Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte VIII

Integralismo – O Sentinela

3.3 – Ecos do anti-semitismo e o discurso integralista de Barroso

É justamente o que explica o antagonismo entre o povo judeu e a civilização nascida do cristianismo. No meio dum mundo transformado e adoçado, continua o homem de há três mil anos, ávido e hostil, encerrado na sua religião nacional, eternamente preocupado em escravizar todas as nações a Israel, como lhe foi anunciado de século em século pela sinagoga… Não se trata de odiar os judeus e ainda menos de desprezá-los. Não se despreza um povo que arrastou os séculos, a dispersão, a decadência moral e material, conseguindo manter-se intacto. Mas é natural que seja temido e que se pense em proteger contra suas agressões ao patrimônio moral e material das nações cristãs.[304]

Contemporaneamente, a primeira onda de violência contra os judeus ocorreu em 1933 com a ascensão de Hitler ao poder. A agressão organizada contra os judeus alemães, a legislação anti-semita e a discriminação social que passou a fazer parte da vida cotidiana
induziram milhares de famílias judias a abandonar definitivamente a Alemanha. Neste mesmo ano, o cônsul brasileiro em Colônia, Ildefonso Falcão relatou a seu chanceler sobre o grande interesse dos inúmeros judeus pelo consulado brasileiro. Segundo Milgram, Ildefonso Falcão demonstrava certa simpatia pelos comerciantes judeus que trariam consigo fortuna ao país acolhedor. Porém, na visão do ministro de Trabalho, Indústria e Comércio, Joaquim Pedro Salgado Filho, responsável pela imigração, o Brasil deveria privilegiar os imigrantes trabalhadores agrícolas, únicos capazes de se radicarem ao solo. Na perspectiva de Milgram a realidade se processava por vertentes assimétricas. O Brasil que se recuperava da crise e se inclinava pela via do desenvolvimento industrial tinha dificuldades para modificar sua autoimagem de país agrário. E os judeus europeus, que poderiam contribuir com a expansão econômica brasileira eram vistos como “elementos indesejáveis”, uma vez que poderiam inchar os centros urbanos[305].

Conforme ressaltou Maria Luiza Tucci Carneiro, apenas os técnicos e agricultores católicos tinham condições de contribuir para o projeto de modernidade idealizado pelo governo Vargas. Algumas exceções se faziam aos judeus capitalistas e, assim mesmo, mediante criteriosa seleção. No entanto, a possibilidade de termos entre nos judeus capitalistas também incomodava, visto ser corrente nos anos de 1930 a ideia de que estes
representavam um “perigo internacional”. Aliás, este era um slogan reverenciado pelo clássico livro anti-semita de Henry Ford, O Judeu Internacional traduzido no Brasil em 1933. Nesta linha de raciocínio estavam os diplomatas brasileiros sediados no exterior, principalmente aqueles que se encontravam radicados na Alemanha, Áustria, Polônia, Hungria e Romênia[306].

Deste modo, vários ensaios sobre as causas da proliferação do anti-semitismo na Europa foram desenvolvidos por emissários brasileiros que tentavam, através de seus relatos, alertarem o governo para uma futura onda de refugiados judeus. Por exemplo, em 2 de julho de 1931, Luiz de Lima e Silva, da Embaixada do Brasil em Viena, chamava a atenção de Afrânio de Mello Franco, ministro de Estado das Relações Exteriores, para os movimentos anti-semitas que se faziam “moeda corrente” nos países da Europa Central. Segundo Carneiro, Luiz de Lima e Silva, relatou ao ministro uma série de boatos e escândalos envolvendo estabelecimentos bancários e personalidades judaicas na Áustria. Para o embaixador os escândalos envolvendo o Banco Auspitz e o Credit-Anstalt, ambos amparados por abastadas famílias judias, foram apontados como um dos pivôs dos protestos anti-semitas em Viena[307].

A família judaica Rothschild, acionista majoritária do Credit-Anstalt, havia se transformado no principal alvo das contestações e Gustavo Barroso não deixaria de explorar de maneira oportuna esses acontecimentos.

Essa exploração entregue aos Rothschild perdura até hoje. Em 1933, depondo perante a comissão de inquérito do Senado norte-americano, o sr. Hayward, representante dos banqueiros judeus Dillon, Read & Cia., declarava que os empréstimos feitos pela sua casa para o Brasil se realizavam em colaboração conjunta com Rothschild, porque o governo do Brasil não poderia pensar em fazer um empréstimo sem primeiro discuti-lo com Rothschild! [308]

As principais matérias publicadas na imprensa sobre a questão judaica nos territórios do Reich eram cuidadosamente recortadas e enviadas ao ministro das Relações Exteriores com o propósito de mantê-lo atualizado sobre a recrudescência do anti-semitismo e, assim orientá-lo no procedimento a ser tomado diante daquela massa de refugiados judeus que começavam a buscar refúgio em terras brasileiras[309].

É importante que se diga que a questão judaica no Brasil não era similar àquela da Argentina ou da Europa, onde corria sem restrições o anti-semitismo popular e oficial. Nestes casos, o anti-semitismo era baseado em imagens distorcidas de judeus reais com os quais a população não-judia tinha contato regular. Na perspectiva de Jeffrey Lesser, o anti-semitismo no Brasil manifestou-se da seguinte forma: indivíduos influentes atacavam imagens de judeus imaginários que presumidamente eram ao mesmo tempo comunistas e capitalistas, e cujos estilos de vida degenerados se formaram em pútridos e miseráveis enclaves étnicos europeus. Os severos e irreais julgamentos eram modelados de acordo com uma leitura ingênua do anti-semitismo e o ódio aos judeus europeus, aplicado a uma imprecisa imagem da vida judaica fora do Brasil. O que é mais surpreendente em tudo isso é que os judeus reais que viviam no Brasil, fossem eles cidadãos ou refugiados, enfrentavam poucos empecilhos cotidianos ou estruturais para a conquista de objetivos econômicos ou sociais[310].

Assim, para Lesser a questão judaica brasileira era na verdade um esforço dos líderes do Brasil em encaixar imagens intolerantes dos judeus, filtradas da Europa, com a realidade de que a esmagadora maioria dos imigrantes judeus não era nem muito rica nem muito pobre, era raramente ativa politicamente, e rapidamente aculturou-se à sociedade brasileira[311]. Mesmo relativizando o anti-semitismo brasileiro como fez Lesser, não podemos deixar de observar a admiração, mal disfarçada, de alguns diplomatas com as iniciativas anti-semitas empreendidas por Adolf Hitler. Conforme demonstrou Carneiro, Araújo Jorge, da Legação do Brasil em Berlim, é um exemplo deste comportamento, pois muitos de seus relatórios traziam elogios às medidas legais tomadas pelo governo nacional-socialista para eliminar a influência judaica no país[312].

De maneira parecida as elites católicas correspondiam ao sentimento expresso pelos diplomatas. Na análise de Graciela Ben-Dror existia no Brasil dos anos 1920 e 1930 um racismo camuflado, apoiado em uma retórica legitimadora dos atos de exclusão e de violência. Do mesmo modo, a identificação entre os termos “católico” e “brasileiro” como sinônimos da identidade nacional era corrente no clero desde os anos 1920 o que contribuiu para rotular o judeu como inimigo do cristianismo. Para a autora parte da elite católica que ocupava os quadros da Ação Integralista Brasileira, não divulgavam o racismo por razões da doutrina cristã, mas mesmo assim, afirmavam que existia uma intima ligação entre judaísmo e comunismo, e por isso estavam a favor da aplicação de uma política de discriminação para os judeus no Brasil. Daí que o anti-racismo no Brasil caminhasse ao lado do anti-semitismo, sem que uma atitude fosse excludente da outra [313].

A Ordem dos franciscanos no Brasil, por exemplo, também seguiu por esta linha, afirmando existir um nexo entre judeus e comunistas, pois segundo alguns intelectuais católicos, os dirigentes comunistas Marx e Trotski eram judeus, e o era também todo o estado-maior soviético. A posição dos franciscanos era que não há que desprezar o povo judeu enquanto raça posto que no final dos tempos se converteriam ao cristianismo, mas em contrapartida os católicos deveriam estar sempre em alerta, pois esse povo possuía uma “obsessão destrutiva”, que projetava-se sobre o mundo cristão. Por este raciocínio, defendido pelos franciscanos, não foi sem motivos que na Idade Média, por exemplo, a Igreja isolou os judeus em lugar determinado, o gueto, e com isso evitou a difusão de seu espírito negativo. Não obstante, o anti-sionismo transformou-se em um dos componentes do anti-semitismo da época, várias críticas surgiram à ideia de “Terra de Israel”. Para os franciscanos o movimento “Sionista” converteu-se em sinônimo de “desejo de impor-se no mundo”. Tratava-se do desenvolvimento de um “messianismo imperialista”, extremamente perigoso, ao defender a constituição de um “império invisível dos judeus sobre toda a terra”[314].

A revista A Ordem, que havia sido fundada em 1921 pelo intelectual católico conservador, Jackson de Figueiredo, que, um ano depois, criou o Centro Dom Vital, também se transformou num dos veículos de propaganda do anti-semitismo. Jackson Figueiredo combatia, através da revista, o protestantismo, a Maçonaria e os judeus. Todos vistos como inimigos ao cristianismo. O Centro Dom Vital conseguiu reunir um grupo de intelectuais católicos antiliberais e conservadores, no qual se destacava o padre Leonel França, cujos livros, publicados nesses anos, tornaram-se textos centrais para a geração católica do pós-guerra. Em 1937, eram vinte centros deste tipo que havia se convertido na expressão intelectual mais importante do catolicismo brasileiro. Suas explicações espirituais e morais das mudanças ocorridas no país se impuseram a outras interpretações de tipo materialista e configuraram a linha central do pensamento católico do país[315].

Com uma visão de mundo totalizadora, a intelectualidade católica acreditava que era possível conduzir o Brasil pelo rumo correto da Doutrina Social da Igreja. Amoroso e Lima, por exemplo, defendia a introdução da educação religiosa nas escolas públicas, de acordo com a Constituição de 1934. Advertia contra as ameaças do judaísmo, dos maçons, do espiritualismo, do comunismo e do protestantismo naquele campo. Como bem salientou Gracieli, a crítica aos judeus combinava argumentos tradicionais com outros tomados do anti-semitismo moderno. Por exemplo, nos argumentos de Plínio Correa de Oliveira, o “problema judaico” provinha de haver sido o povo judeu “o povo deicida, que há dois mil anos está espalhando pelo mundo como castigo divino”. “Por razão, são nômades e não se misturam com raça alguma”. Suas capacidades intelectuais são notáveis, e “possuem especial talento comercial, graças ao qual acumularam um enorme capital, por meio do qual influenciam em todos os processos relacionados com os negócios”[316].

O argumento de Correa Oliveira era de que os comunistas foram reprimidos após a rebelião de 1935 e se encontravam continuamente vigiados pela forças de segurança. Daí que desde então a atenção dos católicos devia dirigir-se aos judeus, que não estavam sob violência alguma e eram “inimigos da ordem social e muito mais perigosos”. Suas conclusões são que por trás do comunismo se encontram os maçons franceses, cujos representantes ocupavam todos os cargos importantes do país. Por outro lado, destacava a influência dos judeus, que respaldavam o comunismo em todo o mundo. Em sua opinião, com base no que tinha sido escrito por Coty, o que ocorrera na França deveria constituir uma advertência para o Brasil, a fim de que a luta contra esses inimigos culminasse em vitória[317].

Na opinião de Marco Chor Maio, o anti-semitismo pode ser dividido em dois modelos de interpretação. O primeiro modelo remete-nos a “ideia de continuidade”. Segundo os autores que defendem este posicionamento, a relação entre judeus e não-judeus ao longo da história do mundo ocidental seria marcada por uma coleção invariável de tensões, conflitos, perseguições e massacres, que resultaria num elevado custo para a sobrevivência do povo judeu. Segundo Maio, um bom exemplo desse “modelo de continuidade” é o livro A Conspiração Mundial dos judeus: Mito ou Realidade, do historiador Norman Cohn. Para Maio, neste viés interpretativo, o anti-semitismo moderno é apresentado como mera atualização do passado. Esta vertente historiográfica elegeu o anti-semitismo como fonte explicativa da trajetória do povo judeu, o anti-semitismo é entendido, na sua essência, como invariante e atemporal[318].

O segundo modelo refere-se a “ideia de ruptura” muito bem representado pelos estudos de Hannah Arendt. Na análise da filósofa, o genocídio nazista foi um crime sem precedentes na história da humanidade e, justamente, por isso deve-se a singularidade do anti-semitismo moderno. Diante dos limites do “modelo da continuidade”, resumidamente entendido pela indiferença entre o moderno anti-semitismo e o antigo ódio religioso judaico, a autora propõe uma análise dialética, centrada no processo de interação entre judeus e não-judeus, ou seja, na longa e tortuosa história destas relações que prevaleceram desde a primeira diáspora judaica[319].

Segundo Maio, o modelo da “ruptura”, defendido por Arendt, contemplou ao mesmo tempo os dois padrões de anti-semitismo qualitativamente diferentes: o tradicional e o moderno. O padrão tradicional caracteriza-se pela existência de conteúdos religiosos e econômicos, indicando as formas de inserção dos judeus na sociedade. Primeiro, esta inserção se daria em terreno religioso, os judeus são vistos pelos católicos como a verdade viva do cristianismo. Segundo, na economia, como embrião monetário de uma economia pré-capitalista. Para Maio, o povo de Israel marginalizado, mantinha-se num equilíbrio precário com certa autonomia, dentro de uma sociedade não-judaica, oscilava entre a exclusão e a tolerância. Desta maneira, o anti-semitismo tradicional exercia três formas de poder: converter (batismo), isolar (Guetos) e expulsar (última decisão)[320].

De outro modo, o anti-semitismo moderno, operaria mudanças radicais, conferindo um conteúdo essencialmente político e destoando das notas religiosas e econômicas que em outrora caracterizavam o anti-semitismo tradicional. Segundo Maio, a tese de Tocqueville para explicar o ódio feroz do povo francês à nobreza após a Revolução Francesa, serviria também para explicar o anti-semitismo moderno. Este conflito teria surgido quando a perda de poder dos aristocratas não correspondeu ao declínio de suas riquezas, assim sem qualquer função pública, mas preservando sua riqueza, a nobreza tornou-se alvo do ódio popular. Algo semelhante teria acontecido com os judeus. O auge do anti-semitismo moderno corresponderia ao período em que os judeus perderam a influência e funções públicas, embora preservassem seus recursos. Os judeus adentraram o mundo moderno envoltos pelas imagens preconceituosas do passado. Ao entrar pela porta da frente da sociedade, os judeus não estavam despojados de seu passado de tensões com os cristãos, nem do perfil de comunidade à parte e intimamente ligada ao Estado através da economia[321].

Em outras palavras, o anti-semitismo moderno, ao evocar a responsabilidade judaica pela destruição dos valores da tradição, indicava como a única solução para este problema o trinômio, suspeita, vigilância e eliminação. Devido a impossibilidade de dissolução das características singulares e malignas deste povo, só restaria a eliminação da fonte de todos estes males[322].

Dito isto, veremos a seguir que a singularidade do discurso integralista de Barroso na AIB deve-se exatamente à sua identificação com o anti-semitismo e com o antimaçonismo. Entretanto, conforme o levantamento de Rodrigo Oliveira, apesar de perpassar a organização, tais bandeiras nunca adquiriram a centralidade na ideologia integralista. Em sua pesquisa realizada com o jornal integralista A Offensiva (Rio de Janeiro), o autor destacou o reduzido número de matérias que se dedicavam à temática antimaçônica e anti-judaicas representando, respectivamente, 0,32 % e 5,76% do total. Mesmo assim, é importante salientar que Barroso só posicionou-se a favor do anti-semitismo após ingressar na AIB. Dois fatores contribuíram para delinear o seu perfil anti-semita. O primeiro, refere-se a sua condição de Chefe de Milícias, em consoante contato com as bases integralistas, onde o anti-semitismo ajudava a sedimentar as novas crenças. O segundo, refere-se à competição com Plínio Salgado pela liderança do movimento. O discurso anti-semita era utilizado como elemento aglutinador e mobilizador representando assim um instrumento de pressão dentro do movimento[323].

De qualquer forma, o discurso anti-semita de Barroso fez vários adeptos não somente nos núcleos integralistas das capitais como também pelo interior dos estados. Segundo Ivair Augusto Ribeiro, ao analisar o jornal integralista Cidade de Olympia, publicado naquela cidade localizada no interior do estado de São Paulo, muitas das ideias de Hitler, contidas no livro Minha Luta, acerca dos judeus podem ser detectadas nos artigos de integralistas publicados no referido jornal. A aproximação judaica dos operários para angariar sua confiança, o suposto domínio da Maçonaria e o envolvimento dos judeus com o comunismo são alguns exemplos. O judeu era visto como quem contaminava as nações, aquele que inoculava o vírus da Maçonaria e do comunismo, com o propósito de desestabilizar os governos e completar seu plano de domínio universal. Outro imaginário, que teve sua origem na Idade Media, foi a ligação do judaísmo ao demônio, pois os judeus, também representavam o anticristo, a encarnação do mal[324].

Como já foi visto, para muitos integralistas, o combate ao judaísmo se justificava como forma de preservar a civilização cristã, alvo principal da imaginada conspiração judaico-maçônica. Os camisas-verdes criaram a imagem da eterna luta do “espírito das trevas” contra o “espírito da luz”. A presença do maligno torna-se mais evidente na medida em que o judaísmo vem associado a dois outros “males” que reforçam o ódio anti-semita: a Maçonaria e o comunismo. Não é por acaso que comumente em livros e artigos anti-semitas existe um cordão umbilical unindo judaísmo, Maçonaria e comunismo, os quais formariam um arcabouço com a pretensão de dominar o mundo e eliminar a civilização cristã. A luta contra o inimigo semita reforçava as idéias nacionalistas dos anos de 1930, pois proporcionava um elemento a mais para agregar o povo em torno da defesa dos interesses da nação e, consequentemente, atrair adeptos às ideologias nacionalistas de direita, como o nazismo e o integralismo[325].

Segundo Ribeiro, a existência de um inimigo “quase invisível”, que seria responsável pelas mazelas da economia a da sociedade brasileira, como o endividamento externo do país, foi muito bem explorado no livro Brasil – Colônia de Banqueiros (1934) de Barroso. A figura do inimigo estrangeiro nas manifestações nacionalistas servia para excitar a fé patriótica do povo e, ao mesmo tempo, fortalecia o movimento integralista, na medida em que este preconizava uma ideologia autóctone, voltada aos interesses nacionais e avessa à influência de doutrinas forasteiras. Desta forma, o nacionalismo de direita estabelecia os inimigos a serem combatidos: o comunismo, o liberalismo, a maçonaria, o capitalismo e em particular o judaísmo, que estaria por trás dessas ideologias “nefastas” aos interesses da pátria[326].

Nas palavras de Barroso, o Brasil após se libertar do julgo português em 1822 amarrou-se no “carro triunfante de Israel” como escravo. A dependência externa do país impunha aos brasileiros um trágico destino, ou ser servo do judaísmo capitalista dos Rotschilds ou, então, escravos submissos do judaísmo comunista de Trotski, pontos extremos da oscilação do pêndulo judaico no mundo. A cura desta mazela estaria, na opinião de Barroso, numa “Revolução Integralista”, a única com o poder de promover as mudanças de pensamento, de instituições e de rumo, repelir o liberalismo, o comunismo e o judaísmo capitalista e, assim, salvar a pátria espiritual e materialmente. O Chefe das Milícias propunha encontrar no fundo da alma nacional aquele espírito imortal dos catequizadores, dos descobridores, dos bandeirantes e dos guerreiros, para livrar a pátria do apocalipse. Deste modo, o primeiro passo era a “eliminação completa do inimigo”, somente com uma medida drástica o governo poderia livrar-se dessa doença crônica que prostravam o organismo brasileiro. Barroso buscava transmitir uma imagem fundamentalista incitando os “camisas-verdes” a lutar até a morte[327].

Barroso entendia que o motor da história envolveria um conflito incessante entre duas concepções de mundo radicalmente opostas: o espiritualismo cristão e o materialismo judaico. Em seu livro o Quarto Império, o autor desenvolveu melhor essa tese, demonstrando que nos últimos séculos, os judeus levaram a melhor sobre os cristãos, não só impediram a realização da “utopia cristã medieval” como também abriram caminho para a criação do mundo moderno, regido pelo “Império de Capricórnio[328].

Nas afirmações de Barroso, os judeus derrotaram o “Estado Cristão Totalitário” às claras, mas desde o século XVIII agiam encobertos pela clandestinidade maçônica. Para o autor, o judaísmo teria se infiltrado, primeiramente, na Ordem dos Templários, transformando aquela tradicional corporação medieval na Maçonaria. Aqui justifica-se, mais uma vez, o ódio do autor pela Ordem maçônica, pois ele acreditava que a instituição trabalhava, disfarçadamente, para desestabilizar a ordem social. Além disso, assegurava com impressionante convicção que o materialismo, criação da ideologia judaica, através dos preceitos maçônicos liberais, foi o responsável por criar as condições necessárias para a exploração da classe trabalhadora levando-a ao desespero. Por conseguinte, os judeus, mentores intelectuais desta guerra social, inventariam o comunismo por meio do marxismo, (Marx era judeu) com o objetivo aparente de atender aos anseios da classe trabalhadora. Nesta perspectiva, a Revolução bolchevique de 1917 é retratada como a confirmação do complô judaico-maçônico, para Barroso graças àquele evento revolucionário o judaísmo conseguiu edificar o chamado “Império de Capricórnio”[329].

Em suma, Barroso propunha uma revolução interior que fundaria o “Império de Carneiro”, a síntese perfeita entre a economia, a política e a espiritualidade. Esta revolução cristã integral propunha substituir o determinismo racial pelo domínio da religião. Em outras palavras, a competição entre raças seria dissolvida na unidade espiritual. Por isso o judeu deveria ser eliminado, pois esse era um povo incapaz de renunciar a sua condição material em beneficio de um projeto cristão totalitário. Ao recusarem o convite à diluição sugerida pela totalização cristã impediriam a realização da mesma, impondo assim a necessidade da dita “solução final”. Para Barroso não é por ódio, desdém ou desprezo que se deve fazer uma campanha sistemática contra a judiaria e sim por instinto de auto-conservação. Antes da completa eliminação do elemento judaico os povos não se curarão de suas enfermidades. O modelo revolucionário de Barroso baseava-se na fé e nas instituições, que são passiveis de ser alteradas. A revolução espiritual, que criaria o homem novo, também seria a base para a fundação de novas instituições[330].

FINIS

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

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Notas

[304] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: da abdicação de D. Pedro I á maioridade de D. Pedro II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938.

[305] – MILGRAM, Avraham. O Itamaraty e os Judeus. In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: EDUSP-Fapesp, 2007. p. 383 .

[306] – CARNEIRO. Maria Luiza Tucci. Metáforas de uma Civilização. In: — (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo- Fapesp, 2007. p.293.

[307] – Idem, p. 301.

[308] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. (op. cit), p. 282.

[309] – CARNEIRO. Maria Luiza Tucci. Metáforas de uma Civilização. (op. cit), p. 301.

[310] – LESSER, Jeffrey. Semitismo em Negociação: O Brasil e a Questão Judaica (1930 – 1945). In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo-Fapesp, 2007.

[311] – Idem, p. 275.

[312] – CARNEIRO. Maria Luiza Tucci. Metáforas de uma Civilização. (op. cit), p. 305.

