3.3 – Ecos do anti-semitismo e o discurso integralista de Barroso
É justamente o que explica o antagonismo entre o povo judeu e a civilização nascida do cristianismo. No meio dum mundo transformado e adoçado, continua o homem de há três mil anos, ávido e hostil, encerrado na sua religião nacional, eternamente preocupado em escravizar todas as nações a Israel, como lhe foi anunciado de século em século pela sinagoga… Não se trata de odiar os judeus e ainda menos de desprezá-los. Não se despreza um povo que arrastou os séculos, a dispersão, a decadência moral e material, conseguindo manter-se intacto. Mas é natural que seja temido e que se pense em proteger contra suas agressões ao patrimônio moral e material das nações cristãs.[304]
Contemporaneamente, a primeira onda de violência contra os judeus ocorreu em 1933 com a ascensão de Hitler ao poder. A agressão organizada contra os judeus alemães, a legislação anti-semita e a discriminação social que passou a fazer parte da vida cotidiana
induziram milhares de famílias judias a abandonar definitivamente a Alemanha. Neste mesmo ano, o cônsul brasileiro em Colônia, Ildefonso Falcão relatou a seu chanceler sobre o grande interesse dos inúmeros judeus pelo consulado brasileiro. Segundo Milgram, Ildefonso Falcão demonstrava certa simpatia pelos comerciantes judeus que trariam consigo fortuna ao país acolhedor. Porém, na visão do ministro de Trabalho, Indústria e Comércio, Joaquim Pedro Salgado Filho, responsável pela imigração, o Brasil deveria privilegiar os imigrantes trabalhadores agrícolas, únicos capazes de se radicarem ao solo. Na perspectiva de Milgram a realidade se processava por vertentes assimétricas. O Brasil que se recuperava da crise e se inclinava pela via do desenvolvimento industrial tinha dificuldades para modificar sua autoimagem de país agrário. E os judeus europeus, que poderiam contribuir com a expansão econômica brasileira eram vistos como “elementos indesejáveis”, uma vez que poderiam inchar os centros urbanos[305].
Conforme ressaltou Maria Luiza Tucci Carneiro, apenas os técnicos e agricultores católicos tinham condições de contribuir para o projeto de modernidade idealizado pelo governo Vargas. Algumas exceções se faziam aos judeus capitalistas e, assim mesmo, mediante criteriosa seleção. No entanto, a possibilidade de termos entre nos judeus capitalistas também incomodava, visto ser corrente nos anos de 1930 a ideia de que estes
representavam um “perigo internacional”. Aliás, este era um slogan reverenciado pelo clássico livro anti-semita de Henry Ford, O Judeu Internacional traduzido no Brasil em 1933. Nesta linha de raciocínio estavam os diplomatas brasileiros sediados no exterior, principalmente aqueles que se encontravam radicados na Alemanha, Áustria, Polônia, Hungria e Romênia[306].
Deste modo, vários ensaios sobre as causas da proliferação do anti-semitismo na Europa foram desenvolvidos por emissários brasileiros que tentavam, através de seus relatos, alertarem o governo para uma futura onda de refugiados judeus. Por exemplo, em 2 de julho de 1931, Luiz de Lima e Silva, da Embaixada do Brasil em Viena, chamava a atenção de Afrânio de Mello Franco, ministro de Estado das Relações Exteriores, para os movimentos anti-semitas que se faziam “moeda corrente” nos países da Europa Central. Segundo Carneiro, Luiz de Lima e Silva, relatou ao ministro uma série de boatos e escândalos envolvendo estabelecimentos bancários e personalidades judaicas na Áustria. Para o embaixador os escândalos envolvendo o Banco Auspitz e o Credit-Anstalt, ambos amparados por abastadas famílias judias, foram apontados como um dos pivôs dos protestos anti-semitas em Viena[307].
A família judaica Rothschild, acionista majoritária do Credit-Anstalt, havia se transformado no principal alvo das contestações e Gustavo Barroso não deixaria de explorar de maneira oportuna esses acontecimentos.
