem um extraordinário impacto nela, os maçons não realizam esses serviços para a humanidade a fim de receber gratidão ou reconhecimento. […] E os maçons não ensinam, e nunca ensinaram que boas ações na Terra são um meio de obter salvação no pós-vida. A caridade maçônica é praticada para melhorar a vida dos homens aqui e agora (p. 61).

    Diferencial social e cultural

    Pouco divulgado entre os Obreiros ativos, e quase desconhecida da sociedade, é a tradicional cerimônia de reconhecimento conjugal, oportunidade em que o Obreiro, após ter se casado devidamente segundo as leis civis, pode apresentar sua esposa aos demais irmãos de forma solene ou em comemoração a bodas.

    Outro costume é a adoção de Lowtons, quando filhos, enteados e netos (de ambos os sexos) de maçons, que tenham idade entre 7 e 14 anos, são adotados por uma Loja Maçônica que contrai para com eles a obrigação de servir-lhe de tutora e guia na vida social. Prestando o último tributo e marcando a passagem do Maçom para o Oriente Eterno e desde que autorizado pelos familiares, causa grande comoção a sessão pública de pompa fúnebre.

    Na área da cultura destacam-se as Academias Maçônicas de Letras, que reúnem os pensadores da Maçonaria, com a finalidade de promover e estimular o cultivo e divulgação das artes, das ciências e das letras, e o estudo da filosofia maçônica, bem como a conservação e o desenvolvimento da cultura em geral[19].

    Destacam-se, também, as Lojas de Pesquisas na promoção da cultura em todos os níveis, dos estudos e das pesquisas no campo maçônico e social, fomentando os aspectos éticos, pacíficos, humanistas e democráticos como amplamente previstos nos ensinamentos da Maçonaria Universal, congregando maçons filiados às Lojas Simbólicas[20].

    No âmbito da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais (GLMMG), outro trabalho de relevância na esfera de sua competência é o Programa “Cultura Cidadã”, que tem por missão: “Levar cultura cidadã a qualquer pessoa para a formação e desenvolvimento de indivíduos capazes de fortalecer a cidadania e a democracia, em busca de qualidade de vida”. Irmãos participantes do projeto, devidamente preparados, já atuam como multiplicadores em suas comunidades, como “Agentes Cidadãos” da GLMMG[21].

    Reações à pandemia da Covid-19

    Em decorrências da pandemia da Covid-19, a Maçonaria brasileira reagiu de forma efetiva e discreta no cumprimento de sua missão de solidariedade e fraternidade, através de suas Lojas localizadas nos vários rincões do nosso País, fornecendo cestas básicas e outros itens de primeira necessidade em suas comunidades, através das entidades de apoio social, além de auxílio em espécie destinada aos irmãos que ficaram desempregados no período.

    Não menos importante, com a suspensão das reuniões presenciais, com impactos na economia global, de vidas que se foram e o isolamento a que quase todos foram submetidos, vale registrar o acontecimento histórico verificado com a fundação das lojas virtuais “Lux In Tenebris – Nº 47”, em 25 de setembro de 2020, ligada à Grande Loja de Rondônia (GLOMARON) e “Luz e Conhecimento Nº 103”, em 5 de novembro de 2020, da Grande Loja do Pará (GLEPA). Ambas com sucesso de participantes e hoje, vitoriosas, colhem os frutos daquela ousadia e inspiraram a criação de outras Lojas Virtuais com os mesmos objetivos. No mesmo sentido, como um marco nos anais da Maçonaria no Brasil aconteceu no dia 21 de abril de 2021 com a fundação da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras (AMVBL).

    Atualmente reconhecido como marco temporal no incentivo às discussões e comentários sobre o conteúdo filosófico das instruções dos graus simbólicos, consignamos o trabalho do “Grupo Virtual de Estudos Maçônicos”. Seus idealizadores, percebendo a oportunidade de explorar nova forma de manter o aprendizado em Loja, sem descurar dos cuidados em preservar a ritualística e os arcanos da Ordem, estes somente praticados em sessões presenciais, elaboraram um calendário de atividades semestral e, com isso, várias reuniões de estudos vêm sendo oportunizadas desde o primeiro semestre de 2021, contando com a participação de palestrantes e obreiros regulares das três Potências reconhecidas e de diferentes Orientes. Na mesma linha de atuação, destacam-se os grupos “Lives Maçônicas”, lançado em 20 de março de 2020, “Epaminondas Online de Estudos e Pesquisas”, criado em 5 de agosto de 2020, dentre outros.

    Construtores sociais

    A Maçonaria moderna na sua essência não é uma organização com propósitos específicos de auxílios mútuos, de caridade ou de promoção de campanhas sociais, mas os seus obreiros têm responsabilidades e deveres para com a Sociedade, tendo entre vários de seus princípios o do combate ao obscurantismo, aos preconceitos, aos erros e a missão de trabalhar de forma incessante pela felicidade do gênero humano, o que demanda interações e formação de parcerias com aqueles que compartilham esse mesmo ideal.

    Ademais, é consenso que os fundamentos da Maçonaria não lhe atribuem o papel de substituir o Estado na promoção do desenvolvimento social, cabendo aos governos criar as condições para que as pessoas possam empregar suas potencialidades e conhecimentos para atender suas necessidades, em clima de paz, de bem estar social e de confiança nas instituições. Os membros da Maçonaria podem, nos diversos níveis, influenciar ativamente na formulação de políticas públicas.

    Suas realizações até então já demonstram que a Maçonaria é detentora de um consistente trabalho para seus associados e junto à sociedade, por intermédio de seus membros e familiares, e não está apenas restrita às Lojas como muitos imaginam. O que ocorre, na realidade, é que a divulgação dessas ações não é satisfatória, considerando-se que a gestão de muitas Oficinas deixa a desejar, ou até mesmo pelo fato de que muitos maçons não dão o devido valor a essas iniciativas ou têm conhecimento muito superficial desses movimentos por falta exclusiva de interesse. É uma pena!

    A atuação dos obreiros como construtores sociais limita-se ao desenvolvimento, por intermédio de suas Lojas ou Potências Regulares, de projetos de utilidade pública, ao promover ações de apoio naquelas áreas não atendidas na sua essência pelas políticas públicas, socorrendo ou dando suporte complementar, na forma de trabalho voluntário, às pessoas mais necessitadas. E para isso as Lojas contam em seus quadros com obreiros de diversas formações e campos de atuação, notadamente de profissionais liberais, educadores e empresários imbuídos de profundos valores humanitários.

    Para que essas atividades tenham maior efetividade, torna-se importante que as Lojas resgatem e incentivem um valor que foi aprimorado pelos construtores sociais que antecederam a geração atual, que é o do protagonismo dos indivíduos, do papel do Maçom no desenvolvimento social, para isso investindo em programas de desenvolvimento das habilidades de liderança de seu quadro de obreiros, para que atuem a serviço da comunidade a que pertençam.

    E para isso é preciso que os maçons estejam presentes como voluntários nas várias organizações de amparo ao bem-estar da humanidade, colocando-se à disposição, mostrando a cara e compartilhando seus valores morais, criando um histórico de obras e serviços, não somente em discurso, mas em ações concretas. A integração das Lojas Maçônicas com as demais instituições do município onde esteja instalada deveria constar do regulamento de cada uma. Onde tal prerrogativa é exercida, são notórias as participações de representantes das Lojas em reuniões e parcerias com a Prefeitura e demais órgãos do poder executivo local para discussões de projetos de interesse social.