[313] – 3 BEN-DROR, Graciela. As Elites Católicas do Brasil e sua Atitude em Relação aos Judeus (1933-1939). In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo-Fapesp, 2007. p. 224.

[314] – Idem, p. 230-231.

[315] – Idem, p. 231.

[316] – Idem, p. 234.

[317] – Idem, p. 234.

[318] – MAIO, Marco Chor. Nem Rotschild nem Trotsky. O pensamento Anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1992.. p. 230.

[319] – ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo: Anti-semitismo, Instrumento de poder. Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1975.

[320] – MAIO, Marco Chor. O pensamento anti-semita moderno no Brasil: o caso Gustavo Barroso (op. cit), p. 231.

[321] – Idem, p. 233.

[322] – Idem, p. 235.

[323] – OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Perante o tribunal da história: o anti-semitismo da ação integralista brasileira. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2004. p. 121 On-line. Disponível em http://www.qprocura.com.br/dp/16310/Perante-o-tribunal-da-historia-:-o-anticomunismo-da-acaointegralista-brasileira.html. Acesso em 10 de março de 2009.

[324] – RIBEIRO, Ivair Augusto. (op. cit), p. 353.

[325] – Idem, p. 359.

[326] – Idem, p. 360.

[327] – BARROSO, Gustavo. Brasil – Colônia de Banqueiros. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.

[328] – 8 BARROSO, Gustavo. O Quarto Império. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1935.

[329] – Idem, p. 130.

[330] – BARROSO, Gustavo. Integralismo e Catolicismo. Rio de Janeiro: Editora ABC Limitada, 1937.

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte VII

NOTAS SOBRE "OS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO" - Loryel Rocha ...

3.2 – A entrada em cena da Maçonaria

A Maçonaria surge na narrativa no capítulo dez, aproximadamente metade do livro, a partir da ligação entre judeus e maçons, introduzida pelo autor por meio da obra de Dario Vellozo, O Templo Maçônico. Segundo Barroso, foram os ocultistas Rosa-Cruzes que inseriram a cabala judaica na poderosa corporação dos Pedreiros Livres, que durante a Idade Média gozavam do monopólio da construção de edifícios públicos e das catedrais góticas. Iniciava-se ali uma nova fase na história da Maçonaria, que deixava de ser exclusivamente “operativa” para se tornar uma associação “moderna e filosófica”[281]. Deste modo, a cabala viveu sempre no mais profundo seio dos mistérios da Maçonaria, destinada a propagação de seus ensinamentos. Barroso afirmou, parafraseando Michelet, que a doutrina maçônica nada mais era do que o judaísmo cabalista, que daí por diante espalhou-se por toda a Europa.

Na Inglaterra, destinada a ser, no século XVIII, a mãe da maçonaria, a infiltração nos pedreiros-livres ocorreu em 1703. A maçonaria surgiu em França no reinado de Luiz XV, em 1737, com grande aceitação dos fidalgos fúteis e cortesãos. Relata um cronista coévo que mantinha “inviolável segredo” quanto ás suas “assembleias ocultas e perigosas para o Estado”. Vinha importada da Inglaterra e o cardeal de Fleury, primeiro ministro, mandou fecha-la manu militari. Imputavam-lhe, como se vê, o mesmo propósito dos Templários: destruir a Religião e o Trono, destruindo o Estado). Iniciava a preparação do terremoto social de 1793. Porque nenhuma revolução, confessa o maior dos técnicos revolucionários modernos, pode triunfar sem antes haver destruído os fundamentos do Estado.[282]

Tempos depois o marquês de Pombal inaugurou em Portugal a “era dos maçons”, que não passavam de cristãos novos. Conforme informou Barroso, as duas palavras eram sinônimos e, no campo, Pedreiro Livre significava judeu. Por seu turno, no Brasil, as lojas
maçônicas remontariam ao século XVIII.

Precederam de um quarto de século a translação da corte. Umas foram instaladas sob os auspícios do Grande Oriente português, algumas sob os do de França; outras, independentes deles. Todas do rito adonhiramita. Fundaram-se no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco. Embora não tendo à mão o documento maçônico de que extraímos estes dados, o consciencioso historiador Joaquim Felício dos Santos declara não saber, ao certo, como se introduziu a maçonaria no nosso país; mas afirma, com razão, que, no meado do século XVIII, “já funcionava na Bahia o Grande Oriente”, começando seu “trabalho lento, oculto, persistente, para a nossa independência. Essa independência dos países sul-americanos, na opinião dum dos homens que melhor estudarem a questão nas suas causas e efeitos, não era propriamente um fim para a maçonaria, porem um meio de enfraquecer Espanha e Portugal, isto é, os dois maiores inimigos do judaísmo: latinidade e catolicidade.[283]

Para o autor o verdadeiro papel da Ordem maçônica era estudar, investigar e dar curso ás ordens recebidas pelo poder “Oculto de Israel”. Ao atrair adeptos e realizar a propaganda de seus ideais, a Maçonaria preparava o terreno para que os judeus pudessem agir sobre a grande massa do povo.

Para isso, o envenenam com ideias de aparência liberal e filantrópica, verdadeiras utopias na maior parte dos casos, todas, sem exceção, destruidores dos lineamentos da ordem social e geradoras de ódios. Com tais ideologias, o Governo Oculto de Israel pretende dominar o mundo. Os que servem à maçonaria ignoram que, atingido esse desideratum, eles, meros instrumentos e intermediários do judaísmo, desaparecerão na voragem. Assim, aconteceu na Rússia bolchevista, onde a maçonaria foi terminantemente proibida após o triunfo judaico, somente sendo permitida a abertura das lojas recentemente, em virtude da pressão de novas necessidades políticas.[284]

A Maçonaria seria o “agente preparatório” que, passando despercebido do comum dos mortais, dava prosseguimento à dominação judaica. Através do segredo maçônico, o “Poder Oculto Internacional” provocava em todos os organismos governamentais as divisões intestinais das quais resultaria a fraqueza do Estado e, consequentemente, a sua destruição.

A conspiração judaica contra o mundo inteiro é antiquíssima e permanente. Desde o cativeiro de Babilônia até o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, durante cinco centenários, os judeus viveram numa “conspiração contínua”. Contra os persas, contra os egípcios, contra os sírios, contra os romanos.[285]

Nas palavras de Barroso se temia mais os inimigos internos do que os externos, a começar pelos jovens brasileiros que iam estudar na Europa, sobretudo nas universidades de Montpellier e Paris, e ao regressarem vinham cheios de entusiasmo pela grandeza da terra brasileira comparada com a exiguidade européia e cheios de maior entusiasmo ainda pelo exemplo norte-americano e pela figura do maçom Benjamim Franklin.

Em França, começava a lavrar pelas forças ocultas, prenunciadora da Grande Revolução, a qual ia incendiando os nossos patrícios em contato com a juventude revolta das escolas francesas. Levados por essas idéias e entusiasmos, houve estudantes brasileiros em França que procuravam entabolar negociações para a nossa independência com potencias estrangeiras, como José Joaquim da Maia, Domingos Vidal Barbosa, José Mariano Leal e José Pereira Ribeiro. Maia, de nome certamente herdado dos forasteiros de 1709, escreveu, em 1786, a respeito de seus propósitos libertadores, a Thomas Jefferson, embaixador dos Estados Unidos, o qual lhe concedeu uma entrevista romântica nas arenas de Arles.[286]

Outro aspecto importante a ser ressaltado é a “gravidade” que as “conspirações maçônicas” ganharam na explicação da história do Brasil. Para isso Barroso vira de ponta cabeça os mitos maçônicos e os re-significa. Como já vimos, um exemplo foi a Inconfidência de Minas, de 1789, que na lógica da História secreta do Brasil, foi dirigida pela Maçonaria.

Com o fim visível e retumbante da libertação dos brasileiros das garras da metrópole, mas com o fim mudo e latente do esfacelamento do império colonial português, o mesmo fim da conquista flamenga, e do esfacelamento do novo império que, decerto, com o tempo, se constituiria na América latina.[287]

Segundo Barroso, avolumavam-se os boatos do levante por ocasião da derrama. Foi quando entrou na história, o coronel Joaquim Silvério dos Reis, um dos delatores da Conjuração. “O cognome dos Reis era comum entre os marranos portugueses”. Além disso, o autor acrescentou que todo o seu “procedimento foi judaico” em contraposição com o do “infeliz Tiradentes, que morreu cristãmente no cadafalso, levando a sua humilhação ao ponto de oscular o verdugo. O descendente de Judas recebeu os trinta dinheiros de traição”[288].

Na noite de 17 para 18 de maio, um vulto misterioso, teria percorrido as ruas escuras de Vila Rica, e “batendo á porta dos conjurados, os preveniu que tudo estava descoberto, decerto para que pusessem a bom recato e queimassem documentos comprometedores”. Na opinião de Barroso era o “poder oculto” que procurava salvar o segredo do movimento, “nunca se conseguiu saber que vulto foi esse, quem o mandou e de onde veio”. No dia 22, os conspiradores foram presos em Minas e só voltariam à cena no século XIX[289].

Os argumentos de Barroso apoiavam-se, sobretudo, numa literatura estrangeira que incitava as ditas “teorias conspirativas”. Os autores Léon de Poncins e Emmanuel Malynski a todo o momento são referenciados no livro. Mas foi talvez a proximidade que Barroso mantivera até 1938 com clássicos anti-semitas sua maior fonte de inspiração. O autor acreditava que por traz da história contada publicamente existia uma muito mais importante e, por isso mesmo, escondida do resto da sociedade.

Na perspectiva de Maria Luiza Tucci Carneiro, os conceitos e valores anti-semitas sustentados por Barroso foram alimentados através de seus freqüentes contatos com a Alemanha, o que lhe rendeu um conhecimento aprofundado da literatura nazi-fascista. Além disso, a autora salienta que, apesar da temática polêmica, suas obras foram reeditadas sucessivamente, o que nos permite afirmar que existia um público no Brasil e no exterior, consumidor e apreciador das suas idéias. Alguns de seus trabalhos foram publicados em outros países, como, Roosevelt é Judeu traduzido para o castelhano por Mario Buzatto na Argentina, em 1938, nos Cuadernos Antijudios. Para Carneiro, Barroso não estava completamente isolado em sua postura, pois intelectuais do Sigma, em vários momentos, pronunciaram conferências sobre o racismo alemão, não escondendo sua admiração pelo Reich e pelo Führer, pela nova Itália e por Mussolini[290].

A principal fonte de inspiração de Barroso foi o livro anti-semita intitulado Os Protocolos dos Sábios de Sião. Em sintonia com a análise de Tucci Carneiro, a historiadora Maria das Graças Ataíde de Almeida defende a necessidade da análise dos Protocolos para a compreensão do discurso fundador do anti-semitismo no Brasil. A autora chama a atenção para a instrumentalidade e adaptação do uso do mito dos Protocolos. Se para os historiadores a obra é fonte testemunhal do discurso anti-semita, para a comunidade judaica é um elemento de tensão. Segundo a autora, é aqui que está o perigo do mito, exatamente por conta de sua imortalidade, atualidade e capacidade de multiplicação adaptando-se às novas tecnologias[291].

Como sabemos, os Protocolos são reconhecidamente um dos maiores best-sellers do mundo. Vários pesquisadores já despenderam enormes esforços, a fim de esmiuçar o conteúdo deste polêmico clássico. Alguns estudiosos acreditam que na classificação mundial dos best-sellers, a obra apareça em segundo lugar, logo depois da Bíblia. Trata-se provavelmente de um exagero, mas o que é certo, é que novas edições dos Protocolos apareceram nos quatro cantos do mundo[292]. Conforme sugeriu o historiador italiano Carlo Ginzburg, o clássico foi inspirado num texto de 1864, intitulado Dialogue aux Enfers entre Maquiavel e Montesquieu, de autoria do jornalista francês Maurice Joly. Deste modo, os Protocolos seriam a fortuna póstuma do referido texto. A obra, publicada pela primeira vez na Rússia em 1903, teria como autor um membro da polícia secreta do Czar Nicolau II. O texto, apresentado em forma de ata, foi supostamente redigido num Congresso realizado em Basileia no ano de 1807, onde sábios maçons, judeus, bolcheviques, rosacruzes, enfim, todas as elites das sociedades secretas, estavam reunidas em torno de um único ideal, a destruição do cristianismo. Com a Revolução Bolchevique de 1917, ocorreu definitivamente a materialização deste mal. Para as forças reacionárias, esse episódio fora revelado pelos Protocolos, alguns anos antes[293].

Por volta de 1919, apareceu na Alemanha a primeira tradução do livro, vários comentários e notas foram anexados ao documento, dando ênfase especial à “Conspiração Sionista” que ameaçava as monarquias e as igrejas cristãs. Foi a partir desta versão, nitidamente direcionada, que os Protocolos chegaram à Inglaterra, Espanha, França, Portugal… espalhando-se incrivelmente pelo globo. Na análise de Ginzburg, esta foi a obra que melhor ilustrou a versão moderna do anti-semitismo, pois todas as indicações de cunho religioso e econômico, características da cultura judaica, são organizadas no texto, como mecanismos de atuação política[294].

Em 1936, o livro foi traduzido e comentado por Barroso. A obra lhe foi apresentada logo que ingressou na AIB em 1933. Até então o autor dizia-se um leigo no assunto e não tinha escrito nada com relação ao anti-semitismo.

Quando entrei para o Integralismo, era já um escritor mais ou menos conhecido, com algumas dezenas de obras publicadas. O meu publico poderia estar que eu nunca escrevera uma palavra contra os judeus. Sabia alguma coisa a respeito da questão, mas não o bastante para me imprimir uma atitude espiritual. Foi o Integralismo que me tornou anti-judaico. A primeira pessoa que comigo conversou profundamente sob o judaísmo foi o chefe nacional Plínio Salgado. A segunda, o companheiro Madeira de Freitas, que me emprestou para ler a edição francesa dos Protocolos dos Sábios de Sião, obra que eu não conhecia. Os estudos para a feitura do livro Brasil: Colônia de banqueiros desvendaram-se os últimos mistérios da organização secreta do judaísmo. Passei então, a dar-lhe combate, baseado na doutrina e palavra de Plínio.[295]

Os comentários acrescentados por Barroso ao longo dos 24 capítulos em que se constituem o livro, na perspectiva de Jefferson William Gohl, atribuem uma importância
maior a Maçonaria na ordem do complô. Ou seja, a apropriação dos originais dos Protocolos por Barroso e suas notas explicativas emprestou um segundo plano de leitura que conferiu à Maçonaria um poder até mais significativo que teria nos originais[296]. O livro obteve uma boa receptividade, prova disso é que ainda em 1936, mais uma edição foi lançada, e em 1937 a obra já estava em sua terceira edição. Igualmente ao que ocorreu na Rússia, quando o livro só ficou famoso após a Revolução de 1917, no Brasil os Protocolos também só atingiram respaldo depois da chamada “Intentona Comunista” de 1935.

O ideólogo integralista sabia perfeitamente como explorar esse mecanismo de efeito moral. Com argumentos retirados dos Protocolos incitava a juventude militante integralista.

Vede esses animais embriagados com aguardente, imbecilizados pelo álcool, a quem o direito de beber sem limites foi dado ao mesmo tempo que a liberdade. Não podemos permitir que os nossos se degradem a esse ponto… Os povos cristãos estão sendo embrutecidos pelas bebidas alcoólicas ; sua juventude está embrutecida pelos estudos clássicos e pela devassidão precoce a que a impelem nossos agentes, professores, criados, governantes de casas ricas, caixeiros, mulheres públicas nos lugares onde os cristãos se divertem (…) A violência deve ser um princípio ; a astúcia e a hipocrisia, uma regra para os governos que não queiram entregar sua coroa aos agentes de uma nova força. Esse mal é o único meio de chegar ao fim, o bem. Por isso não nos devemos deter diante da corrupção, da velhacada e da traição, todas as vezes que possam servir as nossas finalidades. Em política, é preciso saber tomar a propriedade de outrem sem hesitar, se por esse meio temos de alcançar o poder.[297]

Nos comentários acrescidos por Barroso, a Maçonaria além de controlar as agências de informações internacionais, manipulando e disseminando as notícias de acordo com as “necessidades do judaísmo”, estaria comandando também os vários levantes extremistas. As acusações eram no sentido de demonstrar que atualmente o Kahal, ou poder secreto judeu, trabalhava na articulação da Revolução comunista que se queria impor ao Brasil. Esta “ameaça” crescia à medida que se aproximavam as eleições de 1938, por isso desqualificar os oponentes rotulando-os como maçons e/ou comunistas foi uma tática muito bem empregada pelo Chefe das Milícias integralistas.

O líder comunista João Mangabeira tem toda a razão quando afirma no seu Manifesto que o Sr. Jose Américo de Almeida é espiritualmente da esquerda. O antigo ministro da Viação nega ser maçom e diz-se católico: mas quem conhece a sua obra de escritor realista e freudiano não pode acreditar nessa afirmação dos dentes para fora. O que ele mostra ser no que escreve é um espírito anti-religioso, anti-clerical, maçônico e imoralista, virtualmente demolidor, que nada respeita e que tem o prazer masochista das causas imorais… Vamos documentar o que estamos dizendo, serenamente, com os próprios escritos do candidato à presidência da Republica.[298]

Ainda era muito recente na memória de Barroso a influência da Maçonaria na política brasileira. Afinal, o intelectual sabia que o movimento de proclamação da República, em 1889, apesar de não contar com a completa adesão do GOB, teve a participação de vários maçons, sejam eles civis ou militares. Ilustrativo dessa forte presença da Maçonaria, no cenário político, foi o fato de que assim que o Governo Provisório assumiu o poder, o então presidente o marechal Deodoro da Fonseca organizou um ministério composto somente por maçons, foram eles: Quintino Bocaiúva (ministro dos Transportes), Aristides Lobo (ministro do Interior), Benjamin Constant (ministro da Guerra), Rui Barbosa (ministro da Fazenda), Campos Sales (ministro da Justiça), Eduardo Wandenkolk (ministro da Marinha) e Demetrio Ribeiro (ministro da Agricultura). Na opinião de Morel, é importante perceber que os membros desse primeiro ministério não foram escolhidos por pertencerem à Maçonaria, mas por serem eles, com exceção de Rui Barbosa, republicanos históricos, que compartilhavam da sociabilidade maçônica[299].

De modo que, segundo Morel, passado o 15 de novembro, a Maçonaria brasileira, até então dividida quanto à forma de governo a ser adotada, parecia não ter mais pudor em si auto proclamar como o “baluarte do republicanismo”. Tornou-se comum dentro das Lojas maçônicas vangloriar os feitos dos irmãos maçons, no sentido de instaurar o novo regime, entendida como uma “grande evolução social” que colocaria definitivamente o Brasil no rumo do progresso. Esse otimismo explica-se, em grande parte, pelo fato de que o modelo republicano concretizou um dos mais importantes projetos defendidos pela Maçonaria, ao longo do século XIX, qual seja a implantação do Estado laico e secular[300].

Barroso vivenciou esta “incomoda” presença de maçons nos quadros do governo brasileiro, que ao longo da Primeira República elegeu 8 dos 12 presidentes, sendo eles, Deodoro da Fonseca, Prudente de Morais, Campos Salles, Rodrigo Alves, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, Wenceslau Brás e Washington Luiz. Desses presidentes maçons, Deodoro da Fonseca e Nilo Peçanha chegaram ao cargo de Grão-mestre geral da Maçonaria. Além disso, o autor sabia que muitos maçons aproveitaram do prestigio políticos de seus irmãos na busca de favores especiais. A ajuda mútua entre os maçons foi um dos principais motivos que levou Barroso a condenar a Maçonaria.

Conforme demonstrou Colussi, no período republicano, quando da separação definitiva Estado/Igreja, a Maçonaria manteve o mesmo discurso anticlerical, desenvolvendo campanhas e iniciativas que concorriam com as promovidas pelos seus principais inimigos, especialmente os jesuítas. A filantropia e a educação se acentuaram como práticas prioritárias da Maçonaria no embate contra o fortalecimento eminente do catolicismo. Deste modo, as ações filantrópicas sistemáticas, a construção de casas de saúde e de asilos e orfanatos, as campanhas de caridade em períodos de epidemias e de secas ou enchentes, bem como alguma inserção no campo do ensino popular foram as estratégias mais importantes. Como seus porta-vozes eram, em sua maioria, ateus ou agnósticos, o que poderia chocar diversos grupos, a instituição valia-se da caridade como mediadora de sua ação; também não dirigia seus ataques à religião, nem mesmo à católica, mas à Igreja institucionalizada e hierarquizada, especificamente ao papado[301].

Não obstante, a primeira Constituição republicana, em 24 de janeiro de 1891, não foi declarada em nome de Deus, pois pela carta constitucional a liberdade de culto tornara-se uma realidade e a fé, questão de foro privado. Deste modo, somente os casamentos civis ficaram oficialmente reconhecidos, os cemitérios foram secularizados, assim como os registros de nascimento, casamento e óbito. A educação pública também foi laicizada e a religião eliminada do currículo escolar[302]. Depois de quatrocentos anos, a Igreja Católica viu sua influencia diminuir consideravelmente, esta situação foi muito bem explorada por Barroso que demonstrava através de seus textos que aquela situação foi cuidadosamente elaborada pela Maçonaria desde o final do século XVIII. Barroso se valia, basicamente das acusações inauguradas pelos Protocolos, para decifrar os segredos escondidos nos bastidores da história brasileira, deste modo, instigava seus leitores a “conhecer melhor os judeus”, aquela “raça maldita”, que segundo a Bíblia, teria condenado Jesus Cristo a morte.

Na perspectiva de Barroso o nexo de união entre judeus e maçons, naquilo que ele chamou de complô “judaico-cabalista-maçônico”, era o ódio comum pela religião católica. Na argumentação do teórico integralista, o plano judaico de dominação do mundo, só não tinha sido ainda estabelecido devido a “vigilância e energia” dos governos cristãos, que impediam que se realizasse este programa. Com estas revelações, Barroso acreditava ter encontrado o fio da meada podendo desvendar um dos primeiros grandes segredos da história, o fato de que no passado os judeus agiram escondidos nas antigas corporações dos Pedreiros Livres, mas, que atualmente, eles se concentravam, sobretudo nas agremiações judaicas-comunistas, criadas no Brasil desde a década de 1920. Para o autor, era “farinha do mesmo saco judaísmo e comunismo” que juntos lutavam contra a civilização cristã e a atual ordem social.

Depois de abandonarem os Inconfidentes á forca e ao degredo, prosseguiam infatigáveis no desenvolvimento de seus planos, mascarando-se com rótulos literários, como os comunistas e maçons de hoje ainda se escondem em bibliotecas populares, sociedades de cultura e centros estudantis ou comitês anti-guerreiros e anti-fascistas… Essa gente, se tivesse um pouco mais de imaginação, mudaria de tática…[303]

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[281] – Idem, p. 233.

[282] – Idem, p. 155.

[283] – Idem, p. 156.

[284] – Idem, p. 152.

[285] – Idem, p. 153.

[286] – Idem, p. 158.

[287] – Idem, p. 157.

[288] – Idem, p. 169.

[289] – Idem, p. 170.

[290] – CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Sob a máscara do nacionalismo. Autoritarismo e anti-semitismo na Era Vargas. (1930-1945). On-line. Disponível em: http://www.tau.ac.il/eial/I_1/carneiro.htm. Acesso 10 de março de 2009.

