A Proclamação da República e a Maçonaria

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Nesse dia 15 de novembro, o blog O Ponto Dentro do Círculo convida seus seguidores a lerem dois excepcionais artigos sobre as relações entre o movimento republicano e os fatos que cercaram a maçonaria brasileira no final do século XIX e inicio do século XX.

O primeiro artigo, intitulado A Proclamação da República e a Maçonaria, dividido em duas partes, é de autoria de Márcio dos Santos Gomes, Mestre Maçom, membro da Academia Mineira Maçônica de Letras e grande pesquisador sobre os temas que envolvem a Sublime Ordem.

O segundo, que tem como título Os Maçons e o Movimento Republicano (1870-1910), e está dividido em três partes, é de autoria do professor Alexandre Mansur Barata, pesquisador do Núcleo de Estudos em História Social da Política (NEHSP) e do CEO/PRONEX/CNPQ-Faperj, e que traz em seu currículo outros excelentes artigos e livros que abordam temas relacionados à história da Arte Real no Brasil.

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Os Maçons e o Movimento Republicano (1870-1910) – 3ª Parte

File:Benedito Calixto - Proclamação da República, 1893.jpgProclamação da República – Benedito Calixto (1893)

A Maçonaria e o movimento republicano

O crescimento do movimento republicano insere-se neste contexto de grandes transformações, verificadas na segunda metade do século XIX. A partir de 1870, acentuou-se no país um anseio renovador. A monarquia passava a ser considerada inadequada, ultrapassada, atrasada. Assim, o golpe de Deodoro, em novembro de 1889, encerrava um processo de definição de uma nova estruturação do Estado brasileiro.

Em 1868, ocorreu a queda do gabinete liberal de Zacarias de Góis e a entrega do poder aos conservadores, liderados pelo Visconde de Itaboraí, contra uma Câmara unanimemente liberal. Considerada por Saldanha Marinho como um “estelionato político”, a queda do ministério de Zacarias abriu espaço para graves manifestações contra a validade e representatividade das instituições monárquicas. Como decorrência, em 1869, uma ala mais extremada do Partido Liberal rebelou-se e deu publicidade ao “Manifesto Liberal Radical”, que exigia amplas reformas eleitorais, descentralização, total liberdade religiosa, ensino livre, Senado temporário e eletivo, substituição do trabalho escravo pelo livre, extinção do poder moderador. Todavia, os “liberais radicais” não consideravam o término da monarquia como pré-requisito necessário à implantação de seu programa. Essa perspectiva começou a ganhar significado em 1870, com a formação do Partido Republicano e a consequente divulgação de  seu “Manifesto”[9].

Ilmar R. de Mattos assinala que a formação do Partido Republicano representou a formulação de um projeto político alternativo à ordem imperial e, de forma consequente, a contestação a uma direção política, intelectual e moral, responsável por esta ordem imperial – a direção saquarema. Para os “republicanos históricos”, a monarquia não mais representava os interesses da sociedade de realizar o bem comum e defender a coisa pública, de garantir as liberdades fundamentais dos cidadãos brasileiros. Em síntese, a Monarquia não se coadunava com a “causa do progresso”[10].

Elaborado por Saldanha Marinho, Quintino Bocaiuva, Aristides Lobo, Salvador de Mendonça e outros, o “Manifesto Republicano” é considerado por vários historiadores, dentre eles Sérgio Buarque de Holanda, como anti-revolucionário e contemporizador, por defender que as mudanças institucionais que deveriam ocorrer se processassem sem convulsões, ou seja, dentro da ótica da “revolução pacífica, da revolução da ideia”[11].

Publicado no jornal A República do Rio de Janeiro, a 3 de dezembro de 1870, o “Manifesto Republicano” estrutura-se numa longa crítica à concentração de poderes no Imperador, o que acabava por nulificar a representação nacional. A fórmula política baseada no princípio de que o imperador reina, governa e administra era incompatível com a soberania popular, única fonte de legitimidade.

Após duras críticas à Monarquia, o “Manifesto” enuncia seu princípio cardeal: o federalismo. Buscava-se a constituição de uma República federativa, baseada na soberania do povo e administrada por um governo representativo, expressa na fórmula “Centralização – Desmembramento. Descentralização – Unidade”.

Autonomia das províncias é, pois, para nós mais do que um interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações provinciais, é um princípio cardeal e solene que inscrevemos na nossa bandeira. O regime da federação baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses da representação e da defesa exterior, é aquele que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira. [12]

À fundação do Partido Republicano na cidade do Rio de Janeiro segue-se uma multiplicação de clubes e partidos, decididos a defender a causa republicana. Essa propaganda republicana se concentrava sobretudo nas províncias do Centro-Sul do país. Além da Corte, destacavam-se as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Neste contexto, destacava-se a fragilidade da penetração das ideias republicanas na província do Rio de Janeiro. Ainda que algumas das principais lideranças republicanas nacionais no período da propaganda fossem fluminenses. sua atuação se fazia essencialmente na Corte. Somente em 1888, o Partido Republicano da Província do Rio de Janeiro foi fundado e seu grande impulso relaciona-se à adesão de monarquistas insatisfeitos com a abolição do trabalho escravo. “A lentidão com que se expandiu o movimento republicano na província do Rio de Janeiro explicava-se, pela força do conservadorismo, e esta era garantida em grande parte pela coesão em torno da escravidão”[13].

O mesmo aconteceu em Minas Gerais. Antônio Olinto dos Santos Pires, primeiro presidente interino do Estado de Minas Gerais, em um artigo publicado na Revista do Arquivo Público Mineiro em 1927 – “A ideia republicana em Minas; sua evolução; organização definitiva do Partido Republicano”, informa que o Partido Republicano só teve uma organização definitiva em Minas, em 1888. Apesar de participarem da luta eleitoral, em Minas Gerais, desde 1880, a trajetória dos republicanos mineiros poderia ser assim descrita: “(…) se concentrava, às vezes, formando núcleos, para se dissolver depois, em movimento constante, dividindo-se, fragmentando-se, avolumando-se, mais tarde, pelo encontro de elementos dispersos (…)”[14].

Por sua vez, a adesão dos fazendeiros paulistas à causa republicana transformou o movimento em uma força politicamente expressiva. Representantes de uma zona econômica em expansão, criticavam a excessiva centralização administrativa do Império, que propiciava o controle do poder por representantes de áreas econômicas inexpressivas. Da mesma forma que na Corte, após a queda do gabinete de Zacarias de Góis em 1868, na província de São Paulo formaram-se Clubes Radicais em várias localidades. Com o surgimento do “Manifesto de 1870”, esses clubes declaram-se republicanos. Em 1873, com a Convenção de Itú surgia o Partido Republicano Paulista.

Na proporção em que crescia a propaganda republicana, começavam a fermentar nas Lojas maçônicas os debates referentes à superação ou não do regime monárquico. É bem verdade que a ideia de república não era nova para a Maçonaria pois, desde o período da emancipação política do Brasil, já existia uma facção maçônica que a desejava. A partir de 1870, os maçons republicanos encontravam no “Grande Oriente do Brasil – ao Vale do Beneditinos”, liderado por Saldanha Marinho, importante meio de divulgação de suas teses. Se analisarmos o número de lojas maçônicas criadas entre 1870 e 1880, iremos perceber que a maioria delas estava ligada ao Círculo dos Beneditinos e localizava-se sobretudo naquelas províncias que possuíam expressivos movimentos republicanos: 24 em São Paulo, 29 em Minas Gerais e 27 no Rio Grande do Sul, além de 18 na Corte. É interessante observar que apenas 8 lojas foram criadas na província do Rio de Janeiro, o que demonstra, mais uma vez, a fragilidade da penetração da propaganda republicana no interior da província fluminense e do vínculo entre Maçonaria e República.

Como os Clubes Republicanos, muitas lojas maçônicas se transformaram em autênticos centros de efervescência republicana. Em São Paulo, as Lojas “Amizade” e “América” se destacavam. Em seus quadros podemos encontrar os seguintes nomes: Américo Brasiliense, Américo Campos, Bernadino de Campos, Luis Gama entre outros. No Rio de Janeiro, destacam-se Saldanha Marinho, Quintino Bocaiuva, Ubaldino de Amaral.

Em Minas Gerais, o crescimento dos Clubes Republicanos e Lojas Maçônicas, com em São Paulo e Rio de Janeiro, também foi bastante expressivo. Recorrendo a um segundo texto de Antônio Olinto – A proclamação da República em Minas -, ele assinala  que em virtude de perseguições por parte dos liberais/monarquistas, vários Clubes Republicanos em Minas Gerais se transformaram em sociedades secretas[15].

Ao agrupar setores bastantes diversos, o movimento republicano evidentemente não poderia suscitar um amplo consenso quanto à definição da natureza do novo regime. Segundo José Murilo de Carvalho, havia três modelos de república à disposição dos republicanos brasileiros. O primeiro era o dos proprietários rurais, especialmente os proprietários paulistas. Para estes homens, a república ideal era a do modelo americano baseado na predominância do interesse individual, na liberdade dos direitos de ir e vir, de propriedade, de opinião, de religião e no caráter federativo da organização do Estado. O segundo modelo era o dos setores urbanos, formado por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, estudantes. Para estes, a república era sinônimo de intervenção direta do povo no governo. influenciados pelo jacobinismo à francesa, eram atraídos pelos apelos abstratos em favor da liberdade, da igualdade, da participação. O terceiro modelo era a versão positivista de república, que influenciava sobretudo os militares, com seu apelo a um executivo forte e intervencionista, consubstanciado no princípio da “Ordem e Progresso”[16].