Essa exploração entregue aos Rothschild perdura até hoje. Em 1933, depondo perante a comissão de inquérito do Senado norte-americano, o sr. Hayward, representante dos banqueiros judeus Dillon, Read & Cia., declarava que os empréstimos feitos pela sua casa para o Brasil se realizavam em colaboração conjunta com Rothschild, porque o governo do Brasil não poderia pensar em fazer um empréstimo sem primeiro discuti-lo com Rothschild! [308]
As principais matérias publicadas na imprensa sobre a questão judaica nos territórios do Reich eram cuidadosamente recortadas e enviadas ao ministro das Relações Exteriores com o propósito de mantê-lo atualizado sobre a recrudescência do anti-semitismo e, assim orientá-lo no procedimento a ser tomado diante daquela massa de refugiados judeus que começavam a buscar refúgio em terras brasileiras[309].
É importante que se diga que a questão judaica no Brasil não era similar àquela da Argentina ou da Europa, onde corria sem restrições o anti-semitismo popular e oficial. Nestes casos, o anti-semitismo era baseado em imagens distorcidas de judeus reais com os quais a população não-judia tinha contato regular. Na perspectiva de Jeffrey Lesser, o anti-semitismo no Brasil manifestou-se da seguinte forma: indivíduos influentes atacavam imagens de judeus imaginários que presumidamente eram ao mesmo tempo comunistas e capitalistas, e cujos estilos de vida degenerados se formaram em pútridos e miseráveis enclaves étnicos europeus. Os severos e irreais julgamentos eram modelados de acordo com uma leitura ingênua do anti-semitismo e o ódio aos judeus europeus, aplicado a uma imprecisa imagem da vida judaica fora do Brasil. O que é mais surpreendente em tudo isso é que os judeus reais que viviam no Brasil, fossem eles cidadãos ou refugiados, enfrentavam poucos empecilhos cotidianos ou estruturais para a conquista de objetivos econômicos ou sociais[310].
Assim, para Lesser a questão judaica brasileira era na verdade um esforço dos líderes do Brasil em encaixar imagens intolerantes dos judeus, filtradas da Europa, com a realidade de que a esmagadora maioria dos imigrantes judeus não era nem muito rica nem muito pobre, era raramente ativa politicamente, e rapidamente aculturou-se à sociedade brasileira[311]. Mesmo relativizando o anti-semitismo brasileiro como fez Lesser, não podemos deixar de observar a admiração, mal disfarçada, de alguns diplomatas com as iniciativas anti-semitas empreendidas por Adolf Hitler. Conforme demonstrou Carneiro, Araújo Jorge, da Legação do Brasil em Berlim, é um exemplo deste comportamento, pois muitos de seus relatórios traziam elogios às medidas legais tomadas pelo governo nacional-socialista para eliminar a influência judaica no país[312].
De maneira parecida as elites católicas correspondiam ao sentimento expresso pelos diplomatas. Na análise de Graciela Ben-Dror existia no Brasil dos anos 1920 e 1930 um racismo camuflado, apoiado em uma retórica legitimadora dos atos de exclusão e de violência. Do mesmo modo, a identificação entre os termos “católico” e “brasileiro” como sinônimos da identidade nacional era corrente no clero desde os anos 1920 o que contribuiu para rotular o judeu como inimigo do cristianismo. Para a autora parte da elite católica que ocupava os quadros da Ação Integralista Brasileira, não divulgavam o racismo por razões da doutrina cristã, mas mesmo assim, afirmavam que existia uma intima ligação entre judaísmo e comunismo, e por isso estavam a favor da aplicação de uma política de discriminação para os judeus no Brasil. Daí que o anti-racismo no Brasil caminhasse ao lado do anti-semitismo, sem que uma atitude fosse excludente da outra [313].
A Ordem dos franciscanos no Brasil, por exemplo, também seguiu por esta linha, afirmando existir um nexo entre judeus e comunistas, pois segundo alguns intelectuais católicos, os dirigentes comunistas Marx e Trotski eram judeus, e o era também todo o estado-maior soviético. A posição dos franciscanos era que não há que desprezar o povo judeu enquanto raça posto que no final dos tempos se converteriam ao cristianismo, mas em contrapartida os católicos deveriam estar sempre em alerta, pois esse povo possuía uma “obsessão destrutiva”, que projetava-se sobre o mundo cristão. Por este raciocínio, defendido pelos franciscanos, não foi sem motivos que na Idade Média, por exemplo, a Igreja isolou os judeus em lugar determinado, o gueto, e com isso evitou a difusão de seu espírito negativo. Não obstante, o anti-sionismo transformou-se em um dos componentes do anti-semitismo da época, várias críticas surgiram à ideia de “Terra de Israel”. Para os franciscanos o movimento “Sionista” converteu-se em sinônimo de “desejo de impor-se no mundo”. Tratava-se do desenvolvimento de um “messianismo imperialista”, extremamente perigoso, ao defender a constituição de um “império invisível dos judeus sobre toda a terra”[314].