[291] – ALMEIDA, Maria das Graças Ataíde de. Leituras Anti-semitas: Periodismo disfarçado de Catequese (1924 – 1940). In. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo-Fapesp, 2007.

[292] – GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. Trad. de Rosa Freire d´Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 201.

[293] – Idem, p. 201.

[294] – Idem, p. 202.

[295] – BARROSO, Gustavo. Reflexões de um Bode. Rio de Janeiro: Gráfica Educadora, 1937. p. 161- 162.

[296] – GOHL, Jefferson William. O real e o Imaginário: A Experiência da Maçonaria na Loja União III em Porto União da Vitória – 1936 a 1950. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, 2003. p. 60.

[297] – BARROSO, Gustavo. Os Protocolos dos Sábios de Sião. São Paulo: Editora Minerva. 1936.

[298] – BARROSO, Gustavo. Reflexões de um Bode. Rio de Janeiro: Gráfica Educadora, 1937. p. 2.

[299] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 180

[300] – Idem, p. 179.

[301] – Segundo Colussi, a filantropia maçônica possuía dois vetores: um, estava voltado para o mundo profano e outro, para os filiados da instituição. No primeiro caso, a filantropia externa servia de ligação entre os maçons e a sociedade, especialmente os menos favorecidos. Ver: COLUSSI, Eliane Lúcia. A Maçonaria Gaúcha no Século XIX. 2.ed. Passo Fundo: Editora UPF. 2000. p. 429

[302] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. (op. cit), p. 192.

[303] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. (op. cit), p. 175

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte VI

Historia Secreta do Brasil - Gustavo Barroso

3 – Os protocolos secretos da história do Brasil

Até hoje se têm escrito histórias políticas do Brasil. Empreendo, neste ensaio, a história da ação deletéria e dissolvente dessas forças ocultas. Até hoje se escreveu a história do que se via a olho nu, sem esforço. Esta será a história daquilo que somente se descobre com certos instrumentos de ótica e não pequeno esforço. É a primeira tentativa no gênero e, oxalá possa servir de ensinamento à gente moça, a quem pertence o futuro.[251]

Introdução

Para termos uma melhor compreensão sobre o desdobramento do processo de construção das narrativas antimaçônicas na primeira metade do século XX, é preciso atentar para dois fenômenos especiais que marcaram profundamente o contexto sócio-político daquela época. O primeiro fenômeno foi o crescimento do discurso anti-semita no Brasil na década de 1930. O segundo foi a concretização da “ameaça comunista”, confirmando a “profecia” de Karl Marx e colocando, definitivamente, alguns setores da sociedade em guarda contra o chamado “inimigo vermelho”.[252]

No decorrer deste capítulo, demonstraremos como o anti-semitismo e o anticomunismo contribuíram com recursos imagéticos no fomento de uma “nova” narrativa antimaçônica, inaugurando, deste modo, no cenário político brasileiro, aquilo que Gustavo Barroso chamou de “maçonismo anti-brasileiro”.[253]

Para darmos conta de nosso objetivo, trataremos de especificar os contextos de produção e circulação do livro História Secreta do Brasil e sua correlação com o best-seller anti-semita, Os Protocolos dos Sábios de Sião. Será analisado também o alcance da ideologia anti-semita. Sua forma tradicional e seus aspectos modernos serão destacados na medida em que percebemos que o ódio aos judeus se transformou num dos principais recursos das ações propagandísticas de Gustavo Barroso. Além disso, aprofundaremos o estudo acerca das diferentes apropriações do discurso anticomunista no Brasil, tendo como foco as manifestações de repúdio da Igreja Católica expressas fundamentalmente no discurso político-partidário de Barroso.

Assim sendo, o “novo formato” da narrativa antimaçônica brasileira, sobretudo, após a publicação do primeiro volume da História Secreta do Brasil receberá, nesta parte final da dissertação, um tratamento especial. Pois entendemos que as “revelações” guardadas na obra coincidiram, não por acaso, a um período especial da história nacional, marcado pela radicalização ideológica em detrimento das liberdades individuais. O fato é que o anticomunismo e o anti-semitismo tornaram-se forças decisivas nas lutas políticas do mundo contemporâneo. E no Brasil isso não foi diferente, haja vista, os episódios da chamada “Intentona Comunista” e do “Plano Cohen”.

3.1 – Segredos e Revelações da “História secreta do Brasil”

A História secreta do Brasil, de autoria de Gustavo Barroso, foi com certeza a obra que melhor sintetizou a narrativa, textual e imagética, contrária à Maçonaria. A obra pretendia ser um grandioso projeto de pesquisa englobando toda a história do Brasil, do descobrimento em 1500 até a década de 1930. Para esta empreitada, Barroso decidiu dividir o livro em quatro partes: A primeira, publicada pela Companhia Editora Nacional em 1936, abarcava Do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. A segunda e a terceira partes, ambas editadas pela Civilização Brasileira S/A, representavam, respectivamente, os períodos Da abdicação de D. Pedro I à maioridade de D. Pedro II (1937) e Da maioridade de D. Pedro II à proclamação da República (1938). A quarta e última parte deveria englobar o período Da proclamação da República à Revolução de 1930. Entretanto, por questões não muito claras, este volume não chegou a ser publicado.

Apesar de não termos os números exatos da tiragem do livro, podemos supor que pelo menos o primeiro volume da História secreta do Brasil obteve uma boa receptividade dos leitores, sendo reeditado duas vezes em 1937 e outra em 1939, todas edições pela série Brasiliana da Biblioteca Pedagógica Brasileira da Editora Companhia Nacional. A Brasiliana era uma coleção que reunia ensaios sobre a formação histórica e social do Brasil, estudos de figuras nacionais e de problemas brasileiros (históricos, econômicos, geográficos, etnológicos, políticos…), além de reedições de obras raras e de obras estrangeiras. Deste modo, o objetivo da editora era a sistematização e coordenação de estudos e de pesquisas sobre temas nacionais, o que definia desde já o caráter cientifico esperado na publicação da História secreta do Brasil. Em nota, o editor deixa claro que Gustavo Barroso propunha uma sondagem profunda em busca de um saber científico, de uma verdade histórica ou de uma “história subterrânea dos acontecimentos”, como afirmava o próprio autor.

Terá o ilustre escritor encontrado o fio da meada? Terá o mergulhador conseguido trazer de suas sondagens, a perola da verdade histórica ou uma parcela da verdade? Nos dramas, representados por personagens conhecidos, nos largos cenários das agitações publicas, ou nos palcos dos teatros políticos, terá o seu olhar penetrado os bastidores? A todas essas perguntas que se reduzem, afinal, a uma só, responderão os seus leitores, que serão muitos e os seus críticos que serão bastante competentes para julgar da imparcialidade, segurança e penetração do historiador brasileiro.[254]

Mesmo colocando em questão alguns objetivos do escritor, a editora não deixa de reconhecer o grande esforço de pesquisa e a abundante documentação utilizada por Gustavo Barroso, trazendo luz sobre as “zonas de mistério de nossa história”. Um artigo publicado no jornal A Offensiva, na cidade do Rio de Janeiro, elucida de maneira apropriada aquilo que pretendia ser o principal atrativo da História secreta do Brasil. Segundo o jornal, o livro de Gustavo Barroso era uma obra de grande vulto e até então inédita no Brasil, pois representava um “compêndio de finalidades educativas” revelando aos leitores a “verdadeira história do Brasil”, dos primórdios da colonização até os dias atuais.

[A obra] Encerra o resultado de uma investigação meticulosa e profunda, a que se dedicou Gustavo Barroso na irriquieta atividade que vem exercendo no estudo do judaísmo, da maçonaria e sociedades secretas, cujos assuntos conhece sobejamente. É um trabalho de grande mérito, mostra a quem ler, como se prepararam os grandes acontecimentos da nossa Pátria, e quais os objetivos que êles, em verdade visaram.[255]

Um exemplo da difusão nacional da primeira parte da História secreta do Brasil pode ser observado no artigo publicado pelo jornal o Diário da Tarde, da cidade de Manaus. Segundo o jornal, Gustavo Barroso não precisaria de referências especiais, uma vez que esse intelectual possuía um nome consagrado, destacando-se entre os grandes “trabalhadores da imprensa no Brasil”.

É um dos mais interessantes conhecedores da história brasileira, tendo manifestado a sua curiosidade erudita em diversos ramos do conhecimento. O volume de agora é um pouco sectarista. Mas, por isso mesmo, fazendo-o a margem dos fatos históricos, deu a esses acontecimentos uma interpretação que na nossa literatura, não tem precursores.[256]

Mais uma vez o caráter científico do livro era exaltado, despontando como um grande resumo da história pátria, amparado por uma vasta documentação. Segundo o editorial, Gustavo Barroso com “inteligência e sentido critico”, de acordo com os princípios atuais da ciência histórica, realizou algo inteiramente novo, comparado à importância do trabalho de Manoel Bomfim.

Assim como o extraordinário Manoel Bomfim deu á historia a tradução nacionalista dos seus principais característicos, o sr. Gustavo Barroso aliou-se a essa versão uma outra, procurando a sua causa determinante em influencias até então despidas de elucidações completas. Trata-se, aliás, de um trabalho em serie, da qual este é o primeiro volume publicado. Êle viu nos fatores econômicos a origem de quase todas as transformações políticas e, nesses fatores, a determinação dos interesses ocultos. Começando pelo monopólio do pau de tinta, viu o caso do açúcar, do trafico de negro, a tragédia do ouro, o drama dos diamantes, a inconfidência mineira e as outras de igual natureza, que se fizeram sentir na época colonial e no primeiro império.[257]

É importante verificar que apesar do radicalismo ideológico de Barroso, seu prestígio intelectual permanecia em alta, fazendo com que editoras de tendências esquerdistas, como é o caso da Civilização Brasileira S/A, aceitassem publicar alguns de seus livros. Talvez essa atitude da editora estivesse atrelada a interesses comerciais apostando no potencial de vendagem dos livros de Barroso. De qualquer forma, em 1938, na publicação da terceira parte da História secreta do Brasil, a editora tentou demonstrar imparcialidade com a temática do livro, declarando enfaticamente que não era de sua alçada intervir nos pontos de vistas defendido pelo autor.

O que importa á Civilização Brasileira S/A, verificar no exame dos originais, é o valor intrínseco da obra, quanto á forma e ao fundo, é a responsabilidade e a probidade intelectual dos autores aceitos ou chamados a colaborar no progresso e no desenvolvimento da cultura brasileira, pelo debate amplo e livre de questões literárias, históricas e cientificas e dos grandes problemas nacionais. Foi este o critério que seguiu ao resolver tomar ao seu cargo a publicação deste 3 ° volume, que lhe apresentou o sr. Gustavo Barroso, da Academia Brasileira.[258]

Com esta nota a Civilização Brasileira pretendia livrar-se da responsabilidade de ter publicado um livro anti-semita, antimaçônico e anticomunista deixando o debate para os
chamados “especialistas no domínio dos estudos históricos”.

A questão esta aberta. O ilustre escritor chega a conclusões discutíveis. Que as discutam os competentes na matéria. É desse debate franco, por homens de responsabilidade, que resultará o esclarecimento dos pontos controvertidos de nossa historia.[259]

Como vimos no segundo capítulo, Barroso foi um intelectual ativo, pertencente à geração dos “explicadores”, ou seja aqueles intelectuais preocupados em apontar um “saída” para os dilemas do país[260]. Sua obra contém um conjunto de sugestões para a compreensão dos problemas políticos, econômicos e sociais. É, por um lado, uma interpretação do complexo jogo político e, por outro, a tentativa de construção da identidade nacional com base na “revolução integral”. Vimos também que o anti-semitismo foi abertamente inserido e defendido nos discursos de alguns dos principais integralistas como, Tenório D’Albuquerque, Madeira de Freitas, Ulysses Paranhos e, em especial, Gustavo Barroso. Entretanto, afirmar que o integralismo, como já apontando no segundo capítulo, foi um movimento amplamente anti-semita seria, no mínimo, reducionista mesmo que seja indiscutível a existência de uma forte corrente anti-semítica dentro do movimento influenciada por Barroso.[261]

Na conturbada década de 1930, ideologicamente marcada pela disputa entre fascismo e comunismo, o anti-semitismo se constitui num dos alicerces em que se sustentava a extrema direita na Europa e no Brasil. O judaísmo e a raça semita apareciam nos discursos como os inimigos a serem combatidos, assim como o capitalismo, o liberalismo e o comunismo mesmo porque, a lógica desse discurso político era associar o judaísmo a essas ideologias[262]. Os escritos de Barroso tentavam alardear o integralismo como o antibiótico eficaz para curar as infecções causadas pelos invasores externos, como o judaísmo. Conforme destacou Ribeiro, o integralismo foi um movimento muito amplo, que admitiu desde as classes sociais até os movimentos religiosos, mas evidentemente alguns ou muitos dos integralistas acabaram entrando na onda anti-semita e um dos grandes responsáveis por isso foi o historiador Gustavo Barroso, que apanhou esse veio crítico e desenvolveu uma série de trabalhos em cima deste tema.[263]

Quanto àquilo que se refere ao texto da primeira parte da História secreta do Brasil, pode-se dizer, que o estilo da escrita é norteado por uma linguagem rebuscada e uma noção de história típica dos historiadores do século XIX, em especial Varnhagen. Como foi visto no segundo capítulo, as referências ao historiador oitocentista são constantes na obra de Barroso, principalmente quando se trata da história da Maçonaria no período da Independência do Brasil. As lutas políticas entre Gonçalves Ledo e José Bonifácio, em várias ocasiões, foram analisadas por Barroso a partir de uma perspectiva historiográfica inaugurada pela obra História geral do Brasil.[264]

Além disso, Barroso desejava demonstrar, numa mesma obra, erudição, autoridade intelectual e militância partidária. Ciente deste desafio não se incomodava em afirmar que aquele era um livro dedicado aos assuntos mais “ocultos” da história, realizado graças a sua altíssima “sensibilidade de historiador”. Acreditava que a leitura dos símbolos era um dos principais requisitos para se atingir a verdade histórica[265]. Barroso praticava uma pesquisa semiótica buscando desvendar o significado das bandeiras. O intelectual acreditava que por traz da combinação de elementos enigmáticos, presentes, sobretudo nas flâmulas, escondiam-se verdades que somente os “iniciados” poderiam conhecer. Pois, embora existissem símbolos que são reconhecidos internacionalmente outros só poderiam ser compreendidos dentro de um grupo privilegiado e restrito, no caso os maçons.

A bandeira da Inconfidência Mineira, proposta por Tiradentes, representaria, por exemplo, o “Emblema da Divindade. Em sentido literal – chapéu.” Além disso, o mesmo triângulo poderia ser visto no capitel da coluna J. (Jakin) uma das colunas do Templo de Salomão, reproduzidas nos altares maçônicos.[266]

O triângulo maçônico é o triangulo dos Pentaculos cabalísticos, o Triângulo de Salomão dos ocultistas, o Infinito da altura ligado ás duas pontas do Oriente e do Ocidente, o triângulo visível da razão revelando o triângulo invisível, isto é, o ternário do Verbo, origem do dogma da Trindade para os magistas e cabalistas judaicos, o que justifica maçonicamente a explicação dada por Tiradentes.[267]

Do mesmo modo, o estandarte da “Revolução dos alfaiates” em 1798, guardava os objetivos “socialistas” daquele motim subversivo. A estrela central de ponta para baixo, segundo Barroso, representava a figura de Lúcifer, a imagem caricatural de Baphomet.[268]

A título de exemplo, Barroso resgatou também a figura demoníaca de Eliphas Levi conhecida como Baphomet, a cabra sabática portadora do mesmo pentagrama invertido na testa. A tradição popular que afirmava o culto do bode preto nas Lojas maçônicas seria, portanto, herança da adoração deste ídolo pelos maçons. A palavra cabalística Baphomet é o contrário de TEM-O-H-P-A-B e significaria: TEMPLI-OMNIUM HOMINUM PACI ABBAS, “O Pai do Templo – Paz Universal dos Homens”.[269]

Os símbolos para quem os saiba discernir ensinam mais do que muitas páginas de história, dizia Barroso, parafraseando o maçom Dario Veloso. Segundo o autor maçom, o símbolo era a afirmação discreta das “verdades profundas, maravilhosos segredos,” ensinamentos que só poderiam ser conhecidos pela “iniciação sistemática e progressiva”.[270]

Temos no decorrer desta historia secreta de interpretar constantemente muitos símbolos e alegorias do judaísmo-cabalista-maçónico. Somos por isso obrigados a documentar fartamente o assunto, afim de que não haja suspeita de que inventamos cousas do arco-da-velha.[271]

A narrativa histórica do livro começa no dia 26 de setembro de 1498, quando a frota portuguesa que partiu de Lisboa levava a bordo um “astuto e inescrupuloso judeu polaco”. Seus conhecimentos náuticos e sua experiência no comércio das “coisas das índias” seriam de grande utilidade. Foi batizado pelos portugueses e recebeu o nome de Gaspar da Gama, sendo, vulgarmente, conhecido por Gaspar das índias. Como descreveu Barroso:

Este judeu conversava muitas vezes com El Rei D. Manuel, que folgava de lhe ouvir falar sobre as coisas da Índia, e lhe fez muitas dádivas e mercês. A Vasco da Gama e outros almirantes portugueses, Gaspar das índias prestou inestimáveis serviços. Dois anos depois, vestida de luto, como era de praxe na época, quando as armadas iam em busca de terras desconhecidas, a corte manuelina assistia do eirado da torre de Belém a partida dos navios de Pedro Álvares Cabral. O judeu Gaspar embarcara na nau do capitão-mor como língua e conselheiro, hoje diríamos intérprete e técnico, em coisas e negócios das índias.[272]

Logo que aportou em terras brasileiras, o “esperto judeu” percebeu as possibilidades inesgotáveis de tirar vantagem daquele achado. Para o autor, o oportunismo e a inteligência nos negócios eram características centrais do povo de Israel.

Seus olhos vivos e espertos, olhos de rato fugido dos ghetos da Polônia, viram o nosso Brasil no primeiro dia de seu amanhecer. Ao lado de Pedro Alvares Cabral, “de quem não se apartava”, avistou o vulto azul do Monte Pascoal nos longes do horizonte, contemplou a terra virgem e dadivosa, a indiada nua e emplumada de cocares, assistiu a primeira missa celebrada por frei Henrique de Coimbra e ouviu a leitura da carta de Pero Vaz de Caminha.[273]

Barroso retomava em suas páginas o tradicional discurso religioso anti-semita, informando seus leitores sobre a falta de lealdade e o espírito de traição do judeu.

Por adulação e baixeza, afirmamos diante dos fatos. Batizado por Vasco da Gama, o israelita tomou, de acordo com o costume em má hora instituído por D. Manuel e que estragou, na judiaria, os grandes apelidos da nobreza lusa, o nome de família do seu padrinho; mas, quando a estrela do navegador se foi empanando ante a glória de Dom Francisco de Almeida, o poderoso Vice-Rei do Ultramar, o hebreu mesquinho abandonou o nome de Gama e adotou o de Almeida, sem mais tirte nem guarte…[274]

O primeiro assalto judaico ao Brasil teria ocorrido ainda no período colonial. O governo português influenciado por “conselheiros infiéis”, que o faziam enxergar somente as “maravilhas das índias”, deixou nas mãos dos cristãos novos (israelitas) o comando total do lucrativo “comércio do pau de tinta”. Foi quando, segundo Barroso, Fernando de Noronha e seus sócios arrendaram o Brasil.

O judeu Fernando de Noronha e seus sócios haviam arrendado o Brasil a D. Manuel, que continuava dentro do sortilégio, deslumbrado com as maravilhas da Ásia. Pelo contrato de arrendamento, os judeus deviam mandar todos os anos seis navios ao Brasil, para explorar ou descobrir trezentas léguas de costa para além dos pontos já conhecidos, fincando um forte no extremo em que tocassem. Esses navios poderiam levar qualquer produto para a metrópole sem pagar o menor imposto, tributo ou finta, no primeiro ano; pagando um sexto do valor, no segundo, e um quarto no terceiro. O prazo de arrendamento, como se vê, era de três anos. No dia 24 de janeiro de 1504, D. Manuel fez doação da ilha de S. João ã Fernando de Noronha, a qual foi confirmada por D. João III em 3 de março de 1522.[275]

No texto existe uma forte argumentação no sentido de demonstrar que muito antes de qualquer concessão de sesmarias, os judeus já desfrutavam de domínios e monopólios da, recém descoberta, colônia portuguesa.

Desta sorte, antes de dividindo o Brasil em capitanias hereditárias muito antes das primeiras concessões de sesmarias, origem dos primitivos latifúndios, a coroa portuguesa alienava uma parte do Brasil, dando-a de mão beijada a um judeu traficante do pau-de-tinta, que era a anilina daquele tempo. Terminou o prazo de arrendamento da costa brasileira em 1506. Fernando de Noronha agenciou, na corte, sua renovação ou prorrogação, obtendo-a por dez anos, em troca do pagamento anual de quatro mil ducados, o que deixa ver que os lucros auferidos no comércio da madeira de tinturaria, único no amanhecer da vida brasileira, não tinham sido de desprezar. Além da prorrogação, os judeus obtinham o monopólio do negócio, pois que o rei se obrigava a não permitir mais o “trato do pau-brasil com a Índia”. Era, com efeito, do Oriente que vinha o pau-de-tinta, berzi, ou verzino, segundo Muratori e Marco Polo. O descobrimento do nosso País, em verdade, graças às informações levadas pelo astuto judeu que Vasco da Gama açoitara e conduzira àpia batismal, tivera como resultado a formação, para empregar a linguagem moderna de um TRUST DAS ANILINAS. Naturalmente, que era o monopólio do comércio da madeira tintória, desde que o sapang de Java e Ceilão fora corrido dos mercados europeus, senão isso? Tanto assim que os navios do consórcio Fernando de Noronha carregavam por ano de nossas matas litorâneas a bagatela de “vinte mil quintais da preciosa madeira”.[276]

O escritor procurou enfatizar que, no Brasil, a presença do judeu estava há muito tempo arraigada. A “judiaria” aproveitara da “boa sociedade cristã” para instalar-se no território luso-brasileiro e, em troca, “apunhalava” pelas costas os portugueses, pois os semitas só amavam a Sinagoga e o Kahal, afirmava Barroso.

No palco: a armada de Cabral com as velas pendentes em que o sol empurrava as cruzes heráldicas; a cruz erguida na praia, diante da qual um frade diz a primeira missa; um padrão cravado no solo virgem da terra descoberta em forma de cruz, a cruz nos punhos das espadas linheiras que retiniam de encontro aos coxotes de aço fosco; a cruz nas bandeiras alçadas, os nomes de Vera Cruz e Santa Cruz impostos a toda a nova região americana: o idealismo cristão, o heroísmo cristão, o sentido cristão da vida, a propagação da Fé e a dilatação do Império que a gesta dos Lusíadas cantaria com o ritmo do rolar das ondas. Nos bastidores, manobrando os cenários e arranjando as vestiduras, o judeuzinho de Goa, o cristão-novo Fernando de Noronha, os Cristãos-novos e israelitas do seu consórcio comercial, inspirados pela sinagoga e pelo kahal, realizando o lucro à sombra do idealismo alheio; ganhando o ouro à custa do esforço e do sangue dos outros; apagando o nome da Cruz com o nome do pau-brasil, o que indignou a João de Barros; usando a epopéia da navegação e o poema do descobrimento para a fundação trivial de um monopólio de anilinas…[277]

Uma das características marcantes da História secreta do Brasil é o esforço para evidenciar, perante o “tribunal da história”, que o judaísmo, inescrupulosamente, utilizava-se de todos os meios para apoderar-se da riqueza e da pecúnia no Brasil. Para Barroso, o assalto às fortunas públicas e particulares foi levado a efeito, primeiro através do monopólio do pau-brasil, logo depois, pela especulação sobre o açúcar, seguido do tráfico negreiro, da pirataria, da conquista, das companhias de comércio e navegação, do açambarcamento de gêneros, do estanco de produtos e, finalmente, da expropriação forçada das minas, do contrato dos diamantes e do contrabando.