Para os maçons, sobretudo aqueles ligados ao Círculo dos Beneditinos, a forma de governo republicana oferecia uma oportunidade de romper com o centralismo monárquico e, acima de tudo, equacionar os problemas relativos às liberdades individuais. Neste sentido, creio que Saldanha Marinho possa ser considerado aquele que melhor traduziu as expectativas desse segmento.

Em 1869, Saldanha Marinho publicou um folheto com o título O Rei e o Partido Liberal, onde expressou o seu diagnóstico da realidade brasileira, destacando a necessidade de liberalização real das instituições políticas através da adoção do regime republicano. Segundo ele, a monarquia, estruturada pela Carta outorgada de 1824, poderia ser responsabilizada pela decadência moral e material em que se encontrava o país. Em 1885, esse folheto foi reimpresso com alguns comentários adicionais e recebeu um novo título: A Monarchia ou a Política do Rei.

“Harmonizar a autoridade com a liberdade, o direito com o fato – condição eterna da ordem e prosperidade”. Tomando como base essa premissa, Saldanha Marinho analisou o processo histórico brasileiro, assinalando os obstáculos impostos à evolução natural da nacionalidade brasileira: o regime republicano, único regime democrático e consonante com  a índole americana[17].

Esses obstáculos impostos à construção de uma nacionalidade livre e independente tiveram início com a repressão aos movimentos de caráter emancipacionista, principalmente à Conjuração Mineira de 1789. Mas foi com o processo de Independência que as forças ligadas ao absolutismo revelaram todo o seu poder.

Um vício de origem nos comprometeu desde a independência até hoje. A vontade daqueles que quiseram ter de pronto um rei, prevaleceu sobre a dos que procuravam começar regularmente, por uma assembleia constituinte, para que esta exprimindo a vontade soberana do povo, determinasse a forma de governo a adotar, e estabelecesse os princípios políticos a que devia a nação subordinar-se. O partido liberal, receoso das perturbações que lhe podia opor a influência portuguesa, anuiu a isso para poupar sacrifícios, e chegar a seu fim com maior segurança e rapidez. [18]

Se a Independência com D. Pedro I não significou a adoção de um regime representativo – portanto mais democrático – a dissolução da Assembleia Constituinte e a outorga da Constituição de 1824 apenas confirmaram que:

Era mister não olvidar que Rei e democracia são coisas que se repelem: um é o permanente destruidor do outro; e quando, por exceção, se consegue casá-los, dá-se ao mundo um espetáculo repugnante, e sempre irrisório, porquanto um dos assim consorciados deve sempre nulificar o outro. [19]

Com a abdicação de D. Pedro I, inaugurou-se o primeiro período em que os ideais republicanos triunfaram. Exemplifica-se o fato com a adoção do Código de Processo e a aprovação do Ato Adicional de 1834. Entretanto, a maioridade do príncipe-herdeiro inaugurou um período marcado pelo domínio incontestável do Poder Moderador e, consequentemente, do governo centralizado nas mãos do Imperador. O despotismo triunfava, impedindo a constituição de um sistema de governo livre  e garantidor dos direitos do povo. Os partidos políticos nada mais eram do que um joguete nas mãos do Imperador. Os períodos em que dominaram os gabinetes ministeriais de maioria liberam eram neutralizados pelo Imperador, que utilizava-se do artifício da composição com membros do Partido Conservador.

Sempre que o Rei entende conveniente aproximar-se dos liberais, lhes ajusta logo um antídoto e nulifica-lhes a ação; e eles se sujeitam. [20]

Ao trabalhar com estas especificidades, Saldanha Marinho procurava destacar a força mobilizadora exercida pelo Imperador e, em contrapartida, o caráter meramente formal do regime constitucional em vigor.  O Segundo Reinado não cumpriu sua finalidade maior, que seria a construção da nação brasileira pois, restringindo sua ação ao âmbito da luta contra as conquistas liberais, teria contribuído para o processo inverso: o da ausência da nação.

Não temos governo representativo, só há uma vontade, o governo é um só homem, o poder pessoal se ostenta; e o poder pessoal é o absolutismo. O Estado é ele! [21]

Estas considerações revelam uma postura em sintonia com a necessidade de construção de um projeto político que possibilitasse a consolidação de uma identidade nacional. E esta viria através da adoção de reformas sociais e políticas. Portanto, a defesa do regime republicano, para Saldanha Marinho e para os maçons em geral, era a possibilidade de conquistar instituições políticas mais representativas e garantir as liberdades individuais, sobretudo a liberdade de pensamento.

Promulgada em 1891, a primeira Constituição republicana acabou por consagrar os princípios liberais clássicos, tais como o direito de associação, de pensamento e de expressão, e a garantia de um governo eleito pelo voto majoritário. Contudo, a consolidação da República foi marcada pelo signo da exclusão dos setores populares do cenário político.

Considerações Finais

Contrariando a tradição historiográfica que julgava a Maçonaria uma instituição com uma atuação inexpressiva no final do século XIX e início do século XX, o que procurei demonstrar foi que ela se colocou como uma das principais instituições na luta pela estruturação de uma nova identidade nacional.

Possuindo uma dinâmica de crescimento e de atuação bastante específica, a Maçonaria brasileira se mostrou estreitamente ligada à vida política do país. Foi observado o quanto ela estava ativa e influente, revelando-se como um autêntico grupo de pressão. Aglutinando expressiva parcela da elite, debateu, quer nas suas Lojas, quer na imprensa, quer no Parlamento, os principais temas que abalaram a sociedade brasileira do período. Desta forma, ser maçom, para certos setores da sociedade, significava uma forma de influir, de participar na estruturação do Estado brasileiro.

Finis

Autor: Alexandre Mansur Barata

Fonte: Locus, Revista de História

*Alexandre é professor de História da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Pesquisador do Núcleo de Estudos em História Social da Política (NEHSP) e do CEO/PRONEX/CNPQ-Faperj “Dimensões e fronteiras do Estado brasileiro no século XIX”. Pos-doutorado (2012/2013) na Universidad Pablo de Olavide (Spain) com apoio financeiro da CAPES (Ministério da Educaçao – Brasil). Livros publicados: Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência do Brasil (1790-1822), publicado pela Editora Annablume (São Paulo-Brasil); Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910), publicado pela Editora da Unicamp (Campinas-Brasil).

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Notas

[9] – SANTOS, Wanderley G. do. Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. p.90

[10] – MATTOS, Ilmar, R. de. “Do Império à República”, Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 2 (4); 168.

[11] – HOLANDA, Sério B. de. “O Manifesto de 1870”, In: História Geral da Civilização Brasileira. 4 ed. São Paulo: Difel, 1985 t. III, v. 5, p. 256

[12] – O Manifesto Republicano está reproduzido em: BRASILIENSE, A. Os programas dos partidos e o Segundo Reinado. Brasília: Senado Federal, 1977. p. 78

[13] – FERREIRA, Marieta de M. (org). A República na Velha Província. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. p.35

[14] – In: Revista de Archivo Público Mineiro: Belo Horizonte, 21 (1927): 24

[15] – Ibidem, p. 149

[16] – CARVALHO, José M. op. cit. p. 24-9

[17] – MARINHO, J. Saldanha. A monarchia ou a política do Rei. Rio de Janeiro: Tup. de G. Leuzinger & Filhos, 1885 p.01

[18] – Ibidem, p. 09

[19] – Ibidem, p. 32

[20] – Ibidem, p. 36

[21] – Ibidem, p. 103

Os Maçons e o Movimento Republicano (1870-1910) – 2ª Parte

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Estrutura organizacional da maçonaria brasileira

De modo particular, a estrutura organizacional da Maçonaria em nosso país, neste período, apresentou três fases bastante distintas. Na primeira, de 1863 a 1883, o poder central da Ordem estava dividido em dois grupos: o Grande Oriente do Brasil da rua dos Beneditinos e o Grande Oriente do Brasil da rua do Lavradio. Essa divisão, iniciada em 1863, sofreu um pequeno intervalo entre maio e setembro de 1872, devido à formação do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil. A segunda fase, de 1883 a 1890, é marcada pela união oficial entre o Grande Oriente do Lavradio e o Grande Oriente dos Beneditinos, formando, novamente, o Grande Oriente do Brasil. E a terceira parte, a partir de 1890, com formação dos Grandes Orientes estaduais, vinculados ou não ao Grande Oriente do Brasil, com sede no Rio de Janeiro.