A revista A Ordem, que havia sido fundada em 1921 pelo intelectual católico conservador, Jackson de Figueiredo, que, um ano depois, criou o Centro Dom Vital, também se transformou num dos veículos de propaganda do anti-semitismo. Jackson Figueiredo combatia, através da revista, o protestantismo, a Maçonaria e os judeus. Todos vistos como inimigos ao cristianismo. O Centro Dom Vital conseguiu reunir um grupo de intelectuais católicos antiliberais e conservadores, no qual se destacava o padre Leonel França, cujos livros, publicados nesses anos, tornaram-se textos centrais para a geração católica do pós-guerra. Em 1937, eram vinte centros deste tipo que havia se convertido na expressão intelectual mais importante do catolicismo brasileiro. Suas explicações espirituais e morais das mudanças ocorridas no país se impuseram a outras interpretações de tipo materialista e configuraram a linha central do pensamento católico do país[315].
Com uma visão de mundo totalizadora, a intelectualidade católica acreditava que era possível conduzir o Brasil pelo rumo correto da Doutrina Social da Igreja. Amoroso e Lima, por exemplo, defendia a introdução da educação religiosa nas escolas públicas, de acordo com a Constituição de 1934. Advertia contra as ameaças do judaísmo, dos maçons, do espiritualismo, do comunismo e do protestantismo naquele campo. Como bem salientou Gracieli, a crítica aos judeus combinava argumentos tradicionais com outros tomados do anti-semitismo moderno. Por exemplo, nos argumentos de Plínio Correa de Oliveira, o “problema judaico” provinha de haver sido o povo judeu “o povo deicida, que há dois mil anos está espalhando pelo mundo como castigo divino”. “Por razão, são nômades e não se misturam com raça alguma”. Suas capacidades intelectuais são notáveis, e “possuem especial talento comercial, graças ao qual acumularam um enorme capital, por meio do qual influenciam em todos os processos relacionados com os negócios”[316].
O argumento de Correa Oliveira era de que os comunistas foram reprimidos após a rebelião de 1935 e se encontravam continuamente vigiados pela forças de segurança. Daí que desde então a atenção dos católicos devia dirigir-se aos judeus, que não estavam sob violência alguma e eram “inimigos da ordem social e muito mais perigosos”. Suas conclusões são que por trás do comunismo se encontram os maçons franceses, cujos representantes ocupavam todos os cargos importantes do país. Por outro lado, destacava a influência dos judeus, que respaldavam o comunismo em todo o mundo. Em sua opinião, com base no que tinha sido escrito por Coty, o que ocorrera na França deveria constituir uma advertência para o Brasil, a fim de que a luta contra esses inimigos culminasse em vitória[317].
Na opinião de Marco Chor Maio, o anti-semitismo pode ser dividido em dois modelos de interpretação. O primeiro modelo remete-nos a “ideia de continuidade”. Segundo os autores que defendem este posicionamento, a relação entre judeus e não-judeus ao longo da história do mundo ocidental seria marcada por uma coleção invariável de tensões, conflitos, perseguições e massacres, que resultaria num elevado custo para a sobrevivência do povo judeu. Segundo Maio, um bom exemplo desse “modelo de continuidade” é o livro A Conspiração Mundial dos judeus: Mito ou Realidade, do historiador Norman Cohn. Para Maio, neste viés interpretativo, o anti-semitismo moderno é apresentado como mera atualização do passado. Esta vertente historiográfica elegeu o anti-semitismo como fonte explicativa da trajetória do povo judeu, o anti-semitismo é entendido, na sua essência, como invariante e atemporal[318].
O segundo modelo refere-se a “ideia de ruptura” muito bem representado pelos estudos de Hannah Arendt. Na análise da filósofa, o genocídio nazista foi um crime sem precedentes na história da humanidade e, justamente, por isso deve-se a singularidade do anti-semitismo moderno. Diante dos limites do “modelo da continuidade”, resumidamente entendido pela indiferença entre o moderno anti-semitismo e o antigo ódio religioso judaico, a autora propõe uma análise dialética, centrada no processo de interação entre judeus e não-judeus, ou seja, na longa e tortuosa história destas relações que prevaleceram desde a primeira diáspora judaica[319].
