O discreto protagonismo da maçonaria

Introdução

Nós representamos uma fraternidade que acredita na justiça e na verdade e na ação honrosa em sua comunidade… os homens que estão se esforçando para ser melhores cidadãos… [e] para fazer com que um grande país seja ainda maior. Esta é a única instituição no mundo onde podemos encontrar honestamente todos os tipos de pessoas que querem viver corretamente. (Harry S. Truman, presidente dos Estados Unidos, Ex-Grão-Mestre do Missouri – apud Hodapp, 2015, p.289).

A Maçonaria Universal como uma escola de aperfeiçoamento moral, intelectual e espiritual, se impõe como um celeiro de construtores e articuladores sociais, formando um rico capital humano, onde seus valorizados membros gozam de reconhecimento e diferenciação pelos bons princípios perseguidos e de atuação efetiva junto à sociedade desde longa data. 

Ao recrutar as melhores mentes no seio da comunidade, acolhendo cidadãos livres e de bons costumes, não estabelece nenhum pré-requisito ideológico, e pelo seu ecletismo não é proselitista e não impõe nenhuma doutrina como obrigatória, mas insiste no cumprimento do dever do Iniciado de procurar sempre a verdade, investindo na formação de homens com espírito inquiridor e fraternal. Em contrapartida, oferece uma convivência harmoniosa dentro de um clima de pluralidade de pensamentos, de crenças religiosas e filosóficas de seus membros, pregando o respeito, o aperfeiçoamento dos costumes e a tolerância, de forma a promover o bem estar da Pátria e da Humanidade.

Centro de união

A “Constituição Maçônica de 1723”, também denominada “Constituição de Anderson”, é reconhecida como uma obra crucial por ter desempenhado papel fundamental no estabelecimento e na estruturação da Maçonaria Moderna. No célebre artigo sobre Deus e religião, a parte que registra o foco no acolhimento, assim se expressa:

Com relação a Deus e à Religião. O Maçom está obrigado, por seu título, a praticar a moral […….] Donde se conclui que a Maçonaria é um Centro de União e o meio de conciliar uma verdadeira amizade entre pessoas que, de outra maneira, ficariam perpetuamente separadas (Castellani, 1995, p.38).

Cabe destacar que, ao completar 300 anos em 2023, aquela conclusão manteve a sua integridade na nova Constituição publicada em 1815, resultante da formação da Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI), constante do Book of Constitutions [….] “Thus masonry is the centre of union between good men and true, and the happy means of conciliating friendship amongst those who must otherwise have remained at a perpetual distance” (Book of Constitutions – Craft Rules, 2022, p. 155) [1].

Sobre esse artigo, FERRER-BENIMELI (2007) destacando as razões que levaram Anderson, Deságuliers e seus contemporâneos a utilizar a Loja, suas fórmulas e suas tradições, comenta:

Eles buscaram na Maçonaria o local de encontro de homens de uma certa cultura, com inquietações intelectuais, interessados no humanismo como fraternidade, acima das separações e das oposições sectárias que haviam provocado tantos sofrimentos na Europa, a Reforma de um lado e a Contra Reforma de outro. Eles estavam imbuídos pelo desejo de se encontrar em uma atmosfera de tolerância e fraternidade (p.44).

HODAPP (2015) esclarece o sentido de acolhimento, igualdade e tolerância, ao comentar:

Uma das ideias básicas da Maçonaria era que todos os homens, fossem de classe alta ou baixa, estivessem no mesmo nível na Loja. Dada as diferenças de classe muito rígidas na sociedade do século XVIII, esse conceito era verdadeiramente único e originou-se diretamente da história da fraternidade. Nobres pedindo para se unir a Lojas de trabalhadores qualificados que trabalhavam com as mãos a fim de ganhar a vida, e não o contrário. Era o oposto exato da forma como o elitismo geralmente funcionava. As classes altas e baixas e pessoas do interior e da cidade estavam se reunindo agora e sentando-se lado a lado. Os conceitos de cortesia, boas maneiras, conduta social, boa oratória e o valor do intelecto começaram a ser transmitidos para homens que nunca tinham dado muita atenção a isso antes. Essa foi a origem da noção de que o objetivo da Maçonaria era pegar os bons  homens e melhorá-los. O conceito de refinamento começou a crescer e a se espalhar. Ser tolerante com as opiniões e com o comportamento de um homem se você o conhecesse bem era uma coisa, mas estender essa tolerância a homens que você não conhecia era uma enorme mudança (p. 37).

Para aqueles que flertam com a Maçonaria e ainda têm dúvidas acerca de seus objetivos primordiais, representado pela magia que encerra o amor entre os irmãos, uma verdadeira forma de união, que purifica a amizade e as relações fraternais, torna-se imperativo o entendimento da reflexão de HALL (2016):

O verdadeiro Irmão da Ordem, enquanto luta constantemente para se melhorar, mental, física e espiritualmente através dos dias de sua vida, nunca faz de seus desejos o objetivo de seus trabalhos. Ele tem um dever que é colaborar nos planos do outro e deve estar pronto a qualquer hora do dia ou da noite para deixar de lado seus afazeres ao chamado do Construtor […] Não é o que acontece dentro da limitada Loja, a base de sua grandeza, mas o caminho no qual ele encontra os problemas da vida diária. O verdadeiro estudante maçônico é conhecido por suas ações fraternas e pelo senso comum(p. 82).

A conduta dos obreiros dentro da Ordem Maçônica e os deveres inerentes ao papel assumido perante a sociedade consideram a sua deontologia[2] representada por um conjunto de princípios éticos e morais, baseados em suas tradições, rituais e instruções, de forma a promover o desenvolvimento pessoal e espiritual, para que se aperfeiçoem e se tornem homens melhores e cidadãos mais responsáveis e conscientes.

Segundo LIRA (1964), “a Maçonaria verdadeira exige de seus adeptos rigoroso cumprimento do dever, como uma das vigas mestras do caráter bem formado dos seus filhos” (p. 105). Prega primeiro, deveres, depois, direitos. A verdadeira doutrina consiste na educação do dever (p.106/107). Conforme prescreve a moral maçônica, o que em um cidadão comum seria uma qualidade rara, não passa no Maçom do cumprimento dos seus deveres, bem assim, toda ocasião que perde de ser útil é uma iniquidade, todo socorro que recusa é um perjúrio, considerando-se que um dos juramentos que livremente presta é o da prática das virtudes, em especial a solidariedade.

Ações de destaque na sociedade

MOREL e SOUZA (2008) destacam que a Maçonaria, enquanto associação de socorro mútuo, encontra na fraternidade sua essência. Mas, vai além no reconhecimento do alcance de suas ações:

Foi justamente esta concepção ampla de fraternidade (que ultrapassa fronteiras internacionais, barreiras religiosas e culturais) que tornou a maçonaria uma organização sui generis. Com diferentes significados – a ajuda entre os irmãos e o socorro aos necessitados em geral – a filantropia ligada à noção de fraternidade tornou-se instrumento de coesão entre os maçons, bem como a base de sustentação no mundo profano[3]. [….] Por fim, a solidariedade maçônica reflete-se nas inúmeras outras relações estabelecidas entre os obreiros em espaços profanos. Frente a isto, parece claro que a estrutura de ajuda mútua, criada dentro da ordem maçônica, acabou por representar um importante instrumento de cooptação de homens para a instituição, o que, por vezes, gerou distorções sobre o verdadeiro propósito da iniciação nas lojas. A fraternidade entre os irmãos pode também ser entendida como uma nova proposta de convívio entre os homens, pautada na cordialidade, no respeito e na conduta pacífica dos membros (p.48/49).

Nesse contexto, valorosos obreiros são vinculados a momentos decisivos da história e à fundação de entidades de ajuda humanitária, que funcionam em todo o mundo, e congregam pessoas de todos os matizes, sendo notórias as ações de manutenção de hospitais, asilos e entidades filantrópicas, prestando serviço desinteressado e minorando o sofrimento daqueles menos favorecidos pela sorte.