A grande divisão nas fileiras do Grande Oriente do Brasil ocorreu durante o Grão-Mestrado do Visconde do Cayru, em 1863. Sete lojas, com aproximadamente 1500 membros, formaram uma nova Obediência – o Grande Oriente dos Beneditinos – e elegeram para Grão-Mestre Joaquim Saldanha Marinho, político e jornalista bastante conhecido por suas posições anti-clericais e pela defesa do regime republicano. Tal divisão certamente pode ser atribuída a descontentamentos quanto ao processo eleitoral ocorrido para a direção do Grande Oriente do Brasil. Mas é preciso ressaltar que o grupo liderado por Saldanha Marinho sofria grande influência da corrente maçônica francesa e não aceitava a ideia que identificava exclusivamente maçonaria com filantropia. Esta perspectiva pode ser apreendida no artigo de A. F. Amaral publicado no Boletim do Grande Oriente, editado pelo círculo dos Beneditinos em 1873:

A Maçonaria é mais alguma coisa do que uma companhia de socorro mútuo; é uma instituição filantrópica no sentido mais lato da palavra. (…) Compreendeu, pois, a Maçonaria criada para proteger a humanidade e dar-lhe pleno desenvolvimento, que a sua missão era dupla, como dupla é a natureza do homem. Para realizá-la cumpria-lhe, portanto, não só dar pão aos famintos, vestir os nus e abrigar os que não tivessem teto, como também procurar dar toda expansão às faculdades morais do homem – a inteligência, o livre-arbítrio -, dons sagrados que o elevam acima da natureza criada, e o tornam elo visível entre ela e a divindade. (…) Mas cultivar a inteligência das massas, ensinar-lhes os seus direitos, dizer ao ínfimo dos párias, ao último dos hilotas, ao mais degradado dos vilões, – tu és homem, e portanto és livre -, foi sempre coisa grave e perigosa; a ilustração e a liberdade das massas fere e derruba os interesses ilegítimos dos fortes e dos espertos. [8]

Se o círculo dos Beneditinos, chefiado por Saldanha Marinho, defendia uma atuação mais vigorosa e política da Maçonaria na defesa do racionalismo, da liberdade de consciência, enfim, dos princípios caros à “modernidade”, o círculo do Lavradio assumia uma posição regalista e monarquista.

Apesar dessas divergências, entre maio e setembro de 1872, ocorreu uma breve união entre os dois círculos – Lavradio e Beneditinos – diante da necessidade de combater o inimigo comum, tendo em vista a grande agitação provocada pela “Questão Religiosa” ou “Questão episco-maçônica” do Segundo Reinado, que culminou com a prisão dos bispos D. Vital e D. antônio Macedo Costa, respectivamente bispos de Olinda e Belém. A partir da segunda metade do século XIX, a Igreja Católica no Brasil, seguindo uma tendência internacional, iniciou um processo de reorganização interna conhecido como romanização do clero católico. A romanização significou o fortalecimento da Igreja como instituição, iniciando um movimento de condenação dos chamados “erros modernos”: o progresso, o racionalismo, o liberalismo, a liberdade religiosa. Esboçava-se, concretamente, um novo contexto. A Maçonaria que, até então, poderia ser considerada uma das instituições mais organizadas do país, passava a sofrer fortes ataques da Igreja Católica ultramontana/conservadora, que era a Igreja “oficial” do Estado. Foi desta forma que, a 20 de maio de 1872, o Grande Oriente do Lavradio, presidido pelo Visconde do Rio Branco, e o Grande Oriente dos Beneditinos, presidido por Saldanha Marinho, fundiram-se numa única Obediência: o “Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil”.

Entretanto, a derrota do Visconde do Rio Branco, no pleito para a escolha do Grão-Mestre da nova Obediência, foi suficiente para o retorno à situação anterior, o que se prolongaria até 1883.

Em março de 1882, Saldanha Marinho pediu demissão do cargo de Grão-Mestre do círculo dos Beneditinos, possibilitando, dessa forma, as negociações para a fusão definitiva dos dois Grandes Orientes. A união oficial da maçonaria brasileira foi então realizada em 18 de janeiro de 1883, sob  a direção de Francisco José Cardoso Júnior. No contexto de crescimento da propaganda ultramontana da Igreja Católica, as razões que possibilitaram essa união, em certa medida, relacionam-se com  a fragilidade da instituição, após um longo período de divisões internas.

A década de 90 do século XIX marcou, contudo, uma nova etapa para a organização maçônica brasileira. Paralelamente à instalação da ordem republicana federalista, o Grande Oriente do Brasil agitou-se novamente. Muitas Lojas passaram a questionar a autoridade do Brande Oriente do Brasil como Obediência central, ocorrendo também uma federalização da maçonaria brasileira com a criação de vários Grandes Orientes estaduais autônomos e independentes, como: Grande Oriente Paulista (1893), Grande Oriente e Supremo Conselho do Rio Grande do Sul ( 1893), Grande Oriente Mineiro (1894). A maçonaria, como a República, federalizava-se.

A organização do espaço maçônico

Durante o período estudado, constatou-se inequivocamente a grande expansão do sociabilidade maçônica por quase todo o território brasileiro. A maçonaria possuía uma extensa rede de Lojas instaladas nos mais diversos e distantes núcleos populacionais. Essas Lojas se articulavam de forma a defender seus princípios, consubstanciados na busca do aperfeiçoamento moral do homem e na luta por uma sociedade mais secularizada. Tal constatação singularizava a organização maçônica em relação a outras instituições do período, como a Igreja, o Exército e o próprio aparelho de Estado que possuíam bases espaciais muito frágeis.

A evolução da presença maçônica no território brasileiro, apesar de ininterrupta, ocorreu num ritmo bastante peculiar. Os dados apresentados na Tabela 1, que mostram a evolução do número de Lojas em cada estado brasileiro no período entre 1860-1920, indicam uma expansão quantitativa e espacial da atividade maçônica. Se na primeira metade do século XIX, essa atividade se concentrava no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco, no final do século XIX  e início do século XX, verificou-se a criação de um grande número de Lojas em diversas regiões do país, em pequenas e grandes cidades, especialmente em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Apesar das oscilações quanto ao número de Lojas em atividade, o que se pode constatar, efetivamente, é a consolidação da Ordem Maçônica em todo o território nacional. Se, entre 1861-1865, funcionavam 180 Lojas, este número cresceu para 417 no quinquênio 1916-1920.

tabelaFonte: PROBER, K. Cadastro geral das Lojas maçônicas no Brasil: ativas, abatidas e inativas. Rio de Janeiro, ed. autor, 1975; Coleção do Boletins do Grande Orientedo Brasil ( 1871-1910.

Até 1890, a cidade do Rio de Janeiro – capital do país e sede do Grande Oriente do Brasil – era o núcleo maçônico mais desenvolvido, possuindo cerca de 35% das Lojas maçônicas em funcionamento de todo país.

No litoral nordestino, Recife e Salvador constituíam os tradicionais centros maçônicos. Entretanto, enquanto em Pernambuco ocorria uma maior propagação das ideias maçônicas pelo interior do estado, na Bahia, até 1910, Salvador permanecia, praticamente, como o único núcleo maçônico.

Já nas regiões Sudeste e Sul, o movimento maçônico se destacou por sua extensão e homogeneidade. Em Minas Gerais, durante a década de 70 do século XIX, ocorreu um crescimento bastante expressivo, com a fundação de aproximadamente 37 novas Lojas maçônicas, a maioria delas instaladas pelo Grande Oriente dos Beneditinos. Ouro Preto constituía o núcleo mais importante, sendo ultrapassado, no início do século XX, por Belo Horizonte e Juiz de Fora. No Rio de Janeiro, excluindo a capital do país, a atividade maçônica se concentrava nas cidades de Niterói e Campos. A partir de 1890, a maçonaria paulista assumiu uma posição de liderança dentro do movimento, contando com uma extensa rede de Lojas espalhadas, sobretudo, no eixo que ligava as cidades de Ribeirão Preto, Campinas e São Paulo. Acompanhando a expansão paulista, os últimos anos do século XIX marcaram uma intensa atividade maçônica no Rio Grande do Sul em torno das cidades de Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria e Rio Grande.

Sem sombra de dúvida, com a República, a maçonaria conheceu importantes transformações no seu processo de institucionalização. Além do expressivo aumento no número de Lojas em funcionamento, verificou-se um processo de “nacionalização” e de “federalização” do movimento maçônico. Se, durante o Império, as atividades maçônicas se concentravam, principalmente, no Rio de Janeiro, o período republicano presenciou o fortalecimento da maçonaria, não por acaso, em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia, estados que possuíam significativas representações no Congresso Nacional.

Continua…

Autor: Alexandre Mansur Barata

Fonte: Locus, Revista de História

*Alexandre é professor de História da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Pesquisador do Núcleo de Estudos em História Social da Política (NEHSP) e do CEO/PRONEX/CNPQ-Faperj “Dimensões e fronteiras do Estado brasileiro no século XIX”. Pos-doutorado (2012/2013) na Universidad Pablo de Olavide (Spain) com apoio financeiro da CAPES (Ministério da Educaçao – Brasil). Livros publicados: Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência do Brasil (1790-1822), publicado pela Editora Annablume (São Paulo-Brasil); Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910), publicado pela Editora da Unicamp (Campinas-Brasil).

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Notas

[8] – Ver: Boletim do Grande Oriente do Unido e Supremo Conselho do Brasil. Rio de Janeiro, 2 (2-3): 104, fev-mar/1873.

Os Maçons e o Movimento Republicano (1870-1910) – 1ª Parte

Resultado de imagem para movimento republicano no brasilRevista Illustrada – 9 de junho de 1888

Este artigo apreende e resgata a atuação da maçonaria brasileira entre 1870 e 1910, período marcado pelos intensos debates que procuravam estruturar uma nova identidade nacional. Buscava-se a civilização e o progresso, encarnados na defesa da liberdade de consciência, na abolição do trabalho escravo e na República. Marcada por uma estrutura organizacional peculiar, a maçonaria brasileira conheceu, no período, um importante crescimento das suas atividades em todo o território nacional. Aglutinando setores expressivos da sociedade, a “sociabilidade” proporcionada pelas lojas maçônicas acabou por transformá-las em importantes centros de divulgação do projeto republicano.