Possuindo os meios pecuniários, a força do ouro, o judaísmo atacará o segundo sector da força da sua luta, o Estado. Aí já se não apresentará tão a descoberto e se valerá das sociedades secretas, que organizará em compartimentos estanques e superpostos, tornando-as fontes de iniciação nas doutrinas cabalistas-talmúdicas, as quais teem o dom de transformar os cristãos em “traidores da própria pátria e da própria fé, em proveito do judeu cabalista, cuja ambição é conquistar pela astúcia e pela traição o domínio universal ”.[278]

Barroso explicou, com uma impressionante riqueza de detalhes, o surgimento da “maldade do povo judeu”, que infiltrado no seio da Igreja Católica nascente, provocaram várias divisões heréticas, “multiplicando-as num labirinto diabólico”. Segundo ele, toda a gnose dos primeiros séculos do cristianismo tem origem na cabala judaica. Além disso, afirmou que quase todos os grandes heresíarcas foram judeus.

As sociedades secretas gnósticas se espalharam pelo Ocidente e pelo Oriente, sobretudo as sociedades secretas maniquéas a que a bula Humanum genus de S. S. Leão XIII mui acertadamente compara a maçonaria. Catáros, patarinos, brabantinos e albigenses saem em plena idade média dessa fonte manaquéa e cobrem a França com uma rede invisível de sociedades secretas.[279]

Seja por necessidade ou por natureza, na opinião de Barroso, os judeus sempre procuraram, utilizaram e amaram o mistério e, desde o tempo dos romanos, possuem um governo oculto organizado, denominado de Kahal. Não obstante, demonstrou haver uma íntima ligação entre a Ordem dos Templários e o judaísmo.

O fim secreto dessa ordem de cavalaria, fundada na Palestina em 1118, era a reconstituição do templo de Salomão, em Jerusalém, de acordo com o modelo da profecia de Ezequiel; seu exemplo, os maçons guerreiros de Zorobabel; suas tradições, as judaicas do Talmud; sua regra, a cabala dos gnósticos; seu ideal, adquirir influencia pela riqueza, intrigar e se assenhorear do mundo. Tinha duas doutrinas: uma oculta, reservada aos mestres; outra pública, a católica-romana, enganando, dessa sorte, aos adversários que pretendia suplantar. Obedecia a esta palavra de ordem: enriquecer para comprar o mundo. Queria, assim, derrubar a autoridade do Papado e o poder da Realeza. Havia traído São Luiz nas Cruzadas e preparava vasta conspiração em toda a Europa, Filipe o Belo e Clemente V a dissolveram de surpresa. Os sectários de toda a espécie teem, desde muito tempo, acumulado mentiras sobre mentiras, tentando inocentar a Ordem do Templo, destruída pelo Papa e pelo Rei de França. Todavia, quanto mais se aprofunda a questão, mais aparece a culpabilidade dos Templários, que, em toda a cristandade, sofreram condenações infamantes, depois de longos e minuciosos processos, segundo as confissões pormenorizadas, idênticas todas elas nos países os mais diversos.[280]

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[251] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. (op. cit), São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.p. 15.

[252] – ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. O Manifesto do Partido Comunista. Trad. Marco Aurélio Nogueira e Leandro Konder. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 65.

[253] – 3 BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. (op. cit), p. 301

[254] – Idem, p. 1

[255] – Jornal A Offensiva, Rio de Janeiro 31 de Dezembro de 1936. s/n.

[256] – Jornal Diário da Tarde. Manaus 8 de Fevereiro de 1937 s/n.

[257] – Idem, s/n.

[258] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: da Maioridade á República. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. p. 3.

[259] – Idem, p.4.

[260] – PANDOLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999.

[261] – RIBEIRO, Ivair Augusto. O Anti-semitismo no discurso integralista no Sertão de São Paulo: os discípulos de Barroso. In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: EDUSP-Fapesp, 2007. p. 354

[262] – Idem, p.355.

[263] – Idem, p. 358 – 359..

[264] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. (op. cit), p. 258

[265] – Idem, p. 186 – 187.

[266] – Idem, p. 164.

[267] – Idem, p. 165.

[268] – Idem, p. 186.

[269] – Idem, p. 184.

[270] – Idem, p. 187.

[271] – Idem, p. 187.

[272] – Idem, p. 21.

[273] – Idem, p. 21.

[274] – Idem, p. 22.

[275] – Idem, p. 25.

[276] – Idem, p. 26.

[277] – Idem, p. 27.

[278] – Idem, p. 151.

[279] – Idem, p. 153.

[280] – Idem, p. 154.

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte V

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2.4 – A “Questão Religiosa” (1872 -1875) e seus reflexos no discurso antimaçônico

No Brasil oitocentista identifica-se pelo menos dois projetos ideológicos opostos. Na perspectiva de Eliane Lucia Colussi, o primeiro foi consubstanciado pela influência das correntes de pensamento liberal e cientificista que transpunha para a esfera da política e da cultura a defesa de noções, como racionalismo, progresso e modernidade representada, sobretudo, pela Maçonaria. O segundo, uma reação do catolicismo mundial frente aos avanços do liberalismo, que, no Brasil, reuniu os defensores do pensamento católico-conservador[99].

Este último, como bem observou o historiador Luiz Eugenio Vescio, pretendia impor à religiosidade popular os princípios definidos no Concilio de Trento. A Igreja reformada esperava reverter o quadro de decadência e ignorância no qual se encontrava a doutrina católica. Suas ações efetuaram-se através do regramento do clero, da criação de grandes redes escolares católicas, da expulsão dos padres maçons que não abjurassem a Maçonaria e da suspensão dos trabalhos das irmandades e confrarias que estivessem sob suspeita de influência maçônica criando assim o terreno perfeito para ocorrer aquilo que veio a se chamar Questão Religiosa[100].

Naquilo que tange, especialmente à Questão Religiosa, Vieira destacou que diversos elementos entraram em choque e ocasionaram o conflito[101]. Essa agitação não teve lugar somente no Brasil, mas por toda a Cristandade. Em sentido geral, o conflito foi, de um lado, uma colisão do galicanismo, jansenismo, liberalismo, Maçonaria, racionalismo e o protestantismo, todos vagamente “aliados” contra o conservantismo e ultramontanismo da Igreja Católica do século XIX. Numa época em que a submissão da Igreja ao Estado revelava a fragilidade e ambiguidade da instituição no Brasil. Assim ao mesmo tempo em que o catolicismo criticava a sua dependência do Estado, através do padroado e do galicanismo, usufruía das prerrogativas constitucionais de religião oficial. Os membros do clero eram pagos pelo governo, os recursos públicos financiavam a construção e reformas de igrejas e a vinda de sacerdotes estrangeiros para suprir as necessidades. O antiliberalismo católico no Brasil se defrontava com a sua real situação, queria liberdade face Estado, mas, também queria permanecer com os privilégios da situação de ser a religião oficial do Império[102].

O ultramontanismo – termo utilizado desde o século XI para descrever cristãos que buscavam a liderança de Roma (“do outro lado da montanha”), ou que defendiam o ponto de vista dos papas – não encontrou um clima muito favorável no Brasil[103].

No entanto esta situação seria alterada ao longo do século XIX. A Igreja Católica aos poucos efetivava no Brasil o movimento de renovação e afirmação de sua doutrina. Essa reação católica caracterizou-se pela reafirmação do escolasticismo, pelo restabelecimento da Sociedade de Jesus (1814) e por uma série de encíclicas, bulas, alocuções que foram fulminantemente lançadas contra o que a Igreja considerava serem elementos errôneos e tendências perigosas dentro da religião e da sociedade civil[104].

Como nos informa Vieira, os mais ilustres mestres do escolasticismo e tomismo na primeira parte do século XIX, foram o padre português Patrício Muniz (1820-1871) e o italiano Mons. Gregório Lipparoni, que haviam estudado em Roma. Cumpre ressaltar, entretanto, que o ultramontanismo do Padre Muniz não era intransigente. Entre os ultramontanos radicais, dois foram de grande influência como os padres Luís Gonçalves dos Santos e William Paul Tilbury. O primeiro, cognominado “Padre Perereca”, foi talvez o mais vocifero dos ultramontanos no Brasil. Entrou em violentas disputas com o Padre Feijó sobre o projeto legislativo que daria permissão aos padres brasileiros de se casarem. O Padre Perereca atacou Feijó com termos insultantes, aos quais Feijó revidou à mesma altura. Tanto o Padre Tilbury como o padre Perereca têm o crédito de terem sido um dos pioneiros da narrativa antimaçônica no Brasil. Em 1826 Tilbury publicou Exposição Franca Sobre a Maçonaria. A contribuição do padre Perereca foi em forma de uma série de cartas publicadas nos jornais do Rio de Janeiro contra a Maçonaria e o jornal o Despertador Constitucional[105].

O folhetim intitulado de Antídoto Salutifero contra O Despertador Constitucional…que circulou na década de 1820 dá o tom do seu discurso antimaçônico.

Carta Primeira. (Quinta do Corcovado aos 15 de Abril de 1825)
Senhor Despertador Constitucional. Com grande prazer, e satisfação dou a V.S. os sentimentos do mau sucesso, que teve na defesa, que fez, da sua decantada, e venerável Ordem Maçônica: igualmente me congratulo com todos os Brasileiros honrados, amantes da Religião, do Império, da Verdade, e do Bem Público, de que V.S., em lugar de tosquiar, tivesse ficado de tal modo tosquiado, que lhe levaram pele, e cabelo.[106]

Outros nomes ultramontanos de influência são o Dr. José Soriano de Sousa (1833-1859) e o Senador Cândido Mendes de Almeida (1818-1881). Cândido Mendes de Almeida, por exemplo, lutou contra o galicanismo através de seu estudo de quatro volumes sobre as legislações portuguesa e brasileira. Nesse trabalho, estabeleceu toda a base jurídica da disputa entre ultramontanos e a Coroa pelos direitos tradicionais da Igreja. Os ultramontanos brasileiros não lutaram sozinhos. Tiveram grande ajuda da parte dos núncios e internúncios bem como das ordens religiosas estrangeiras que, pouco a pouco, foram voltando para o Império: os lazaristas em 1827, os capuchinhos em 1862 e os jesuítas em 1866. Entre os internúncios, o mais vigoroso pregador do ultramontanismo foi Mons. Gaetano Bedini (1846-1847) que se tornou notório pelos seus sermões contra casamentos mistos entre os colonos alemães em Petrópolis, e por suas críticas públicas, feitas a Dom Pedro II, por não ir este à missa tão frequentemente quanto seus antepassados[107].

Entre os ultramontanos estrangeiros que mais influenciam a formação de várias gerações de ultramontanos brasileiros, encontramos os lazaristas que, em 1821, fundaram o Colégio Caraça, em Tejuco (Diamantina hoje) em Minas Gerais. Vários lazaristas franceses foram importados para lecionar no mencionado colégio. Os jansenistas, galicanos e liberais de todos os matizes se revoltaram contra a volta dos frades estrangeiros. O Deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos foi um dos primeiros a protestar contra esse retorno e apresentou uma “indicação” propondo que se recomendasse ao governo a execução das leis que, “pra sempre”, tinham abolido no Império do Brasil a Sociedade de Jesus. Vasconcelos foi secundado por Raimundo José da Cunha Matos, que dizia estarem jesuítas voltando ao país, a convite do Gabinete, e que esses jesuítas estavam regressando disfarçados em capuchinhos e lazaristas[108].

Os debates no Parlamento sobre a presença de frades estrangeiros no Brasil continuaram por muito tempo. Em face do que foi debatido na Câmara durante esse período, diríamos que o consenso entre os jansenistas, galicanos de todas as espécies e liberais, no Parlamento brasileiro, era que o ultramontanismo representado pelas ordens religiosas estrangeiras não deveria ser importado e, se já estivesse no Império, deveria ser confinado aos conventos e nunca lhe ser permitido “contaminar” o povo com “idéias absolutistas”. O Deputado baiano José Lino Coutinho expressou, em poucas palavras, o que os liberais desejavam: “O Brasil , Sr. Presidente, precisa de estrangeiros que lhe venham trazer a indústria e as artes”, disse ele, o que devemos “é dar à mocidade uma educação de verdadeiros católicos mais livres de preconceitos; devemos ensinar-lhes a religião de Jesus Cristo e não a hipocrisia’. Por essa razão, Coutinho se opunha à importação de frades e exigia outro tipo de imigração para o Brasil[109].

Em 1864, as teses ultramontanas foram sistematizadas na Encíclica Quanta cura e no Sillabus, anexo à mesma. Portanto, a grosso modo, pode se dizer que o ultramontanismo do século XIX colocou-se, não apenas numa posição a favor de uma maior concentração do poder eclesiástico nas mãos do papado, mas também contra uma série de coisas que eram consideradas erradas e perigosas para a Igreja[110]. Entre esses “perigos” estavam: o galicanismo, o jansenismo, o protestantismo.

No Brasil, o ultramontanismo conquistou setores importantes da Igreja. Essa “vitória” foi em parte alcançada quando os bispos conseguiram o direito de suspender qualquer clérigo ex-informata conscientia (Decreto n°. 1911 de 28 de março de 1857), sem que o clérigo afetado pudesse apelar para a Coroa, bem como quando obtiveram o controle dos Seminários. Com o seu desejo de obter para o país um clero bem mais educado, mandou para a Europa um grande número de seminaristas brasileiros que absorveram ideias ultramontanas nos seminários da França e da Itália. Ao voltarem ao Brasil, esses jovens em pouco tempo conquistaram posições de liderança dentro da Igreja. Muitos deles chegaram a bispo em pouco tempo. A verdade é que, pelos idos do Concílio Vaticano I (1869-1870), todos os bispos brasileiros e seus colegas latino-americanos eram ultramontanos e se juntaram na defesa das “Constituições Dogmáticas” que estabeleciam a “Fé Católica” e a “infalibilidade do Papa”[111].

Em 1872, os bispos de Olinda, D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, e o de Belém D. Antônio de Macedo resolveram atender às ordens de Roma e expulsaram os maçons das organizações religiosas. Naquela época, a Maçonaria se encontrava infiltrada na Igreja em Pernambuco, fato que levou D. Vital a se levantar contra essa instituição, proibindo inúmeras vezes os padres de celebrarem missas encomendadas pelos maçons. Soma-se a esta delicada situação o fato da imprensa maçônica, atacar os dogmas da Igreja Católica, o que fez com que D. Vital, a 21 de novembro de 1872 escrevesse uma carta pastoral ao clero, acautelando, seus padres e colaboradores a estarem premunidos a respeito das doutrinas pregadas pela Maçonaria[112].

A Maçonaria, na figura do Grão Mestre do Lavradio o Visconde do Rio Branco – Presidente do Conselho de Ministros – ofendida com a reação do bispo, que invocava textos pontifícios não placitados pelo governo imperial para atacar a imagem da instituição, utilizou-se de sua forte presença no Gabinete e no Senado para desencadear uma guerra pelos jornais contra o episcopado brasileiro. Neste sentido, em 17 de maio de 1873, Visconde do Rio Branco em discurso no Senado defendeu com vigor os princípios maçônicos contra as acusações da Igreja.

Eu entrei na maçonaria há muitos annos, e nunca vi que ella se ocupasse com a religião nem com a política do Estado: foi sempre a meus olhos, pela experiência que tenho, uma associação destinada a socorrer os seus membros e a promover o aperfeiçoamento moral e intellectual do homem. Se ella faz pouco neste empenho, se tem ereado poucas escolas, os actos de beneficência são incontestáveis (apoiados); muitas famílias recebem auxílios dessas sociedades, que se pretende estygmatisar, a que se pretende mesmo negar os foros de cidade no Brazil.[113]

O Conselho de Estado considerava o interdito ilegítimo porque a excomunhão não respeitava a Constituição Brasileira de 1824 que garantia ao Imperador o direito do beneplácito. Assim a indicação de bispos, arcebispos, cardeais, superiores de ordens e beneficiários, além da autorização de bulas e breves papais deveriam receber a autorização de D. Pedro II. Na sessão do Senado de 24 de maio de 1873, o discurso pronunciado pelo Sr. Alencar Araripe elucidava alguns pontos desta questão e ao mesmo tempo denunciava a desobediência dos bispos perante as leis imperiais.

Lamento profundamente que o nosso episcopado não conheça o perigo, e tente a árdua empreza contra as attribuições da autoridade civil (Apoiados), sonhando com a restauração de uma ordem de cousas que jamais voltará. Longe vai a época do domínio temporal do clero, e essa época não figurará mais na historia futura da humanidade.O estudo do que entre nós se passa demonstra que resurgio a idéa de restabelecer um domínio decahido; e para rehabilitar a supremacia do poder temporal no episcopado, os nossos bispos planejarão investir contra a associação maçônica, e depois proceder, em aberta resistência, contra o próprio poder civil. Havião bullas papaes excommungando os maçons; portanto os bispos brasileiros, na execusão do seu plano, devião começar dizendo que a associação estava condemnada, e que não podia existir porque merecia a reprovação da igreja.[114]

É interessante observar que o agravamento do conflito possibilitou algo que parecia impossível no Brasil, a união entre os dois Grandes Orientes. Os dois grão-mestres, Rio Branco e Saldanha Marinho convocaram os maçons de todo o Brasil para a batalha que se ia travar contra a Igreja. Os jornais maçônicos se agitaram. A Família do Rio de Janeiro; A Família Universal e A Verdade, de Pernambuco; O Pelicano, do Pará; A Fraternidade, do Ceará; A Luz, do Rio Grande do Norte; A Laborum, de Alagoas; O Maçom, do Rio Grande do Sul. Em vários pontos do país, foram fundados novos jornais com a finalidade confessada de combater o que chamavam “ultramontanismo” ou “jesuitismo”.

Essa imprensa sectária era liderada, principalmente, por Saldanha Marinho, sob o pseudônimo de Ganganelli. Palavras como padrecos, ferrenhos detratores, maltrapilhos, capadócios de grande força, irrisórios pedagogos, sicofantas, tornaram-se comum nestes textos[115].

O governo imperial tentou tranquilizar os ânimos enviando o Barão de Penedo até Roma. Em carta, o papa Pio IX pediu aos clérigos brasileiros para terem mais cautela e tolerância, mas a correspondência papal não chegou a tempo e o agravamento da crise foi inevitável. O bispo de Olinda, acusado perante o Supremo Tribunal foi preso e recolhido ao arsenal da marinha do Recife, a 2 de janeiro de 1874. Na sessão do julgamento apresentaram-se para defendê-lo o Conselheiro Zacarias de Góis e Vasconcelos e o senador Cândido Mendes de Almeida. Todavia D. Vital foi condenado a 4 anos de prisão com trabalhos forçados. Por decreto de 12 de março, foi-lhe comutada a pena a prisão simples na fortaleza de São João, no Rio de Janeiro[116].

A reação negativa da opinião pública nacional e internacional levou ao desgaste e, consequentemente, a queda do Gabinete Conservador liderado por Rio Branco. Em resposta o Imperador nomeia outro conservador, Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, para chefiar o novo Gabinete. Duque de Caxias também era maçom, mas condicionou a aceitação do Ministério à concessão da anistia aos dois bispos. Fez ver ao Imperador que a solução da anistia incondicional dos prelados era a única medida capaz de estancar a crise[117].

Finalmente em 17 de setembro de 1875 o governo decidiu recuar e assinou o decreto que libertava os clérigos, coloca-se um fim a Questão Religiosa que já se arrastava por 3 longos anos. Entretanto os ataques continuavam de ambos os lados demonstrando que o impasse ainda permanecia entre as duas instituições. Do lado maçônico as críticas à hierarquia clerical, à intervenção nos assuntos civis e o atraso representado pelo catolicismo permanecia em pauta. Em conferência realizada, no dia 21 de julho de 1876, no Grande Oriente Unido do Brasil, o orador Ruy Barbosa elucidou de forma precisa os contornos dessa situação.

Subscrever á falsidade ultramontana, confessar em si chagas que está consciente de não ter, sentar-se resignada e humildemente no muladar de vilependio que lhe indicam e murmurar, na inércia, as palavras de Job? Não!Nunca! (Bravos, Apoiados Geraes). Não seria simplesmente suicídio, mas pusillanimidade; não seria unicamente ruína, mas covardia; não seria só aniquilamento, mas apostasia, deserção, opprobrio… (Aplausos)[118]

Segundo Ruy Barbosa, a Questão Religiosa foi antes de tudo uma “Questão Política”, uma disputa travada entre a ortodoxia-religiosa e o legalismo monárquico. Em meio a esta situação, a Maçonaria foi tomada como “bode expiatório”. Por isso, para Ruy Barbosa, a luta dos maçons deveria continuar no sentido de construir um Estado laico e secular.

Eis a pedra de tropeço, pedra de escândalo entre elles e vós. Eis o nosso symbolo, o segredo immortal da nossa força: o crente emancipado na igreja, a igreja livre no Estado, o Estado independente da igreja. Eis o nosso terreno, onde os legisladores somos nós, não o papa, onde os decretos são os do nosso parlamento, não os da cúria. Trata-se de nossas pessoas, de nossas almas, de nossa prosperidade individual e collectiva, de nossa incommunicavel responsabilidade perante Deus.[119]

No âmbito internacional, o clima hostil entre a Maçonaria e a Igreja parecia não ter fim. Em 1879 a Maçonaria francesa declarava apoio incondicional a todos os elementos que tinham interesse em combater o catolicismo. Em resposta, os setores católicos intensificaram ainda mais a propaganda antimaçônica, que assumiu as formas mais diversas, desde as declarações do Magistério Romano e de livros sérios, até panfletos, destituídos de todo rigor científico, que utilizavam argumentos muitas vezes fantasiosos. Dentre estes últimos, destacamos Os mistérios da franco-maçonaria revelados (1885) de autoria do ex-maçom e jornalista francês Gabriel Jogand Pages, mais conhecido como Leo Taxil. Rapidamente esta obra se tornou um best-seller da época, difundindo ainda mais a narrativa antimaçônica nos meios católicos.

Taxil “revelava” ao mundo a existência de uma ordem maçônica secreta chamada Palladium, no interior da qual haveria maçons incorporados pelo demônio. Nos rituais os maçons dançavam ao redor de Baphomet, uma criatura pagã cultuada pelos Templários que possuía um corpo humano com cabeça de bode. Além disso, o livro descrevia o aparecimento pessoal de Satanás em rituais maçônicos – “aparentemente ele tomou a forma de um crocodilo e tocou piano” – e os laboratórios secretos sob Gibraltar onde demônios fabricavam germes de pestilência para devastar a Europa católica[120].

O livro ficou tão famoso que Taxil ganhou uma audiência com o papa Leão XIII, em 1887. Depois do encontro, o Vaticano patrocinaria sua campanha antimaçônica e a publicação de vários outros livros.