Em apertada síntese merecem relevo grandes nomes da Ordem, que idealizaram e organizaram entidades de prestígio internacional, como Jean Henry Dunant e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1876) [4]; Paul Harris e os Clubes de Rotary (1905) [5]; Melvin Jones e os Clubes de Lions (1917) [6]; Frank Sherman Land e os grupos de jovens DeMolays (1919) [7], dentre outros. A condição de Maçom de Robert Baden-Powell, fundador do escotismo e do Movimento Bandeirante (1907), é contraditória[8]. HODAPP (2015) esclarece: Baden-Powell nunca foi Maçom, mas, curiosamente, várias Lojas maçônicas têm seu nome, todas elas na Austrália. Algumas de suas ideias quando ele criou os Lobinhos foram moldadas pelos escritos de seu amigo, Rudyard Kipling, um Maçom dedicado (p. 255).

Para a Maçonaria, a família é a célula da humanidade e, portanto, um patrimônio muito especial, pois é através dela que se edificam os valores morais e humanitários e onde os laços de solidariedade se tornam fortes. Para esse fim, no âmbito das Potências Regulares, a participação de esposas e familiares de maçons tem sua distinção em um leque bem amplo de atividades encabeçadas pelas entidades paramaçônicas, as quais não são normalmente de pleno conhecimento da sociedade, por atuarem de uma forma discreta.

As Fraternidades Femininas, constituídas pelas esposas de maçons, prestam assistência social e filantrópica às pessoas carentes, apoiando instituições que desenvolvem um trabalho em prol dos mais necessitados, realizando visitas, promovendo eventos beneficentes, campanhas e arrecadando doações advindas de pessoas de todos os seguimentos para gerar recursos, que são revertidos para a consecução das metas e ações propostas[9].

Por sua vez, a Ordem Demolay, de caráter filosófico e filantrópico, patrocinada e mantida pela Maçonaria, é destinada a jovens do sexo masculino entre 12 e 21 anos[10]. Na mesma linha atua a Ordem Internacional das Filhas de Jó, fundada em 1920, para jovens do sexo feminino entre 10 e 20 anos, que orientam para os princípios fraternais, filosóficos e filantrópicos. Importante ressaltar que meninos entre 9 e 11 anos, e meninas entre 6 e 9 anos,  têm também a oportunidade de participar dos projetos “Ordem dos Escudeiros “ e “Abelhinhas”, respectivamente, como etapa preparatória antes que possam ingressar como membros nessas entidades[11].

A Ordem da Estrela do Oriente é outra organização fraternal constituída por homens maçons e mulheres acima dos 18 anos com parentesco maçônico, que tem como um de seus objetivos congregar a família maçônica e dar suporte à Ordem Internacional do Arco-Íris para Meninas e a Ordem Internacional das Filhas de Jó, sendo reconhecidas por inúmeras obras assistenciais[12].

Outra entidade filantrópica vinculada à Maçonaria, reconhecida pela ONU e atuante em vários Países, é a fraternidade Shriners International, que se identifica como uma organização composta exclusivamente por Mestres maçons regulares, onde participam as respectivas esposas e que cuida do atendimento gratuito na área de saúde para crianças com até 18 anos, por intermédio dos Hospitais Shriners para Crianças®[13].

A lista de entidades paramaçônicas apresenta ainda interessantes possibilidades de integração, como: o supracitado Escotismo, com a participação de obreiros e familiares e o patrocínio de algumas Lojas Maçônicas[14]; a Associação dos Médicos Maçons – AMEM, contando com associados em 13 estados, São Paulo e Interior de São Paulo e cinco coligadas nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Santa Catarina e Paraíba, cuidando, sobretudo, de divulgar pesquisas médicas recentes, temas maçônicos e outros que possam envolver interesse da sociedade e seus membros e também estimular a filantropia dentro dos preceitos maçônicos a ser desenvolvida por seus afiliados, assim como ampliar o conhecimento maçônico entre seus associados[15].

Destaque ainda para os maçons motociclistas e familiares, que também realizam campanhas solidárias, com ênfase para o Moto Clube Bodes do Asfalto[16]. FRANZEN (2023) esclarece:

Durante o começo dos anos 2000, os chamados ‘Clubes de Bodes’ se tornaram febre no Brasil. Não são necessariamente ‘ordens paramaçônicas’, mas muitos já se tornaram ‘Entidades de Utilidade Pública’ Maçônica, como é o caso da entidade que puxou a fila, os Bodes do Asfalto (p. 35).

Diante do crescimento de clubes fraternais temáticos de maçons regulares, foi fundada no Brasil a Associação dos Clubes de Bodes, que tem como objetivo reunir os clubes/equipes de maçons que têm em suas paixões algo em comum além da fraternidade. A entidade não possui fins lucrativos, sendo apenas um ponto de encontro dos irmãos de todo o Brasil (p. 41).

No contexto da ajuda entre os irmãos, vale ressaltar os grupos formados nas várias localidades e que se movimentam em situações emergenciais em que irmãos, apesar de não se conhecerem pessoalmente, se socorrem dos meios de intercâmbio de mensagens via redes sociais ou por e-mail, como o do Grupo MMAALLAA [17] (abreviatura de “Maçons Antigos Livres e Aceitos), atualmente contando com mais de 2.400 participantes de Minas Gerais e que repercute em outras comunidades maçônicas espalhadas pelo Brasil e América Latina, prestando, sobretudo, serviços de utilidade pública, assistência social, orientação aos irmãos em trânsito pelo País e divulgação de oportunidade de empregos à família maçônica e a todo irmão que carecer de algum tipo de orientação. Há relatos de situações de apoios prestados em regiões longínquas pelas Lojas da jurisdição, quando irmãos em viagens a trabalho ou com a família deparam-se com acidentes, demandas por atendimento médico ou direcionamento para uma emergência qualquer. O MMAALLAA se presta também à divulgação da cultura maçônica, como as publicações do Blog “O Ponto Dentro do Círculo” [18], dentre outros.

Numa visão mais ampla, acolhendo a síntese de RODAPP (2015), mesmo que alguns casos ocorram mais frequentemente nos Estados Unidos, o protagonismo dos membros da Maçonaria Universal é muito amplo e “nenhuma autoridade ou administração internacional controla a Maçonaria […], mas algumas crenças básicas são comuns a todas as organizações maçônicas regulares e convencionais” (p.60). Ainda segundo o autor:

Três séculos de incentivo de boas ações em seus membros resultaram em grandes instituições de caridade patrocinadas por maçons. Tais ações incluem bolsas de estudo, auxílio durante desastres naturais e doações para escolas e famílias desamparadas. Os maçons proveem casas de repouso para seus próprios membros, bem como escolas e casas para órfãos, e também participam de uma vertiginosa lista de programas comunitários e sociais. Especialmente notáveis são as muitas filantropias médicas patrocinadas pela Maçonaria, que englobam desde tratamentos neuromusculares, odontológicos e oftalmológicos até o mundialmente famoso programa para crianças dos Hospitais Shriners. Ainda que essas instituições de caridade prestem uma enorme contribuição à sociedade e causem um extraordinário impacto nela, os maçons não realizam esses serviços para a humanidade a fim de receber gratidão ou reconhecimento. […] E os maçons não ensinam, e nunca ensinaram que boas ações na Terra são um meio de obter salvação no pós-vida. A caridade maçônica é praticada para melhorar a vida dos homens aqui e agora (p. 61).

Diferencial social e cultural

Pouco divulgado entre os Obreiros ativos, e quase desconhecida da sociedade, é a tradicional cerimônia de reconhecimento conjugal, oportunidade em que o Obreiro, após ter se casado devidamente segundo as leis civis, pode apresentar sua esposa aos demais irmãos de forma solene ou em comemoração a bodas.