“Para a cólera que espuma da sogra (Cachorrão! Coitada da minha filha…”), repugnância das cunhadas (“Pobre de nossa irmã, casada com bode preto!”), consternação de minha Mãe (“Nossa Senhora, que pecado!”) e escândalo da Cidade (“Pobre moça! Também casar com nortista…”) e animado por nosso Primo Mário Alves da Cunha Horta, pedreiro livre emérito, meu Pai ousara tripingar-se! Primeiro, Cavaleiro Rosa Cruz. Depois, da Águia Branca e Negra. E frequentava noitantemente a casa maldita, sempre escura, de janelas e portas herméticas. Lembro-me bem: quando passava em frente, com minha Mãe, ela descrevia uma curva prudente, largava o passeio e tomava a sarjeta para distanciar-se dos óculos gradeados do porão onde, diziam, havia um negro caprino cevado com carne podre de anjinhos e cujo bafo enxofrado era fatal!” (Pedro Nava – Baú de Ossos)

Introdução

A década de 20 do século passado conheceu um importante processo de reflexão sobre os caminhos da pesquisa histórica. Ao questionar a hegemonia da História política na produção historiográfica francesa, os historiadores dos Annales passaram a defender uma nova concepção de história onde o econômico e o social ocupavam lugar fundamental.

Nos anos 60, com o crescimento do marxismo nos meios acadêmicos, acentuou-se na pesquisa histórica a marginalização dos estudos políticos.

Contudo, este quadro vem se modificando. O crescente diálogo entre a História e as outras ciências sociais (Ciência Política, Sociologia, Linguística) contribuiu para que a dimensão política voltasse a ocupar um espaço fundamental nos estudos históricos, num processo que R. Remond chamou de “renascimento da história política”[1].

É, portanto, neste contexto de renovação historiográfica e de crescimento nos estudos políticos que as reflexões deste artigo se inserem. Nosso objetivo é repensar  a atuação da instituição maçônica no final do século XIX e início do século XX no Brasil, período marcado pelos grandes debates que procuram estruturar uma nova identidade nacional, tentando compreender a especificidade da “sociabilidade” pelas lojas maçônicas  que acabou por transformá-las em importantes centros de divulgação e discussão do ideário liberal, a despeito dos cuidados que devem ser guardados de sua identificação simplista.

A Maçonaria e a Ilustração Brasileira

A partir de 1870, a sociedade brasileira conheceu profundas transformações. A crise do escravismo e o crescimento da propaganda republicana, aliados ao surto de “ideias novas”, como se referiu Sílvio Romero, possibilitaram a maior consciência dos problemas do país, bem como a busca pela definição de um novo padrão de identidade nacional. Para Roque Spencer Maciel de Barros, este período viu surgir uma elite intelectual que se propunha a “ilustrar” o país, a liberalizar de fato as instituições e que, portanto, acreditava no poder das ideias – da ciência – como único mecanismo legítimo de transformação do país. Em síntese, buscava-se a colocação do país ao “nível do século”.

(…)estes homens buscaram instrumentos capazes de integrar-nos, de vez, na grande comunidade euro-americana.; ao invés de se entregarem a uma suposta realidade brasileira, procuram criá-la pela ação educativa da lei, da escola, da imprensa, do livro, (…) Certamente, (…) as ideias que triunfam são exatamente aquelas que melhor servem ao propósito de integração do país na cultura ocidental, confundida com a humanidade; são as doutrinas que nos trazem uma filosofia progressista da história e que dão um sentido ecumênico aos acontecimentos que se verificam no país.[2]

Repensar a identidade nacional, para esta geração de intelectuais, era um “esforço de universalização” e de consequente negação do passado marcado pela herança ibérica, pelo escravismo, pelo colonial, pelo singular. Nicolau Sevcenko destaca que a palavra de ordem  da “geração modernista de 1870” era condenar a sociedade “fossilizada” do império e pregar as grandes reformas redentoras: a abolição, a república e a democracia[3].

Segundo Roque Spencer, o liberalismo brasileiro do final do século XIX enfrentava uma luta semelhante à vivida pelo liberalismo do século XVIII europeu. Seu conteúdo era jurídico-político, e era em nome do direito natural que condenava a escravatura e a ordem imperial. Todavia, para realizar a sua tarefa precípua de liberalizar de fato as instituições do período, a “Ilustração brasileira” encontrou, na Igreja Católica, baluarte do conservadorismo, importante obstáculo.

Os liberais clássicos, tipo dominante na “Ilustração brasileira”, segundo Roque Spencer, fundados em uma visão jurídica do homem, possuíam, como ponto de partida teórico, a crença fundamental na liberdade humana. Se discordavam quanto à forma de governo (república ou monarquia constitucional) mais adequada para realização do ideal liberal, todavia eram unânimes na critica à excessiva centralização do sistema imperial brasileiro via Poder Moderador, na defesa da abolição do trabalho escravo e na defesa da livre manifestação do pensamento. “Sua tarefa era libertar o trabalho, a consciência e o voto.”[4]

Sérgio Buarque de Holanda, ao analisar este período assinalou o declínio da instituição maçônica, o que, de certa maneira, teria possibilitado o crescimento da doutrina positivista. Se, nos anos 20 e 30 do século XIX, ser maçom era sinônimo de ser patriota, nos anos finais do Império generalizou-se a crença na regeneração da Humanidade pela Ciência, viga mestra da filosofia de A. Comte[5].

Mesmo sem apresentar as razões desse declínio, a posição do autor vem sendo corroborada pela historiografia, que insiste em considerar a maçonaria como uma instituição que atuou de forma mais efetiva apenas durante o processo de emancipação brasileira, possuindo, posteriormente, uma presença inexpressiva. Minha proposta de repensar o papel desempenhado pela maçonaria no final do século XIX e início do século XX, procurando vinculá-la à “Ilustração brasileira”, visa justamente questionar essa posição comum à historiografia brasileira. Evidentemente, esta perspectiva não busca excluir a atuação dos positivistas na estruturação e na legitimação do regime republicano, como bem demonstraram José Murilo de Carvalho e Roque S. M. de Barros.  Entretanto, ela quer destacar a necessidade de se levar em consideração o inegável crescimento organizacional maçônico e o seu papel na formação de uma expressiva parcela da elite política no período[6].

Resgatar a maçonaria como uma instituição formadora de opinião implica na necessidade de pensá-la, antes de mais nada, como uma forma específica de sociabilidade que possui no caráter secreto/fechado um elemento definidor, mas que, ao mesmo tempo, impõe um forte limite às suas ações. Esta limitação diz respeito às dificuldades em administras as divergências entre seus membros, evitando as constantes cisões e o consequente enfraquecimento da instituição. Tal risco, entretanto, não pressupões que ela não possuísse um projeto de ação, como bem expressou Quintino Bocaiuva, em 1897, por ocasião de sua posse no cargo de Grão-Mestre Adjunto do Grande Oriente do Brasil. Embora longa, a citação é exemplar:

“(…) se nós nos limitássemos a fazer a caridade, a dar pensões, a ser sociedade de beneficência, cairíamos no ridículo de uma organização tão complicada e tão aparatosa, com cerimonial tão minucioso de palavras, sinais, toques e passos, com sessões noturnas secretas, tão prolongadas, para fins tão insignificantes plenamente preenchidos, sem tantas formalidades, por quantas associações, estrangeiras ou nacionais, que se acham, para esse fim, estabelecidas entre nós. É esta a contraprova da asserção, tantas vezes por mim afirmada nesta Assembleia. – A Maçonaria é uma associação altamente política. Mas qual é essa política? Tendes o direito de perguntar-me. Responderei, começando por definir os termos da controvérsia: – Política é a arte de educar o povo e dirigi-lo nas vias do progresso e do engrandecimento, até a consecução dos seus fins no seio da humanidade. É isto que nós maçons chamamos de “alta política”; tal qual delineada na nossa constituição. (…) A nossa política, tão grande como a nossa instituição, é aquela que nos faz amar o cristianismo, e detestar o jesuitismo, que nos impele a estudar e ouvir socialistas e rebater anarquistas; que nos obriga a aceitar e manter a República e repelir a monarquia; que nos dá a diferença profunda entre o jacobirismo e o patriotismo; pois este é um sentimento de amor, e é aquele um mal sentimento de ódio, contrário ao nosso lema de fraternidade universal, dos homens  e dos povos.”[7]

Assim, torna-se fundamental perceber o grau de penetração que o ideário maçônico possuía junto aos grandes debates que sacudiram a sociedade brasileira do período, ou seja, perceber sua ação enquanto grupo de pressão política e instrumento de controle ideológico. Destacar, portanto, a instituição maçônica enquanto um importante mecanismo de intermediação de interesses que se constitui na relação entre o Estado e a sociedade.

Continua…

Autor: Alexandre Mansur Barata

Fonte: Locus, Revista de História

*Alexandre é professor de História da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Pesquisador do Núcleo de Estudos em História Social da Política (NEHSP) e do CEO/PRONEX/CNPQ-Faperj “Dimensões e fronteiras do Estado brasileiro no século XIX”. Pos-doutorado (2012/2013) na Universidad Pablo de Olavide (Spain) com apoio financeiro da CAPES (Ministério da Educaçao – Brasil). Livros publicados: Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência do Brasil (1790-1822), publicado pela Editora Annablume (São Paulo-Brasil); Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910), publicado pela Editora da Unicamp (Campinas-Brasil).

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Notas

[1] – REMOND, R. Por que a história politica? Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, 1994, p. 7-19.