    E não é preciso ir muito longe para que um Maçom individualmente ou uma equipe de irmãos possa agir efetivamente junto à sociedade, ligando-se a movimentos já estabelecidos e de grande alcance, como os Conselhos Tutelares, os Clubes de Serviços (Lions, Rotary e assemelhados), grupos de voluntariados vinculados a Igrejas e Escolas em várias localidades, prestando auxílio e solidariedade.

    Outra participação que proporciona resultados significativos é aquela promovida por intermédio dos Observatórios Sociais[22], atuantes em vários municípios. Trata-se de entidades independentes, que têm como meta fiscalizar gestores públicos, agindo em favor da transparência e da qualidade na aplicação das verbas do erário, evitando desperdícios e desvios. Dessas entidades participam profissionais de diversas áreas que também prestam serviço voluntariamente. Aproximar-se dos formadores de opinião é vital.

    Os desafios da maçonaria frente à modernidade

    Para o sucesso desses empreendimentos, os maçons precisam se impor proativamente, e não apenas esperar por iniciativas da Potência maçônica a que estejam vinculados, não descurando do que precisa ser feito, dos projetos de interesse coletivo que precisam ser fortalecidos constantemente e na construção das pontes que unam as pessoas e as demais forças da sociedade. Uma forma de aproximação com a sociedade pode ser viabilizada com a realização de sessões públicas em datas festivas locais, aniversário da Loja, semana da Pátria etc., mediante convite a segmentos da sociedade, potenciais candidatos a entrar para a Ordem e seus familiares, aproveitando a oportunidade para mostrar o que é a Maçonaria e divulgar os trabalhos realizados.

    A força da fraternidade, os valores morais e éticos defendidos, a coesão entre seus membros e a credibilidade junto à sociedade são ingredientes indispensáveis de inclusão para que os atuais e aqueles que vierem a fortalecer nossas colunas viabilizem a perspectiva futura da Maçonaria em busca dos progressos necessários. De outra forma, torna-se de bom alvitre a realização de reuniões dos membros para avaliar o que aconteceria caso a Loja venha a abater colunas e se haveria alguma repercussão social, no sentido de fazer falta no seu entorno. Afinal, somos ou não somos úteis à sociedade?

    E este é o desafio que deve ser colocado aos potenciais candidatos a entrar para a Ordem. Parodiando uma antiga série de espionagem, esta é a missão que deve ser exposta a eles, caso queiram aceitar o desafio e o convite para reforçar nossas colunas e conhecer os fascinantes mistérios da fraternidade e trabalhos que envolvem a Maçonaria Universal.

    Nesse processo de captação de novos membros, não se deve descurar das vantagens de filiação à Ordem, que oferece uma rede de proteção bem discreta a seus associados, em face da possibilidade de ajuda entre os irmãos, como abordado anteriormente, como o que ocorreu durante a pandemia da Covid-19, caso haja dificuldades momentâneas como, por exemplo, algum tipo de assistência financeira proporcionado pelos membros da sua Loja, inclusive em caso de falecimento de um dos cônjuges, este com recursos administrados por um Fundo de Assistência Maçônica, além de solução de conflitos familiares, por intermédio do aconselhamento entre os irmãos de cada Loja, dentre outros.

    Mesmo que esses argumentos não sejam decisivos para a inclusão de reforços às Colunas de nossas Oficinas, não se pode deixar de valorizar a dinâmica dos trabalhos em nossas Lojas, que proporcionam condições para o ecletismo dos obreiros. Nas Lojas são debatidos temas envolvendo valores familiares, ética e filosofia, arte, história, políticas sociais, economia, liderança e gestão, filantropia, autodesenvolvimento, e por aí vai.

    Com isso, a Maçonaria prepara seus obreiros sem pressões ou imposições, não se evidenciando uma busca dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre-arbítrio. Na realidade, espera que atuem a serviço da humanidade, tornando-a melhor e mais esclarecida, sempre com presença marcante onde estejam, nas ruas, praças e na sociedade civil, ensinando pelos seus valores morais, histórico de obras, não somente em discurso, mas em ações concretas.

    A Maçonaria precisa estar atenta aos desafios do avanço constante das novas tecnologias e, nesse sentido, recorremos ao ChatGPT[23], pedindo um comentário sobre o futuro da Maçonaria nesse novo cenário. A seguir a resposta:

    O futuro da Maçonaria será, invariavelmente, influenciado pelas novas tecnologias que continuam a remodelar o mundo ao nosso redor. As tecnologias digitais oferecem oportunidades emocionantes para a Maçonaria em termos de comunicação, educação e organização. Plataformas de videoconferência e redes sociais podem ser usadas para facilitar a comunicação entre lojas maçônicas e membros, permitindo uma conexão mais fácil e frequente. Além disso, a educação maçônica pode se beneficiar com recursos digitais, como cursos online, para a formação e o desenvolvimento contínuo dos membros.

    Entretanto, é importante que a Maçonaria aborde essas mudanças tecnológicas com cuidado, para não comprometer seus valores fundamentais de discrição e privacidade. Questões relacionadas à segurança cibernética e à proteção de informações pessoais também devem ser consideradas. O desafio será incorporar essas tecnologias de forma aprimorar a experiência maçônica, mantendo a integridade e o significado das tradições maçônicas. O futuro da Maçonaria dependerá, em última análise, da capacidade de se adaptar a esse ambiente digital em constante evolução, sem perder de vista seus princípios e valores essenciais (ChatGPT, acesso em 24.10.2023).

    Considerações finais

    A cartada decisiva imposta pelos novos tempos é a necessidade de conciliar Tradição e Modernidade na Maçonaria, revisitando restrições tradicionais, procedimentos, premissas e proposições que permeiam seus aspectos filosóficos, com foco no conceito de inclusão representando perspectiva de evolução, buscando torná-la uma organização alinhada com os valores contemporâneos de igualdade e diversidade, sob a perspectiva da razão, da ciência, do progresso e da moral.

    Isso demandará esforço por maior representatividade da sociedade em geral, permitindo que um grupo mais diversificado de pessoas participe da jornada maçônica em busca de autoconhecimento, crescimento espiritual e serviço à humanidade, tendo como inspiração os ideais de liberdade, de igualdade e da fraternidade. Os recursos tecnológicos atualmente disponíveis poderiam ser utilizados no sentido de prospectar novos candidatos a se filiarem à Ordem mediante questionários que poderiam ser preenchidos nos Sites das Potências Regulares, as quais fariam a avaliação e indicariam a Loja mais próxima que pudesse dar prosseguimento à análise das pretensões e das sindicâncias requeridas. Iniciativa nesse sentido pode ser conferida no site da CMSB, na aba “como se tornar Maçom”, em https://cmsb.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Informativo-CMSB-2022-revisado.pdf. Na mesma linha, também disponível no site do GOB, em https://www.gob.org.br/como-se-tornar-macom/ (Acesso em 24.03.2024).

    Enfim, de imediato, o que as nossas Oficinas efetivamente necessitam é de gestão competente, visão de futuro, foco e união. Não devemos nos esquecer de que em quase todos os rincões deste nosso País existe uma Loja Maçônica, uma força tática potencial incomensurável, pronta para atuar como um centro de irradiação dos Valores Cidadãos e Morais da Maçonaria, com capacidade para formar agentes sociais transformadores em prol da preservação da vida e da Humanidade. É o legado de transformações e aprimoramento que temos a oferecer para que seja feita a verdadeira diferença na vida da sociedade.

    Autor: Márcio dos Santos Gomes

    Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

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    Notas

    [1] https://www.ugle.org.uk/search/content?keys=Craft+Rules. Acesso em 05.03.2024.