Desde minha admissão sob o estandarte da Igreja, estava bem convencido de uma verdade: que não saberia ser um bom ator se não me metesse na pele do personagem que representava; se não acreditasse – ao menos de momento – que estava acontecendo. No teatro, se representa uma cena de desespero, não se pode dissimular as lágrimas; o cômico enxuga com seu lenço olhos secos; o artista chora realmente. Por esta razão, durante toda a manhã que precedeu minha recepção, concentrei-me na situação de uma forma tão completa que estava pronto para tudo e era incapaz de dar um tropeço, apesar de toda surpresa. Quando o Papa me perguntou: – Filho meu, que desejais? Respondi-lhe: – Santo Padre, morrer a vossos pés, agora, neste momento… Seria minha maior sorte…Leão XIII se dignou dizer-me, sorrindo, que minha vida era mais útil, todavia, para os combates da fé. E abordou a questão da Maçonaria. Tinha todas minhas novas obras em sua biblioteca particular; ele as havia lido de cabo a rabo e insistiu no direcionamento satânico da seita.[121]

Finalmente, em 1897, Taxil comunicou que iria reunir um grupo de pessoas para apresentar uma senhorita que desejava renunciar a Satã e converter-se ao catolicismo. No dia marcado, o salão encontrou-se abarrotado de religiosos, maçons e jornalistas e, surpreendentemente, Taxil informou que nada havia de revelar, porque nunca havia existido a tal Ordem Palladium e que tudo não passava de uma brincadeira que visava ridicularizar a credulidade católica.

Não vos aborrecei, meus reverendos Padres, riais melhor, com vontade, ao saber hoje que o que aconteceu é exatamente o contrário do que acreditastes ter acontecido. Não houve, de modo algum, nenhum católico que se dedicou a explorar a Alta Maçonaria do paladismo. Pelo contrário, houve um livre-pensador que para seu proveito pessoal, de modo algum por hostilidade, veio passear por vosso campo, durante onze anos, talvez doze; e… é vosso servidor. Não há o menor complô maçônico nesta história e o provarei imediatamente. É preciso deixar Homero cantar os êxitos de Ulisses, a aventura do legendário cavalo de madeira; esse terrível cavalo não tem nada que ver no caso presente. A história de hoje é muito menos complicada.[122]

A lição de Taxil para aquela plateia era clara “o demônio só existe na cabeça de quem acredita”. Entretanto parecia que a lição de Taxil não foi aprendida, pois apesar de todos terem ouvido de modo indignado a sua confissão, seria tarde demais para a Maçonaria. Sua imagem já se encontrava solidamente associada às práticas satânicas, rituais macabros e, principalmente, à incômoda figura de Baphomet.

Segundo Marco Morel, nem só de histórias bíblicas, heroicas e exemplares é constituído o conjunto lendário que explica as origens da Maçonaria e alimenta o imaginário acerca desta sociedade. Há também aquelas narrativas que, ao contrário de enaltecer e legitimar a organização dos Pedreiros-Livres, procuram desqualificá-la, relacionando sua origem e seus objetivos com tudo o que há de mais obscuro e contrastante com os valores morais, principalmente, no que se refere àqueles advindos da cultura cristã. Seja por razões de natureza religiosa, por desavenças políticas ou tão-somente com o intuito de criar polêmica, o fato é que as chamadas narrativas antimaçônicas são tão ou mais abundantes do que as elaboradas pelos próprios maçons. Aliás, são também mais criativas e pitorescas, o que as tornam mais populares e freqüentes na imaginação coletiva. Não obstante a constante referência a elementos esotéricos, assim como a representações do imaginário cristão como o inferno e o diabo, todos os escritores antimaçônicos, ironicamente, procuraram dar um caráter de cientificidade aos seus relatos, embasando-os, no dizer destes, em uma “sólida” documentação e metodologia[123].

Desta maneira, a Maçonaria adentrava o século XX como sinônimo de anticlericalismo e anticristianismo. Nas palavras de Leão XIII, a Ordem maçônica representava a própria materialização do Diabo.

Nesta empreitada insana e pervertida nós quase podemos ver o ódio implacável e o espírito de vingança com o qual o próprio Satanás está inflamado contra Jesus Cristo – Do mesmo modo o estudado esforço dos Maçons para destruir as principais fundações da justiça e honestidade, e para cooperar com aqueles que desejarem, como se fossem meros animais, fazer o que eles quiserem, tende somente para a ignominiosa e desgraçada ruína do gênero humano.[124]

Em suma: a diabolização caricatural da Maçonaria foi uma das principais estratégias de ataque aos Pedreiros-Livres na segunda metade do século XIX. Não foram poucos os autores que interpretaram a Maçonaria como “o anticristo, profetizado por Jesus”. A sustentação desta acusação foi uma tarefa relativamente simples, visto que a simbologia maçônica, com sua influência egípcia e cabalística e com seus misteriosos rituais e cerimônias de iniciação propiciaram e a até alimentaram essas associações imagéticas.

Para Morel, o padre brasileiro Teófilo Dutra, é um bom exemplo, ao escrever, em 1931, sua obra As seitas secretas, procurou mostrar que a ciência era útil à Igreja no momento de desmascarar os seus inimigos: “Sabe ela [a Igreja] que a ciência lhe presta auxílio direto […] a ciência é um ácido que dissolve todos os males [seitas] exceto o ouro [cristianismo].” Apesar de buscar fundamento e legitimidade na ciência, as fontes utilizadas pelo padre, assim como pela maioria dos detratores da Maçonaria, possuíam procedência duvidosa. Vinham, em geral, “de um amigo da Europa que as enviara secretamente pelo correio”; de padres que “pertenceram” à maçonaria e que, após a abjurarem, resolveram delatar os seus segredos ou de moribundos que, em busca do perdão no leito de morte, resolveram confessar seus pecados maçônicos. Ao explicar, por exemplo, a origem da Maçonaria, o já citado padre Dutra narrou uma história pitoresca, baseada, segundo ele, “na filosofia e no critério”. Dizia que, após terem-se desenvolvidos as corporações de Pedreiros-Livres, o diabo teria percebido a propriedade dessa sociedade e teria dela se apoderado. Em seguida, amalgamou na Maçonaria todas as heresias que havia feito brotar na terra e a transformou na “seita tenebrosa”, a quintessência das heresias, a síntese de todas elas. Já em outras versões elaboradas por escritores católicos, a maçonaria descenderia ora da cabala judaica, do gnosticismo ateu e, até mesmo, do herege protestantismo. Desse modo, independente da versão que narra a origem da maçonaria, ela constituir-se-ia, por natureza, como uma instituição de pecado. Desde a sua origem, ela seria inimiga da Igreja e amiga do diabo, “do qual é filha reverente”[125].

De acordo com a narrativa antimaçonaria os maiores iludidos seriam os próprios maçons que, desconheceriam os segredos ocultos da Ordem. Os membros de baixa graduação serviriam apenas para que a “seita” se apresentasse perante a sociedade como uma organização do “bem”, uma vez que seria composta por pessoas respeitáveis como padres, nobres e até reis. A ideia de que o segredo maçônico escondia sempre o seu caráter conspiratório influenciou vários escritores, sendo que, cada um deles deu ao mito uma versão particular. O objetivo de tal conspiração é que recebeu explicações diversas: instaurar o reino de satanás, impor a anarquia, o comunismo, o capitalismo ou até mesmo, a dominação judaica universal. Este último objetivo, inclusive, foi amplamente divulgado pelo Os protocolos dos sábios de Sião. 126 Livro apócrifo hoje considerado uma das maiores falsidades do século, Os protocolos foi publicado pela primeira vez na Rússia, em 1905 e denunciava uma Conspiração universal dos judeus.

Além disso, como consequência do mito do complô, a Maçonaria passou a ser associada praticamente a todos os acontecimentos que marcaram a humanidade nos últimos séculos. Por trás de cada fato, de cada decisão política, de cada guerra, de cada calamidade, estaria a Maçonaria, planejando, maquinando, manipulando. Do modo como demonstrou Morel, nem mesmo os Estados Unidos, grande potência mundial, estariam livres dos desígnios maçônicos. Pelo contrário, tendo em vista que nessa nação reside a maior comunidade maçônica do mundo, de lá sairiam as principais decisões norteadoras dos destinos da humanidade. Reza a lenda que o próprio presidente americano Woodrow Wilson, em 1913, teria dito, numa clara referência à Maçonaria, que “existe um poder em algum lugar tão organizado, tão sutil, tão atento, tão entrelaçado, tão completo, tão disseminado e abrangente, que é melhor abaixar muito bem a voz ao dizer qualquer coisa em condenação a ele”[127].

Mais uma vez a tese de Girardet é reforçada, pois segundo ele nos momentos de crise o mito do complô ressurgiria com força total. Dessa maneira, por baixo das grandes ondas da história humana fluiria a corrente subterrânea e furtiva das sociedades secretas, que frequentemente determinam, nas profundezas, as mudanças que serão feitas na superfície. Diante de tais “evidências”, ou na impossibilidade de refutar tais acusações o mais prudente e seguro parece ser acreditar na Maçonaria como uma sociedade poderosa e onipresente[128]. Pois como vimos o próprio mito do complô maçônico surgiu como conseqüência dos abalos causados pela Revolução Francesa e pelo advento da modernidade. Diante de transformações tão rápidas e profundas, difíceis de explicar e de digerir, as pessoas buscavam formas de tornar o destino novamente inteligível ou, ao menos, coerente. Para tal, bastava encontrar um agente a quem pudesse incutir todas as responsabilidades. Sendo a Maçonaria uma sociedade fechada e cercada de mistérios, ela acabava por reunir todas as características que fariam dela o “bode expiatório” da vez.

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[99] – COLUSSI, Eliane Lúcia. (op. cit), , p. 12

[100] – VÉSCIO, Luiz Eugênio. O crime do Padre Sório: Maçonaria e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1893-1928). Santa Maria: EDUFSM; Porto Alegre: EDUFRGS, 2001. p. 88-89.

[101] – David Vieira informa-nos sobre a biografia de Dom Antônio de Macedo Costa, escrita por Dom Antônio de Almeida Lustosa, Arcebispo da Arquidiocese de Belém. E outros quatro trabalhos como o livro do Padre Júlio Maria, O Catolicismo no Brasil, a História Eclesiástica de Monsenhor Camargo, a obra de Oliveira Torres, A História das Idéias Religiosas no Brasil e por último, o livro do Frei Palazzolo, Crônica dos Capuchinhos do Rio de Janeiro. Outros dois trabalhos, na opinião de Vieira, mereceriam reconhecimento, são eles, O Pensamento Católico no Brasil de Antônio Carlos Vilaça e a Evolução do Catolicismo no Brasil, de João Alfredo de Souza Montenegro. Do lado acatólico e secular, Vieira ressalta apenas um estudo completamente dedicado à Questão Religiosa: O Padroado e a Igreja Brasileira de João Dornas Filho, pois os outros trabalhos limitam-se a um ou dois capítulos ou pequenas monografias tais como a de Basílio Guimarães, D. Pedro II e a Igreja, e os estudos de José Maria Paranhos, de Lídia Besouchet, e de Viveiro de Castro. Ver: VIEIRA, David. (op. cit), , p. 16.

[102] – Idem, p. 27

[103] – Idem, p.32.

[104] – Idem, p.32.

[105] – Idem, p.34.

[106] – ANTÍDOTO Salutifero contra O Despertador Constitucional Extranumerário No. 3. Dividido em sete cartas dirigidas ao Auctor d’aquelle folheto impio, revolucionário, e execravel. Para beneficio da Mocidade Brasileira, especialmente da Fluminense, por hum seu patricio fiel aso deveres, que lhe impõe a religião, e o Imperio. Lisboa: Impressão Regia, 1827. (Impressa no Rio de Janeiro) [BNL – RES 16951 -V – Reservados]

[107] – VIEIRA, David (op. cit), p. 35-36.

[108] – Idem, p.36.

[109] – Idem, p.37.

[110] – Idem, p.33.

[111] – Idem, p.38.

[112] – TERRA, João Evangelista Martins (op. cit), , p. 158.

[113] – DEFESA da Maçonaria no Parlamento Brasileiro pronunciado no Senado pelo Sr.Visconde do Rio Branco (Presidente do Conselho de Ministros) e Alencar Araripe (Membro da Camara Temporia) Ouro Preto Typ. do Echo de Minas, 1873. p. 4

[114] – Idem, p. 9.

[115] – TERRA, João Evangelista Martins (op. cit), , p. 156.

[116] – Idem, p. 161.

[117] – Idem, p. 162.

[118] – BARBOSA, Ruy. Novos Discursos e conferencias. (colligido e revisto por Homero Pires) São Paulo. Editores Livraria Acadêmica. Editora: Saraiva & Cia. 1933. p. 12

[119] – Idem, p.13.

[120] – CONFERÊNCIA, Leo Taxil disponível em http://www.guatimozin.org.br/artigos/taxil_confer.htm 
Acessado em 05 de Janeiro de 2009.

[121] – Ver: CONFERÊNCIA, Leo Taxil disponível em (op.cit)

[122] – Idem.

[123] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira (op. cit), , p. 35

[124] – BULA Humanus genus. On-line. (op. cit),

[125] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira (op. cit), p. 37.

[126] – No Brasil o livro Os Protocolos dos Sábios de Sião, foi publicado e comentado por Gustavo Barroso em 1936. Ver: BARROSO, Gustavo. Os Protocolos dos Sábios de Sião. São Paulo: Minerva, 1936.

[127] – APUD. MOREL, Marco e SOUZA, Françoise Jean de Oliveira (op. cit), p. 39.

[128] – GIRARDET, Raoul. (op. cit), p. 12.

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte IV

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2.3 – A narrativa antimaçônica: o “complô revolucionário”

Para entendermos como a narrativa antimaçônica assumiu uma nova feição na virada do século XVIII para o XIX, é preciso antes analisar o processo de galvanização do mito do “complô jacobino-revolucionário”. Em seu livro Pensando a Revolução Francesa, François Furet demonstrou que a interpretação histórica em termos de uma “conspiração maçônica” para o episódio de 1789, ou seja, da vontade consciente dos homens, é ao mesmo tempo superficial e banal. Entretanto ao analisar a obra de Augustin Cochin, reconheceu que a franco-maçonaria foi a expressão típica e inevitável da “opinião filosófica”, uma nova forma de poder que não assumia suas restrições, e cuja função era tecer as solidariedades e a disciplina de uma hierarquia a partir de um recrutamento baseado na opinião[76].

Assim, se a Maçonaria é tão importante no mundo histórico e conceitual de Augustin Cochin[77], isso não decorria, como no caso do abade de Barruel, do fato de ela ser o instrumento de uma conspiração contra o Antigo Regime, mas sim por encarnar, de maneira exemplar, a química do “novo poder”, transformando o social em político e a opinião em ação. A partir da Maçonaria, o que Cochin chama de “espírito de sociedade” substituiu o “espírito de corpo” do velho reino. Esse “espírito social” invadiu toda a nobreza, os parlamentos, as corporações, difundindo a ideologia da “vontade do povo”. Instaurou-se a religião do consenso, a crença em um poder que emanaria da própria sociedade livre de qualquer peso. Nesta perspectiva, a Revolução para Cochin não foi apenas uma batalha social ou uma transferência de propriedade. Ela inaugurou uma forma de socialização baseada na comunhão ideológica e manipulada pelos aparelhos. Seu modelo abstrato são as sociedades de pensamento que prosperaram no fim do Antigo Regime, particularmente a franco-maçonaria a mais elaborada delas[78].

Conforme salientou Michel Vovelle, a Maçonaria é, na opinião de Cochin, o molde da nova forma social, destinada a reproduzir muitas outras, capaz de reunir outros públicos e veicular outros consentimentos, mas submetida à mesma lógica a da “democracia pura”. Por isso, segundo o autor, para melhor entender o fenômeno do jacobinismo é preciso antes perceber que existia, na Europa do Antigo Regime, uma infinidade de formas de sociabilidade masculina que se exprimiam através de confrarias de devoção estabelecidas desde a época medieval. Cochin viu na sociabilidade do Iluminismo, na forma em que ela se apresentou nas sociedades de pensamento e nas Lojas maçônicas, e na ficção de igualdade que regia as relações entre os membros, a matriz do que se tornaria a “máquina” jacobina[79].

Desta forma, as origens do jacobinismo estariam vinculadas, sobretudo às “redes de confrarias de devoção”, profanas ou devotas, a exemplo das caridades maçônicas. Assim o jacobinismo, por conseguinte seria devedor tanto da Maçonaria e das sociedades de pensamento, quanto das heranças mais longínquas de sociabilidade profana ou devota. Antes da Revolução, por exemplo, muitas Lojas foram locais de reflexão e até mesmo de engajamento militante, com a iniciativa da fundação de numerosos clubes[80].

Vovelle também informa que os jacobinos tiveram, desde os primeiros anos da Revolução, a preocupação de dar uma definição de si mesmos, como eles se viam e como desejavam ser vistos. Mas, para o autor, foi do campo da contra-Revolução que eles foram denunciados, não pelo que representavam de novo e de inédito, mas por serem ao mesmo tempo os herdeiros e os agentes de um complô tramado por filósofos, protestantes e franco-maçons contra a monarquia e a religião. Esta tese foi desenvolvida pelo abade Lefranc com o título de: Le voile leve pour les curieux, ou les secrets de la Révolution révélés à l’aide de la Franc-Maçonnerie (O Véu levantado pelos curiosos ou os segredos da revolução revelados com a ajuda da Franco-Maçonaria) e depois, em 1792, por Boyer de Nîmes[81].

Entretanto, foi a abade Augustin de Barruel, entre 1797-1799, que ajudou a popularizar o mito do complô revolucionário, através da publicação de Mémoires pour servir à l’históire du jacobinisme (Memórias para servir à história do jacobinismo). Em suas memórias, Barruel fazia referências às sociedades secretas de caráter maçônico, sobretudo àquela conhecida como os Iluminados da Baviera, fundada em 1776 em Ingolstadt por J. A. Weishaupt (1748-1830). Segundo o autor, a Alemanha tinha muito apreço pela difusão da cultura, e todas as cidades de alguma importância possuíam uma ou mais sociedades de leitura e diversas gazetas. As Lojas maçônicas, por exemplo, eram numerosas e bem implantadas: estima-se seu número entre 250 ou 300, ou seja, em torno de 30000 membros, divididos bastante uniformemente no país[82].

Conforme sugerimos na introdução, Barruel foi o mais importante difusor da narrativa antimaçônica na virada do século XVIII para o século XIX. Para o clérigo, a gênese e a conduta da Revolução Francesa eram essencialmente atribuíveis às maquinações da franco-maçonaria. Uma maquinação dirigida neste caso por uma seita particular, a dos Iluminados da Baviera, que se havia infiltrado e apoderado do controle da Ordem maçônica. Assim, de modo fantasioso, Barruel transformou a preparação da subversão revolucionária em fruto da atividade secreta das Lojas maçônicas. Deste modo, os acontecimentos de 1789 seriam atribuíveis às maquinações maçônicas, o resultado final duma longa conspiração tramada desde a época dos Templários.

Nessa revolução francesa, escrevia Barruel, tudo, até os seus crimes mais pavorosos, tudo foi efeito da mais perversidade, já que tudo foi preparado, conduzido por homens que eram únicos a ter o fio das conspirações longamente urdidas em sociedades secretas, e que souberam escolher e acelerar os movimentos propícios aos complôs.[83]

Sua obra corporificava a ideia de que o segredo maçônico é a maior evidência das ações maléficas dos maçons. O maçom seria adestrado por uma “verdadeira pedagogia do segredo”, os homens do complô eram antes de tudo “instruídos para esconder-se”. Além disso, o aprendizado da espionagem era um dos aspectos iniciais da educação do maçom que fazia de tudo para controlar os meios de comunicação, em todos os países. Ao controlar as informações, a Ordem estenderia seus tentáculos sobre o conjunto do corpo social[84].

A prática das senhas, o uso dos sinais convencionados de reconhecimento, o manejo dos códigos cifrados periodicamente renovados consagram sua iniciação. “Todas as instruções”, esclarece ainda Barruel a propósito dos Iluminados da Baviera, “transmitiam-se ou em uma linguagem iniciática, ou por um código especial ou por vias secretas, temendo que um falso irmão ou mesmo que um maçom estranho à inspeção do Grande-Oriente se misturasse aos verdadeiros adeptos sem ser conhecidos, havia uma palavra de ordem especial, mudada todos os semestres e regularmente enviada pelo Grande-Oriente a toda loja de sua inspeção…[85]

Esses textos e imagens que criavam o mito da “Conspiração maçônico-jacobina” estavam inseridos dentro de um encadeamento de fatos que explicavam as causas sem precedentes da Revolução Francesa. Ao mesmo tempo, o caráter secreto da Maçonaria – a maior evidência das ações conspiratórias – ajudou a galvanizar no imaginário francês uma imagem atemorizante da Maçonaria[86].

Benimeli demonstrou que após a Revolução Francesa, o mito das seitas e a grande conspiração constituíram a essência do pensamento reacionário e foi utilizado também como uma das defesas mais eficazes para a perseguição e repressão do liberalismo nascente. O mito do complô revolucionário tinha como ponta de lança a Maçonaria, acusada de planejar um império em escala mundial[87].

No que tange ao mundo luso-brasileiro, o crescimento da narrativa antimaçônica, acompanhou um quadro de aversão à cultura francesa, motivado, sobretudo, pelos desdobramentos da política napoleônica que resultou na transferência da Família Real Portuguesa para o Rio de Janeiro e na invasão de Portugal pelas tropas francesas.

Tornou-se frequente aparecer na imprensa régia textos que “revelavam” o perigo do jacobinismo escondido na atuação da Maçonaria.

O Jacobinismo estivesse reduzido a um estado de inação, muito perigoso seria pensar o estar ele aniquilado. (…) Hipóteses desta qualidade são inteiramente incompatíveis com o espírito, e gênio do Jacobinismo, no qual a turbulência é o mais essencial ingrediente; pois ele é em tudo vigilante, e cheio de atividade; quando for conquistado de um modo, ele por outros acha seu restabelecimento; os seus caminhos são tão inumeráveis como retorcidos: a maquinação enorme de suas traças é igual ao extenso grau de sua desesperação; e a sua astúcia em iludir, para não ser descoberto o seu sistema, é excedida pela atrevida malignidade, que mostra no seguimento de seu plano; há-de mesmo tomar a máscara da lealdade, quando lhe convenha, para recuperar a boa forma, e caráter que tem perdido, ou quando necessitar promover o seu interesse imediato. Bem podemos estar persuadidos desta verdade: Que preciso é destruí-lo, (isto é, o Jacobinismo) ou ele se esforçará em destruir-nos.[88]

Deste modo, toda uma literatura política contra-revolucionária, desenvolveu-se em Portugal, de que as figuras de proa são, J. Morato e José Agostinho de Macedo[89].

O discurso político contra-revolucionário processa-se através de uma linguagem envolvente que recorre à “palavra-choque”, a palavra que desencadeia imediatamente a imagem requerida e que, por conseguinte, dispensa da parte do receptor a reflexão e a crítica. Neste sentido, maçom se tornou sinônimo de jacobino, igual a partidário dos franceses, igual a traidor. Portanto, a narrativa antimaçônica, por um lado, mobilizou setores significativos da sociedade portuguesa contra o “elemento perturbador” que, naquele contexto era visto como o invasor e, por outro, viabilizou várias medidas violentas contra os ditos “traidores”[90].