[2] – BARROS, Roque S. M. A Ilustração brasileira e a ideia de Universidade. São Paulo: Convívio/Edusp, 1986, p. 13.

[3] – SEVCENKO, N. Literatura como missão. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 78.

[4] – BARROS, Roque op. cit., p. 81.

[5] – HOLANDA, Sérgio B. de “Da Maçonaria ao Positivismo”. In: – História Geral da Civilização Brasileira. 4 ed. São Palo: Difel, 1985. t II , v. 5. p. 289.

[6] – Ver: CARVALHO, José Murilo de, A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 120; BARROS, Roque op. cit., p. 107-195

[7] – Ver: Boletim do Grande Oriente do Brasil. Rio de Janeiro, 22(3-4): 144, mai-jun/1897

A Proclamação da República e a Maçonaria (Parte II)

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Outro fator que contribuiu decisivamente para o desgaste da Casa Imperial e a implantação do regime republicano foi a questão militar, resultado de um conjunto de atritos e desencontros entre políticos, ministros, militares e civis (ou “fardas” e “casacas”), no período de 1883 a 1889, causados ora pela inabilidade ora pelos brios arranhados e dos egos envolvidos.

Na sua origem, o exército era identificado com a classe média e considerado uma corporação secundária em relação ao peso da elite da Guarda Nacional e da Marinha. A instituição cresceu em termos numéricos e organizacionais a partir do patriotismo demonstrado na Guerra do Paraguai (dezembro de 1864 a março de 1870). Muitos componentes daquelas tropas eram escravos foragidos ou que os senhores mandavam lutar em lugar de seus familiares ou mesmo escravos pertencentes ao Estado, que ganharam liberdade com o fim da guerra. Vários senhores tentaram reaver seus escravos, mas o exército se opôs. Os jovens oficiais retornaram com forte sentimento republicano, em virtude da parceria com os países que atuaram no conflito (Argentina e Uruguai) e eram repúblicas, porém dominados por caudilhos militares.Foram enviados em torno de 150 mil homens à guerra, sendo que cerca de 50 mil não retornaram.

Desde então, alguns oficiais passaram a conceber a ideia de que deveriam tomar o poder para que o exército se fizesse respeitado, e com isso acabar com a politicalha dos bacharéis e moralizar a nação. Defendiam desde então a abolição da escravatura, a imigração subvencionada pelo governo, a proteção da indústria nacional, a reforma eleitoral e modernização do exército.Por isso, os militares passaram a interferir nas questões políticas, com críticas ao governo imperial, demostrando marcante inconformidade pelo descaso do regime e a posição subalterna a que era relegada a tropa, e, dessa forma, aproximaram-se do ideário da propaganda republicana.

Esses militares eram filhos de pequenos comerciantes, pertencentes às classes médias urbanas, e de proprietários rurais em dificuldades, que não tiveram condições econômicas de cursar faculdades e, por isso, recorriam à carreira militar como meio de custear os estudos, tornando-se, em decorrência,letrados e adversários dos bacharéis que dominavam a política do Segundo Reinado.Esses bacharéis, políticos civis do império,eram reconhecidos pela desordem econômica, política e social e pela indiferença para com os problemas enfrentados pelo exército. Os oficiais do exército descontentes passaram então a ser atraídos para a maçonaria que ganhava terreno entre a classe média.

Os oficiais que defendiam essas ideias acreditavam que somente um governo militar poderia reorganizar as forças do país, moralizar as instituições e dar um fim à corrupção e com o apadrinhamento político e, é claro, melhorar a situação dos militares.Mesmo antes da Guerra do Paraguai utilizava-sede jornais de estudantes militares para divulgação de críticas.

Na Escola Militar, com forte influência da doutrina positivista, a aspiração de uma ditadura republicana como forma ideal de governo passou a ser pregada após a Guerra do Paraguai. A desmobilização da tropa dificultou as promoções dos jovens oficiais e a formação passou a ser mais teórica. Nesse cenário surgiram as “questões militares”, base para a posterior Proclamação da República.

A primeira questão ocorreu no ano de 1883, quando um grupo de oficiais atacou o governo por causa de um projeto de revisão da aposentadoria dos militares (Montepio Militar). Em função das críticas, o governo recuou prevendo a anulação do projeto e retaliou impedindo que os membros do Exército utilizassem os jornais para atacar as instituições ou autoridades do Império.

Na segunda questão (1884) o exército, reunido no Instituto Militar, decidiu que os oficiais não eram capitães-do-mato para perseguir os escravos foragidos. O tenente-coronel Sena Madureira, comandante da Escola de Tiro de Campo Grande, publicou um texto no qual saudava um jangadeiro cearense que se recusara a transportar escravos para um navio negreiro. Pela provocação o governo impôs a transferência de Sena Madureira da capital para o Rio Grande do Sul.

A terceira questão verificou-se entre os anos de 1886 e 1887, quando o coronel Cunha Matos ao inspecionar uma Companhia isolada no Piauí percebeu o desvio de fardamentos e pediu o afastamento do capitão-comandante, que era protegido dos políticos locais. Acusado de parcialidade defendeu-se através da imprensa com um texto no qual realizou uma série de críticas contra Alfredo Chaves, então Ministro da Guerra, sendo advertido e preso por 48 horas. No Rio Grande do Sul o coronel Sena Madureira, por meio da imprensa, o defendeu e denunciou a perseguição que vinha sofrendo, o que lhe rendeu nova repreensão.

Ainda com relação a esse incidente, um grupo de oficiais de Porto Alegre, com a autorização do vice-presidente provincial, o maçom Marechal Deodoro da Fonseca,reuniu-se protestando contra a lei que proibia o direito de resposta dos militares através da imprensa. Setores aliados ao império ficaram perplexos mediante o apoio que Deodoro da Fonseca, membro do Partido Conservador, cedeu aos seus companheiros de farda. Chamado ao Rio de Janeiro para prestar esclarecimentos, Deodoro da Fonseca foi efusivamente recebido por seus colegas da Escola Militar. O governo capitulou quanto à proibição, mas se manteve firme no entendimento de que a discussão de assuntos internos à tropa era contrária à disciplina militar.

Os oficiais exigiam a revogação das punições e o governo exigiu que formalizassem o pedido, o que não foi aceito por eles, levando o Marechal Deodoro da Fonseca a pedir a intervenção de Dom Pedro II, que se recusou a atender as representações que lhe foram dirigidas.Como resultado de tudo isso, o Ministro da Guerra foi demitido e o então quartel-mestre-general Deodoro da Fonseca enviado para Mato Grosso, para chefiar uma expedição militar de observação de fronteira, embarcando em 27 de dezembro de 1888. Retornou ao Rio de Janeiro em 13 de setembro de 1889, aproximando-se do Clube Militar.

Entre 1887 e 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca manteve reuniões com várias figuras defensoras do regime republicano, dentre eles Cunha Matos, Sena Madureira, Benjamin Constant e José Simeão. Em 7 de junho de 1889, num ambiente de hostilidades e agitações, o mineiro Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto, hostil às Forças Armadas,por exigência da oposição junto ao imperador,assume o cargo de presidente do gabinete imperial. Ao mesmo tempo, novos boatos sobre a situação dos militares se espalhavam, repercutindo a desconfiança de que estaria sendo tramada a dissolução do Exército e o fortalecimento da Marinha e da Guarda Nacional.

Empossado, o novo primeiro-ministro concebeu um amplo programa reformista, que incluía eleições para a Câmara, nomeação de militares para as pastas da Marinha e da Guerra, como forma de melhorar o relacionamento entre o Governo e as Forças Armadas, bem assim a previsão de autonomia de municípios e províncias, liberdade de culto, incentivo à imigração, redução das atribuições do Conselho de Estado etc. Com muitos inimigos, os planos do visconde não prosperaram, pois a monarquia estava desacreditada. Ouro Preto era hostilizado por conservadores e republicanos, que recordavam sua condição de neto de Joaquim Silvério dos Reis, o delator dos inconfidentes mineiros.

A proclamação foi decidida em reunião no Clube Militar, no dia 9 de novembro, planejada em segredo pelas elites militares, republicanas e maçônicas, ficando de fora o povo, que já era contado como apoiador em decorrência do desgaste do regime junto à opinião pública. O Marechal Deodoro da Fonseca, figura respeitada no Exército e amigo do imperador, um homem de reconhecidas simpatias monarquistas, aderiu ao movimento, sob forte influência do agora Tenente-Coronel Benjamin Constant, professor de matemática na Escola Militar e líder dos cadetes,reconhecido cérebro e mentor da revolução,que liderava o Clube Militar, onde se pregava uma revolta armada. Do grupo de 43 envolvidos no movimento de Proclamação da República, 29 eram maçons.

Na noite daquele dia 9 de novembro de 1889 (sábado) acontecia o mais suntuoso evento social do império, o famoso “Baile da Ilha Fiscal”, no centro histórico do Rio de Janeiro, em homenagem a oficiais e marinheiros do encouraçado chileno Almirante Cochrane, além da comemoração das bodas de prata da princesa Isabel e do conde d´Eu, com a participação de toda a nobreza, ministros de estado e diplomatas, tudo com muito luxo e extravagância. Presentes 548 senhoras e 962 cavalheiros. Há números que apontam de 3.000 a 4.000 convites enviados para o “melhor da sociedade” imperial, sabendo-se que nenhum componente do Exército fora convidado. A pouca distância dali, outra reunião secreta realizada na casa do Tenente-Coronel Benjamin Constant, onde participavam vários maçons, decidiu-se pelo fim do Império. No dia seguinte após o baile, o imperador foi para Petrópolis, fugindo ao calor do Rio de Janeiro.