Segundo Maio, o modelo da “ruptura”, defendido por Arendt, contemplou ao mesmo tempo os dois padrões de anti-semitismo qualitativamente diferentes: o tradicional e o moderno. O padrão tradicional caracteriza-se pela existência de conteúdos religiosos e econômicos, indicando as formas de inserção dos judeus na sociedade. Primeiro, esta inserção se daria em terreno religioso, os judeus são vistos pelos católicos como a verdade viva do cristianismo. Segundo, na economia, como embrião monetário de uma economia pré-capitalista. Para Maio, o povo de Israel marginalizado, mantinha-se num equilíbrio precário com certa autonomia, dentro de uma sociedade não-judaica, oscilava entre a exclusão e a tolerância. Desta maneira, o anti-semitismo tradicional exercia três formas de poder: converter (batismo), isolar (Guetos) e expulsar (última decisão)[320].
De outro modo, o anti-semitismo moderno, operaria mudanças radicais, conferindo um conteúdo essencialmente político e destoando das notas religiosas e econômicas que em outrora caracterizavam o anti-semitismo tradicional. Segundo Maio, a tese de Tocqueville para explicar o ódio feroz do povo francês à nobreza após a Revolução Francesa, serviria também para explicar o anti-semitismo moderno. Este conflito teria surgido quando a perda de poder dos aristocratas não correspondeu ao declínio de suas riquezas, assim sem qualquer função pública, mas preservando sua riqueza, a nobreza tornou-se alvo do ódio popular. Algo semelhante teria acontecido com os judeus. O auge do anti-semitismo moderno corresponderia ao período em que os judeus perderam a influência e funções públicas, embora preservassem seus recursos. Os judeus adentraram o mundo moderno envoltos pelas imagens preconceituosas do passado. Ao entrar pela porta da frente da sociedade, os judeus não estavam despojados de seu passado de tensões com os cristãos, nem do perfil de comunidade à parte e intimamente ligada ao Estado através da economia[321].
Em outras palavras, o anti-semitismo moderno, ao evocar a responsabilidade judaica pela destruição dos valores da tradição, indicava como a única solução para este problema o trinômio, suspeita, vigilância e eliminação. Devido a impossibilidade de dissolução das características singulares e malignas deste povo, só restaria a eliminação da fonte de todos estes males[322].
Dito isto, veremos a seguir que a singularidade do discurso integralista de Barroso na AIB deve-se exatamente à sua identificação com o anti-semitismo e com o antimaçonismo. Entretanto, conforme o levantamento de Rodrigo Oliveira, apesar de perpassar a organização, tais bandeiras nunca adquiriram a centralidade na ideologia integralista. Em sua pesquisa realizada com o jornal integralista A Offensiva (Rio de Janeiro), o autor destacou o reduzido número de matérias que se dedicavam à temática antimaçônica e anti-judaicas representando, respectivamente, 0,32 % e 5,76% do total. Mesmo assim, é importante salientar que Barroso só posicionou-se a favor do anti-semitismo após ingressar na AIB. Dois fatores contribuíram para delinear o seu perfil anti-semita. O primeiro, refere-se a sua condição de Chefe de Milícias, em consoante contato com as bases integralistas, onde o anti-semitismo ajudava a sedimentar as novas crenças. O segundo, refere-se à competição com Plínio Salgado pela liderança do movimento. O discurso anti-semita era utilizado como elemento aglutinador e mobilizador representando assim um instrumento de pressão dentro do movimento[323].
De qualquer forma, o discurso anti-semita de Barroso fez vários adeptos não somente nos núcleos integralistas das capitais como também pelo interior dos estados. Segundo Ivair Augusto Ribeiro, ao analisar o jornal integralista Cidade de Olympia, publicado naquela cidade localizada no interior do estado de São Paulo, muitas das ideias de Hitler, contidas no livro Minha Luta, acerca dos judeus podem ser detectadas nos artigos de integralistas publicados no referido jornal. A aproximação judaica dos operários para angariar sua confiança, o suposto domínio da Maçonaria e o envolvimento dos judeus com o comunismo são alguns exemplos. O judeu era visto como quem contaminava as nações, aquele que inoculava o vírus da Maçonaria e do comunismo, com o propósito de desestabilizar os governos e completar seu plano de domínio universal. Outro imaginário, que teve sua origem na Idade Media, foi a ligação do judaísmo ao demônio, pois os judeus, também representavam o anticristo, a encarnação do mal[324].