    [2] Vide artigo “Deontologia Maçônica – Uma abordagem introdutória”, publicado no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”, em 15.08.2023:

    [3]   Nota do articulista: profano, do latim: pro=ante + fanum=templo, popularmente referenciado como leigo, fica fora dele, fora do Templo da Sabedoria ou de um real conhecimento da Verdade e da Virtude, das quais reconhece unicamente os aspectos profanos ou exteriores que constituem a moeda corrente do mundo.

    [4] https://www.freemason.pt/dicionario-de-maconaria-letra-j/. Acesso em 04.03.2024.

    [5] https://obscuraverdade.blogspot.com/2013/07/rottary-club-e-sua-ligacao-com-maconaria.html. Acesso em 04.03.2024.

    [6] https://www.lionslideranca.org.br/MELVIN_JONES_VIDA_E_OBRA.pdf. Acesso em 04.03.2024.

    [7] https://www.freemason.pt/demolay-ceh-5-biografias/. Acesso em 04.03.2024.

    [8] https://redecolmeia.com.br/2019/03/29/baden-powell-foi-macom-qual-a-relacao-escotismo-e-a-maconaria/. Acesso em 04.03.2024.

    [9] Tomamos como referência a Grande Loja Maçônica de Minas Gerais (GLMMG), mas consultas podem ser efetuadas nos sites das demais Potências Regulares: https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ – Fraternidade Feminina. Acesso em 04.03.2024.

    [10] https://www.demolaybrasil.org.br/. Acesso em 04.03.2024.

    [11] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ Ordem DeMolay; Filhas de Jó – Minas Gerais. Acesso em 04.03.2024.

    [12] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ Ordem da Estrela do Oriente;

    [13] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ Minas Gerais Shrine Club;

    [14] https://www.glesp.org.br/?paramaconicas=escoteiros-do-brasil. Acesso em 04.03.2024.

    [15] https://www.glesp.org.br/?paramaconicas=amem-associacao-dos-medicos-macons. Acesso em 04.03.2024.

    [16] https://www.glesp.org.br/?paramaconicas=bodes-do-asfalto. Acesso em 04.03.2024.

    [17] Para inclusão no Grupo de e-mails MMAALLAA basta enviar mensagem para mmaallaa@googlegroups.com, informando nome, e-mail pessoal, Loja e Potência Regular.

    [18] https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/. Acesso em 04.03.2024.

    [19] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/Academia Mineira Maçônica de Letras. Acesso em 04.03.2024.

    [20] https://www.glmmg.org.br/loja-depesquisas/. Acesso em 04.03.2024.

    [21] https://www.glmmg.org.br/projeto/projeto-cidadania-efetiva. Acesso em 04.03.2024.

    [22] https://osbrasil.org.br/o-que-e-o-observatorio-social-do-brasil-osb/. Acesso em 04.03.2024.

    [23] https://chat.openai.com/. Acesso em 24.10.2023.

    Referências

    BOOK OF CONSTITUTIONS, Craft Rules 2022. Disponível em:

    https://www.ugle.org.uk/search/content?keys=Craft+Rules. Acesso em 05.03.2024.

    CASTELLANI, José. RODRIGUES, Raimundo. Análise das Constituições de Anderson. Londrina: A Trolha, 1995.

    FERRER-BENIMELI, José Antônio. Arquivos secretos do vaticano e a franco-maçonaria. São Paulo: Madras, 2007.

    FRANZEN, Diego. Guia de Ordens Paramaçônicas no Brasil. Joinville: Clube de Autores Publicações SA, 2023.

    GLMMG, Paramaçônicas. Disponível em: https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/. Acesso em 04.03.2024.

    GOMES, Márcio dos Santos. O Capital Social da Maçonaria. Disponível em:

    https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2015/09/04/o-capital-social-da-maconaria/. Acesso em 05.03.2024.

    _________Deontologia Maçônica – uma abordagem introdutória. Disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2023/08/15/deontologia-maconica-uma-abordagem-introdutoria/. Acesso em 05.03.2024.

    _________  Maçonaria Virtual – Ameaça Ou Oportunidade? – Disponível em:

    https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2023/02/28/maconaria-virtual-ameaca-ou-oportunidade/. Acesso em 05.03.2024.

    HALL, Manly P. As Chaves Perdidas da Maçonaria: o segredo de Hiram Abiff. São Paulo: Madras, 2016.

    HODAPP, Christopher. Maçonaria para leigos. Tradução da 2ª Edição. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015.

    LIRA. Jorge Buarque. As Vigas Mestras da Maçonaria. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1964.

    MOREL, Marco; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O Poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. OSB, Observatório Social do Brasil. Disponível em: https://osbrasil.org.br/o-que-e-o-observatorio-social-do-brasil-osb/. Acesso em 04.03.2024.

    Revista Libertas – Nº 30

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    Caríssimos leitores,

    Já está disponível no blog O Ponto Dentro do Círculo a edição nº30 da revista Libertas, uma publicação da Academia Mineira Maçônica de Letras.

    Clique no link abaixo e boa leitura!

    https://opontodentrocirculo.com/revista-libertas/

    Fraternalmente,

    Luiz Marcelo Viegas

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    O maçom e o arrepio da espiritualidade

    “Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim” (Clarice Lispector).

    A espiritualidade é comumente relacionada à religiosidade. Ambas são dimensões inequívocas do ser humano na sua busca de um sentido para a existência, sendo que a espiritualidade tem conotação de paz interior e crença na vida com um propósito transcendental, envolvendo preocupação com a humanidade e a natureza, com aspectos que extrapolam a individualidade. Diz-se que a espiritualidade faz parte dos instintos humanos, sendo quase tão natural acreditar em uma força superior quanto comer ou dormir.

    Já a religiosidade envolve os condicionantes acima aliados a práticas ritualísticas de culto a Deus ou entidades consideradas divinas que podem induzir maior conforto espiritual. Segundo HALL (2016),

    “todas as doutrinas que procuram revelar aquela centelha invisível no homem, chamada Espírito, são reconhecidas como espiritualistas. Aquelas que ignoram esse elemento invisível e concentram-se sobre o visível são reconhecidas como materialistas” (p.17/18).

    A espiritualidade é uma descoberta, a religiosidade um aprendizado. Pessoas que se identificam com uma ou outra forma demonstram resiliência e maior capacidade de relacionamento e superação de dificuldades. Porém, religião e espiritualidade não têm necessariamente de estar emparelhadas. Hoje, enfrenta-se uma disputa entre a espiritualidade libertadora e a combativa religiosidade de escravidão.

    Na obra Homo Deus, HARARI (2016) afirma: “Religião é um trato, enquanto espiritualidade é uma jornada”. Segundo ele, a religião oferece um contrato bem definido, com objetivos predeterminados, que permite à sociedade definir normas e valores comuns que regulam o comportamento humano. Por sua vez, jornadas espirituais levam as pessoas por caminhos misteriosos em direção a destinos desconhecidos. E o autor mostra o caminho:

    A busca geralmente começa com alguma pergunta profunda, tal como: Quem sou eu? Qual o sentido da Vida? O que é o bem? Enquanto a maioria das pessoas simplesmente aceita as respostas predefinidas fornecidas pelas forças dominantes, aqueles que buscam a espiritualidade não se satisfazem tão facilmente. Estão determinados a sair em busca da grande questão, aonde quer que isso as leve, e não só a lugares que conhecem bem ou que querem visitar. (p.191/192)

    Dentro de um enfoque reducionista, cuidar da espiritualidade enseja frequentar missa ou culto religioso, rezar ou orar, ler a Bíblia ou textos sagrados com assiduidade e refletir sobre passagens, reler e meditar sobre o conteúdo. Em contexto mais amplo, a espiritualidade evoca uma busca pessoal de sentido para a vida e se desenvolve na prática da meditação, da introspecção, do silêncio, no diálogo interior que analisa, critica e aperfeiçoa a capacidade de raciocinar e o funcionamento da mente, e também a autodisciplina e o controle das paixões e impulsos, enxergando o que há de errado em nós e atuando para uma efetiva mudança, numa dimensão ligada a valores e à ética, forjando a essência do ser humano virtuoso que se reflete na forma de pensar e agir.