Notícias falsas sobre a iminente prisão do Marechal Deodoro e de Benjamin Constant, possivelmente divulgadas por republicanos mais afoitos, precipitaram a crise com a notícia divulgada no dia 10 de novembro no diário “O País”, dirigido por Quintino Bocaiúva, o mentor entre os civis, que anunciava medidas contra militares rebeldes. Até esse momento o Marechal Deodoro ainda relutava em seguir em frente. Ele era considerado uma referência para o exército. Para onde ele fosse, todos iriam atrás, tamanho era o seu prestígio.

Deodoro da Fonseca, em reunião com líderes civis e militares no dia 11 de novembro, em sua casa, aceitou liderar os militares, desde que as ações transcorressem sem traumas nem violências. Em princípio, a data prevista para o deflagração do movimento era o dia 20. Presentes naquela reunião, dentre outros, Benjamin Constant, Aristides Lobo, Major Sólon Ribeiro e Rui Barbosa, este francamente adepto da necessidade das Forças Armadas na direção do governo do país, e que muito havia contribuído na imprensa para o fim da Monarquia com a propaganda maçônica-liberal.

Dentro da liberdade de imprensa existente à época, também o maçom Antônio da Silva Jardim atacava a imagem de D. Pedro II, às vésperas do dia 15 de novembro. Nos dias 12 e 13 a propaganda nos quartéis ganhou novo impulso com a distribuição de exemplares do “Correio do Povo”, com notícias sobre transferência de batalhões e desarticulação do exército.

Enquanto isso, na semana do dia 15, nada menos que 35 coronéis da Guarda Nacional receberam o título de barão. O governo imperial, apesar de todas as evidências de uma conspiração em andamento, manteve-se inerte.No mesmo dia 14 de novembro Floriano Peixoto,encarregado da segurança do ministério do Visconde de Ouro Preto, já envolvido com os republicanos, teria sido interrogado pelo ministro da Guerra, o Visconde de Maracaju, quando desconversou dizendo que já havia tomado providências acautelatórias.

Com a circulação dos boatos e os receios de hesitações e dificuldades de última hora, as tropas se movimentaram na madrugada do dia 15, no Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro. Logo pela manhã daquele dia o Conde d’Eu ainda fez seu passeio a cavalo pelo bairro de Botafogo e somente à tarde tomou conhecimento de que as tropas do Exército estavam cercando o Ministério da Guerra, exigindo a demissão do visconde de Ouro Preto, presidente do gabinete imperial. Com apenas um regimento, sem derramamento de sangue, o Marechal Deodoro demitiu o Gabinete liberal, prendendo Ouro Preto e o então Ministro da Justiça, Cândido de Oliveira, informando-os de que seriam deportados para a Europa. Floriano Peixoto fez entender ao chefe de governo Visconde de Ouro Preto que não adiantava resistir e este redigiu o último telegrama a dom Pedro II.

O único líder civil presente quando do cerco do quartel-general foi Quintino Bocaiuva. O dia 15 foi repleto de lances de confusão. Na tarde do dia 15, alguns vereadores republicanos, dentre eles José do Patrocínio, Lopes Trovão, Silva Jardim, Olavo Bilac, Aníbal Falcão, Pardal Mallet, Campos da Paz, Alberto Torres e o padre deputado João Manuel de Carvalho, em sessão na Câmara Municipal, preenchendo o vácuo constitucional, formalizaram a deposição da monarquia e declararam Proclamada a República em nome do povo brasileiro, pondo fim ao regime imperial que durou 67 anos. A notícia foi recebida na corte às 18 horas do dia 15, através do telégrafo.

O imperador, avisado dos acontecimentos, desceu à tumultuada corte na tentativa de organizar um novo Ministério, mas não logrou êxito. Na noite do dia 15 o governo provisório divulgou manifesto, assinado por Deodoro da Fonseca, anunciando o fim da monarquia pelo Exército e a Armada. Deodoro que pouco antes ainda estava relutante em assinar os documentos logo decidiu ao saber que um antigo político gaúcho de nome Gaspar Silveira Martins, seu desafeto, estava cotado para organizar um novo gabinete. Dom Pedro II foi um dos últimos a saber da República, pois somente fora comunicado que estava deposto no dia 16, às 15 horas, recém-chegado ao Rio de seu Palácio em Petrópolis, quando recebeu do Major Sólon Ribeiro a carta de Deodoro da Fonseca intimando-o a se retirar do país em 24 horas.

Graças ao telégrafo, a notícia da queda do Império se espalhou. Os protestos em outras regiões do País foram isolados e sem consequência.Segundo consta, o Conde d’Eu foi objetivo ao comentar o fato ocorrido naquela manhã: “Nesse caso, a monarquia acabou”. Uma vez proclamada a República, nenhuma reação significativa foi esboçada pelos comandantes de armas ou governador de província em defesa da Monarquia.

O Governo Provisório foi composto de velhos oficiais ligados ao Marechal Deodoro da Fonseca e inimigos dos bacharéis do império, militares positivistas, republicanos históricos e maçons como Rui Barbosa (Fazenda), Benjamin Constant (Guerra), Eduardo Campos Sales (Justiça – Presidente da República 1898-1902), Aristides Lobo (Interior), Eduardo Wandenkolk (Marinha), Demétrio Nunes Ribeiro (Agricultura), Quintino Bocaiuva (Relações Exteriores), Sampaio Ferraz (Chefe de Polícia). Ressalte-se que Rui Barbosa e Floriano Peixoto, liberais da Monarquia,e outras importantes figuras do país, rapidamente apoiaram os novos líderes políticos. Muitos dos servidores do imperador foram mantidos em seus cargos.

O texto da proclamação, contendo a organização do governo provisório e outras medidas, foi publicado na manhã de 16 de novembro de 1889, com o país passando a se chamar Estados Unidos do Brasil, conforme o Decreto Nº 1º, redigido por “Rui Barbosa, assinado por Marechal Manuel Deodoro da Fonseca – Chefe do Governo Provisório, S. Lôbo, Rui Barbosa, Q. Bocaiuva, Benjamin Constant e WandenkoIk Correia”. O novo governo deixou claro que a República Federativa respeitaria os compromissos internacionais contraídos durante o império, como os tratados e a dívida externa.

Várias medidas foram tomadas, como a dissolução das assembleias provinciais, das Câmaras Municipais e da Câmara dos Deputados; foi extinto o Senado vitalício e abolido o Conselho de Estado; a Igreja foi separada do Estado. Interventores foram nomeados para os Estados que substituíram as antigas províncias do império. Foram naturalizados os imigrantes que não queriam manter a naturalidade de origem e convocada uma Assembleia Constituinte para elaborar a nova Constituição do país.

Por fim, a família imperial foi retirada do Brasil no dia 17 de novembro e chegou a Lisboa no dia 7 de dezembro.O Imperador Pedro II, que faleceu em Paris em 5 de dezembro de 1891, é exaltado por vários historiadores como o maior de todos os brasileiros pelo seu alto nível intelectual e patrocinador do conhecimento, das artes e das ciências. Era muito prestigiado internacionalmente e sua queda causou estranheza na Europa, mas logo nas primeiras semanas quatorze nações decidiram reconhecer o novo governo e aceitar seus embaixadores em lugar dos que representavam o império. Os restos mortais do imperador, assim como os de sua esposa, a Imperatriz Teresa Cristina, foram trazidos ao Brasil, em 1921, para as comemorações do centenário da independência brasileira em 1922 e repousam na catedral de Petrópolis.

Os militares haviam proclamado a república, mas a influência continuou com os grandes proprietários rurais e comerciais ligados ao setor exportador, principalmente do café. Todavia, a maioria da população do Rio de Janeiro ficou alheia ao movimento, conforme demostram os fatos históricos. O Ministro do Interior do governo provisório, Aristides Lobo, disse à época que “o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam, sinceramente, estar vendo uma parada”, justificando em parte a ausência de comemorações, com manifestação popular no País, até os dias de hoje.

No mês seguinte à Proclamação da República, no dia 19 de dezembro, Deodoro da Fonseca foi nomeado Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil.Vale ressaltar que, posteriormente, no art. 8º das Disposições Transitórias da Constituição de 1891, o coronel Benjamin Constant recebeu o epíteto de “Fundador da República Brasileira”.

O Decreto nº 155-B, de 14 de Janeiro de 1890, do Governo Provisório, declarou os dias de festa nacional, decretando, dentre outras datas, o dia 21 de abril, no aniversário da morte JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER – TIRADENTES (1746-1792), precursor da independência, dia de festa nacional e resgatando a sua importância na história brasileira, na condição de Herói Nacional.A propósito, em nove de dezembro de 1965, pela Lei 4.867, Tiradentes foi proclamado patrono cívico da nação brasileira.

Para o historiador Hélio Silva “a Proclamação da República era uma fatalidade continental. Todas as nações do continente, ao proclamar sua independência, adotaram a forma republicana”. Segundo ele, um dos grandes benefícios proporcionados ao Brasil pela monarquia foi a unidade territorial.