Outro costume é a adoção de Lowtons, quando filhos, enteados e netos (de ambos os sexos) de maçons, que tenham idade entre 7 e 14 anos, são adotados por uma Loja Maçônica que contrai para com eles a obrigação de servir-lhe de tutora e guia na vida social. Prestando o último tributo e marcando a passagem do Maçom para o Oriente Eterno e desde que autorizado pelos familiares, causa grande comoção a sessão pública de pompa fúnebre.

Na área da cultura destacam-se as Academias Maçônicas de Letras, que reúnem os pensadores da Maçonaria, com a finalidade de promover e estimular o cultivo e divulgação das artes, das ciências e das letras, e o estudo da filosofia maçônica, bem como a conservação e o desenvolvimento da cultura em geral[19].

Destacam-se, também, as Lojas de Pesquisas na promoção da cultura em todos os níveis, dos estudos e das pesquisas no campo maçônico e social, fomentando os aspectos éticos, pacíficos, humanistas e democráticos como amplamente previstos nos ensinamentos da Maçonaria Universal, congregando maçons filiados às Lojas Simbólicas[20].

No âmbito da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais (GLMMG), outro trabalho de relevância na esfera de sua competência é o Programa “Cultura Cidadã”, que tem por missão: “Levar cultura cidadã a qualquer pessoa para a formação e desenvolvimento de indivíduos capazes de fortalecer a cidadania e a democracia, em busca de qualidade de vida”. Irmãos participantes do projeto, devidamente preparados, já atuam como multiplicadores em suas comunidades, como “Agentes Cidadãos” da GLMMG[21].

Reações à pandemia da Covid-19

Em decorrências da pandemia da Covid-19, a Maçonaria brasileira reagiu de forma efetiva e discreta no cumprimento de sua missão de solidariedade e fraternidade, através de suas Lojas localizadas nos vários rincões do nosso País, fornecendo cestas básicas e outros itens de primeira necessidade em suas comunidades, através das entidades de apoio social, além de auxílio em espécie destinada aos irmãos que ficaram desempregados no período.

Não menos importante, com a suspensão das reuniões presenciais, com impactos na economia global, de vidas que se foram e o isolamento a que quase todos foram submetidos, vale registrar o acontecimento histórico verificado com a fundação das lojas virtuais “Lux In Tenebris – Nº 47”, em 25 de setembro de 2020, ligada à Grande Loja de Rondônia (GLOMARON) e “Luz e Conhecimento Nº 103”, em 5 de novembro de 2020, da Grande Loja do Pará (GLEPA). Ambas com sucesso de participantes e hoje, vitoriosas, colhem os frutos daquela ousadia e inspiraram a criação de outras Lojas Virtuais com os mesmos objetivos. No mesmo sentido, como um marco nos anais da Maçonaria no Brasil aconteceu no dia 21 de abril de 2021 com a fundação da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras (AMVBL).

Atualmente reconhecido como marco temporal no incentivo às discussões e comentários sobre o conteúdo filosófico das instruções dos graus simbólicos, consignamos o trabalho do “Grupo Virtual de Estudos Maçônicos”. Seus idealizadores, percebendo a oportunidade de explorar nova forma de manter o aprendizado em Loja, sem descurar dos cuidados em preservar a ritualística e os arcanos da Ordem, estes somente praticados em sessões presenciais, elaboraram um calendário de atividades semestral e, com isso, várias reuniões de estudos vêm sendo oportunizadas desde o primeiro semestre de 2021, contando com a participação de palestrantes e obreiros regulares das três Potências reconhecidas e de diferentes Orientes. Na mesma linha de atuação, destacam-se os grupos “Lives Maçônicas”, lançado em 20 de março de 2020, “Epaminondas Online de Estudos e Pesquisas”, criado em 5 de agosto de 2020, dentre outros.

Construtores sociais

A Maçonaria moderna na sua essência não é uma organização com propósitos específicos de auxílios mútuos, de caridade ou de promoção de campanhas sociais, mas os seus obreiros têm responsabilidades e deveres para com a Sociedade, tendo entre vários de seus princípios o do combate ao obscurantismo, aos preconceitos, aos erros e a missão de trabalhar de forma incessante pela felicidade do gênero humano, o que demanda interações e formação de parcerias com aqueles que compartilham esse mesmo ideal.

Ademais, é consenso que os fundamentos da Maçonaria não lhe atribuem o papel de substituir o Estado na promoção do desenvolvimento social, cabendo aos governos criar as condições para que as pessoas possam empregar suas potencialidades e conhecimentos para atender suas necessidades, em clima de paz, de bem estar social e de confiança nas instituições. Os membros da Maçonaria podem, nos diversos níveis, influenciar ativamente na formulação de políticas públicas.

Suas realizações até então já demonstram que a Maçonaria é detentora de um consistente trabalho para seus associados e junto à sociedade, por intermédio de seus membros e familiares, e não está apenas restrita às Lojas como muitos imaginam. O que ocorre, na realidade, é que a divulgação dessas ações não é satisfatória, considerando-se que a gestão de muitas Oficinas deixa a desejar, ou até mesmo pelo fato de que muitos maçons não dão o devido valor a essas iniciativas ou têm conhecimento muito superficial desses movimentos por falta exclusiva de interesse. É uma pena!

A atuação dos obreiros como construtores sociais limita-se ao desenvolvimento, por intermédio de suas Lojas ou Potências Regulares, de projetos de utilidade pública, ao promover ações de apoio naquelas áreas não atendidas na sua essência pelas políticas públicas, socorrendo ou dando suporte complementar, na forma de trabalho voluntário, às pessoas mais necessitadas. E para isso as Lojas contam em seus quadros com obreiros de diversas formações e campos de atuação, notadamente de profissionais liberais, educadores e empresários imbuídos de profundos valores humanitários.

Para que essas atividades tenham maior efetividade, torna-se importante que as Lojas resgatem e incentivem um valor que foi aprimorado pelos construtores sociais que antecederam a geração atual, que é o do protagonismo dos indivíduos, do papel do Maçom no desenvolvimento social, para isso investindo em programas de desenvolvimento das habilidades de liderança de seu quadro de obreiros, para que atuem a serviço da comunidade a que pertençam.

E para isso é preciso que os maçons estejam presentes como voluntários nas várias organizações de amparo ao bem-estar da humanidade, colocando-se à disposição, mostrando a cara e compartilhando seus valores morais, criando um histórico de obras e serviços, não somente em discurso, mas em ações concretas. A integração das Lojas Maçônicas com as demais instituições do município onde esteja instalada deveria constar do regulamento de cada uma. Onde tal prerrogativa é exercida, são notórias as participações de representantes das Lojas em reuniões e parcerias com a Prefeitura e demais órgãos do poder executivo local para discussões de projetos de interesse social.

E não é preciso ir muito longe para que um Maçom individualmente ou uma equipe de irmãos possa agir efetivamente junto à sociedade, ligando-se a movimentos já estabelecidos e de grande alcance, como os Conselhos Tutelares, os Clubes de Serviços (Lions, Rotary e assemelhados), grupos de voluntariados vinculados a Igrejas e Escolas em várias localidades, prestando auxílio e solidariedade.

Outra participação que proporciona resultados significativos é aquela promovida por intermédio dos Observatórios Sociais[22], atuantes em vários municípios. Trata-se de entidades independentes, que têm como meta fiscalizar gestores públicos, agindo em favor da transparência e da qualidade na aplicação das verbas do erário, evitando desperdícios e desvios. Dessas entidades participam profissionais de diversas áreas que também prestam serviço voluntariamente. Aproximar-se dos formadores de opinião é vital.