    BARRETO (2012) consigna em sua Dissertação1:

    A Espiritualidade envolve as qualidades do espírito humano, incluindo conceitos psicológicos positivos, tais como amor e compaixão, paciência, tolerância, perdão, contentamento, responsabilidade pessoal, e um senso de harmonia com o meio ambiente (FRY; SLOCOM Jr., 2008). Para os autores, a espiritualidade é a busca de uma visão de servir aos outros, por meio da humildade, caridade, altruísmo e capacidade de ver as coisas exatamente como elas são, livre de distorções subjetivas (p. 21). […] A espiritualidade é uma característica do ser humano, que manifestada estimula o comportamento de conexão e respeito pelo outro. Para Boff (2006), a espiritualidade é a capacidade de diálogo consigo mesmo e com o próprio coração, um mergulho na profundidade de nós mesmos e a experimentação da realidade como um todo, entendendo que somos parte e pertencemos a um todo. Neste trabalho entende-se o todo, como os seres humanos, os demais seres vivos, e a própria natureza. E a partir disso, entende-se pelo outro o respeito pelo todo como sinônimo. (p.25)

    Na Maçonaria esse estágio é associado ao Grau de Aprendiz, cujo simbolismo orienta o Iniciado a desbastar a Pedra Bruta da consciência, a voz que nunca nos deixa a sós, a luz interior que nos ilumina, conhecendo-se a si mesmo, as fraquezas e as virtudes, eliminando resquícios de vanglória e orgulho intelectual que todo homem não espiritualizado possui e que impede sua genuflexão ou inclinação ante o Altar da Verdade; no Grau de Companheiro, que se fortaleça e dinamize os ensinamentos intelectuais e, como Mestre Maçom, além do dever de formar novos Mestres, que seja espiritualmente capaz e consciente de sua personalidade, orientado por um novo ideal, baseado em estudo e trabalho num processo contínuo de polimento, tornando-se Mestre de si mesmo, de forma que seja útil na edificação moral e social da humanidade.

    Por sua vez, a religião é um código de moral e, nos seus princípios e doutrinas, devidamente inspirados por uma fonte de iluminação traz, além da identidade entre seus membros, independentemente da nacionalidade, também uma rede de relacionamentos e um sentido de pertencimento e de algo que dê sentido ao mundo em que vivem. HARARI, em Sapiens (2017), comenta:

    “Hoje a religião é, muitas vezes, considerada uma fonte de discriminação, desavença e desunião. Mas, na verdade, a religião foi o terceiro maior unificador da humanidade, junto com o dinheiro e os impérios” (p. 218).

    E a melhor religião, diz a sabedoria popular, é aquela que aproxima as pessoas através do amor, e não aquela que afasta através do preconceito e limite a infinita bondade de Deus à mesquinhez do egoísmo humano.

    O que causa espanto é a contradição de religiões misteriosas, vingativas e irascíveis que hostilizam, atacam, ou matam uma pessoa de outro credo e o fazem como uma obrigação respaldada em um livro sagrado, com o objetivo de revelar, difundir e impor uma verdade. Por onde andará a espiritualidade entre os seus adeptos? Essas religiões se perpetuam e o poder é concentrado nas mãos de poucos.

    HARARI (2017) destaca um fato ocorrido em 23 de agosto de 1572, conhecido como o Dia do Massacre de São Bartolomeu, quando católicos e protestantes mataram uns aos outros às centenas de milhares. Naquele dia, católicos franceses atacaram comunidades de protestantes franceses. Entre 5 mil e 10 mil protestantes foram assassinados em menos de 24 horas. E acrescenta:

    Quando o papa em Roma ficou sabendo do ocorrido na França, foi tomado de tanta alegria que organizou preces festivas para celebrar a ocasião e encarregou Giorgio Vasari de decorar um dos aposentos do Vaticano com um afresco do massacre (o aposento atualmente está inacessível aos visitantes). Mais cristãos foram mortos por outros cristãos naquelas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência. (p.224)

    CESCON (2011), no artigo “O fundamentalismo religioso e a paz”, comenta:

    “Para esses crentes, apesar de Deus permanecer sempre presente nas suas palavras e nas suas orações rituais, Ele se torna um prisioneiro dos seus pontos de vista e atitudes humanas e agressivas. Por isso, em vez de imitarem a Deus na sua generosidade para com todas as suas criaturas, impõem, em nome de Deus Onipotente, os seus esquemas de agressividade, ódio e morte. Assim, consideram-se os verdadeiros e únicos defensores de Deus na terra” (p. 433).

    O Cristão molda sua vida baseado nas mensagens de Cristo. Um Budista, nos arquétipos morais e filosóficos de toda uma categoria de seres iluminados que alcançaram a realização espiritual pregada pelo seu líder religioso, com a sua doutrina se baseando no Caminho do Meio, na busca da moderação em tudo o que seu seguidor faz. O Judaísmo compreende todo um sistema de vida e comportamentos específicos, tendo como referência a Torá, o livro das leis judaicas, que estabelece claramente quais são as ações corretas a realizar. O Hinduísmo, uma das mais antigas do mundo, tem como fundamento a crença na reencarnação e no carma, bem como na lei de ação e reação. Já o Islamismo, uma das que mais cresce no mundo, tem o sentido de total submissão à vontade de Deus, e o praticante do islã, chamado de muçulmano, defende que as práticas políticas devem ser pautadas pela lógica religiosa e vice-versa.

    BLANC (2021) esclarece que registros arqueológicos revelam que a ideia de Deus ou de entidades divinas tem sido cultivada em todas as épocas e por todas as culturas [desde a Idade da Pedra, o homem é um contador de histórias2]. Nos primórdios da nossa espécie, a importância da religião era tanta que a partir dela se originaram as artes e as ciências (p.9). As religiões buscam responder questões como “de onde viemos”, “quem somos”, “o que estamos fazendo aqui”, “para onde vamos depois da morte” (p.15).

    Ainda segundo o autor:

    “as religiões apresentam cosmovisões que situam o ser humano no Universo e dão um sentido à sua existência. É um conhecimento edificado ao longo de milênios, baseado em revelações divinas e na intuição de homens e mulheres santos, que tem orientado a existência das pessoas, trazido consolo, esperança e compreensão ao longo dos últimos cinco mil anos. As religiões apresentam respostas para as questões mais íntimas do viver humano, estabelecem ética, celebram e fortalecem a fé ” (p.10)

    A religião, conforme ensina o sociólogo francês Émile Durkheim em sua obra “As Formas Elementares da Vida Religiosa” (apud WEISS, 2012), abarca uma “ordem de coisas que ultrapassa o alcance de nosso entendimento, o sobrenatural, o mundo do mistério, do incompreensível”. Ainda segundo ele, “a religião seria, portanto, uma espécie de especulação sobre tudo o que escapa à ciência e, de maneira mais geral, ao pensamento claro”. Ao se basear em dogmas e tabus, exigindo comportamentos a observar e verdades em que se deve crer, a religião é avessa à diversidade.