Na opinião de Maria Ivone Crisóstomo de Ornellas de Andrade Castro, a ética maniqueísta do espírito contra-revolucionário, própria do período, foi veiculada por uma pedagogia da intolerância e de fundamentalismo religioso. Assim o conservadorismo, enquanto ideologia política, nascia da necessidade de se criar um fundamentado movimento de antagonismo ativo à ruptura política e à reposição dos valores tradicionais. Os realistas não podiam assistir passivamente à total ruína da estrutura da sociedade do Antigo Regime imposta pelas tropas napoleônicas. Este “espírito contra-revolucionário” encontrou nas palavras afiadas do padre José Agostinho de Macedo um de seus maiores difusores, pois Macedo no “apogeu da idade adulta, ao pisar o limiar do século XIX, transportou consigo os fantasmas do século que o viram nascer”[91].

O padre Macedo protagonizou de modo sui generis o movimento “anti-luzes”, na vertente teológico-filosófica, foi, portanto, testemunha oficial de uma visão de mundo apologético-conservadora, agente ativo deste universo pensante, em luta com a revolução da consciência. Para o padre Macedo, a Maçonaria foi a principal responsável pela subversão da doutrina do Trono e do Altar, por isso a violência contra a figura dos obreiros era legítima[92].

Nenhum Maçom foi atacado por mim em particular, e para a minha pública retratação, só é preciso uma coisa, a prova decisiva de que nesta sociedade se não ataca direta, ou indiretamente a Religião Católica. Este é o quadro da minha vida, e dos meus sentimentos, tão verdadeiros como é patente aos olhos do Altíssimo.[93]

Numa época em que o Império luso-brasileiro encontrava-se em estado predisposto à sublevação – fermento deixado pela primeira experiência liberal – este leitor da produção filosófica iluminista soube como ninguém servir-se desse conhecimento para arremeter contra as próprias Luzes, constituindo o melhor exemplo do anti-iluminista ou, melhor, do “iluminista paradoxal”[94]. Segundo a autora, nas obras de Macedo, o uso de uma “adjectivação rancorosa” contra a Maçonaria refletia o trauma das invasões francesas, condições mais do que suficiente para este “patriota soltar as Fúrias”.

A época da parenética simplesmente retórica ou hiperbólica deixara de ter sentido numa sociedade doravante confrontada com a urgência histórica: defesa da pátria e denúncia de inimigos de ideário (pedreiros-livres, sinônimo de liberais, afrancesados ou “jacobinos”). O sermão torna-se num discurso ideológico em defesa da doutrina do Trono e do Altar, dos valores nacionais, inscritos na monarquia tradicional. O sermonário político constitui, inequivocamente, um momento de fecundação da ideologia contra-revolucionária macediana.[95]

Consequentemente, o padre Macedo tornou-se um dos maiores difusores da narrativa antimaçonaria da língua portuguesa, sendo o pregador e o tradutor de boa parte da obra do abade Barruel dentre elas destaca-se, O Segredo Revelado ou Manifestação do Systema dos Pedreiros Livres, e Iluminados, e sua influência na fatal Revolução Francesa, Obra extrahida […] do Abbade Barruel, e publicada em Portuguez para confusão dos Impios, e cautela dos verdadeiros amigos da Religião, e da Pátria (1809-1812). Nas palavras de Macedo a Maçonaria era a causa fundamental de toda a Europa revolucionada. O Pedreiro-Livre é, desde 1808, o “mal absoluto”, por isso deveria ser declarado guerra contra estes, “liberais, afrancesados ou jacobinos”[96].

É preciso fazer um indispensável serviço à Religião, ao Trono, à Pátria e a boa razão, fazendo de todo emudecer esta importantíssima canalha, que com a sua estúpida ignorância, e involuntária malícia, quase são tão prejudiciais à sociedade civil como os malvados Pedreiros-Livres com o seu pestilencial veneno, e abominável sistema de depredação, e ruína universal de todas as Instituições sociais.[97]

De modo específico, tanto no Brasil quanto em Portugal, dezenas de obras contra-revolucionárias surgiram para denunciar a “Conspiração Maçônica”, sobretudo a partir de 1800. Em conformidade com esta ideia circularam vários impressos, dentre eles, as Considerações sobre a seita dos Pedreiros Livres produzido provavelmente entre 1803 a 1813:

Em todos os tempos se viram Libertinos que para estabelecerem seus danados sistemas procuraram apoiar-se com o número dos sectários a quem angariam ou […] ou promessas – os chamados Pedreiros Livres não são os que menos se tem distinguido neste gênero de proceder – Em todos os Países da Europa tem suas lojas e sociedades (inda que debaixo de um regulamento muito misterioso) assas conhecidos por todos – Já havia muito tempo que se falava haver também em Portugal desta espécie de gente e muito particularmente em Lisboa onde vagueia gente infinita e de todas as qualidades. Neste mês fermentou-se muito mais esta matéria, e fazendo-se queixas ao Governo se procedeu com todo o escrúpulo na inquirição deste ponto – o resultado ia sendo funesto pois que em breve se viram presos, e expulsos desta cidade para fora muitas pessoas gradas, e de diferentes hierarquias. […] Com estas providências circunspectas tudo se pacificou, e não se fala já em Pedreiros Livres, nem consta também que estes falem.[98]

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[76] – FURET, François. Pensando a Revolução Francesa. Trad. Luiz Marques e Martha Gambini. Rio de Janeiro: Terra e Paz. 1989. p. 180.

[77] – Segundo Furet, o disparate absoluto, no que se refere a Cochin, é proposto por Aulard, segundo o qual a teoria de Cochin era somente uma nova versão da tese da conspiração franco-maçom na origem da Revolução Francesa. Ver: Idem, p. 179.

[78] – Idem, p.179.

[79] – VOVELLE, Michel. Jacobinos e Jacobinismo. Trad. Viviane Ribeiro. Rev. Márcia Mansor D’Aléssio. Bauru: EDUSC, 2000. p. 71.

[80] – Idem, p.72.

[81] – Idem, p.70.

[82] – Na análise de Vovelle, Barruel defendia que a Ordem dos Iluminados representava o tronco maçônico sobre o qual teria se desenvolvido as sociedades secretas de vocação diretamente política. Ver: Idem, p. 126 – 127.

[83] – GIRARDET, Raoul. (op. cit), p. 33.

[84] – Idem, p.38.

[85] – Idem, p.34.

[86] – Idem, p.32.

[87] – FERRER BENIMELI, J. A. (op. cit), p. 11.

[88] – OS PEDREIROS-LIVRES, e os Illuminados, Que mais propriamente se deveriam denominar os Tenebrosos, De cujas Seitas se tem formado a pestilencial Irmandada, a que hoje se chama Jacobinismo. Lisboa: Imprensa Régia, 1809. 31 p. [BNL – SC 14626//15P

[89] – DIAS, Maria da Graça Silva. (op. cit), p. 402.

[90] – Idem, p.402.

[91] – CASTRO, Maria Ivone Crisóstomo de Ornellas de Andrade: José Agostinho de Macedo: um iluminista paradoxal. Lisboa: Colibri história, 2001. p. 163

[92] – Idem, p.166.

[93] – MACEDO, José Agostinho de. (op. cit),

[94] – CASTRO, Maria Ivone Crisóstomo de Ornellas de Andrade (op. cit), , .p. 37

[95] – Idem, p.69.

[96] – Idem, p.165.

[97] – CASTRO, Maria Ivone Crisóstomo de Ornellas de Andrade (op. cit), , .p126-127

[98] – CONSIDERAÇÕES sobre a seita dos Pedreiros Livres – Dietário do Mosteiro de São Bento de Lisboa (nov/1803 – jul/1812). página 52. [BNL – COD 732 – Reservados]

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte III

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2.2 – Maçonaria e Igreja Católica: acusações, condenações e conflitos

Como já foi demonstrado, na Idade Média a relação entre as Lojas e a Igreja Católica era relativamente amistosa. Os maçons monopolizavam os segredos da arte de construir as grandes catedrais góticas, castelos, pontes, monumentos dentre outros… A prestação de seus serviços à Igreja Católica e aos reis rendeu-lhes privilégios, como: a livre circulação, o não pagamento de impostos e a não servidão. Talvez seja por isso que a própria denominação de freemason ou Pedreiro-Livres fosse, desde então, a forma comum de identificar aqueles especialistas da construção[49]. Nas palavras de alguns autores católicos, as finalidades e pretensões maçônicas ultrapassavam as barreiras do comprometimento profissional. Os grêmios ou Lojas do que se conhece por Maçonaria operativa possuía também uma feição “religiosa”. Entretanto, isso não significa dizer que a instituição fosse uma religião propriamente dita. Ao contrário, o que pode ser observado são apenas algumas características assemelhadas expressas, sobretudo, na adoção de símbolos cristãos e na estreita relação que mantiveram com o clero[50].

Não obstante, a atitude modernizadora e pluralista da Maçonaria[51] foi encarada com muita desconfiança pela Igreja Católica. O desconhecimento do que era a Ordem, o segredo das reuniões e os juramentos impostos aos seus membros, levaram a uma desconfiança generalizada por parte das autoridades da grande maioria dos Estados europeus. Isso veio a se confirmar quando surgiu a primeira condenação dos maçons, no ano de 1738, com a bula In Eminenti Apostolatus Specula do papa Clemente XII. Para Cottier, começou naquele ano um período de tensão e lutas quase incessantes entre as duas instituições[52]. Entretanto, é preciso ressaltar que os papas não foram os primeiros a condenarem e perseguirem a Maçonaria. Como demonstrou Benimeli, por exemplo, em 14 de setembro de 1737 o Cardeal Fleury (1° ministro de Luis XV) proibiu toda reunião secreta, sobretudo a chamada freymaçons[53].

Quando em 1738 condenou a Maçonaria, o papa Clemente XII reivindicava com a máxima autoridade – além da Carta de Plínio Cecílio – as disposições do direito romano contra os collegia illicita. Nestes termos da lei, as associações formadas sem consenso da autoridade pública eram consideradas ilícitas. A ilicitude, do ponto de vista jurídico, de tais associações acabaram por contribuir para que a Maçonaria, fosse considerada ilegal não somente sob aspecto jurídico-político, mas também moral[54].

Do começo ao fim, Clemente XII nada mais fez do que seguir o exemplo dos outros governos molestados e pouco tranquilos com os quais se cercava a maçonaria. Os governos protestantes também proibiram a Maçonaria, por ex: Holanda, Hamburgo, Suécia e Genebra. Católicos e Protestantes não eram simpáticos à situação de clandestinidade que os impedia de estar a par de que se estaria podendo maquinar naquelas reuniões.[55]

A Maçonaria representava um elemento perigoso à segurança dos reinos por isso foi proscrita e banida pelos monarcas. Do mesmo modo, a tolerância religiosa praticada e
defendida pela Maçonaria rapidamente se transformou na principal motivação das críticas da Igreja.

E por outras justas e razoáveis por Nós conhecidos, resolvemos e decretamos condenar e proibir as mencionadas sociedades, assembleias, reuniões… dos franco-maçons. (…) proibimos, portanto, seriamente, em nome da santa obediência a todos os fiéis de Cristo, de qualquer estado, posição, condição, classe, dignidade e preeminência que sejam; leigos ou clérigos, seculares ou regulares, ousar ou presumir entrar, sob qualquer pretexto, debaixo de qualquer cor, nas sociedades de franco-maçons, propagá-las, sustentá-los, recebe-las em suas casas, ou dar-lhes abrigo e ocultá-la alhures, ser nelas inscrito ou agregado, assistir às suas reuniões, ou proporcionar-lhes meios para se reunirem, fornecer-lhes o que quer que seja, dar-lhes conselho, socorro ou falar às claras ou secretamente… e ordenamo-lhes absolutamente, que se abstenham totalmente dessas sociedades, assembleias, reuniões… e isto de baixo de pena de excomunhão, da qual ninguém poder ser absolvido senão por Nós, ou pelo pontífice romano reinante, exceto em artigo de morte.[56]

Na opinião de Benimeli, Clemente XII condenou uma instituição que de fato conhecia muito pouco e não sabia qual era seu verdadeiro objetivo. As provas aduzidas por Clemente XII eram tanto a opinião pública quanto as “fundadas suspeitas de pessoas honestas e prudentes”. No catálogo das penas cominadas pela Santa Inquisição, a execução capital figurava somente para os maçons que fossem “heréticos impenitentes”, enquanto aos arrependidos era reservado o cárcere.

Homens de todas as religiões e seitas, sob aparência de honestidade natural, por um pacto estreito e impenetrável, conforme leis e estatutos por eles criados, obrigando-se sob juramento, pronunciado sobre a Sagrada Escritura e sob penas graves a ocultar por um segredo inviolável, tudo o que praticam nas sombras do segredo.[57]

A inquisição foi um tribunal eclesiástico, que funcionava com poderes delegados pelo papa para a perseguição das heresias. Inicialmente, ela esteve voltada contra a prática em segredo pelos cristãos-novos de valores e costumes judaicos. Entretanto, conforme demonstrou Francisco Bethencourt, no decorrer de quase três séculos de existência, esse tribunal eclesiástico desenvolveu uma enorme “plasticidade”, sofrendo alterações sensíveis no que se refere às suas funções. Exemplos dessa plasticidade podem ser percebidos tanto na relação com o poder real, quanto no rol dos crimes sob sua jurisdição. Assim, se em alguns momentos ela se encontrou mais subordinada ao poder real, em outros ela possuiu quase que uma autonomia absoluta. Criada inicialmente para perseguir os chamados cripto-judeus, já no século XVII vários outros crimes como a bigamia, a sodomia, a blasfêmia, a solicitação, as práticas mágicas e supersticiosas, foram absorvidos pela Inquisição revelando assim aquilo que o autor chamou de “plasticidade” dos tribunais inquisitoriais[58].

Além dessa plasticidade, apontada por Bethencourt, existia uma outra distinção significativa da Inquisição moderna, exemplificado pelo caso português, que é o seu “caráter dualista”, a Inquisição era ao mesmo tempo um tribunal eclesiástico e um tribunal da coroa. Deste modo, ter em conta essa dualidade é fundamental para o entendimento da introdução do crime de pertencimento à Maçonaria na jurisdição inquisitorial. Ao serem acusados de “suspeitos de heresia”, os maçons eram ao mesmo tempo considerados maus católicos e maus vassalos. A primeira condenação da Igreja Católica chegou em Portugal em julho de 1738 e foi divulgada, oficialmente, em 28 de setembro do mesmo ano, através de um Edital assinado pelo Inquisidor Geral, cardeal D. Nuno da Cunha[59]. O documento além de reproduzir os termos gerais da bula papal, exortava a todos, quer eclesiásticos quer seculares, sob pena de excomunhão, que denunciassem num prazo de trinta dias, pessoas conhecidas que frequentavam as Lojas maçônicas[60].

De qualquer forma, em 18 de maio de 1751, como expôs Cottier, a Maçonaria mais uma vez foi condenada. Desta vez através da bula Providas Romanorum Pontificum de Bento XIV (1740 – 1758). Na Providas… reproduzia-se, integralmente, o texto da Constituição In Eminenti. Igualmente, ficavam estabelecidas algumas razões para a condenação: A primeira seria o fato de a Maçonaria propagar a liberdade de culto; a segunda e a terceira razões estavam relacionadas ao caráter iniciático da Ordem, ao segredo maçônico, fielmente guardado sob juramento, o que tornava ilícitas e suspeitas estas reuniões; a quarta razão estaria na acusação de que a Maçonaria não respeitava as leis canônicas e civis[61].

Pio VII (1800 – 1823) em 13 de setembro de 1821 publicou a constituição Eclesiam a Iesu Christo, contra os carbonários – grupo revolucionário que agitava a península italiana. Para Benimeli, os carbonários formavam uma seita de caráter político, independente da Maçonaria, tendo por finalidade principal a unificação da Itália. Todavia Pio VII dava um passo à frente na condenação da Maçonaria equiparando-a com todas as outras sociedades secretas[62]. Em 13 de março de 1825, Leão XII (1823 – 1829) divulgou a constituição Quo Graviora. Esta condenação reiterava as censuras anteriores, além de explicitar sua aplicação a toda associação secreta que tivessem por finalidade conspirar em detrimento da Igreja e dos poderes do Estado. Dessa forma, o documento constituía um índice interessante da complexa evolução das condenações ocorridas no século XIX. A Igreja se colocava em conflito aberto com a Maçonaria, sobretudo a italiana e a francesa[63].

Nas palavras de Benimeli, aquela era uma época difícil, pois durante 1831 a 1832 e 1843 a 1845 graves desordens eclodiram nos Estados Pontifícios, sendo sufocadas graças ao auxílio das tropas austríacas e francesas. Uma das principais causas das agitações era o descontentamento com o sistema de governo em uso nos Estados Pontifícios, que não permitia aos leigos ocuparem cargos administrativos do governo. Diante desta situação, foi relativamente fácil aos “agitadores” excitar o descontentamento do povo contra o clero enquanto casta dominante e, por conseguinte, contra a Igreja. Nesta luta as sociedades secretas conquistaram um papel preponderante nas acusações dos papas.

A isto [criminosa conspiração] tendem estas sociedades secretas, surgidas do profundo das trevas somente para fazer reinar por toda a parte, na ordem sagrada como na profana, clandestinas, tantas vezes anatematizadas pelos pontífices romanos, nossos predecessores…[64]

A agitação contra o governo papal foi, pouco a pouco, amalgamando-se com a campanha pela unificação italiana. Os conflitos entre a Igreja e a Maçonaria estavam cada vez mais dramáticos. Até que em 1848, após o papa ter recusado a participar da guerra de libertação do reino de Sardenha contra a Áustria, as sociedades secretas desencadearam, finalmente uma revolução em Roma[65]. Em meio àquela conjuntura conturbada, o papa Pio IX (1848 – 1878), seguindo a trilha de seus predecessores, condenou mais uma vez todas as sociedades secretas, em especial a Maçonaria. Neste momento, não era somente o caráter clandestino destas sociedades que justificava a reprovação da Igreja Católica, pois o Sumo Pontifício responsabilizava a Maçonaria pela crise na Península Itálica, uma vez que maçons e carbonários pareciam trabalhar juntos na luta pela unificação italiana, o que contrariava os interesses de autonomia de Roma. Na visão de Pio IX a Maçonaria italiana era a usurpadora do poder temporal dos papas e inimiga da religião, desde o momento em que se tornou adversária política do papado. Sendo assim, na aloc. Multíplices inter (25 – 09 – 1865) Pio IX declarava expressamente a incompatibilidade entre a Ordem maçônica e a Igreja Católica.

Entre as múltiplas maquinações e insídios com os quais os inimigos do nome cristão ousavam assaltar a Igreja de Deus, esforçando-se, bem que inutilmente, enumerar aquelas perversas associações de homens, denominados comumente maçonaria. Esta refugiada nos esconderijos e nas trevas, saiu à luz impiedosamente, em prejuízo da religião e da sociedade humana.[66]

Todo o material jurídico anterior contra a Maçonaria foi unificado por Pio IX na sua célebre Const. Apostolicae Sedis (12 – 10 – 1869). Por esta época houve um significativo aumento do material antimaçônico produzido, sobretudo pela convicção do papa, após o cerco de Roma pelas tropas italianas. Ferrer Benimeli observa que a questão do poder temporal dos papas foi considerada por muitos católicos de primeira importância.

A unificação da Itália com Roma por capital, era tida, na verdade, como sinônimo mais ou menos vago de fim da Igreja, da mesma forma como, quinze séculos antes, muitos não puderam conceber uma ordem cristã capaz de sobreviver à ruína da ordem romana e da unidade do mundo sob o império.[67]

Não obstante, a herança transmitida a Leão XIII (1878 – 1903) foi extremamente delicada e difícil. O papa continuou a manter-se recolhido no Vaticano. Todo seu esforço consistia em alimentar aos olhos dos católicos, a iniquidade do estado de coisas que reinava em Roma. Perante tais condições históricas, não causa admiração ao saber que durante os 25 anos do pontificado de Leão XIII, saíram do Vaticano nada menos do que 226 documentos para condenar e pôr em guarda o mundo inteiro contra a Maçonaria, a Carbonária e as sociedades secretas[68].

Em 20 de abril de 1884, Leão XIII elabora o mais direto e amplo documento deletério contra a Maçonaria. Em sua enc. Humanum Genus, o papa corrobora as condenações dos seus precedentes e reafirma o compromisso da Igreja Católica no confronto à Maçonaria.

A primeira advertência do perigo foi dada por Clemente XII no ano de 1738, e sua constituição foi confirmada e renovada por Bento XIV. Pio VII seguiu o mesmo caminho; e Leão XII, por sua constituição apostólica Quo Graviora, juntou os atos e decretos dos pontífices anteriores sobre o assunto, e os ratificou e confirmou sempre. No mesmo sentido pronunciou-se Pio VIII , Gregório XVI, e, muitas vezes, Pio IX.[69]

Mas foi o episódio de 1877 o mais relevante para galvanizar definitivamente a narrativa antimaçônica. Nesse ano, o Grande Oriente de França em resposta à Igreja Católica resolveu suprimir de sua constituição os preceitos referentes a Deus e à alma, por serem considerados dogmatismos. O lema Deus meumque ius (Deus e o meu direito) foi substituído por suum cuique ius (a cada qual o seu direito)[70]. O secularismo das Lojas francesas possibilitou o ingresso de ateus dentro da Ordem. Como resposta a Grande Loja da Inglaterra, considerada regular[71] aos Antigos Deveres (Old Charges), acusou a Maçonaria francesa de “irregularidade” em relação à tradição dos obreiros[72].

Diante dessa provocação o papa Leão XIII, corroborava seus argumentos, demonstrando que o principal dos intentos da sociedade dos Pedreiros-Livres era a destruição da ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo. Assim, os maçons iriam promover, à sua maneira, outra ordem com fundamentos e “leis tiradas das vísceras mesmas do naturalismo”.

Quanto ao que se refere à vida doméstica nos ensinamentos dos naturalistas é quase tudo contido nas seguintes declarações: que o casamento pertence ao gênero dos contratos humanos, que pode ser legalmente renovado pelo desejo daqueles que o fizeram, que os governantes civis do Estado têm poder sobre o laço matrimonial; Os maçons concordam completamente com estas coisas; e não somente concordam, mas têm longamente esforçado-se para transformá-las em lei e instituições.[73]

No âmbito da educação o relacionamento entre a Maçonaria e Leão XIII era cada vez mais conflituoso, pois de um lado, estavam os maçons, defensores de uma educação laica pautada pelo ideal iluminista, enquanto que de outro estava a Igreja, defensora do ensino religioso fundado na verdade do Cristianismo. Nas palavras do papa, a Maçonaria desde muito tempo trabalhava para aniquilar da sociedade todo o influxo do magistério e da autoridade da Igreja – “ se exalta e preconiza a separação da Igreja do Estado “(…) na educação dos jovens nada deve ser ensinado em matéria de religião como opinião certa e fixada; e cada um deve ser deixado livre para seguir, quando chegar a idade, qualquer que preferir”[74].

A imprensa também serviu de palco para as disputas entre a Maçonaria e Leão XIII. Nos anos que se seguiram a publicação da Humanus Genus, o número de associações e revistas antimaçônicas aumentou consideravelmente. Além disso, os estudos destinados a esclarecer a opinião pública multiplicaram pelos países latinos. Em nota Ferrer Benimeli demonstrou que a Humanus Genus causou grande impacto num e noutro campo. No mundo maçônico ela foi objeto de críticas e símbolo máximo da intolerância católica. Do lado da Igreja, o que sem tem é uma intensa publicação de bispos que corroboravam as condenações da bula, exortando ainda mais a narrativa antimaçônica[75].