Os desafios da maçonaria frente à modernidade

Para o sucesso desses empreendimentos, os maçons precisam se impor proativamente, e não apenas esperar por iniciativas da Potência maçônica a que estejam vinculados, não descurando do que precisa ser feito, dos projetos de interesse coletivo que precisam ser fortalecidos constantemente e na construção das pontes que unam as pessoas e as demais forças da sociedade. Uma forma de aproximação com a sociedade pode ser viabilizada com a realização de sessões públicas em datas festivas locais, aniversário da Loja, semana da Pátria etc., mediante convite a segmentos da sociedade, potenciais candidatos a entrar para a Ordem e seus familiares, aproveitando a oportunidade para mostrar o que é a Maçonaria e divulgar os trabalhos realizados.

A força da fraternidade, os valores morais e éticos defendidos, a coesão entre seus membros e a credibilidade junto à sociedade são ingredientes indispensáveis de inclusão para que os atuais e aqueles que vierem a fortalecer nossas colunas viabilizem a perspectiva futura da Maçonaria em busca dos progressos necessários. De outra forma, torna-se de bom alvitre a realização de reuniões dos membros para avaliar o que aconteceria caso a Loja venha a abater colunas e se haveria alguma repercussão social, no sentido de fazer falta no seu entorno. Afinal, somos ou não somos úteis à sociedade?

E este é o desafio que deve ser colocado aos potenciais candidatos a entrar para a Ordem. Parodiando uma antiga série de espionagem, esta é a missão que deve ser exposta a eles, caso queiram aceitar o desafio e o convite para reforçar nossas colunas e conhecer os fascinantes mistérios da fraternidade e trabalhos que envolvem a Maçonaria Universal.

Nesse processo de captação de novos membros, não se deve descurar das vantagens de filiação à Ordem, que oferece uma rede de proteção bem discreta a seus associados, em face da possibilidade de ajuda entre os irmãos, como abordado anteriormente, como o que ocorreu durante a pandemia da Covid-19, caso haja dificuldades momentâneas como, por exemplo, algum tipo de assistência financeira proporcionado pelos membros da sua Loja, inclusive em caso de falecimento de um dos cônjuges, este com recursos administrados por um Fundo de Assistência Maçônica, além de solução de conflitos familiares, por intermédio do aconselhamento entre os irmãos de cada Loja, dentre outros.

Mesmo que esses argumentos não sejam decisivos para a inclusão de reforços às Colunas de nossas Oficinas, não se pode deixar de valorizar a dinâmica dos trabalhos em nossas Lojas, que proporcionam condições para o ecletismo dos obreiros. Nas Lojas são debatidos temas envolvendo valores familiares, ética e filosofia, arte, história, políticas sociais, economia, liderança e gestão, filantropia, autodesenvolvimento, e por aí vai.

Com isso, a Maçonaria prepara seus obreiros sem pressões ou imposições, não se evidenciando uma busca dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre-arbítrio. Na realidade, espera que atuem a serviço da humanidade, tornando-a melhor e mais esclarecida, sempre com presença marcante onde estejam, nas ruas, praças e na sociedade civil, ensinando pelos seus valores morais, histórico de obras, não somente em discurso, mas em ações concretas.

A Maçonaria precisa estar atenta aos desafios do avanço constante das novas tecnologias e, nesse sentido, recorremos ao ChatGPT[23], pedindo um comentário sobre o futuro da Maçonaria nesse novo cenário. A seguir a resposta:

O futuro da Maçonaria será, invariavelmente, influenciado pelas novas tecnologias que continuam a remodelar o mundo ao nosso redor. As tecnologias digitais oferecem oportunidades emocionantes para a Maçonaria em termos de comunicação, educação e organização. Plataformas de videoconferência e redes sociais podem ser usadas para facilitar a comunicação entre lojas maçônicas e membros, permitindo uma conexão mais fácil e frequente. Além disso, a educação maçônica pode se beneficiar com recursos digitais, como cursos online, para a formação e o desenvolvimento contínuo dos membros.

Entretanto, é importante que a Maçonaria aborde essas mudanças tecnológicas com cuidado, para não comprometer seus valores fundamentais de discrição e privacidade. Questões relacionadas à segurança cibernética e à proteção de informações pessoais também devem ser consideradas. O desafio será incorporar essas tecnologias de forma aprimorar a experiência maçônica, mantendo a integridade e o significado das tradições maçônicas. O futuro da Maçonaria dependerá, em última análise, da capacidade de se adaptar a esse ambiente digital em constante evolução, sem perder de vista seus princípios e valores essenciais (ChatGPT, acesso em 24.10.2023).

Considerações finais

A cartada decisiva imposta pelos novos tempos é a necessidade de conciliar Tradição e Modernidade na Maçonaria, revisitando restrições tradicionais, procedimentos, premissas e proposições que permeiam seus aspectos filosóficos, com foco no conceito de inclusão representando perspectiva de evolução, buscando torná-la uma organização alinhada com os valores contemporâneos de igualdade e diversidade, sob a perspectiva da razão, da ciência, do progresso e da moral.

Isso demandará esforço por maior representatividade da sociedade em geral, permitindo que um grupo mais diversificado de pessoas participe da jornada maçônica em busca de autoconhecimento, crescimento espiritual e serviço à humanidade, tendo como inspiração os ideais de liberdade, de igualdade e da fraternidade. Os recursos tecnológicos atualmente disponíveis poderiam ser utilizados no sentido de prospectar novos candidatos a se filiarem à Ordem mediante questionários que poderiam ser preenchidos nos Sites das Potências Regulares, as quais fariam a avaliação e indicariam a Loja mais próxima que pudesse dar prosseguimento à análise das pretensões e das sindicâncias requeridas. Iniciativa nesse sentido pode ser conferida no site da CMSB, na aba “como se tornar Maçom”, em https://cmsb.org.br/wp-content/uploads/2022/05/Informativo-CMSB-2022-revisado.pdf. Na mesma linha, também disponível no site do GOB, em https://www.gob.org.br/como-se-tornar-macom/ (Acesso em 24.03.2024).

Enfim, de imediato, o que as nossas Oficinas efetivamente necessitam é de gestão competente, visão de futuro, foco e união. Não devemos nos esquecer de que em quase todos os rincões deste nosso País existe uma Loja Maçônica, uma força tática potencial incomensurável, pronta para atuar como um centro de irradiação dos Valores Cidadãos e Morais da Maçonaria, com capacidade para formar agentes sociais transformadores em prol da preservação da vida e da Humanidade. É o legado de transformações e aprimoramento que temos a oferecer para que seja feita a verdadeira diferença na vida da sociedade.

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

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Notas

[1] https://www.ugle.org.uk/search/content?keys=Craft+Rules. Acesso em 05.03.2024.

[2] Vide artigo “Deontologia Maçônica – Uma abordagem introdutória”, publicado no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”, em 15.08.2023:

[3]   Nota do articulista: profano, do latim: pro=ante + fanum=templo, popularmente referenciado como leigo, fica fora dele, fora do Templo da Sabedoria ou de um real conhecimento da Verdade e da Virtude, das quais reconhece unicamente os aspectos profanos ou exteriores que constituem a moeda corrente do mundo.

[4] https://www.freemason.pt/dicionario-de-maconaria-letra-j/. Acesso em 04.03.2024.

[5] https://obscuraverdade.blogspot.com/2013/07/rottary-club-e-sua-ligacao-com-maconaria.html. Acesso em 04.03.2024.

[6] https://www.lionslideranca.org.br/MELVIN_JONES_VIDA_E_OBRA.pdf. Acesso em 04.03.2024.

[7] https://www.freemason.pt/demolay-ceh-5-biografias/. Acesso em 04.03.2024.

[8] https://redecolmeia.com.br/2019/03/29/baden-powell-foi-macom-qual-a-relacao-escotismo-e-a-maconaria/. Acesso em 04.03.2024.

[9] Tomamos como referência a Grande Loja Maçônica de Minas Gerais (GLMMG), mas consultas podem ser efetuadas nos sites das demais Potências Regulares: https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ – Fraternidade Feminina. Acesso em 04.03.2024.