    Refletindo sobre o até aqui exposto, alguns podem até sentir arrepios, mas a Maçonaria não revela nenhuma verdade superior e não é religião, pois esta tem como escopo uma vida transcendental e aquela procura aperfeiçoar seus membros para a melhoria do seu entorno, para bem atuar no mundo presente. A seguir, a opinião de alguns autores.

    Segundo Ney Gonçalves Dias e Almir San’Anna Cruz (2020):

    “… a maçonaria, por seu ecletismo, por estimular e exaltar a liberdade de pensamento de seus iniciados, deplorando e não admitindo posições extremadas tanto de um lado – fanatismo religioso – quando por outro – ateísmo –, convive com naturalidade com crenças ou filosofias teístas, deístas e mesmo agnósticas” (p.57).

    ROBINSON (2014) comenta:

    “Pode-se afirmar com segurança que a Maçonaria não é uma religião por uma simples razão. Em geral, os adeptos acreditam que seus credos religiosos estão completamente certos. Isso significa que eles acreditam que todos os outros credos são, ao menos até certo ponto, errados. A posição da Maçonaria é oposta, uma vez que admite que há alguma verdade em todas as percepções humanas de Deus e declina de afirmar que qualquer crença em particular é perfeita” (p.249).

    HODAPP (2015) não deixa brecha para dúvidas ao elencar alguns fundamentos para entender sobre religião e maçons: (1) Uma reunião em uma Loja maçônica não é um serviço religioso; (2) Não há uma religião maçônica; (3) Não há um deus maçônico – nem tampouco um demônio maçônico: (4) Não há uma bíblia maçônica, reverenciada acima de qualquer outra; (5) Não há um plano maçônico para salvação espiritual; (6) A Maçonaria não é oculta; (7) A Maçonaria não é um culto; (8) A Maçonaria é uma invenção do homem (p. 70).

    No mesmo diapasão, não podendo também ser confundida com seita ou qualquer coisa que o valha, a maçonaria tem um ensinamento próprio, constante de seus manuais e rituais, que transmite seus princípios, que jamais podem ser associados a dogmas. Conforme demonstra Alec Mellor (1976), não existem dogmas maçônicos. “A própria noção de “Landmark” não se confunde com o do dogma”. Segundo ele, “a diferença está em que a Maçonaria não reivindica a Revelação…. longe de opor-se à Igreja, neste ponto, a incompatibilidade teria surgido se ela tivesse seus dogmas”.

    Nas sessões maçônicas não há momento de adoração a divindades. Porém, a Maçonaria não pode ser considerada secular, pois as atividades de uma Loja não são iniciadas sem antes invocar o auxílio de Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E a Bíblia3 permanece aberta no recinto, após a leitura de determinada passagem, conforme o Grau em que a Sessão é realizada, sendo fechada ritualisticamente ao final dos trabalhos. Mas, é importante destacar que a sua presença evoca apenas e tão-somente espiritualidade e harmonia, assim como na valorização dos esforços e como fonte de ensinamentos de regras de conduta (destacamos). Alguns Ritos ou Rituais não adotam essa prática, o que não impede que o obreiro o faça de forma interna, pessoal e silenciosa. Por isso a Maçonaria prega o respeito à autoridade e à religião de cada um.

    Enfim, quanto à espiritualidade, não existe procedimento algum que tenha o carimbo da Maçonaria, e para tanto apela ao discernimento de seus obreiros, pois seus ensinamentos e ritualística das sessões não vislumbram essa finalidade, ficando tais descobertas ao alvedrio de seus membros, individualmente. Da mesma forma, vale reiterar, a escolha de uma religião é responsabilidade individual.

    O destaque fica para o entendimento de que a prática da Maçonaria se caracteriza por uma disciplina de comportamento, na qual o indivíduo é treinado para regular seus costumes, atingindo com isso um perfeito equilíbrio entre as forças que motivam sua conduta como pessoa humana, partícipe de uma sociedade. Para tal, no ritual de Iniciação, o neófito é desafiado a refletir sobre o que é a virtude e o vício, sendo indagado o que ele entende por um e outro, levando-o a concluir que a virtude é uma disposição da alma que induz à prática do bem, e o vício, sempre nocivo e inadequado, é o hábito desgraçado que arrasta para o mal.

    Conforme repisado em seus Rituais, a Maçonaria é caracterizada como um sistema e uma escola não só de Moral, mas, sobretudo de filosofia social, um ambiente de diálogo e debates, que visa ao progresso contínuo de seus adeptos por meio de ensinamentos em uma série de Graus. Nesse contexto, as Instruções Maçônicas, que funcionam como veículos de propagação de valores, ensejam passos que levam à lapidação do espírito, de forma a propiciar os instrumentos adequados e a desenvolver habilidades necessárias para o empreendimento da jornada rumo ao aperfeiçoamento dos mais elevados deveres de homem cidadão em prol da humanidade pela liberdade de consciência, igualdade de direitos e fraternidade universal.

    Como uma fraternidade laica, iniciática e simbólica, com os símbolos evocando questionamentos que conduzem a reflexões sobre as próprias verdades, ao livre pensar e ao exercício da razão, a Maçonaria tem como objetivo primordial buscar no mundo profano4 os melhores homens para congregá-los numa única Família, aperfeiçoando-os.

    Tudo isso demanda muito labor, esforço e vontade do Iniciado em ser uma pessoa melhor e cada um seguindo o seu próprio ritmo, em busca da verdade, não se evidenciando uma investigação dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre arbítrio. Apoiado e inspirado em um trabalho coletivo, a espiritualidade maçônica, numa dimensão ligada a valores elevados, pressupõe a construção de um caminho individual e que liberte o espírito de erros, vícios e imperfeições que constituem a raiz ou causa interior de todo mal ou dificuldade exterior.

    Como dito acima, essa transformação do indivíduo, esse despertar espiritual, o despertar da Matrix, fazendo uma alusão à famosa trilogia, enseja abrir os olhos do nosso interior e se resume no simbolismo do desbaste da Pedra Bruta da consciência, nosso espírito imortal, que deve prevalecer sobre a matéria e ser lapidado incessantemente. Nesse diapasão, cabe à Maçonaria, nesse contexto, estimular essa atividade e promover, por meio de suas Instruções, a tão necessária revolução pessoal, por meio de reflexões sobre a espiritualidade não ligada a religião, em ambiente de convivência harmônica e fraternal.

    Crer é um conforto, pensar, um esforço” (Ludwig Marcuse, 1894-1971)

    Autor: Márcio dos Santos Gomes

    Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

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    Notas

    1. Dissertação de Mestrado (2012) de Tiago Franca Barreto, disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23740/1/Dissertacao%20TIAGO%20FRANCA%20BARRETO%20versao%20final%20revisada%20com%20ficha.pdf ↩︎
    2. O homem primitivo ao procurar resposta para as indagações que fazia sobre os fenômenos que acontecia à sua volta não tinha outro meio que não fosse o uso da imaginação. O mito foi o primeiro conhecimento que existiu sobre a face da terra, antes de qualquer outro. Para narrar fatos, o homem primitivo lançava mão da lenda; para educar, lançava mão da fábula (nota deste articulista). ↩︎
    3. A Bíblia ou outro livro sagrado. Os Maçons referem-se ao livro como Volume da Lei Sagrada, tal qual uma referência não sectária à tolerância religiosa da Loja. […] “esse livro pode ser a Bíblia do Rei James, a Tanakh  hebraica, o Alcorão muçulmano, os Vedas hindus, o Avesta Zoroástrico ou os Provérbios de Confúcio. Em certas Lojas em Israel, encontrar três livros – uma Bíblia, uma Tanakh e um Alcorão – , todos abertos em conjunto no mesmo altar, em respeito às diferentes religiões dos seus membros, é comum” (HODAPP, 2015, p. 71). ↩︎
    4. Profano, do latim: pro=ante + fanum=templo, popularmente referenciado como leigo, fica fora dele, fora do Templo da Sabedoria ou de um real conhecimento da Verdade e da Virtude, das quais reconhece unicamente os aspectos profanos ou exteriores que constituem a moeda corrente do mundo.
      Infelizmente, o termo “profano”, dentre seus vários significados, somente é referenciado como aquele que deturpa ou viola coisas sagradas. Essa é uma situação que constrange e que poderia ser substituída, no caso da Ordem, pela expressão “não maçom”, muito mais palatável. ↩︎

    REFERÊNCIAS

    BARRETO, Tiago Franca. A prática da Espiritualidade no Ambiente de Trabalho: Um estudo de múltiplos casos na Região Metropolitana de Recife. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Pernambuco, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23740/1/Dissertacao%20TIAGO%20FRANCA%20BARRETO%20versao%20final%20revisada%20com%20ficha.pdf. Acesso em 20.02.2024.