Portanto, se num primeiro momento o caráter subversivo da Maçonaria era apenas uma “forte suspeita”, pautada pela ideia clássica de que “as coisas boas amam sempre a publicidade, e os crimes encobrem-se com o segredo”. Em fins do século XIX, a antiga suspeição transformou-se em “certeza absoluta”, com isso, ocorreu um crescimento considerável da narrativa antimaçonaria, principalmente quando observarmos setores da sociedade que estavam ligados à doutrina da Igreja Católica.

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[49] – STEVENSON, David. (op. cit), p. 28.

[50] – HORTAL, Jesus. (op. cit), p. 32.

[51] – De agora em diante quando utilizarmos a palavra Maçonaria estaremos nos referindo a Maçonaria moderna ou especulativa.

[52] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 28.

[53] – FERRER BENIMELI, J. A., CAPRILE, G. & ALBERTON, V. (op. cit.), p. 24.

[54] – Idem, p.30.

[55] – Idem, p.27.

[56] – Ibidem, p. 26.

[57] – Idem, p.25.

[58] – BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália séculos XV-XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 2000. p. 31.

[59] – Conforme o levantamento de Barata, já circulavam bem antes de setembro de 1738 notícias de que o papa havia proibido e condenado a Sociedade dos Pedreiros Livres. A própria Inquisição, dois meses antes da publicação do edital de fé, formou um sumário de testemunhas, com o objetivo de melhor conhecer as atividades da Maçonaria portuguesa. Ver. BARATA, Alexandre Mansur. (op. cit), p. 128.

[60] – Idem, p.131.

[61] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 29.

[62] – FERRER BENIMELI, J. A., CAPRILE, G. & ALBERTON, V. (op. cit.), p. 31.

[63] – Idem, p.32-33.

[64] – Idem, p.36.

[65] – Idem, p.35.

[66] – Idem, p.37-38.

[67] – Idem, p.39.

[68] – Idem, p.40.

[69] – Ver: BULA Humanus genus. On-line. Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_18840420_humanum-genus_po.html >. Acesso em: 03 de novembro de 2008.

[70] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 33.

[71] – Embora qualificada de Grande Loja Mãe, a Grande Loja Unida da Inglaterra não é um “Vaticano da Maçonaria”. Por isso, sua pretensão de dar patentes de ortodoxia é contestada por muitos. A própria noção de “regularidade” – uma noção inventada por Alec Mellor e o Pe. Riquet – é antes de tudo um simples conceito de fidelidade a uma tradição considerada legítima. O grande problema reside exatamente neste ponto, uma vez que se torna difícil determinar de onde exatamente se deriva a tradição considerada legítima. Por isso, a idéia de uma Maçonaria coesa e organizada internacionalmente não se sustenta mais, ao contrário do que muitos estudiosos afirmaram em outrora. A Maçonaria nunca foi um corpo monolítico, pois na prática ela se encontra subdividida em numerosas ramificações. Mas o fato é que ainda assim, muitas condenações e acusações pesaram sobre os maçons por mais de dois séculos e meio. E na liderança deste movimento antimaçônico a Igreja Católica teve uma participação destacada. Ver: HORTAL, Jesus. (op. cit), p. 17.

[72] – COTTIER, Georges. (op. cit), p. 34.

[73] – Ver: BULA Humanus genus. On-line. (op. cit)

[74] – Idem

[75] – FERRER BENIMELI, J. A. ; CAPRILE, G. & ALBERTON, V. (op. cit), p. 41.

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte II

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2 – ARQUEOLOGIA DAS NARRATIVAS ANTIMAÇÔNICAS

Sou por caráter inimigo de seitas, porque como seitas não podem contribuir para o bem da sociedade. Combati os Sebastianistas; porque me pareceu uma seita de mentecaptos, cujas fantásticas esperanças levavam a Nação à indolência no meio da violenta, e bárbara opressão, e usurpação Francesa. Este foi o meu fim, julguei hum serviço feito à Nação, e como tal o reputavam, e ainda hoje consideram algumas pessoas sensatas, honradas, e amigas do decoro, e bom nome dos Portugueses. Combati a Maçonaria, porque a considerei como oculta, e misteriosa, e contra a qual clamavam tantos livros, tantos fatos, e tantas leis.[16]

2.1 – Origens da Maçonaria

Os historiadores, de uma maneira geral, confessam as dificuldades praticamente insuperáveis de desvendar as verdadeiras origens históricas da Maçonaria, principalmente, porque elementos lendários se fundem com fatos mais confiáveis. Todavia, como sugeriu Alexandre Mansur Barata, o primeiro exercício, no sentido de uma melhor compreensão da procedência da Ordem, é adotar um novo olhar para a vasta literatura produzida, em sua maioria, pelos próprios maçons desde o início do século XVIII. Para legitimar sua atuação, os maçons buscavam em “tempos imemoriais” as origens da instituição, o que era reforçado pela ritualística e simbolismo utilizados em suas reuniões. Desta forma, os maçons do século XVIII se auto-retratavam como herdeiros diretos dos egípcios antigos, dos essênios, dos druidas, de Zoroastro, de Salomão, das tradições herméticas, da Cabala, dos Templários, etc.[17]

Um exemplo dessa atitude pode ser encontrado nas Cartas sobre a Framaçonaria publicadas no início do século XIX e cuja autoria é atribuída ao jornalista e maçom Hipólito José da Costa. Nestas Cartas… ele demonstrava a existência de pelo menos quatro versões bem conhecidas sobre as origens maçônicas:

  • 1° – No Reinado de Carlos I na Inglaterra (1640), Cromwell foi um dos principais fundadores;
  • 2° – No Reinado de Felipe, o Belo na França (1300), atribuindo esta instituição aos Templários;
  • 3° – No Reinado de Salomão (1000 anos AC), Salomão teria sido um reformador da Maçonaria;
  • 4° – No Reinado dos primeiros faraós do Egito, as formalidades, a etiqueta que os maçons usavam nos diferentes graus e iniciações são semelhantes aos usados pelos egípcios.[18]

Nas palavras de Hipólito da Costa a busca por um passado antiquíssimo não era uma característica excepcional da Maçonaria:

Mas custa-me, ainda assim, a assentir a esta opinião; porque observo ser uma mania geral, em todos os homens, procurar a si, e às suas coisas, antiguidade de origem: todas as nações, por exemplo, procuram mostrar, que a sua origem é mui antiga; os nobres, que os seus avoengos se contam em muitas gerações conhecidas; e o genealógico, que descobrir mais um avô a um nobre, está certo de ser recompensado: e quem me diz a mim que os Framaçons, que naturalmente são infectados deste contágio geral de desejo de antiguidade de origem, não foram buscar os exórdios de sua Sociedade ao Egito, para se mostrarem no comum pensar, mais honrados e nobres.[19]

Em seu livro As origens da Maçonaria: O século da Escócia (1590 – 1710), o historiador David Stevenson lançou-se ao desafio de reconstituir a estirpe maçônica. Para isso estabeleceu, inicialmente, uma distinção entre a fase medieval e a fase moderna da Ordem. A primeira fase, também ficou conhecida como operativa, já que neste período a função da Loja estava diretamente vinculada ao ofício do pedreiro. A segunda foi denominada de especulativa, uma vez que a corporação passou a aceitar membros que não estavam ligados à arte da construção, como filósofos, políticos, alquimistas, dentre outros.[20]

Na operativa, a palavra maçom ou mason era utilizada no sentido de pedreiro, um profissional ligado à arte da construção. O termo indicava um artesão hábil para trabalhar com pedra de cantaria, um indivíduo plenamente qualificado, diferente dos assentadores de pedra comum. Além disso, a palavra Maçonaria – em sua forma inglesa freemasonary – não possuía significado misterioso[21]. Entretanto, pelo menos em um sentido, pode-se dizer que a arte do pedreiro era incomum mesmo na Idade Média. Pois enquanto o modo de vida da maioria dos artesões era fixa, produzindo bens para venda local ou por meio de intermediários em mercados distantes, o ofício dos construtores exigia mudanças de um emprego para outro. Comparada com a vida regular e estática da maioria dos artesãos, a do pedreiro ou maçom costumava ser móvel e imprevisível[22].

Foi, exatamente, devido à especificidade do oficio do “mação”, em termos de organização e relações profissionais, que surgiu a distinção com os outros artesãos. A fraternidade maçônica representava, nas palavras de Stevenson, “uma espécie de família artificial”, unidos não por sangue, mas por interesses comuns reforçados por meio de juramentos e rituais. Nessa época operativa, a Maçonaria mantinha uma relação estreita com a Igreja Católica, a corporação maçônica era uma espécie de “confraternidade ou irmandade religiosa”. Geralmente, empregava-se um padre e festejava dentro das igrejas locais os santos padroeiros das artes, com a celebração de missas especiais e procissões. Naquele contexto, as autoridades procuravam controlar e regulamentar a arte e o ofício dos artesãos através das guildas[23], a afiliação era um privilégio guardado com ciúme pelos maçons[24].

Em seu sentido original, a Loja de um maçom significava simplesmente uma construção temporária onde se realizava alguma obra importante. Talvez fosse uma estrutura montada contra a parede de um edifício já existente ou em construção ou um barracão separado, onde os pedreiros podiam esculpir e moldar a pedra longe do sol ou da chuva. Entretanto, as Lojas se desenvolveram e passaram a ser um local onde os maçons comiam, descansavam e até dormiam, quando estavam em outra cidade e não podiam voltar para a casa todas as noites. Com o passar do tempo, a Loja se tornou o centro da convivência temporária dos maçons. Referências às Lojas nesse sentido podem ser encontradas na Inglaterra e na Escócia no final da Idade Média. Na fase operativa, igualmente aos outros ofícios medievais, a Maçonaria também possuía seus documentos históricos, onde neles enfatiza-se a antiguidade, a importância religiosa e a moral de seu trabalho[25].

Pelo menos em um sentido os maçons escoceses eram peculiares, no século XV, pois a história mítica de seu ofício, contida nos Antigos Deveres, era extraordinariamente elaborada. Esse legado daria uma significativa contribuição para a Maçonaria, por sua ênfase na moralidade, sua identificação da arte do pedreiro com a Geometria, e a importância que dava ao Templo de Salomão e ao antigo Egito no desenvolvimento do ofício do pedreiro. Nessa época, aspectos da Renascença foram inseridos às lendas medievais, junto a uma estrutura institucional baseada em Lojas, além de rituais e procedimentos secretos para reconhecimento, conhecidos como a Palavra do Maçom[26].

A fase especulativa ou moderna da Maçonaria, apesar de melhor conhecida, é também repleta de indefinições e contradições entre os historiadores. Conforme sugeriu o pesquisador português Oliveira Marques durante muito tempo os historiadores acreditaram que a Maçonaria especulativa derivava diretamente, por evolução, das antigas Lojas de pedreiros de origem medieval. Entretanto, atualmente esta tese foi superada por hipóteses muito mais elaboradas, como a de que a Maçonaria moderna disfarçou-se na “aparência de uma corporação”, com o intuito de encobrir atividades e ideias que na época não poderiam ser assumidas abertamente. Ou que a origem da Maçonaria atual remontasse às associações de socorros mútuos, mais ou menos laicas, derivadas do convívio interprofissional conseguido em tabernas, botequins e outros locais onde pudessem desenvolver-se novas formas de socialização[27].

Para D. João Evangelista Martins Terra, por exemplo, foram os partidários dos Stuarts destronados e refugiados na Escócia – na guerra contra a Casa de Hanover – que criaram a Maçonaria. Para ele a organização maçônica foi copiada e introduzida nos regimentos militares para transformá-los em facções políticas. Imitando essas Lojas militares, surgiram as Lojas civis. Esta seria a origem da Maçonaria escocesa, que se espalhou pela França juntamente com os stuardistas refugiados, cujos fins, eram apenas imediatos, não possuindo organização central e muito menos declaração de princípios. Mesmo a restauração dos Stuarts tendo se mostrado impraticável, essas Lojas conseguiram perpetuar-se conservando uma vinculação geral com ideais maçônicos comuns[28].

Existe, porém, uma forte corrente, dentro e fora da Maçonaria que rejeita completamente a hipótese das Lojas stuardistas e considera, apenas, o movimento iniciado na Inglaterra em 1717, quando as quatro Lojas de Londres se uniram para formar a Grande Loja da Inglaterra, como marco fundador da fase especulativa. O pioneirismo inglês é bem difundido, principalmente porque em 1723, o clérigo presbiteriano James Anderson publicou nas Lojas de Londres a “Carta Magna” dos maçons: The Constituitions of the Free-Masons. Containing the History, Charges, Regulations, & c. of the most Ancient and Rigtht Worshipful FRATERNITY[29]. Também conhecido como as “Constituições de Anderson”, este documento pode ser dividido em três partes: a História da Ordem dos maçons, isto é, da fraternidade dos primitivos construtores – ditos maçons operativos; as Obrigações dos Franco-Maçons; e o Apêndice, uma pequena coletânea de hinos maçônicos a serem entoados pelos irmãos nas suas Lojas[30]. Em concordância com esta origem inglesa, o historiador André Combes, demonstrou que Anthony Sayer foi o primeiro grão-mestre eleito e que no ano seguinte, George Payne assumiu o grão-mestrado, sendo sucedido, em 1719, pelo Reverendo John T. Desaguliers. Em seguida, a Maçonaria se tornaria aristocrática e o grão-mestrado passaria a ser exercido por membros da nobreza como o Duque de Montagu (1721) e o Duque de Wharton (1722)[31]. Embora esse episódio tenha sido supervalorizado, sobretudo pela historiografia inglesa, naquele dia 24 de junho de 1717, dia de São João Batista, é importante ressaltar que a grande novidade foi a criação de um organismo central que iria dirigir os trabalhos dos maçons londrinos.

Segundo o principal argumento de Stevenson, foi na Escócia, em fins do século XVI e inicio do século XVII, que surgiram alguns dos ingredientes essenciais para a formação da Maçonaria moderna: o primeiro uso da palavra “Loja” no sentido maçônico moderno; as primeiras atas e outros registros das Lojas; as primeiras tentativas de organizar Lojas em âmbito nacional; os primeiros exemplos de “não-operativos” (homens que não eram pedreiros trabalhadores) e outros mais. Até o fim do século XVI, não existem provas circunstanciais de que os obreiros da Escócia divergissem muito de outros tipos de artesãos, exceto pelo fato de que, como já foi dito, eram obrigados a se deslocarem em busca de novos trabalhos. Contudo, em 1598, William Schaw – primeiro Mestre-de-Obras do rei – elaborou um regulamentado para a organização e a conduta dos maçons[32].

Daí em diante, no decorrer do século XVII, homens de todos os níveis da sociedade pareciam fascinados pelos segredos dos maçons, o que fez com que a Ordem adquirisse um status intelectual único. Foi quando maçons operativos, pedreiros trabalhadores, escoceses começaram a ter companhia de “não-operativos”, homens de outros modos de vida[33]. Em outras palavras, a Maçonaria tornou-se uma associação muito distinta das suas congêneres, organizada em forma de Lojas, com rituais singulares e muito mais elaborados. Deste modo, o segredo, cercando a Palavra do Maçom, rapidamente despertaria o interesse de homens que não eram ligados à arte da construção, dentre eles, muitos cavalheiros[34].

No início do século XVIII a Inglaterra assumiu a liderança no desenvolvimento da Maçonaria, mesmo assim, a influência escocesa permaneceu ainda muito forte. Para o autor a fase escocesa ou renascentista da Maçonaria – tanto na Escócia como na Inglaterra – só foi sucedida quando valores Iluministas foram incorporados ao movimento. Na medida em que a “Idade da Razão” alvorecia, a Maçonaria – nascida na Renascença – era adaptada para se acomodar a um novo clima intelectual. No bojo das influências medievais, renascentistas e iluministas, surgia uma instituição que parecia refletir o espírito progressivo da época, com ideais de irmandade, igualdade, tolerância e razão. O resultado foi que a Maçonaria se transformou num pólo de atração de numerosos ocultistas, magos, alquimistas, cabalistas, dentre outros. Assim, a Maçonaria surgida e difundida como um movimento mundial diversificava-se rapidamente[35].

O caráter pluralista da Maçonaria especulativa proporcionou uma estrutura institucional excepcional, onde as mais diversas religiões e crenças políticas podiam ser acolhidas. Parecia que aquele sistema de Lojas, envolta pelo mistério, ideais de lealdade e modos secretos de reconhecimento, tinha criado uma estrutura organizacional ideal, em que os membros podiam incorporar novos valores e adaptá-los para usos pessoais. Devido à abrangência institucional e a variedade de seus componentes, a Maçonaria nunca foi capaz de atingir plena homogeneidade interna. Muitas vezes era o posicionamento particular de seus membros que determinava os rumos da Ordem.

Desta maneira, com o tempo, os desacordos se multiplicaram e as partes divergentes formaram obediências maçônicas próprias. Um complexo movimento de mútua excomunhão se seguiu dentro da Maçonaria. A primeira grande cisão da Maçonaria ocorreu ainda em solo inglês, alguns anos após a segunda edição das Constituições de Anderson em 1738. Os maçons ditos “antigos” acusavam os “modernos” maçons de descristianização do ritual maçônico e traição do verdadeiro sentido da Instituição. Em 1751, o grupo descontente fundou a Grande Loja dos antients ou maçons antigos, em oposição à Grande Loja da Inglaterra[36].

No que se refere ao mundo luso-brasileiro, segundo Oliveira Marques, a Maçonaria foi instalada por volta do ano de 1727, sendo registrada nos arquivos da Inquisição como Loja dos Hereges Mercantes. Essa primeira Loja portuguesa, era basicamente formada por comerciantes britânicos protestantes que viviam em Lisboa. Em 1733, por iniciativa do maçom inglês George Gordon, seria fundada uma segunda Loja com o nome de Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia composta por irlandeses, mercadores, mercenários do exército português, médicos, um frade dominicano e um estalajadeiro. Não obstante, ao ser promulgada a bula condenatória de Clemente XII, In Eminenti Apostolatus Specula (1738), a Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia foi dissolvida mas alguns dos maçons se transferiram para a primeira Loja[37].

Uma terceira Loja haveria de ser fundada em Lisboa, em 1741, pelo lapidário de diamantes John Coustos, nascido na Suiça, naturalizado inglês. Durante os dois anos em que a Loja funcionou, foi constituída de estrangeiros residentes em Portugal, alguns dos quais franceses, ingleses, um belga, um holandês e um italiano, mas também por portugueses letrados e gente da alta sociedade lisboeta. John Coustos desempenhou um papel central na constituição dos primórdios da Maçonaria portuguesa, sendo alvo desde cedo do interesse do Santo Ofício. A desconfiança da Igreja foi despertada pelas indicações da Imperatriz austríaca e católica Dona Maria Teresa, obstinada na perseguição e ilegalização das associações de franco-maçons. Para a imperatriz a Maçonaria e suas ramificações era considerada um centro de influência protestante inglesa, por isso, contrária aos interesses das famílias dinásticas europeias, de orientação católica[38].

A perseguição iniciada em 1743 com a prisão de vários Pedreiros-Livres conduziria ao desmantelamento desta primeira tentativa de instalação maçônica em Portugal. A própria Loja dos Hereges Mercantes entraria em fraca atividade, “adormecendo” em 1755. Em 1751, o Papa Bento XIV, a pedido dos reis da Espanha e de Nápoles, lançou uma nova bula contra os maçons, Providas Romanorum, reiterando a posição de seu predecessor Clemente XII. A bula seria seguida de decretos reais dos dois monarcas suprimindo a Maçonaria nos respectivos países, o que favorecia as condições para incitar o Santo Ofício à vigilância e à perseguição[39].

A Maçonaria portuguesa só se libertaria desta pressão na década de 1760-70, com o Marquês de Pombal. Durante o “pombalismo” não se tem nenhum registro de maçom nas listas condenatórias da Inquisição nem nos relatórios da intendência da polícia. Pombal nunca permitiu que a Inquisição perseguisse os franco-maçons, defendendo assim os direitos do Beneplácito contra a usurpação dos eclesiásticos. Deste modo, a Maçonaria retomou sua força e seu vigor, desenvolvendo-se sobretudo no exército, na aristocracia e nas classes instruídas. É provável que Pombal antes de ser ministro de D. José, tivesse contato, enquanto embaixador em Londres, com meios e círculos aristocráticos favoráveis à Maçonaria, mas não existe prova documental de que ele fosse iniciado na “Arte Real”. Além disso, o recrutamento pelo Marquês de Pombal de vários cidadãos estrangeiros, designadamente de países protestantes, para o exército, para a indústria e outras atividades econômicas propiciou condições para a expansão das Lojas[40].

No caso específico do Brasil, segundo o manifesto de José Bonifácio, a primeira Loja simbólica regular foi instalada no Brasil somente em 1801, com o título de Reunião, filiada ao Grande Oriente da Ilê de France. Quando o Grande Oriente Lusitano soube da existência, no Brasil, de uma Loja regular, vinculado a uma Obediência francesa, enviou, em 1804, um delegado a fim de garantir a adesão e a fidelidade dos maçons brasileiros. Mas não foi feliz o delegado lusitano no modo como queria impor suas pretensões. Assim, resolveu deixar fundadas duas novas Lojas, submissas ao Oriente do Reino: eram as lojas ConstânciaFilantropia[41].

Desta forma, a Maçonaria ao chegar às terras brasileiras – oficialmente nos primeiros anos do século XIX – trazia em sua bagagem acusações e desconfianças tanto das autoridades civis quanto eclesiásticas. Ao mesmo tempo em que se inauguravam novas Lojas maçônicas, particularmente, no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, também crescia o número de documentos e cartas enviadas pelos súditos ao rei D. João VI pedindo o fechamento de tais corporações. Isto pode ser corroborado na carta escrita por José Anselmo Correa Henriques datada de 10 de janeiro de 1816.

Real Senhor.
O objeto, de que vou tratar, tem de sua natureza a maior importância Política, por que inclui em si três motivos tão poderosos, que devem formar a desconfiança da sua existência dentro de qualquer Estado: estes são Silêncio, união e obediencia.
Qualquer Corporação de indivíduos, que combina um sistema qualquer, não poderá unir três pontos em ligação política, que faça estremecer os alicerces do mais poderoso Governo do Universo, debaixo de um escudo tão impenetrável, como este, de que escolhem os Pedreiros Livres por base da sua Sociedade. Estas terminantes Leis Constitucionais da mencionada Corporação são tão encadeadas na segurança do objeto, a que ela se proporem, ou os maiores Cargos dela, que persuade ao homem racionavel, que debaixo desta cautela exista uma mascarada conjuração, a qual não pode o Soberano de um país deixar de desconfiar com suma razão, que é tendente a pertubar o seu socego este oculto conluio, e maiormente quando se aumentam as forças dele debaixo de um segredo impenetrável no centro de Estados bem regulados…[42]

Ao que parece as reclamações de José Anselmo Correa Henriques foram contempladas, quando em 30 de março de 1818, D. João VI emitiu um Alvará Régio proibindo quaisquer sociedades secretas, de qualquer denominação, no território luso-brasileiro.