[10] https://www.demolaybrasil.org.br/. Acesso em 04.03.2024.

[11] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ Ordem DeMolay; Filhas de Jó – Minas Gerais. Acesso em 04.03.2024.

[12] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ Ordem da Estrela do Oriente;

[13] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/ Minas Gerais Shrine Club;

[14] https://www.glesp.org.br/?paramaconicas=escoteiros-do-brasil. Acesso em 04.03.2024.

[15] https://www.glesp.org.br/?paramaconicas=amem-associacao-dos-medicos-macons. Acesso em 04.03.2024.

[16] https://www.glesp.org.br/?paramaconicas=bodes-do-asfalto. Acesso em 04.03.2024.

[17] Para inclusão no Grupo de e-mails MMAALLAA basta enviar mensagem para mmaallaa@googlegroups.com, informando nome, e-mail pessoal, Loja e Potência Regular.

[18] https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/. Acesso em 04.03.2024.

[19] https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/Academia Mineira Maçônica de Letras. Acesso em 04.03.2024.

[20] https://www.glmmg.org.br/loja-depesquisas/. Acesso em 04.03.2024.

[21] https://www.glmmg.org.br/projeto/projeto-cidadania-efetiva. Acesso em 04.03.2024.

[22] https://osbrasil.org.br/o-que-e-o-observatorio-social-do-brasil-osb/. Acesso em 04.03.2024.

[23] https://chat.openai.com/. Acesso em 24.10.2023.

Referências

BOOK OF CONSTITUTIONS, Craft Rules 2022. Disponível em:

https://www.ugle.org.uk/search/content?keys=Craft+Rules. Acesso em 05.03.2024.

CASTELLANI, José. RODRIGUES, Raimundo. Análise das Constituições de Anderson. Londrina: A Trolha, 1995.

FERRER-BENIMELI, José Antônio. Arquivos secretos do vaticano e a franco-maçonaria. São Paulo: Madras, 2007.

FRANZEN, Diego. Guia de Ordens Paramaçônicas no Brasil. Joinville: Clube de Autores Publicações SA, 2023.

GLMMG, Paramaçônicas. Disponível em: https://www.glmmg.org.br/paramaconicas/. Acesso em 04.03.2024.

GOMES, Márcio dos Santos. O Capital Social da Maçonaria. Disponível em:

https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2015/09/04/o-capital-social-da-maconaria/. Acesso em 05.03.2024.

_________Deontologia Maçônica – uma abordagem introdutória. Disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2023/08/15/deontologia-maconica-uma-abordagem-introdutoria/. Acesso em 05.03.2024.

_________  Maçonaria Virtual – Ameaça Ou Oportunidade? – Disponível em:

https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2023/02/28/maconaria-virtual-ameaca-ou-oportunidade/. Acesso em 05.03.2024.

HALL, Manly P. As Chaves Perdidas da Maçonaria: o segredo de Hiram Abiff. São Paulo: Madras, 2016.

HODAPP, Christopher. Maçonaria para leigos. Tradução da 2ª Edição. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015.

LIRA. Jorge Buarque. As Vigas Mestras da Maçonaria. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1964.

MOREL, Marco; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O Poder da Maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. OSB, Observatório Social do Brasil. Disponível em: https://osbrasil.org.br/o-que-e-o-observatorio-social-do-brasil-osb/. Acesso em 04.03.2024.

Revista Libertas – Nº 30

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Caríssimos leitores,

Já está disponível no blog O Ponto Dentro do Círculo a edição nº30 da revista Libertas, uma publicação da Academia Mineira Maçônica de Letras.

Clique no link abaixo e boa leitura!

https://opontodentrocirculo.com/revista-libertas/

Fraternalmente,

Luiz Marcelo Viegas

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O maçom e o arrepio da espiritualidade

“Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim” (Clarice Lispector).

A espiritualidade é comumente relacionada à religiosidade. Ambas são dimensões inequívocas do ser humano na sua busca de um sentido para a existência, sendo que a espiritualidade tem conotação de paz interior e crença na vida com um propósito transcendental, envolvendo preocupação com a humanidade e a natureza, com aspectos que extrapolam a individualidade. Diz-se que a espiritualidade faz parte dos instintos humanos, sendo quase tão natural acreditar em uma força superior quanto comer ou dormir.

Já a religiosidade envolve os condicionantes acima aliados a práticas ritualísticas de culto a Deus ou entidades consideradas divinas que podem induzir maior conforto espiritual. Segundo HALL (2016),

“todas as doutrinas que procuram revelar aquela centelha invisível no homem, chamada Espírito, são reconhecidas como espiritualistas. Aquelas que ignoram esse elemento invisível e concentram-se sobre o visível são reconhecidas como materialistas” (p.17/18).

A espiritualidade é uma descoberta, a religiosidade um aprendizado. Pessoas que se identificam com uma ou outra forma demonstram resiliência e maior capacidade de relacionamento e superação de dificuldades. Porém, religião e espiritualidade não têm necessariamente de estar emparelhadas. Hoje, enfrenta-se uma disputa entre a espiritualidade libertadora e a combativa religiosidade de escravidão.

Na obra Homo Deus, HARARI (2016) afirma: “Religião é um trato, enquanto espiritualidade é uma jornada”. Segundo ele, a religião oferece um contrato bem definido, com objetivos predeterminados, que permite à sociedade definir normas e valores comuns que regulam o comportamento humano. Por sua vez, jornadas espirituais levam as pessoas por caminhos misteriosos em direção a destinos desconhecidos. E o autor mostra o caminho:

A busca geralmente começa com alguma pergunta profunda, tal como: Quem sou eu? Qual o sentido da Vida? O que é o bem? Enquanto a maioria das pessoas simplesmente aceita as respostas predefinidas fornecidas pelas forças dominantes, aqueles que buscam a espiritualidade não se satisfazem tão facilmente. Estão determinados a sair em busca da grande questão, aonde quer que isso as leve, e não só a lugares que conhecem bem ou que querem visitar. (p.191/192)

Dentro de um enfoque reducionista, cuidar da espiritualidade enseja frequentar missa ou culto religioso, rezar ou orar, ler a Bíblia ou textos sagrados com assiduidade e refletir sobre passagens, reler e meditar sobre o conteúdo. Em contexto mais amplo, a espiritualidade evoca uma busca pessoal de sentido para a vida e se desenvolve na prática da meditação, da introspecção, do silêncio, no diálogo interior que analisa, critica e aperfeiçoa a capacidade de raciocinar e o funcionamento da mente, e também a autodisciplina e o controle das paixões e impulsos, enxergando o que há de errado em nós e atuando para uma efetiva mudança, numa dimensão ligada a valores e à ética, forjando a essência do ser humano virtuoso que se reflete na forma de pensar e agir.

BARRETO (2012) consigna em sua Dissertação1:

A Espiritualidade envolve as qualidades do espírito humano, incluindo conceitos psicológicos positivos, tais como amor e compaixão, paciência, tolerância, perdão, contentamento, responsabilidade pessoal, e um senso de harmonia com o meio ambiente (FRY; SLOCOM Jr., 2008). Para os autores, a espiritualidade é a busca de uma visão de servir aos outros, por meio da humildade, caridade, altruísmo e capacidade de ver as coisas exatamente como elas são, livre de distorções subjetivas (p. 21). […] A espiritualidade é uma característica do ser humano, que manifestada estimula o comportamento de conexão e respeito pelo outro. Para Boff (2006), a espiritualidade é a capacidade de diálogo consigo mesmo e com o próprio coração, um mergulho na profundidade de nós mesmos e a experimentação da realidade como um todo, entendendo que somos parte e pertencemos a um todo. Neste trabalho entende-se o todo, como os seres humanos, os demais seres vivos, e a própria natureza. E a partir disso, entende-se pelo outro o respeito pelo todo como sinônimo. (p.25)

Na Maçonaria esse estágio é associado ao Grau de Aprendiz, cujo simbolismo orienta o Iniciado a desbastar a Pedra Bruta da consciência, a voz que nunca nos deixa a sós, a luz interior que nos ilumina, conhecendo-se a si mesmo, as fraquezas e as virtudes, eliminando resquícios de vanglória e orgulho intelectual que todo homem não espiritualizado possui e que impede sua genuflexão ou inclinação ante o Altar da Verdade; no Grau de Companheiro, que se fortaleça e dinamize os ensinamentos intelectuais e, como Mestre Maçom, além do dever de formar novos Mestres, que seja espiritualmente capaz e consciente de sua personalidade, orientado por um novo ideal, baseado em estudo e trabalho num processo contínuo de polimento, tornando-se Mestre de si mesmo, de forma que seja útil na edificação moral e social da humanidade.