Como já foi visto, para muitos integralistas, o combate ao judaísmo se justificava como forma de preservar a civilização cristã, alvo principal da imaginada conspiração judaico-maçônica. Os camisas-verdes criaram a imagem da eterna luta do “espírito das trevas” contra o “espírito da luz”. A presença do maligno torna-se mais evidente na medida em que o judaísmo vem associado a dois outros “males” que reforçam o ódio anti-semita: a Maçonaria e o comunismo. Não é por acaso que comumente em livros e artigos anti-semitas existe um cordão umbilical unindo judaísmo, Maçonaria e comunismo, os quais formariam um arcabouço com a pretensão de dominar o mundo e eliminar a civilização cristã. A luta contra o inimigo semita reforçava as idéias nacionalistas dos anos de 1930, pois proporcionava um elemento a mais para agregar o povo em torno da defesa dos interesses da nação e, consequentemente, atrair adeptos às ideologias nacionalistas de direita, como o nazismo e o integralismo[325].
Segundo Ribeiro, a existência de um inimigo “quase invisível”, que seria responsável pelas mazelas da economia a da sociedade brasileira, como o endividamento externo do país, foi muito bem explorado no livro Brasil – Colônia de Banqueiros (1934) de Barroso. A figura do inimigo estrangeiro nas manifestações nacionalistas servia para excitar a fé patriótica do povo e, ao mesmo tempo, fortalecia o movimento integralista, na medida em que este preconizava uma ideologia autóctone, voltada aos interesses nacionais e avessa à influência de doutrinas forasteiras. Desta forma, o nacionalismo de direita estabelecia os inimigos a serem combatidos: o comunismo, o liberalismo, a maçonaria, o capitalismo e em particular o judaísmo, que estaria por trás dessas ideologias “nefastas” aos interesses da pátria[326].
Nas palavras de Barroso, o Brasil após se libertar do julgo português em 1822 amarrou-se no “carro triunfante de Israel” como escravo. A dependência externa do país impunha aos brasileiros um trágico destino, ou ser servo do judaísmo capitalista dos Rotschilds ou, então, escravos submissos do judaísmo comunista de Trotski, pontos extremos da oscilação do pêndulo judaico no mundo. A cura desta mazela estaria, na opinião de Barroso, numa “Revolução Integralista”, a única com o poder de promover as mudanças de pensamento, de instituições e de rumo, repelir o liberalismo, o comunismo e o judaísmo capitalista e, assim, salvar a pátria espiritual e materialmente. O Chefe das Milícias propunha encontrar no fundo da alma nacional aquele espírito imortal dos catequizadores, dos descobridores, dos bandeirantes e dos guerreiros, para livrar a pátria do apocalipse. Deste modo, o primeiro passo era a “eliminação completa do inimigo”, somente com uma medida drástica o governo poderia livrar-se dessa doença crônica que prostravam o organismo brasileiro. Barroso buscava transmitir uma imagem fundamentalista incitando os “camisas-verdes” a lutar até a morte[327].
Barroso entendia que o motor da história envolveria um conflito incessante entre duas concepções de mundo radicalmente opostas: o espiritualismo cristão e o materialismo judaico. Em seu livro o Quarto Império, o autor desenvolveu melhor essa tese, demonstrando que nos últimos séculos, os judeus levaram a melhor sobre os cristãos, não só impediram a realização da “utopia cristã medieval” como também abriram caminho para a criação do mundo moderno, regido pelo “Império de Capricórnio[328].
Nas afirmações de Barroso, os judeus derrotaram o “Estado Cristão Totalitário” às claras, mas desde o século XVIII agiam encobertos pela clandestinidade maçônica. Para o autor, o judaísmo teria se infiltrado, primeiramente, na Ordem dos Templários, transformando aquela tradicional corporação medieval na Maçonaria. Aqui justifica-se, mais uma vez, o ódio do autor pela Ordem maçônica, pois ele acreditava que a instituição trabalhava, disfarçadamente, para desestabilizar a ordem social. Além disso, assegurava com impressionante convicção que o materialismo, criação da ideologia judaica, através dos preceitos maçônicos liberais, foi o responsável por criar as condições necessárias para a exploração da classe trabalhadora levando-a ao desespero. Por conseguinte, os judeus, mentores intelectuais desta guerra social, inventariam o comunismo por meio do marxismo, (Marx era judeu) com o objetivo aparente de atender aos anseios da classe trabalhadora. Nesta perspectiva, a Revolução bolchevique de 1917 é retratada como a confirmação do complô judaico-maçônico, para Barroso graças àquele evento revolucionário o judaísmo conseguiu edificar o chamado “Império de Capricórnio”[329].