Ainda em tempo, uma novidade para aqueles que têm simpatias pela monarquia. A Revista Superinteressante de outubro/2016 informa sobre o lançamento de um novo game de estratégias da série CIVILIZATION onde o jogador pode projetar vários cenários, dentre eles o de assumir o papel de D. Pedro II com “a missão de governar o País, usando as riquezas do ciclo da mineração para transformar o Brasil em potência industrial (coisa que D. Pedro, deposto em 1889, não fez)”.

Finalmente, nestes 127 anos da República, sabedores de que todo trabalho é feito por maçons e não pela Maçonaria com instituição, nossas homenagens aos bravos maçons, sempre ligados aos grandes problemas político-sociais, protagonistas dos momentos decisivos da história do nosso país e que ainda permanecem na luta de forma discreta e eficiente por um Brasil e um mundo melhor. O que ainda é lamentável é que grandes nomes que lideraram a derrubada do império e a consolidação da república, e cujos nomes constam dos livros de História, não são vinculados à Maçonaria por questões de preconceitos. A conquista da devida atenção e respeito ao legado e à atividade maçônica de construção social, de aperfeiçoamento moral e intelectual continua sendo, portanto, nosso desafio permanente.

FINIS

Autor: Márcio dos Santos Gomes

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Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Academia Mineira Maçônica de Letras e, para nossa alegria, um colaborador do blog.

Nota do Blog

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Bibliografia

ALENCAR, Francisco, CARPI, Lúcia, RIBEIRO, Marcus Vinício. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985;

BUENO, Eduardo. História do Brasil. São Paulo: Empresa Folha da Manhã S.A. e Zero Hora/RBS Jornal, 2ª ed., 1997;

CÁCERES, Florival. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1995;

CASTELLANI, José. A Maçonaria e o movimento republicano brasileiro. São Paulo: Editora Traço, 1989;

CASTELANI, José. A Maçonaria Brasileira na Década da Abolição e da República. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 2001;

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COSTA, Frederico Guilherme. Questões controvertidas da Arte Real: Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 2000;

FARIA, Ricardo de Moura, MARTINS, Adhemar, BERUTTI, Flávio Costa. História – Volume I. Belo Horizonte: Editora Lê, 1989;

GOMES, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil. São Paulo: Globo, 2013;

SOUTO MAIOR, Armando. Quebra-Quilos: Lutas Sociais no Outono do Império. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978;

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ROCHA, Luiz Gonzaga. A Bucha e outras reminiscências maçônicas. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 1999;

VILLA, Marco Antônio. A Queda do Império: os últimos momentos da monarquia no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1996;

100 Anos de República. Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo, 1989;

Sites de História e outros blogs Maçônicos na Internet.

A Proclamação da República e a Maçonaria (Parte I)

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“A Maçonaria era uma boa oportunidade para se reunirem secretamente os descontentes” (Leôncio Basbaun, citado por ROCHA)

A forma republicana de governo era uma aspiração antiga no Brasil, sendo suas sementes lançadas em vários movimentos de rebeldia que antecederam a Proclamação da República, como a Inconfidência Mineira (1789), a Revolução Pernambucana (1817), a própria independência em 1822, a Confederação do Equador (1824), a Sabinada (1837), a Revolução Farroupilha (1835-1845) e inúmeros outros conflitos e rebeliões sufocados primeiro pela coroa portuguesa e, depois, pelo império brasileiro.Esses movimentos, que contribuíram para o amadurecimento histórico do país,sob forte influência da revolução francesa e da independência dos Estados Unidos, contaram com a participação de várias Lojas e de membros expressivos da maçonaria, sempre inspirados e movidos pelos princípios da Ordem.

No contexto internacional, sob a liderança do Imperador Dom Pedro II, o Brasil era visto como uma potência emergente, distinguindo-se dos vizinhos hispano-americanos pelo crescimento econômico, a estabilidade política e liberdade de expressão. Envolvendo-se nos conflitos da Guerra contra Oribe e Rosas (Guerra do Prata: 1851-1852), da Guerra contra Aguirre (Uruguai: 1864-1865) e da Guerra do Paraguai (1864-1870), o Brasil saiu-se vitorioso e respeitado pela vizinhança. Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant revelaram-se heróis da Guerra do Paraguai.

O regime monárquico, que durou de 1822 a 1889, era dominado pela escravidão e pelo latifúndio, onde os escravagistas apoiavam o governo em troca de títulos de nobreza, ao largo do analfabetismo geral e da ignorância.A população no ano da Proclamação da República girava em torno de 14 milhões de habitantes, com 8 em cada 10 morando na zona rural. De cada 100 brasileiros, somente 15 sabiam ler e escrever o próprio nome. A agricultura respondia por 70% de todas as riquezas nacionais.

O cenário político e econômico nos estertores do império já vinha sofrendo uma série de desgastes, com destaque para as insatisfações dos proprietários de terras escravistas, agora enfrentando os movimentos de libertação dos escravos;do conflito entre a Igreja, a maçonaria e autoridades; do exército com os civis no governo; e o centralismo econômico-administrativo,além de dúvidas com relação à sucessão no trono,tudo isso aliado a um incômodo sistema de castas e privilégios, conforme os antecedentes que serão detalhados a seguir.

Na política, pela ausência de um herdeiro varão, a questão da sucessão era uma preocupação permanente, pelo estado de saúde delicado do Imperador Dom Pedro II e a possibilidade de sua filha, a Princesa Isabel, que era muito fiel à Igreja Católica, assumir o trono em eventual Terceiro Reinado. Enquanto seu pai viajava pelo exterior, a princesa serviu três vezes no papel de regente do império. O marido da princesa, o conde d’Eu, era pouco simpático ao povo e ao exército.Publicações diversas contemplavam caricaturas das figuras imperiais, com a desqualificação da herdeira impopular, apelidada de beata, acusada de submissa aos padres e dos desmandos do marido, reputado perigoso e avarento.

Nas lojas maçônicas e nos clubes republicanos a efervescência das discussões geravam moções contrárias ao Terceiro Reinado. O tema da abolição era pauta permanente das lojas, de onde surgiram os primeiros projetos de mudança.Como aliado dos maçons, ganhou relevância no final do Império o “Positivismo”, destacando-se Benjamin Constant, cujo lema “Ordem e Progresso” tornou-se divisa máxima do Brasil, oportunidade em que vários militares se mostraram simpatizantes às ideias defendidas pelos republicanos. Outra organização que comungava dos mesmos ideais foi a “Burschenschaft”, ou Bucha, formada por jovens da Faculdade de Direito de São Paulo,com uma ideologia liberal,para muitos uma facção maçônica ou “maçonaria das faculdades”, a qual, entretanto, teve maior relevo durante a República Velha (1889-1930).

A questão dos escravos teve início com a extinção do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queirós), em 1850, que tornou difícil a situação das elites agrárias. Em 1871, numa tentativa de conciliar os interesses dos escravistas e abolicionistas e adiar a discussão, aprovou-se a Lei do Ventre Livre ou Rio Branco, dando liberdade aos filhos de escravas nascidos a partir daquela data, mas que ficariam sob a tutela do senhor até a idade de oito anos. Atingida essa idade, o senhor poderia optar por entregar a criança ao governo em troca de uma indenização ou utilizá-la em trabalhos úteis até a idade de 21 anos, como pagamento de sua manutenção. Essa lei libertou ainda aqueles pertencentes ao Estado e criou um fundo destinado à emancipação dos escravos. A Lei dos Sexagenários ou Saraiva Cotegipe (1885), que concedia liberdade aos escravos com mais de 60 anos, foi a última tentativa dos escravistas de deter a marcha dos acontecimentos. Curiosamente, os negros viviam em média 30 anos.

Na economia, essencialmente agrário-exportadora, um novo setor não mais apoiado no trabalho escravo despontava com base no trabalho assalariado, mostrando dinamismo e capacidade de desenvolvimento. As insatisfações, que culminaram no declínio do regime monárquico, foram deflagradas a partir de 1870, com a hegemonia econômica da emergente burguesia cafeeira do oeste paulista, que se valeu da abundante mão-de-obra resultante da imigração. Naquele contexto, os velhos barões do café do Vale do Paraíba e os decadentes senhores de engenho do nordeste ainda se valiam do trabalho escravo.

Essa transição do trabalho escravo para o trabalho livre, que se desenvolvia segundo o modelo capitalista industrial, aprofundou a crise do Império, que era apoiado pelas elites escravocratas. No cenário internacional, o sistema baseado em mão de obra escrava estava condenado e inviabilizado, notadamente pelas enormes pressões inglesas contra esse tipo de trabalho.

A escravidão mostrava-se contrária ao progresso do país. Trabalhadores livres urbanos, estudantes, intelectuais, jornalistas, setores da classe média, populares, imigrantes, profissionais e políticos liberais, clubes abolicionistas,com destaque para a combativa e decisiva posição de maçons, através de suas atividades como escritores e jornalistas influentes,pediam sua extinção. Nas grandes cidades praticamente havia desaparecido o trabalho escravo. Por fim, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea pôs um termo à escravidão e retirou o último sustentáculo da monarquia.

Com essa medida, os escravos libertos nos campos, analfabetos e sem apoio do Estado, regrediram a uma economia de subsistência, sem condições de concorrer no mercado livre com os imigrantes estrangeiros, passando a viver de biscates nos centros urbanos, vitimados pelos preconceitos e vivendo na miséria e sob a opressão da sociedade. Entre os negros e escravos recém-libertos, o índice de analfabetismo atingia quase 100%.No quesito mão-de-obra, na última década da Monarquia (1881-90), mais de 450 mil imigrantes chegaram ao Brasil, a grande maioria atraída pela miragem de “fazer a América”.