    BLANC, Claudio. As religiões do mundo. Barueri, SP: Camelot, 2021.

    CESCON, Everaldo; NODARI, Paulo César (ORG). Filosofia, ética e educação: por uma cultura de paz. São Paulo: Paulinas, 2011.

    GOMES, Márcio dos Santos. A bem da verdade. Disponível em: https://opontodentrocirculo.com/2015/05/22/a-bem-da-verdade/. Acesso em 28.11.2023.

    GOMES, Márcio dos Santos. A Instrução Maçônica. Disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2016/02/23/a-instrucao-maconica/.Acesso em 20.12.2023.

    HALL. Manly P. As Chaves Perdidas da Maçonaria. São Paulo: Madras, 2016.

    HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã – 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

    HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade – 26ª edição. Porto Alegre: LP&PM, 2017.

    HODAPP, Christopher. Maçonaria para leigos. Tradução da 2ª Edição. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015.

    MINAS GERAIS, Grande Loja Maçônica de. Rituais dos Graus Simbólicos do REAA.

    MELLOR, Alec. Os Grandes Problemas da Atual Franco-Maçonaria – Os novos rumos da Franco-Maçonaria. São Paulo, Pensamento, 1976.

    OLIVEIRA, Ney Gonçalves de; CRUZ, Almir Sant’Anna. Deus: criador ou criatura? Do Big Bang ao pensamento humano. Rio de Janeiro: Nossa Casa, 2020.

    ROBINSON, John J. Nascidos no Sangue. São Paulo: Madras, 2014.

    WEISS, Raquel. Durkheim e as formas elementares da vida religiosa. Debates do NER, Porto Alegre (2012). Disponível em:https://seer.ufrgs.br/debatesdoner/article/download/36520/23591. Acesso em 07.11.2023.

    Palavrões aos Grão-Mestres

    Introdução

    O título deste artigo, “Palavrões aos Grão-Mestres”, foi escolhido, obviamente, pela sua capacidade atrativa. Porém, o emprego do termo “palavrões” no título não se refere ao significado mais usual, de “palavras obscenas ou grosseiras”1, mas sim no sentido de “termo empolado”2. E nesse caso, para ser mais claro, “empolado” no sentido de pomposo. Ou seja, o artigo trata dos axiônimos, termos corteses de tratamento e reverência utilizados ao se dirigir a um Grão-Mestre, também conhecidos como pronomes de tratamento

    Essa é uma questão intrigante na Maçonaria brasileira. O Grande Oriente do Brasil e a maioria dos Grandes Orientes Independentes confederados à COMAB adotam o termo “Soberano” como pronome de tratamento de seus Grão-Mestres. Já as 27 Grandes Lojas brasileiras adotam oficialmente o termo “Sereníssimo” para seus Grão-Mestres, assim como alguns poucos Grandes Orientes confederados à COMAB. Não havendo consenso no axiônimo utilizado no meio maçônico brasileiro ao se dirigir aos Grão-Mestres, inquire-se qual é a origem do uso dos termos “Soberano” e “Sereníssimo” na Maçonaria brasileira. Esse é o objetivo principal deste breve estudo.

    Termo Original: Most Worshipful

    O termo maçônico comumente utilizado para se referir a um Grão Mestre é o de “Most Worshipful”3, que pode ser traduzido como “Mui Respeitável”, “Mui Venerável”, “Venerabilíssimo” ou mesmo o “Mais Venerável”. A adoção desse termo na Maçonaria data de, pelo menos, 1721, quando Desaguliers resolve entregar o comando da Grande Loja de Londres (dos Modernos) à Nobreza, tendo sido o primeiro nobre Grão-Mestre o Duque de Montagu4.

    Ao Duque de Montagu é creditada a solicitação para que James Anderson compilasse o Livro de Constituições, o qual seria publicado em 17235. Porém, as evidências apontam que tal iniciativa partiu de Desaguliers, que serviu como Adjunto do Duque de Montagu, e quem de fato dirigia a instituição.

    É fácil compreender a adoção desse termo já nos primeiros anos da primeira Grande Loja Especulativa. Se o Mestre de Loja recebe o tratamento de “Worshipful”, ou seja, de “Venerável”, não seria correto que o Grão-Mestre da Grande Loja fosse tratado como “Most Worshipful”, ou seja, “Mui Venerável”? Um tanto quanto lógico.

    Interessante observar que Grandes Lojas Estaduais brasileiras em algum momento foram influenciadas por essa nomenclatura. Sendo as Grandes Lojas dos EUA comumente chamadas de “Most Worshipful Grand Lodge of…”, muitas Grandes Lojas no Brasil optaram por adotar a mesma nomenclatura. Porém, traduziram “Most Worshipful” como “Mui Respeitável”. Isso parece inicialmente um equívoco visto que, no meio maçônico, a tradução do termo inglês “Worshipful” para o português sempre foi “Venerável”. Porém, muitas Grandes Lojas de outros países latino-americanos já haviam optado por tradução similar do inglês para o espanhol, adotando o termo “Muy Respetable Gran Logia…”, o que pode ter influenciado na escolha do termo a ser adotado em português.

    Sereníssimo: Século XVIII

    O primeiro registro que se tem do uso do termo “Sereníssimo” ao se referir a um Grão-Mestre da Maçonaria foi na França, em 1743. Com a morte do Duque de Antin, primeiro Grão-Mestre da Grande Loja da França, uma reunião emergencial de Veneráveis Mestres elegeu Louis de Bourbon, o Conde de Clermont, como Grão-Mestre6.

    O Conde de Clermont era um príncipe de sangue, e por isso detinha o direito de receber o tratamento de “Sereníssimo”, assim como os demais príncipes de sangue da França7. Esse direito foi devidamente observado na Grande Loja da França durante sua gestão, em que foi chamado de “Sereníssimo Grão Mestre”, ou seja, um príncipe que ocupa o posto de Grão-Mestre.

    Dois anos após sua morte, em 1773, a Grande Loja da França foi dividida em duas: o Grande Oriente de França e a Grande Loja de Clermont. Essa última quase não resistiu à Revolução Francesa, chegando a suspender seus trabalhos. Quando do término da Revolução, a Grande Loja de Clermont foi incorporada pelo Grande Oriente de França8.

    Voltando ao Grande Oriente de França, que se declara sucessor da Grande Loja de França, seu primeiro Grão-Mestre foi Louis Philippe d’Orleans, Duque de Orleans e príncipe de sangue. Logicamente que, sendo um príncipe, recebia o tratamento de “Sereníssimo” no Grande Oriente de França. O Duque de Orleans permaneceu como Grão-Mestre do Grande Oriente de França até 1793, quando fez uma declaração contra os mistérios e reuniões secretas e acabou sendo destituído de seu posto, ao qual, diga-se de passagem, nunca fez questão nem deu a mínima atenção9.