Em suma, Barroso propunha uma revolução interior que fundaria o “Império de Carneiro”, a síntese perfeita entre a economia, a política e a espiritualidade. Esta revolução cristã integral propunha substituir o determinismo racial pelo domínio da religião. Em outras palavras, a competição entre raças seria dissolvida na unidade espiritual. Por isso o judeu deveria ser eliminado, pois esse era um povo incapaz de renunciar a sua condição material em beneficio de um projeto cristão totalitário. Ao recusarem o convite à diluição sugerida pela totalização cristã impediriam a realização da mesma, impondo assim a necessidade da dita “solução final”. Para Barroso não é por ódio, desdém ou desprezo que se deve fazer uma campanha sistemática contra a judiaria e sim por instinto de auto-conservação. Antes da completa eliminação do elemento judaico os povos não se curarão de suas enfermidades. O modelo revolucionário de Barroso baseava-se na fé e nas instituições, que são passiveis de ser alteradas. A revolução espiritual, que criaria o homem novo, também seria a base para a fundação de novas instituições[330].
FINIS
Autor: Luiz Mário Ferreira Costa
Fonte: Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2009.

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Notas
[304] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: da abdicação de D. Pedro I á maioridade de D. Pedro II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938.
[305] – MILGRAM, Avraham. O Itamaraty e os Judeus. In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: EDUSP-Fapesp, 2007. p. 383 .
[306] – CARNEIRO. Maria Luiza Tucci. Metáforas de uma Civilização. In: — (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo- Fapesp, 2007. p.293.
[307] – Idem, p. 301.
[308] – BARROSO, Gustavo. História secreta do Brasil: do descobrimento á abdicação de D. Pedro I. (op. cit), p. 282.
[309] – CARNEIRO. Maria Luiza Tucci. Metáforas de uma Civilização. (op. cit), p. 301.
[310] – LESSER, Jeffrey. Semitismo em Negociação: O Brasil e a Questão Judaica (1930 – 1945). In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo-Fapesp, 2007.
[311] – Idem, p. 275.
[312] – CARNEIRO. Maria Luiza Tucci. Metáforas de uma Civilização. (op. cit), p. 305.
[313] – 3 BEN-DROR, Graciela. As Elites Católicas do Brasil e sua Atitude em Relação aos Judeus (1933-1939). In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org). O anti-semitismo nas Américas: Memória e História. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo-Fapesp, 2007. p. 224.
[314] – Idem, p. 230-231.
[315] – Idem, p. 231.
[316] – Idem, p. 234.
[317] – Idem, p. 234.
[318] – MAIO, Marco Chor. Nem Rotschild nem Trotsky. O pensamento Anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1992.. p. 230.
[319] – ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo: Anti-semitismo, Instrumento de poder. Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1975.
[320] – MAIO, Marco Chor. O pensamento anti-semita moderno no Brasil: o caso Gustavo Barroso (op. cit), p. 231.
[321] – Idem, p. 233.
[322] – Idem, p. 235.
[323] – OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Perante o tribunal da história: o anti-semitismo da ação integralista brasileira. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2004. p. 121 On-line. Disponível em http://www.qprocura.com.br/dp/16310/Perante-o-tribunal-da-historia-:-o-anticomunismo-da-acaointegralista-brasileira.html. Acesso em 10 de março de 2009.
[324] – RIBEIRO, Ivair Augusto. (op. cit), p. 353.
[325] – Idem, p. 359.
[326] – Idem, p. 360.
[327] – BARROSO, Gustavo. Brasil – Colônia de Banqueiros. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.
[328] – 8 BARROSO, Gustavo. O Quarto Império. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1935.
[329] – Idem, p. 130.
[330] – BARROSO, Gustavo. Integralismo e Catolicismo. Rio de Janeiro: Editora ABC Limitada, 1937.