Eu El Rei faço saber aos que este alvará com força de lei virem, que tendo-se verificado pelos acontecimentos que são bem notórios o excesso de abuso a que tem chegado as Sociedades Secretas, que, com diversos nomes de ordens ou associações, se tem convertido em conventiculos e conspirações contra o Estado, não sendo bastantes os meios correcionaes com que se tem até agora procedido segundo as leis do Reino, que prohibem qualquer sociedade, congregação ou associação de pessoas com alguns estatutos, sem que elas sejão primeiramente por mim autorizadas, e os seus estatutos approvados…[43]

Apesar da proibição, no início da década de 1820 é possível constatar uma dinamização da atividade maçônica no Rio de Janeiro resultado, sobretudo, da reinstalação da Loja Comércio e Artes. Nela ingressaram funcionários públicos, militares, eclesiásticos, homens do comércio. Muito deles acabaram por atuarem na defesa da autonomia e, posteriormente, independência do Brasil. Porém, era indispensável que primeiramente a própria Loja ficasse independente das orientações do Grande Oriente Lusitano. No dia 28 de maio de 1822, reuniram-se os maçons do Rio de Janeiro em assembleia magna, na Loja Comércio e Artes, com a finalidade de instalar um Grande Oriente no Brasil. Para conseguirem o mínimo de três Lojas, fundaram naquele mesmo dia mais duas: a União e Tranquilidade e a Esperança de Niterói[44].

No dia 24 de junho de 1822 fundou-se o novo Grande Oriente do Brasil para o qual foi aclamado como primeiro Grão Mestre, José Bonifácio de Andrade e Silva. O GOB adotou o Rito Francês Moderno, criado em 1783, e composto por sete graus. Naquela ocasião estavam presentes, entre os 94 fundadores, alguns antigos maçons como José Bonifácio, o coronel Luiz Pereira da Nóbrega e o padre Belchior de Oliveira, além de Domingos Alves Branco Muniz Barreto, frei Francisco Sampaio, cônego Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira e Joaquim Gonçalves Ledo[45].

O historiador Marco Morel, em trabalho conjunto com Françoise Jean de Oliveira Souza, compreende que havia uma espécie de jogo entre os maçons e o poder dos príncipes. A Maçonaria em busca de proteção e espaço abria seus “segredos” aos nobres, dando-lhes em troca a oportunidade de legitimação no campo das novas idéias e também o controle dessa nova forma de sociabilidade. 46 O mundo ibérico não fazia exceção a esta regra, por isso a filiação de D. Pedro ao Grande Oriente do Brasil não representou uma particularidade brasileira. Sendo assim, a Maçonaria em 13 de maio de 1822 conferiu o título de Defensor Perpétuo do Brasil ao Príncipe Regente. Pouco tempo depois, em 2 de Agosto de 1822, D. Pedro foi recebido no Grande Oriente, com o pseudônimo de Guatimozim, e contra todas as regras, o Aprendiz Guatimozim foi eleito Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil.

Eu, meu pai, entrei para maçom; sei que os fidalgos em 1806 convidaram os maçons e que eles não quiseram entrar, e por isso o desgraçado Gomes Freire foi enforcado por ser constitucional, querendo eles que V. Magestade continuassem a ser rei. Não houve quem dissesse a V. magestade que era preciso uma Constituição (eu então era pequeno). Em vingança a Gomes Freire rebentou a revolução do Porto em 24 de agosto de 1820 e, pela mesma razão, os maçons que estavam na Corte, tanto bateram os fidalgos que eles agüentaram calados, até que pilhando-os agora debaixo, atribuem tudo que fazem aos pedreiros-livres. Porque sabem com que horror os portugueses olham para uma tão filantrópica instituição.[47]

Ainda em 1822, o próprio Grão Mestre D. Pedro I, por desentendimentos com os maçons, fechou o Grande Oriente. Mas com a abdicação do Imperador em 1831, o Grande Oriente do Brasil foi restaurado e novamente José Bonifácio de Andrade e Silva foi elevado ao cargo de Grão-Mestre. Seguiram-se novas divisões e subdivisões, até que se tornou mais profunda a dissidência em 1863 separando-se em corpos: o Grande Oriente do Lavradio e o Grande Oriente (da rua) dos Beneditinos. Mesmo assim durante todo o Segundo Reinado teve a Maçonaria grande prestígio e influência política, contando entre seus membros altas personalidades e não poucos sacerdotes. Infiltrou-se profundamente na Igreja, através das irmandades, chegando a ter, em alguns casos, as chaves do sacrário, de maneira que as autoridades clericais adotariam um discurso cada vez mais radical no sentido de desmoralizar os maçons[48].

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[16] – MACEDO, José Agostinho de. Manifesto à Nação ou últimas palavras impressas. Lisboa: Typogr. de Antonio Rodrigues Galhardo, 1822.

[17] – BARATA, Alexandre M. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência (1790 – 1822). Juiz de Fora: Ed.UFJF; São Paulo: Annablume, 2006. p. 23.

[18] – MENDONÇA, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de. Cartas sobre a Framaçonaria. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de Seignot-Plancher e Ca., 1833. p. 19.

[19] – Idem, p.19.

[20] – A obra de David Stevenson será nossa principal referência nesta parte inicial do capítulo. Ver: STEVENSON, David. As Origens da Maçonaria: o século da Escócia, 1590 – 1710. Trad. Marcos Malvezzi Leal. São Paulo: Madras, 2005.

[21] – Idem, p.26.

[22] – Idem, p.31.

[23] – A palavra guilda, representava uma associação de auxílio mútuo constituída na Idade Média entre as corporações de operários, artesãos, negociantes ou artistas de caráter local. Ver: STEVENSON, David. (op. cit.), p.32.

[24] –

[25] – Nas referências de Stevenson uma das primeiras Lojas de que se tem informação remonta ao ano de 1485. Ver: STEVENSON, David. (op.cit), p. 33.

[26] – Idem, p.22.

[27] – MARQUES, A. H. de Oliveira. História da Maçonaria em Portugal. Das Origens ao Triunfo. vol. 1. Lisboa. Editorial Presença, 1989. p. 17.

[28] – TERRA, João Evangelista Martins. Maçonaria: Communio 62. Lisboa: s.n, 1993. p. 135.

[29] – SUPREMO conselho do grau 33 para a Republica Federativa do Brasil: Rito Escocês antigo e aceito. Belo Horizonte. Jan de 2006. p. 6.

[30] – Idem, p.7.

[31] – COMBES, André. Les trois siècles de la Franc-maçonnerie française. 3.ed. Paris: EDIMAF, 1998.
p. 13.

[32] – STEVENSON, David. (op. cit), p. 24 – 25.

[33] – Idem, p.26.

[34] – A iniciação de cavalheiros em Lojas na Inglaterra também é registrada desde a década de 1640, mas os segredos possuídos pelos maçons ingleses e suas organizações em Lojas parecem ter origem escocesa. Stevenson sugeriu que enquanto na Escócia a Maçonaria evoluiu das verdadeiras práticas de pedreiros trabalhadores, na Inglaterra, pelo menos em parte, esta foi importada, com Lojas sendo criadas por cavalheiros e para os cavalheiros. Ver: Idem, p. 23.

[35] – Idem, p.23.

[36] – Contudo, em 1813, depois que os “modernos” aceitaram rever a questão a respeito da religião, a união veio a se confirmar. As duas Grandes Lojas finalmente reuniram-se e deram origem a Grande Loja Unida da Inglaterra ou se preferirmos a Loja Mãe da Maçonaria Universal. Ver: HORTAL, Jesus. Maçonaria e Igreja Católica: conciliáveis ou inconciliáveis? São Paulo: Paullus, 2002. p. 17.

[37] – MARQUES, A. H. de Oliveira (op.cit), p. 23.

[38] – Idem, p.33.

[39] – Idem, p.35.

[40] – Idem, p.37.

[41] – BARATA, Alexandre M. (op.cit), p. 71.

[42] – CARTA de José Anselmo Correia Henriques dirigida ao Rei Dom João VI, datada do Rio de Janeiro, 1816, na qual se pede que o Rei dissolva as lojas maçônicas. (BNL – COD 10793 – reservados)

[43] – APUD. KLOPPENBURG, Boaventura. Igreja e Maçonaria, conciliação possível? Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. p. 11

[44] – BARATA, Alexandre M. (op. cit), p. 78.

[45] – Idem, p.79.

[46] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

[47] – APUD. MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. (op. cit), p. 102.

[48] – Idem, p. 15-16.

Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso – Parte I

Introdução

O objetivo geral da dissertação é analisar as narrativas antimaçônicas difundidas no Brasil, particularmente, na primeira metade do século XX, com destaque para a História Secreta do Brasil (1937) escrita por Gustavo Barroso (1888 – 1959) e considerada por muitos como a obra de maior notabilidade neste sentido.

Seguindo a perspectiva aberta por Raoul Girardet, podemos afirmar que nossa análise não se restringirá somente ao exame do pensamento organizado e racionalmente construído. Ao contrário, nosso esforço deverá ser visto como tentativa de explorar as categorias míticas que também compõem o imaginário político. Deste modo, buscaremos identificar efervescências mitológicas acompanhadas de perturbações políticas que apareceram no Brasil na primeira metade do século XX.[1]

Naquilo que se refere à difusão do tema, é importante ressaltar que por décadas produziu-se uma vasta literatura marcada pelos “abusos” tanto por parte dos maçons quanto do lado dos antimaçons, passando da exaltação exagerada até às acusações mais descabidas. O resultado foi que muitos historiadores acadêmicos acabaram por concluir que toda a temática parecia infame evitando um contato mais íntimo com este objeto.

Entretanto, apesar de ainda pouco conhecida e estudada, é possível perceber que a partir dos anos 1980 a história da Maçonaria tem chamado mais a atenção tanto de historiadores nacionais quanto internacionais. Este novo fôlego deve-se, sobretudo, à renovação da história política, que passou a se preocupar com questões como: sociabilidades, linguagens e conceitos políticos, imaginários, culturas políticas, dentre outros. Em grande medida, o estudo do fenômeno maçônico foi oxigenado com a incorporação de contribuições da sociologia, da antropologia, da literatura e da ciência política o que despertou novamente o interesse dos historiadores. O melhor exemplo foi a incorporação da noção de sociabilidade, revigorada desde 1966 em Pénitents et francs-maçons de l’ancienne Provence: essai sur la sociabilité méridionale de Maurice Agulhon, que transformou o conceito de sociabilidade em uma categoria operacional e fecunda no estudo do fenômeno maçônico.[2]

Deste modo, passou-se a preconizar a Maçonaria como um espaço de articulação política, mas também como “escola de formação e práticas políticas”, para usar a expressão de Margaret Jacob, na qual as regras do constitucionalismo inglês foram aprendidas, divulgadas e vivenciadas.[3] Alguns historiadores seguiram por este caminho e diversificaram ainda mais as possibilidades de olhares sobre a Maçonaria.

No que se refere à historiografia brasileira, os trabalhos de Célia M. Marinho de Azevedo, Eliane Moura Silva, Eliane Lúcia Colussi, Marco Morel, Luiz Eugênio Véscio, Alexandre Mansur Barata, Françoise Jean de Oliveira Souza, dentre outros, são exemplos importantes desse esforço de renovação da compreensão da história da Maçonaria no Brasil.[4] Recentemente, Marco Morel e Françoise Jean de Oliveira Souza produziram um importante estudo sobre a atuação da Maçonaria nos principais momentos históricos nacionais, intitulado de O Poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Questões como a participação na Independência, as divergências e cisões internas, a luta contra a Igreja Católica, a participação ativa na primeira República e a atuação da Maçonaria na política contemporânea, são alguns pontos analisados nesta obra.[5]

Não obstante, a ampliação da investigação historiográfica acerca da Maçonaria possibilitou ao historiador reconhecer que em paralelo à história da Ordem maçônica, corre também uma história das narrativas antimaçônicas. Para Girardet, estas narrativas surgiram da associação feita entre a Maçonaria e a ideia de “Conspiração”, uma característica peculiar das sociedades que vivenciam ou vivenciaram momentos conturbados de crise e de grande tensão social. Assim, a temática do complô e a função tática que lhe foi atribuída receberão um destaque importante nesta dissertação, uma vez que entendemos, por exemplo, que do terror jacobino ao terror stalinista, a acusação de “conspiração” não cessou de ser utilizada pelo poder estabelecido para livrar-se de seus suspeitos ou de seus opositores e com isso legitimar os expurgos e as exclusões, bem como para camuflar suas próprias falhas e seus próprios fracassos. Numa realidade co-produzida “a lógica da manipulação se vê substituindo a imprevisibilidade da história.”[6]

Quanto à construção do mito da conspiração, o autor destaca três tipos diferentes de narrativas onde a ideia do complô se faz presente. A primeira forma refere-se ao “complô judaico”, identificado pela “profecia do velho rabino diante de seus companheiros”. A profecia tratava de um plano metódico de conquista do mundo, realizado pelo povo de Israel contra o resto da humanidade.[7] Na segunda teoria conspiratória, eram os jesuítas que planejavam dominar o mundo. Assim, como analisou Girardet, o princípio essencial sobre o qual repousava o temível poder da Companhia de Jesus era “a traição no lar, a mulher espiã do marido, a criança, da mãe…[8] Entretanto para esta pesquisa torna-se mais importante tomar como referência a terceira narrativa denominada por Girardet como mito da “conspiração maçônica”, cujo exemplo maior foi o abade francês Augustin de Barruel.[9]

Segundo José Antônio Ferrer Benimeli, o surgimento desta história antimaçônica deve-se ao fato da Maçonaria ser um “fenômeno sócio-político” atuante, em maior ou menor grau, durante os três últimos séculos da história ocidental.[10] Muito próximo da perspectiva defendida por Benimeli está Georges Cottier, para quem a gestação de um discurso que agregava à imagem da Maçonaria, elementos pejorativos e degenerativos, deve ser buscada em documentos pontifícios setecentistas. Para Cottier, a relação entre a Maçonaria latina e a Igreja Católica quase sempre foi marcada pelas diferenças e incompatibilidades. Além disso, foi uma literatura, mais ou menos tendenciosa, que contribuiu para fomentar uma imagem distorcida da Maçonaria, uma vez que muito se escreveu sobre o tema e na maioria das vezes os autores buscavam evidenciar seus posicionamentos, sejam eles contra ou a favor.[11]

No entanto, foi com a publicação de Mémoire pour servir à l’histoire du Jacobinisme (“Memória para servir a história do jacobinismo”) em 1797 de autoria do Abade Barruel, que teríamos a consolidação desta narrativa antimaçônica. Grosso modo, as “memórias” defendiam que os acontecimentos revolucionários de 1789 resultaram duma longa conspiração tramada desde a época dos Templários. Com efeito, em fins do século XVIII, nasceria em solo europeu o embrião de um discurso antimaçônico fundado na ideia de uma “conspiração jacobina”. Aos poucos a narrativa antimaçônica ganharia novas formas e sentidos com textos e imagens produzidos a partir da década de 1790, cujo principal objetivo era tentar explicar as causas daquela que foi a maior de todas as revoluções.

No século XIX, mesmo correndo o risco da generalização, podemos verificar que, principalmente, nos países latinos, a narrativa antimaçônica já possuía um corpo bem definido. A expressão “revolucionária” quase sempre acompanhava a denominação da Ordem. As Lojas passaram a ser identificadas como centros de subversão. A publicação de Os Mistérios da francmaçonaria revelados em 1885, de autoria do ex-maçom Gabriel Jogana-Pagès, conhecido como Leo Taxil, pode ser ilustrativo para nos mostrar a forma específica deste discurso. Nestes textos, Leo Taxil associava os símbolos maçônicos às bestas demoníacas. Segundo o autor, os maçons eram personificações do demônio com planos para a dominação do mundo.[12]

Esta nova ideia adquiria força, pois tornava-se cada vez mais evidente no senso comum, especialmente, nos Estados católicos, que aqueles antigos “homens conspiradores” eram na verdade “demônios conspiradores”. A situação ficaria mais delicada na medida em que crescia o número de bulas e textos pontifícios, o que terminou por esculpir a narrativa antimaçônica do século XIX. Como exemplo dessa propaganda, podemos citar a Constituição Apostólica Ecclesiam a Iesu Christo, de 1821, publicada pelo papa Pio VII (1800 – 1823) e a Constituição Quo graviora, de 1825 do papa Leão XII (1823 – 1829). Além disso, de Pio IX (1846 – 1878) a Leão XIII (1878 – 1903) encontramos nada menos do que 350 intervenções pontifícias contra a Maçonaria.[13]

No início do século XX, países como Portugal e Espanha foram marcados por reações de forças conservadoras, que responsabilizavam, sobretudo, os maçons e os judeus pela destruição do mundo tradicional e pela criação da modernidade. Gradativamente, o discurso antimaçônico assumia uma nova feição: a associação entre Maçonaria e o “complô judaico”. Na Espanha, por exemplo, o complô judaico-maçônico foi somado por novas condições pejorativas como “comunista ou marxista”. Isso tornou-se evidente através do famoso slogan, “judeu-maçônico-comunista”, o que marcou fortemente o imaginário coletivo.[14]

No Brasil, essa associação também pôde ser percebida e encontrou em Gustavo Barroso um de seus principais divulgadores. Para o escritor maçom Nicola Aslan, Gustavo Barroso representou um exemplo da importância negativa da narrativa antimaçônica nacional. Aslan sugere também que o sistema de calúnias, inaugurado pelo jesuíta Barruel, foi empregado por Gustavo Barroso quando escreveu sua História secreta do Brasil.[15]

Deste modo, seguindo a pista de Aslan, tentaremos recuperar a história da narrativa antimaçônica brasileira buscando identificar os elos entre uma matriz do pensamento católico conservador, de fins do século XVIII, e uma parte da elite intelectual brasileira da década de 1930. Para darmos conta do objetivo geral, optamos por trabalhar levando-se em conta duas dimensões. A primeira, construída na “longa duração”, buscará analisar as diferentes feições assumidas pelas narrativas antimaçônicas, a partir do início do século XVIII, com a publicação das primeiras condenações à Maçonaria, tanto pelo poder papal quanto por governos seculares. A segunda preocupa-se em analisar a conjuntura de produção, edição e circulação do livro História Secreta do Brasil, procurando perceber as continuidades em relação a uma tradicional narrativa antimaçônica, mas também perceber os novos elementos acrescidos que dialogavam com o clima de radicalização política e de crescimento do autoritarismo que caracterizou, particularmente, o Brasil da década de 1930.

A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro capítulo tem por objetivo realizar um breve estudo histórico das narrativas antimaçônicas. De início serão analisados os aspectos que dizem respeito às origens da Ordem Maçônica, já que o tema pode ser enfocado de muitas distintas maneiras, mas, em todas elas é necessário conhecer antes sua história. Em seguida, reforçaremos a ideia de que a Igreja Católica foi o principal agente difusor do antimaçonismo, tendo em vista as inúmeras condenações e reprovações que determinaram a maneira como a Maçonaria foi recebida, sobretudo em Portugal e no Brasil. Na segunda metade do capítulo, discutiremos os fatos que contribuíram no desenrolar da narrativa antimaçônica, responsáveis por atribuir à Maçonaria, dentre outras coisas, a culpabilidade e execução da Revolução Francesa. A imprensa foi um dos palcos deste confronto no Brasil. A tradução de obras que difundiam o antimaçonismo representava o clima hostil aos Pedreiros Livres, vistos como grupos heterodoxos que ameaçavam a ordem civil e eclesiástica.

No segundo capítulo, analisaremos a produção intelectual de Gustavo Barroso. Partiremos do pressuposto que o conhecimento do perfil deste autor pode ajudar-nos a vislumbrar os objetivos implícitos e explícitos de seu discurso antimaçônico. Assim, para compreendermos as idéias e de que forma Gustavo Barroso entendia o “poder da escrita” é preciso, antes, conhecer um pouco desta personalidade contraditória, que por um lado demonstrava sensibilidade ao organizar um museu e traduzir textos do precursor do romantismo alemão Goethe e, por outro, expressava todo o seu fanatismo como Chefe das Milícias integralistas.

No terceiro capitulo, demonstraremos como o anti-semitismo e o anticomunismo contribuíram com recursos imagéticos no fomento de uma “nova” narrativa antimaçônica, inaugurando, deste modo, no cenário político brasileiro, o mito da “conspiração judaico-maçônica-comunista”. Para isso analisaremos a principio o alcance da ideologia anti-semita. Sua forma tradicional e seus aspectos modernos serão destacados na medida em que percebemos que o ódio aos judeus se transformou num dos principais recursos das ações propagandísticas do autor. Além disso, aprofundaremos o estudo acerca das diferentes apropriações do discurso anticomunista no Brasil, tendo como foco as manifestações de repúdio da Igreja Católica expressas fundamentalmente no discurso político-partidário de Barroso. Por fim, trataremos de especificar os contextos de produção e circulação do livro História Secreta do Brasil e sua correlação com o best-seller anti-semita, Os Protocolos dos Sábios de Sião.

Continua…

Autor: Luiz Mário Ferreira Costa

Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

Notas

[1] – GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 49.

[2] – AGULHON, Maurice. Pénitents et francs-maçons de l’ancienne Provence: essai sur la sociabilité méridionale. 3.ed. Paris: Fayard, 1984. p. 357 – 367.

[3] – JACOB, Margaret C. Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in Eighteenth-Century Europe. New York: Oxford University Press, 1991.

[4] – Ver: AZEVEDO, Célia M. M. de. Maçonaria: história e historiografia. São Paulo. Revista USP, n.32, 1996-97, p. 178-189; SILVA, Eliane Moura. Maçonaria, anticlericalismo e livre pensamento no Brasil (1901-1909). Comunicação apresentada no XIX Simpósio Nacional de História – ANPUH. Belo Horizonte, 1997; COLUSSI, Eliane Lúcia. A Maçonaria Gaúcha no Século XIX. 2. ed. Passo Fundo: Editora UPF. 2000; MOREL, Marco. Sociabilidades entre Luzes e Sombras: apontamentos para o estudo histórico das maçonarias da primeira metade do século XIX. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 28, ano 2001/2; VÉSCIO, Luiz Eugênio. O crime do Padre Sório: Maçonaria e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1893-1928). Santa Maria: EDUFSM, Porto Alegre: EDUFRGS, 2001; BARATA, Alexandre M. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790 – 1822). Juiz de Fora: Ed. UFJF; São Paulo: Annablume, 2006; MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

[5] – MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. (op.cit)

[6] – GIRARDET, Raoul. (op.cit), p. 33

[7] – Idem, p. 35.

[8] – Idem, p. 37.

[9] – GIRARDET, Raoul. (op.cit), p. 32

[10] – BENIMELI, J. A. Ferrer. La franc-maçonnerie face aux dictatures : L’ obsession antimaçonnique des totalitarismes. In: MARX Jacques (org), Maçonnerie Maçonneries. Conférences de la Chaire Théodore Verhaegen 1983-1989. Bruxelles: Editions de l’ Université de Bruxelles, [1983-1989]. p.11.

[11] – COTTIER, Georges. Regards catholiques sur la maçonaria: l’ histoire de difficles rapports. In: MARX Jacques (org). Maçonnerie Maçonneries. Conférences de la Chaire Théodore Verhaegen 1983-1989. Bruxelles: Editions de l’ Université de Bruxelles, [1983-1989]. p. 27.
CONFERÊNCIA, LeoTaxil. Online. Disponível em http://www.guatimozin.org.br/artigos/taxil_confer.htm Acessado em 05 de Janeiro de 2009.

[12]

[13] – FERRER BENIMELI, J. A., CAPRILE, G. & ALBERTON, V. Maçonaria e Igreja católica. Ontem, Hoje e Amanhã. São Paulo: Paulus, 1983. p.33

[14] – FERRER BENIMELI, J. A. (op.cit), p.22.

[15] – ASLAN, Nicola. História geral da maçonaria (fatos da maçonaria brasileira). Rio de Janeiro: Aurora, 1979. p. 79.