    Porém, após 50 anos tratando os Grão-Mestres por “Sereníssimo” (1743-1793), a Maçonaria francesa passou a considerar esse axiônimo como maçônico. Nada a impedia quanto a isso, visto então estar vivendo numa República.

    O termo “Sereníssimo”, então consagrado na Maçonaria francesa, berço da Maçonaria latina, foi amplamente adotado pela Maçonaria de língua espanhola e portuguesa, muito mais influenciada e próxima dos maçons franceses do que dos britânicos ou dos norte-americanos. Não é por acaso que ainda é utilizado oficialmente pela Grande Loja da Bolívia, Grande Loja do Chile, Grande Loja de Cuba, Grande Loja da República Dominicana, Grande Loja Simbólica do Paraguai etc. Isso pode ter influenciado as Grandes Lojas brasileiras que, fundadas a partir de 1927, adotaram o mesmo axiônimo.

    Soberano: Século XIX

    Como se sabe, em junho de 1822 foi fundado o Grande Oriente Brasílico, o qual sucumbiu em outubro do mesmo ano10. Entre outubro e novembro de 1831 alguns dos remanescentes desse primeiro se reúnem, “reerguendo suas colunas”, no jargão maçônico, com o nome de Grande Oriente do Brasil11.

    Importante registrar que, em 1830, no ano anterior ao referido “reerguimento”, outro grupo de maçons já havia fundado um novo Grande Oriente, o Grande Oriente Brasileiro, com o objetivo de impulsionar o trabalho maçônico no país, e que foi instalado em junho de 1831. Porém, personalidades como José Bonifácio e outros partícipes daquele primeiro Grande Oriente, de 1822, haviam ficado de fora e, aparentemente, não gostaram nem um pouco disso, partindo rapidamente para a reinstalação do Grande Oriente Brasílico, agora Grande Oriente do Brasil. Podemos dizer que essa foi a primeira divisão maçônica por vaidade ocorrida no Brasil.

    É interessante observarmos que a justificativa apresentada por José Castellani e William Carvalho para a (re)instalação do Grande Oriente do Brasil ter sido posterior à instalação do Grande Oriente Brasileiro é a de que os reerguedores aguardavam “um clima mais liberal, o qual seria propício aos trabalhos maçônicos”12. Digo interessante porque no dia 07 de abril de 1831 Dom Pedro I abdicou do trono e nomeou José Bonifácio como tutor do príncipe regente. Isso significa que durante os meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro o “clima” estava bastante “propício” para José Bonifácio, que nenhuma pressa tinha acerca da Maçonaria. É curioso observar que os líderes do mesmo movimento maçônico revolucionário de 1822, que em um curto espaço tempo reergueram uma Loja, iniciaram dezenas de membros, dividiram a Loja em três e fundaram o Grande Oriente Brasílico com o intuito de promover a independência do Brasil, que esses mesmos líderes aguardassem “um clima mais liberal” para reerguê-lo. Essas observações apenas reforçam a teoria de que a motivação foi, exclusivamente, a tão conhecida vaidade humana, impulsionada pela instalação do Grande Oriente Brasileiro, liderado por Irmãos considerados “rivais”, em junho de 1831.

    Mas voltando aos axiônimos, apesar de desconhecido para muitos maçons brasileiros, o pronome de tratamento originalmente adotado pelo Grande Oriente do Brasil referente à Obediência e ao Grão-Mestre era o de “Sapientíssimo”. Durante quarenta e cinco anos do Século XIX (1832-1877), o líder maior dessa obediência maçônica do país era predominantemente chamado de Sapientíssimo Grão Mestre do Sapientíssimo Grande Oriente do Brasil13.

    O termo “predominantemente” não foi escolhido à toa. Como se sabe, desde poucos meses após sua reinstalação até 1951, o Grande Oriente do Brasil era uma obediência maçônica mista, no sentido de não separação do governo dos graus simbólicos e dos altos graus, o que era (e ainda é) considerado uma irregularidade pela comunidade maçônica internacional. Foi no dia 23 de maio de 1951, por meio do decreto nº 1641, que o então Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, Irmão Joaquim Rodrigues Neves, desfez essa irregularidade, ao promulgar a nova constituição maçônica do GOB14.

    Entretanto, no período em que a irregularidade existiu, o Grão-Mestre acumulava o posto de Soberano Grande Comendador. Os termos corretos empregados no referido período de quarenta anos do Século XIX eram: “Sapientíssimo” para Grão-Mestre e “Mui Poderoso” para Soberano Grande Comendador. O “Mui Poderoso”, apesar de largamente utilizado junto aos Soberanos Grandes Comendadores no restante do mundo, acabou entrando em desuso no Brasil, talvez pela extensão do título do cargo (Sapientíssimo Grão-Mestre e Mui Poderoso Soberano Grande Comendador. Ufa!), ou mesmo pela possível interpretação de que o cargo era de “Grande Comendador” e que o termo “Soberano” era distintivo. Por isso, durante o período, o líder maior do GOB era comumente chamado de “Sapientíssimo Grão-Mestre e Soberano Grande Comendador”. Logo, com o termo “Soberano” supostamente sendo interpretado como um axiônimo, e não como parte do título, começaram as aparições da variação “Soberano Grão-Mestre e Grande Comendador”. A partir de março de 1877 o uso do termo “Soberano” passou a ser predominante.

    Uma hipótese para a boa aceitação dessa mudança é o fato de que o termo “Sapientíssimo” era compartilhado por todos os membros da Alta Administração, não havendo na época um termo distintivo exclusivo para o Grão-Mestre no GOB, o que pode ter estimulado o uso do “Soberano” em detrimento desse.

    COMAB: Soberano ou Sereníssimo?

    Os Grandes Orientes Independentes surgiram a partir da desfiliação de dez Grandes Orientes Estaduais do Grande Oriente do Brasil, ocorrida em 27 de maio de 1973 e liderada por Athos Vieira de Andrade, de Minas Gerais, e Danylo José Fernandes, de São Paulo15.

    A partir de 1973, tendo como referências os termos de tratamento de “Soberano” no Grande Oriente do Brasil e “Sereníssimo” nas Grandes Lojas, os Grandes Orientes recém-libertos parecem não ter chegado a um consenso. O GOSC – Grande Oriente de Santa Catarina, por exemplo, adota o termo “Sereníssimo” desde sua fundação. Já o GOP – Grande Oriente Paulista parece ter inicialmente adotado o termo “Soberano”, mas optado pelo termo “Sereníssimo” a partir de 2003. Entretanto, a maioria dos Grandes Orientes confederados à COMAB adota o termo “Soberano”, herdado do Grande Oriente do Brasil, o que é logicamente natural, visto manterem a nomenclatura, ritos praticados, e até, em muitos casos, a mesma estrutura administrativa, basicamente apenas se desfiliando do GOB e declarando suas soberanias.

    Durante o desenvolvimento deste artigo, algumas autoridades da COMAB foram contatadas e indagadas se há alguma decisão ou recomendação da COMAB em busca de uma padronização nos modos de tratamento. A informação obtida foi de que não houve ainda alguma deliberação nesse sentido, o que parece significar que cada Grande Oriente tem total autonomia para definir o axiônimo a ser utilizado.