Por sua vez, a religião é um código de moral e, nos seus princípios e doutrinas, devidamente inspirados por uma fonte de iluminação traz, além da identidade entre seus membros, independentemente da nacionalidade, também uma rede de relacionamentos e um sentido de pertencimento e de algo que dê sentido ao mundo em que vivem. HARARI, em Sapiens (2017), comenta:

“Hoje a religião é, muitas vezes, considerada uma fonte de discriminação, desavença e desunião. Mas, na verdade, a religião foi o terceiro maior unificador da humanidade, junto com o dinheiro e os impérios” (p. 218).

E a melhor religião, diz a sabedoria popular, é aquela que aproxima as pessoas através do amor, e não aquela que afasta através do preconceito e limite a infinita bondade de Deus à mesquinhez do egoísmo humano.

O que causa espanto é a contradição de religiões misteriosas, vingativas e irascíveis que hostilizam, atacam, ou matam uma pessoa de outro credo e o fazem como uma obrigação respaldada em um livro sagrado, com o objetivo de revelar, difundir e impor uma verdade. Por onde andará a espiritualidade entre os seus adeptos? Essas religiões se perpetuam e o poder é concentrado nas mãos de poucos.

HARARI (2017) destaca um fato ocorrido em 23 de agosto de 1572, conhecido como o Dia do Massacre de São Bartolomeu, quando católicos e protestantes mataram uns aos outros às centenas de milhares. Naquele dia, católicos franceses atacaram comunidades de protestantes franceses. Entre 5 mil e 10 mil protestantes foram assassinados em menos de 24 horas. E acrescenta:

Quando o papa em Roma ficou sabendo do ocorrido na França, foi tomado de tanta alegria que organizou preces festivas para celebrar a ocasião e encarregou Giorgio Vasari de decorar um dos aposentos do Vaticano com um afresco do massacre (o aposento atualmente está inacessível aos visitantes). Mais cristãos foram mortos por outros cristãos naquelas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência. (p.224)

CESCON (2011), no artigo “O fundamentalismo religioso e a paz”, comenta:

“Para esses crentes, apesar de Deus permanecer sempre presente nas suas palavras e nas suas orações rituais, Ele se torna um prisioneiro dos seus pontos de vista e atitudes humanas e agressivas. Por isso, em vez de imitarem a Deus na sua generosidade para com todas as suas criaturas, impõem, em nome de Deus Onipotente, os seus esquemas de agressividade, ódio e morte. Assim, consideram-se os verdadeiros e únicos defensores de Deus na terra” (p. 433).

O Cristão molda sua vida baseado nas mensagens de Cristo. Um Budista, nos arquétipos morais e filosóficos de toda uma categoria de seres iluminados que alcançaram a realização espiritual pregada pelo seu líder religioso, com a sua doutrina se baseando no Caminho do Meio, na busca da moderação em tudo o que seu seguidor faz. O Judaísmo compreende todo um sistema de vida e comportamentos específicos, tendo como referência a Torá, o livro das leis judaicas, que estabelece claramente quais são as ações corretas a realizar. O Hinduísmo, uma das mais antigas do mundo, tem como fundamento a crença na reencarnação e no carma, bem como na lei de ação e reação. Já o Islamismo, uma das que mais cresce no mundo, tem o sentido de total submissão à vontade de Deus, e o praticante do islã, chamado de muçulmano, defende que as práticas políticas devem ser pautadas pela lógica religiosa e vice-versa.

BLANC (2021) esclarece que registros arqueológicos revelam que a ideia de Deus ou de entidades divinas tem sido cultivada em todas as épocas e por todas as culturas [desde a Idade da Pedra, o homem é um contador de histórias2]. Nos primórdios da nossa espécie, a importância da religião era tanta que a partir dela se originaram as artes e as ciências (p.9). As religiões buscam responder questões como “de onde viemos”, “quem somos”, “o que estamos fazendo aqui”, “para onde vamos depois da morte” (p.15).

Ainda segundo o autor:

“as religiões apresentam cosmovisões que situam o ser humano no Universo e dão um sentido à sua existência. É um conhecimento edificado ao longo de milênios, baseado em revelações divinas e na intuição de homens e mulheres santos, que tem orientado a existência das pessoas, trazido consolo, esperança e compreensão ao longo dos últimos cinco mil anos. As religiões apresentam respostas para as questões mais íntimas do viver humano, estabelecem ética, celebram e fortalecem a fé ” (p.10)

A religião, conforme ensina o sociólogo francês Émile Durkheim em sua obra “As Formas Elementares da Vida Religiosa” (apud WEISS, 2012), abarca uma “ordem de coisas que ultrapassa o alcance de nosso entendimento, o sobrenatural, o mundo do mistério, do incompreensível”. Ainda segundo ele, “a religião seria, portanto, uma espécie de especulação sobre tudo o que escapa à ciência e, de maneira mais geral, ao pensamento claro”. Ao se basear em dogmas e tabus, exigindo comportamentos a observar e verdades em que se deve crer, a religião é avessa à diversidade.

Refletindo sobre o até aqui exposto, alguns podem até sentir arrepios, mas a Maçonaria não revela nenhuma verdade superior e não é religião, pois esta tem como escopo uma vida transcendental e aquela procura aperfeiçoar seus membros para a melhoria do seu entorno, para bem atuar no mundo presente. A seguir, a opinião de alguns autores.

Segundo Ney Gonçalves Dias e Almir San’Anna Cruz (2020):

“… a maçonaria, por seu ecletismo, por estimular e exaltar a liberdade de pensamento de seus iniciados, deplorando e não admitindo posições extremadas tanto de um lado – fanatismo religioso – quando por outro – ateísmo –, convive com naturalidade com crenças ou filosofias teístas, deístas e mesmo agnósticas” (p.57).

ROBINSON (2014) comenta:

“Pode-se afirmar com segurança que a Maçonaria não é uma religião por uma simples razão. Em geral, os adeptos acreditam que seus credos religiosos estão completamente certos. Isso significa que eles acreditam que todos os outros credos são, ao menos até certo ponto, errados. A posição da Maçonaria é oposta, uma vez que admite que há alguma verdade em todas as percepções humanas de Deus e declina de afirmar que qualquer crença em particular é perfeita” (p.249).

HODAPP (2015) não deixa brecha para dúvidas ao elencar alguns fundamentos para entender sobre religião e maçons: (1) Uma reunião em uma Loja maçônica não é um serviço religioso; (2) Não há uma religião maçônica; (3) Não há um deus maçônico – nem tampouco um demônio maçônico: (4) Não há uma bíblia maçônica, reverenciada acima de qualquer outra; (5) Não há um plano maçônico para salvação espiritual; (6) A Maçonaria não é oculta; (7) A Maçonaria não é um culto; (8) A Maçonaria é uma invenção do homem (p. 70).