É importante abrir um parêntese, para destacar, por uma questão de consciência cidadã, que muitos imigrantes recebiam terras e incentivos do Estado brasileiro para iniciarem suas vidas e a maioria de seus descendentes, hoje, desfruta de uma realidade mais confortável. Por outro lado, a população negra, que fora escravizada por três séculos e meio, após a libertação não recebeu nenhum mecanismo de inclusão, indo das senzalas para as favelas. Por isso, a necessidade de medidas, as conhecidas ações afirmativas, para corrigir essa injustiça histórica para com a população negra e que ainda encontra resistência em grande parte da sociedade.

De volta ao tempo, os antigos proprietários rurais foram atingidos na parte mais sensível, o bolso, e passaram a reclamar do Imperador e da falta de indenização. Muitos tiveram suas fortunas abaladas e suas fazendas hipotecadas. Como consequência, a partir de 1870, iniciaram a aproximação ao Movimento Republicano e engrossaram o contingente dos que contribuíram para a queda da monarquia.

A característica centralista do regime monárquico, instituída após a abdicação de dom Pedro I, em 1831, marcando o fim do Primeiro Reinado e o início do período regencial, apontava a necessidade de autonomia administrativa das províncias. As transformações econômicas e sociais decorrentes da ascensão da competitiva economia cafeeira paulista, o surto industrial, o desenvolvimento das ferrovias, a modernização, a urbanização e o desenvolvimento do trabalho assalariado, criaram outros interesses que o regime Imperial não conseguia conciliar. O sistema partidário dominado pela aristocracia rural e os grupos sociais urbanos ansiavam por participação política e se aproximavam dos idealizadores da república.

Tal cenário começou a ser construído ainda na década de 1860, quando maçons e políticos liberais provenientes da classe média começaram a escrever nos jornais defendendo a abolição da escravatura e a ampliação dos direitos de voto e ensino público a todos dos brasileiros.O Partido Liberal pregava o federalismo e o Partido Conservador, identificado com o Governo, defendia a centralização. O imperador, detendo o Poder Moderador, fazia a alternância dos gabinetes. Com a cisão do Partido Liberal, a ala radical evoluiu para a ideia republicana, que de 1870 a 1889 ampliou sua influência.Em dezembro de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai, surgiu no Rio de Janeiro o Jornal “A República” trazendo o “Manifesto do Partido Republicano”, com fortes argumentos sobre os inconvenientes do regime monárquico e as excelências do regime republicano.

O Manifesto foi liderado pelo maçom Joaquim Saldanha Marinho, então Grão-Mestre do Grande Oriente Unido do Brasil (Rua dos Beneditinos), uma dissidência do Grande Oriente do Brasil (Rua do Lavradio), em virtude da cisão de 1863 (que durou até 1882),sendo o redator o maçom Quintino Bocaiuva e assinado por diversos outros maçons.Atacava-se a monarquia como o governo de um só homem, o Senado vitalício, a centralização do poder, o sistema eleitoral fraudulento etc., mas o Partido Republicano tinha alguma expressão apenas nas províncias do centro-sul do país, em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Registre-se que São Paulo era a província mais dinâmica na expansão do novo Partido. Os fazendeiros do café do Oeste Paulista fundaram em 1873, na cidade de Itu, o Partido Republicano Paulista. O PRP foi o resultado da fusão política produzida entre fazendeiros do Clube Republicano ou Radical, fundado pelo maçom João Tibiriçá Piratininga. A convenção que criou o partido contou com a presença de 133 convencionais, sendo 78 cafeicultores e 55 de outras profissões, que iriam representar todos os republicanos de várias cidades paulistas.

A presença das principais figuras maçônicas de São Paulo no evento foi considerada o marco da fundação do PRP. Comentava-se que a reunião republicana mais parecia uma convenção maçônica. Da Loja América, presentes o Venerável Mestre (Presidente da Loja) Américo Brasiliense, Américo de Campos, Joaquim Roberto de Azevedo Marques, José Luiz Flaquer e Antônio Francisco de Paula Sousa; da Loja Independência, de Campinas, estavam o Venerável Francisco Quirino dos Santos, Francisco Glycério, Jorge de Miranda,Antônio  Benedicto  Cerqueira  César  e  Bento Quirino  dos  Santos;  da Loja Perseverança III,  de  Sorocaba,  Ubaldino  do  Amaral  entre  outros;  da  Loja  Trabalho,  de Amparo,  Bernardino  de  Campos;  além  de  Prudente  e  Manoel  Morais  de  Barros  que viriam a fundar a Loja Piracicaba em 1875 (Prudente de Morais ocupou a Presidência da República entre 1894-1898). Os adeptos do PRP eram chamados de “perrepistas”. Consta que, até 15 de novembro de 1889 existiam 74 jornais e 237 Clubes Republicanos no Brasil, muitos de duração efêmera. As lojas maçônicas também funcionavam como verdadeiros clubes republicanos.

No que se refere à Igreja, a Constituição de 1824 estabelecia o catolicismo como religião oficial do Império. O Brasil havia herdado de Portugal o “regalismo”, que a subordinava ao Estado. O monarca, exercendo a chefia do Estado, era o representante supremo da Santa Sé no país. Os membros da Igreja eram pagos e sustentados pelo Estado, como se fossem funcionários públicos, por isso o imperador tinha o direito do “padroado”, podendo nomear os sacerdotes para os principais cargos religiosos. Ainda pelo direito do “beneplácito” (Art. 102, § XIV), as bulas e breves do papado somente eram aplicadas após a aprovação do imperador.

Com essa independência em relação a Roma, o padre brasileiro atuava politicamente, raramente respeitava o voto de castidade e muitos viviam com sua mulher e criavam filhos.A vinculação a partidos políticos facilitava a nomeação e promoção. Os bispos que defendiam a moralização da Igreja lutavam contra a subordinação ao império e muitas vezes entravam em choques com as autoridades, na tentativa de impor aos seus subordinados as doutrinas que vinham de Roma e não tinham o beneplácito do imperador.

Grandes políticos do império, inúmeros sacerdotes e membros das irmandades religiosas eram militantes de lojas maçônicas. Entretanto, em 1864, o papa Pio IX, através da bula Syllabus, proibiu qualquer ligação da Igreja com a maçonaria. Em 1873, o bispo de Olinda, dom Vital Maria de Oliveira, disposto a reformar o clero e as irmandades, ordenou que os padres abandonassem a maçonaria e os maçons fossem excluídos das irmandades religiosas, encontrando muitas resistências. O mesmo fez o bispo do Pará, dom Antônio de Macedo Costa. Aí eclodiu a chamada Questão Religiosa, também conhecida como Questão Maçônica ou Questão dos Bispos.

A situação se tornou crítica quando durante uma festa em comemoração à lei do Ventre-Livre, o padre Almeida Martins negou-se a abandonar a maçonaria, sendo suspenso de sua atividade religiosa pelo bispo do Rio de Janeiro. Essa punição tinha sido antecedida por um discurso feito pelo padre Almeida Martins em loja maçônica do Grande Oriente, no qual o religioso exaltou a figura do visconde do Rio Branco, que, como primeiro-ministro, era Grão-Mestre da maçonaria, porém da ala monarquista.

Nesse processo, o bispo de Olinda, D. Vital e o de Belém, D. Macedo, determinaram o fechamento de todas as irmandades que não quiseram excluir seus associados maçons. A reação do governo foi rápida e enérgica, quando em 1874, o primeiro-ministro, visconde do Rio Branco, então Grão-Mestre da maçonaria, determinou a prisão dos bispos. Os atingidos recorreram ao Imperador, que pressionou os bispos a voltar atrás. Não acatando a ordem foram condenados a quatro anos de prisão.

Dom Pedro II, embora não sendo maçom, era simpatizante e circulavam notícias de que participaria das discussões filosóficas das lojas e por isso não acolheu bulas de Pio IX que proibiam fiéis de aderirem à Ordem. Em 1875, o gabinete conservador do duque de Caxias anistiou os dois bispos.  Apesar da anistia a ferida não foi cicatrizada e o Império decadente perdia o apoio do clero e da população, constituindo-se num importante fator para queda do obsoleto regime monárquico e para separação do mesmo com a Igreja.As punições contra as irmandades do Pará e de Olinda foram suspensas por Roma.

Ainda dentro da questão religiosa, o conflito entre a igreja e o governo rendeu agressões à maçonaria na Paraíba. A Revolta do Quebra-Quilos (1874-1875), considerada uma das mais importantes revoltas sociais no fim do império, ocorrida da região Nordeste, foi motivada pela adoção do sistema métrico decimal francês (Lei 1.157, de 26 de junho de 1862), pela obrigatoriedade do alistamento militar (imposto do sangue) e pela criação do imposto do chão pago nas feiras. Um dos efeitos colaterais foram os ataques a casas de maçons e lojas maçônicas, como foi o caso da loja maçônica Segredo e Lealdade em Campina Grande, que foi saqueada e seus documentos destruídos. Os quebra-quilos, insuflados por padres, alegavam que várias autoridades na Paraíba e no resto do país pertenciam à maçonaria e eram responsáveis pela introdução daquelas medidas. Padres diziam que o imperador era maçom, assim como o fora seu pai e, portanto, haveria um complô maçônico no país.

Continua…

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Academia Mineira Maçônica de Letras e, para nossa alegria, um colaborador do blog.

Nota do Blog

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