    Considerações Finais

    Este artigo não tem a intenção de dizer qual o axiônimo correto ou mais adequado a ser utilizado ao se referir a um Grão-Mestre. Isso simplesmente é impossível de ser feito na Maçonaria, especialmente na Maçonaria Latina. Se nem mesmo nos Estados Unidos, em que as Grandes Lojas costumam chegar a um consenso, não há unanimidade no assunto, por que esperar isso no Brasil, cuja Maçonaria regular tem três distintas vertentes e pratica oito diferentes ritos?

    Por conta dessa Maçonaria “cosmopolita” praticada no Brasil, não há que se dizer em certo e errado. O que se pode fazer, ou melhor, o que é dever de todo maçom, é buscar a verdade, ou seja, pesquisar e identificar a real origem e razão daquela ação ou interpretação, buscando compreender o contexto de sua ocorrência. E isso sem qualquer julgamento de mérito.

    O objetivo deste artigo é simples e creio que foi alcançado. Se “Sereníssimo” ou “Soberano”, pouco importa. São apenas “elogios oficiais”, como, por exemplo, “Excelentíssimo” para as principais autoridades civis ou “Magnífico” para Reitores de Universidades. No entanto, um maçom, pela própria natureza da instituição, não deveria pronunciar ou escrever quase que diariamente um termo maçônico sem nem ao menos querer saber seu significado, sua origem, sua adoção. Seria o mesmo que dizer palavras que não se sabe o significado no meio de frases em conversas na rua. Algo, no mínimo, bizarro.

    Autor: Kennyo Ismail

    *Texto originalmente publicado no blog No Esquadro

    Notas

    1. Dicionário Online Priberam de Língua Portuguesa. ↩︎
    2. Dicionários Priberam e Michaelis. ↩︎
    3. Termo adotado em todas as Grandes Lojas dos EUA, com exceção a Grande Loja da Pensilvânia, que se refere ao Grão-Mestre como “Right Worshipful”. ↩︎
    4. HARRIS, Eileen. Batty Langley: A Tutor to Freemasons (1696-1751). The Burlington Magazine, Vol. 119, No. 890, 1977, pp. 327-335. ↩︎
    5. LYTTLE, Charles H. Historical Bases of Rome’s Conflict with Freemasonry. Church History, Vol. 9, Issue 01, 1940, pp. 3-23. ↩︎
    6. CUMMING, I. Freemasonry and Education in Eighteenth Century France. History of Education Journal, Vol. 5, N. 4, 1954, pp. 118-123. ↩︎
    7. OSBORNE, T. Language and sovereignty: titles of address and the royal edict of 1632., Working Paper. Durham: Durham Research Online (DRO), 2013. ↩︎
    8. COIL, Henry Wilson & BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Ed. Macoy, 1961. ↩︎
    9. COIL, Henry Wilson & BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Ed. Macoy, 1961. ↩︎
    10. BARATA, A. M. E é certo que os homens se convencem mais pela experiência do que pela teoria: cultura política e sociabilidade maçônica no mundo luso-brasileiro (1790-1822). REHMLAC, Vol. 3, Nº 1, 2011. ↩︎
    11. AZEVEDO, C. M. M. Maçonaria: História e Historiografia. Revista USP, São Paulo, No. 32, 1996, p. 178-189. ↩︎
    12. CASTELLANI, J.; CARVALHO, W. História do Grande Oriente do Brasil – A Maçonaria na História do Brasil. São Paulo: Madras Editora, 2009. ↩︎
    13. Baseado em análise de conteúdo dos Boletins do Século XIX do Grande Oriente do Brasil disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional. ↩︎
    14. CASTELLANI, J. Fragmentos da Pedra Bruta. Londrina: Editora A Trolha, 2001. ↩︎
    15. SOBRINHO, Octacílio Schüler. Uma Luz na História: o sentido e a formação da COMAB. Florianópolis: Ed. O PRUMO, 1998. ↩︎

    Visitando Marte

    Nessas férias tive uma oportunidade, talvez única de fazer uma visita a Marte e participar de uma reunião maçônica.

    Fiz contato com meu mais novo amigo Elon, que sem pestanejar, me ofereceu uma carona na sua SpaceX, um dos seus mais novos brinquedos! A viagem foi sensacional, partimos do Aeroporto Bartolomeu Lisandro, sem escalas e retorno para o Cabo de São Tomé, viagem de três dias, tranquilo…

    Ao chegar a Marte, fui muito bem recepcionado, já havia um belo café, que mais parecia um almoço, os marcianos são muito gentis, logo nos paramentamos e fomos para o templo.

    Engraçado que o templo deles não é a cópia do Templo de Jerusalém, mas sim de uma espaçonave linda e iluminada, não há pontos cardeias como no nosso, nem Oriente, nada disso, lá as referências são pelo GPS! Para caminhar no grande salão é preciso ter equilíbrio, certas horas flutuamos, e as vezes nem conseguimos sair do lugar. O Guarda do Templo não usa espada, mas sim uma arma galática que simplesmente dizima os intrusos, vira pó e os restos são levados pelo vento.

    Não há cargos definidos, apenas um líder, que eles chamam de MM, Marciano-Mór. Não é um ser velho, nem novo, até porque lá eles vivem por apenas 1 ano marciano, equivale a 100 anos na terra. O que me chamou a atenção é que eles não se tratam como irmãos e sim como amigos, achei fantástico!

    Além de todas as diferenças, a sua divisa se converge com a nossa, de liberdade, igualdade e amizade.

    Como tinham dois jupiterianos como visitantes, os marcianos me perguntaram quando poderão via a terra, pois já tentaram e nunca foram bem-vindos, respondi que ainda precisamos evoluir para chegar nesse ponto!

    A reunião transcorreu na maior paz e concórdia, a Ordem do Dia foi uma bela peça espacial em 3D, titulada: ” A escolha do Marciano-Mór .”

    Ao final dessa pequena peça, já na palavra a bem da ordem, os marcianos me indagaram como escolhemos nosso líder, respondi com tranquilidade: não há problemas nesse quesito, uma vez que sempre temos amigos bem preparados.

    A reunião encerrou, fomos para um banquete, até sushi eu comi, e achávamos que lá não tem água, inocentes…

    Já me despendindo, fui abordado pelos dois jupiterianos que lá estavam visitando, respeitando é claro o nosso 14° Landmark, onde um deles me perguntou: realmente lá vocês escolhem seus líderes em harmonia?

    Chamei-o entre colunas e disse, não! Não é bem assim! Estamos vivendo tempos difíceis, onde o maduro ignora o moderno e o moderno simplesmente desconhece o mais antigo, de um lado, um quer manter o poder e do outro lado o outro quer tomar de assalto, achando que vai mudar tudo e fazer diferente. Continuei, ambos estão cegos, basta levar o amor na frente que isso seria suprimido. O jupiteriano me olhou e disse: que poder? Fiquei sem resposta…

    Nos despedimos com cinco abraços que remete a Quinta Essência dos marcianos e embarquei com Elon em nossa nave espacial.

    Quando aterrissamos, Elon já sem entender nada, mas com a sua mala cheia de presentes, virou-se para mim e disse: lá não é uma amizade, porque vocês não se entendem? Já saindo da nave, com a porta entreaberta disse: boa sorte amigo você é sensacional, e obrigado pela oportunidade, um dia quem sabe os marcianos não vêm aqui e nos ensinam um pouco mais sobre amizade.

    Para encerrar essa Odisséia, o cartão de visitas está em minha memória, fértil, reconheço, mas também gravada no meu peito, como a ponta de um ferro!

    Espero que todos um dia tenham essa oportunidade, é uma experiência incrível, se eu mudei? Talvez sim, talvez não, mas o que importa foi a experiência.

    TFA

    Autor: Renato Krile

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