No mesmo diapasão, não podendo também ser confundida com seita ou qualquer coisa que o valha, a maçonaria tem um ensinamento próprio, constante de seus manuais e rituais, que transmite seus princípios, que jamais podem ser associados a dogmas. Conforme demonstra Alec Mellor (1976), não existem dogmas maçônicos. “A própria noção de “Landmark” não se confunde com o do dogma”. Segundo ele, “a diferença está em que a Maçonaria não reivindica a Revelação…. longe de opor-se à Igreja, neste ponto, a incompatibilidade teria surgido se ela tivesse seus dogmas”.

Nas sessões maçônicas não há momento de adoração a divindades. Porém, a Maçonaria não pode ser considerada secular, pois as atividades de uma Loja não são iniciadas sem antes invocar o auxílio de Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E a Bíblia3 permanece aberta no recinto, após a leitura de determinada passagem, conforme o Grau em que a Sessão é realizada, sendo fechada ritualisticamente ao final dos trabalhos. Mas, é importante destacar que a sua presença evoca apenas e tão-somente espiritualidade e harmonia, assim como na valorização dos esforços e como fonte de ensinamentos de regras de conduta (destacamos). Alguns Ritos ou Rituais não adotam essa prática, o que não impede que o obreiro o faça de forma interna, pessoal e silenciosa. Por isso a Maçonaria prega o respeito à autoridade e à religião de cada um.

Enfim, quanto à espiritualidade, não existe procedimento algum que tenha o carimbo da Maçonaria, e para tanto apela ao discernimento de seus obreiros, pois seus ensinamentos e ritualística das sessões não vislumbram essa finalidade, ficando tais descobertas ao alvedrio de seus membros, individualmente. Da mesma forma, vale reiterar, a escolha de uma religião é responsabilidade individual.

O destaque fica para o entendimento de que a prática da Maçonaria se caracteriza por uma disciplina de comportamento, na qual o indivíduo é treinado para regular seus costumes, atingindo com isso um perfeito equilíbrio entre as forças que motivam sua conduta como pessoa humana, partícipe de uma sociedade. Para tal, no ritual de Iniciação, o neófito é desafiado a refletir sobre o que é a virtude e o vício, sendo indagado o que ele entende por um e outro, levando-o a concluir que a virtude é uma disposição da alma que induz à prática do bem, e o vício, sempre nocivo e inadequado, é o hábito desgraçado que arrasta para o mal.

Conforme repisado em seus Rituais, a Maçonaria é caracterizada como um sistema e uma escola não só de Moral, mas, sobretudo de filosofia social, um ambiente de diálogo e debates, que visa ao progresso contínuo de seus adeptos por meio de ensinamentos em uma série de Graus. Nesse contexto, as Instruções Maçônicas, que funcionam como veículos de propagação de valores, ensejam passos que levam à lapidação do espírito, de forma a propiciar os instrumentos adequados e a desenvolver habilidades necessárias para o empreendimento da jornada rumo ao aperfeiçoamento dos mais elevados deveres de homem cidadão em prol da humanidade pela liberdade de consciência, igualdade de direitos e fraternidade universal.

Como uma fraternidade laica, iniciática e simbólica, com os símbolos evocando questionamentos que conduzem a reflexões sobre as próprias verdades, ao livre pensar e ao exercício da razão, a Maçonaria tem como objetivo primordial buscar no mundo profano4 os melhores homens para congregá-los numa única Família, aperfeiçoando-os.

Tudo isso demanda muito labor, esforço e vontade do Iniciado em ser uma pessoa melhor e cada um seguindo o seu próprio ritmo, em busca da verdade, não se evidenciando uma investigação dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre arbítrio. Apoiado e inspirado em um trabalho coletivo, a espiritualidade maçônica, numa dimensão ligada a valores elevados, pressupõe a construção de um caminho individual e que liberte o espírito de erros, vícios e imperfeições que constituem a raiz ou causa interior de todo mal ou dificuldade exterior.

Como dito acima, essa transformação do indivíduo, esse despertar espiritual, o despertar da Matrix, fazendo uma alusão à famosa trilogia, enseja abrir os olhos do nosso interior e se resume no simbolismo do desbaste da Pedra Bruta da consciência, nosso espírito imortal, que deve prevalecer sobre a matéria e ser lapidado incessantemente. Nesse diapasão, cabe à Maçonaria, nesse contexto, estimular essa atividade e promover, por meio de suas Instruções, a tão necessária revolução pessoal, por meio de reflexões sobre a espiritualidade não ligada a religião, em ambiente de convivência harmônica e fraternal.

Crer é um conforto, pensar, um esforço” (Ludwig Marcuse, 1894-1971)

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

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Notas

  1. Dissertação de Mestrado (2012) de Tiago Franca Barreto, disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23740/1/Dissertacao%20TIAGO%20FRANCA%20BARRETO%20versao%20final%20revisada%20com%20ficha.pdf ↩︎
  2. O homem primitivo ao procurar resposta para as indagações que fazia sobre os fenômenos que acontecia à sua volta não tinha outro meio que não fosse o uso da imaginação. O mito foi o primeiro conhecimento que existiu sobre a face da terra, antes de qualquer outro. Para narrar fatos, o homem primitivo lançava mão da lenda; para educar, lançava mão da fábula (nota deste articulista). ↩︎
  3. A Bíblia ou outro livro sagrado. Os Maçons referem-se ao livro como Volume da Lei Sagrada, tal qual uma referência não sectária à tolerância religiosa da Loja. […] “esse livro pode ser a Bíblia do Rei James, a Tanakh  hebraica, o Alcorão muçulmano, os Vedas hindus, o Avesta Zoroástrico ou os Provérbios de Confúcio. Em certas Lojas em Israel, encontrar três livros – uma Bíblia, uma Tanakh e um Alcorão – , todos abertos em conjunto no mesmo altar, em respeito às diferentes religiões dos seus membros, é comum” (HODAPP, 2015, p. 71). ↩︎
  4. Profano, do latim: pro=ante + fanum=templo, popularmente referenciado como leigo, fica fora dele, fora do Templo da Sabedoria ou de um real conhecimento da Verdade e da Virtude, das quais reconhece unicamente os aspectos profanos ou exteriores que constituem a moeda corrente do mundo.
    Infelizmente, o termo “profano”, dentre seus vários significados, somente é referenciado como aquele que deturpa ou viola coisas sagradas. Essa é uma situação que constrange e que poderia ser substituída, no caso da Ordem, pela expressão “não maçom”, muito mais palatável. ↩︎

REFERÊNCIAS

BARRETO, Tiago Franca. A prática da Espiritualidade no Ambiente de Trabalho: Um estudo de múltiplos casos na Região Metropolitana de Recife. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Pernambuco, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23740/1/Dissertacao%20TIAGO%20FRANCA%20BARRETO%20versao%20final%20revisada%20com%20ficha.pdf. Acesso em 20.02.2024.

BLANC, Claudio. As religiões do mundo. Barueri, SP: Camelot, 2021.

CESCON, Everaldo; NODARI, Paulo César (ORG). Filosofia, ética e educação: por uma cultura de paz. São Paulo: Paulinas, 2011.

GOMES, Márcio dos Santos. A bem da verdade. Disponível em: https://opontodentrocirculo.com/2015/05/22/a-bem-da-verdade/. Acesso em 28.11.2023.

GOMES, Márcio dos Santos. A Instrução Maçônica. Disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2016/02/23/a-instrucao-maconica/.Acesso em 20.12.2023.

HALL. Manly P. As Chaves Perdidas da Maçonaria. São Paulo: Madras, 2016.

HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã – 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade – 26ª edição. Porto Alegre: LP&PM, 2017.

HODAPP, Christopher. Maçonaria para leigos. Tradução da 2ª Edição. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015.

MINAS GERAIS, Grande Loja Maçônica de. Rituais dos Graus Simbólicos do REAA.

MELLOR, Alec. Os Grandes Problemas da Atual Franco-Maçonaria – Os novos rumos da Franco-Maçonaria. São Paulo, Pensamento, 1976.

OLIVEIRA, Ney Gonçalves de; CRUZ, Almir Sant’Anna. Deus: criador ou criatura? Do Big Bang ao pensamento humano. Rio de Janeiro: Nossa Casa, 2020.

ROBINSON, John J. Nascidos no Sangue. São Paulo: Madras, 2014.

WEISS, Raquel. Durkheim e as formas elementares da vida religiosa. Debates do NER, Porto Alegre (2012). Disponível em:https://seer.ufrgs.br/debatesdoner/article/download/36520/23591. Acesso em 07.11.2023.

Palavrões aos Grão-Mestres

Introdução

O título deste artigo, “Palavrões aos Grão-Mestres”, foi escolhido, obviamente, pela sua capacidade atrativa. Porém, o emprego do termo “palavrões” no título não se refere ao significado mais usual, de “palavras obscenas ou grosseiras”1, mas sim no sentido de “termo empolado”2. E nesse caso, para ser mais claro, “empolado” no sentido de pomposo. Ou seja, o artigo trata dos axiônimos, termos corteses de tratamento e reverência utilizados ao se dirigir a um Grão-Mestre, também conhecidos como pronomes de tratamento

Essa é uma questão intrigante na Maçonaria brasileira. O Grande Oriente do Brasil e a maioria dos Grandes Orientes Independentes confederados à COMAB adotam o termo “Soberano” como pronome de tratamento de seus Grão-Mestres. Já as 27 Grandes Lojas brasileiras adotam oficialmente o termo “Sereníssimo” para seus Grão-Mestres, assim como alguns poucos Grandes Orientes confederados à COMAB. Não havendo consenso no axiônimo utilizado no meio maçônico brasileiro ao se dirigir aos Grão-Mestres, inquire-se qual é a origem do uso dos termos “Soberano” e “Sereníssimo” na Maçonaria brasileira. Esse é o objetivo principal deste breve estudo.

Termo Original: Most Worshipful

O termo maçônico comumente utilizado para se referir a um Grão Mestre é o de “Most Worshipful”3, que pode ser traduzido como “Mui Respeitável”, “Mui Venerável”, “Venerabilíssimo” ou mesmo o “Mais Venerável”. A adoção desse termo na Maçonaria data de, pelo menos, 1721, quando Desaguliers resolve entregar o comando da Grande Loja de Londres (dos Modernos) à Nobreza, tendo sido o primeiro nobre Grão-Mestre o Duque de Montagu4.

Ao Duque de Montagu é creditada a solicitação para que James Anderson compilasse o Livro de Constituições, o qual seria publicado em 17235. Porém, as evidências apontam que tal iniciativa partiu de Desaguliers, que serviu como Adjunto do Duque de Montagu, e quem de fato dirigia a instituição.

É fácil compreender a adoção desse termo já nos primeiros anos da primeira Grande Loja Especulativa. Se o Mestre de Loja recebe o tratamento de “Worshipful”, ou seja, de “Venerável”, não seria correto que o Grão-Mestre da Grande Loja fosse tratado como “Most Worshipful”, ou seja, “Mui Venerável”? Um tanto quanto lógico.

Interessante observar que Grandes Lojas Estaduais brasileiras em algum momento foram influenciadas por essa nomenclatura. Sendo as Grandes Lojas dos EUA comumente chamadas de “Most Worshipful Grand Lodge of…”, muitas Grandes Lojas no Brasil optaram por adotar a mesma nomenclatura. Porém, traduziram “Most Worshipful” como “Mui Respeitável”. Isso parece inicialmente um equívoco visto que, no meio maçônico, a tradução do termo inglês “Worshipful” para o português sempre foi “Venerável”. Porém, muitas Grandes Lojas de outros países latino-americanos já haviam optado por tradução similar do inglês para o espanhol, adotando o termo “Muy Respetable Gran Logia…”, o que pode ter influenciado na escolha do termo a ser adotado em português.

Sereníssimo: Século XVIII

O primeiro registro que se tem do uso do termo “Sereníssimo” ao se referir a um Grão-Mestre da Maçonaria foi na França, em 1743. Com a morte do Duque de Antin, primeiro Grão-Mestre da Grande Loja da França, uma reunião emergencial de Veneráveis Mestres elegeu Louis de Bourbon, o Conde de Clermont, como Grão-Mestre6.

O Conde de Clermont era um príncipe de sangue, e por isso detinha o direito de receber o tratamento de “Sereníssimo”, assim como os demais príncipes de sangue da França7. Esse direito foi devidamente observado na Grande Loja da França durante sua gestão, em que foi chamado de “Sereníssimo Grão Mestre”, ou seja, um príncipe que ocupa o posto de Grão-Mestre.

Dois anos após sua morte, em 1773, a Grande Loja da França foi dividida em duas: o Grande Oriente de França e a Grande Loja de Clermont. Essa última quase não resistiu à Revolução Francesa, chegando a suspender seus trabalhos. Quando do término da Revolução, a Grande Loja de Clermont foi incorporada pelo Grande Oriente de França8.

Voltando ao Grande Oriente de França, que se declara sucessor da Grande Loja de França, seu primeiro Grão-Mestre foi Louis Philippe d’Orleans, Duque de Orleans e príncipe de sangue. Logicamente que, sendo um príncipe, recebia o tratamento de “Sereníssimo” no Grande Oriente de França. O Duque de Orleans permaneceu como Grão-Mestre do Grande Oriente de França até 1793, quando fez uma declaração contra os mistérios e reuniões secretas e acabou sendo destituído de seu posto, ao qual, diga-se de passagem, nunca fez questão nem deu a mínima atenção9.

Porém, após 50 anos tratando os Grão-Mestres por “Sereníssimo” (1743-1793), a Maçonaria francesa passou a considerar esse axiônimo como maçônico. Nada a impedia quanto a isso, visto então estar vivendo numa República.

O termo “Sereníssimo”, então consagrado na Maçonaria francesa, berço da Maçonaria latina, foi amplamente adotado pela Maçonaria de língua espanhola e portuguesa, muito mais influenciada e próxima dos maçons franceses do que dos britânicos ou dos norte-americanos. Não é por acaso que ainda é utilizado oficialmente pela Grande Loja da Bolívia, Grande Loja do Chile, Grande Loja de Cuba, Grande Loja da República Dominicana, Grande Loja Simbólica do Paraguai etc. Isso pode ter influenciado as Grandes Lojas brasileiras que, fundadas a partir de 1927, adotaram o mesmo axiônimo.

Soberano: Século XIX

Como se sabe, em junho de 1822 foi fundado o Grande Oriente Brasílico, o qual sucumbiu em outubro do mesmo ano10. Entre outubro e novembro de 1831 alguns dos remanescentes desse primeiro se reúnem, “reerguendo suas colunas”, no jargão maçônico, com o nome de Grande Oriente do Brasil11.

Importante registrar que, em 1830, no ano anterior ao referido “reerguimento”, outro grupo de maçons já havia fundado um novo Grande Oriente, o Grande Oriente Brasileiro, com o objetivo de impulsionar o trabalho maçônico no país, e que foi instalado em junho de 1831. Porém, personalidades como José Bonifácio e outros partícipes daquele primeiro Grande Oriente, de 1822, haviam ficado de fora e, aparentemente, não gostaram nem um pouco disso, partindo rapidamente para a reinstalação do Grande Oriente Brasílico, agora Grande Oriente do Brasil. Podemos dizer que essa foi a primeira divisão maçônica por vaidade ocorrida no Brasil.

É interessante observarmos que a justificativa apresentada por José Castellani e William Carvalho para a (re)instalação do Grande Oriente do Brasil ter sido posterior à instalação do Grande Oriente Brasileiro é a de que os reerguedores aguardavam “um clima mais liberal, o qual seria propício aos trabalhos maçônicos”12. Digo interessante porque no dia 07 de abril de 1831 Dom Pedro I abdicou do trono e nomeou José Bonifácio como tutor do príncipe regente. Isso significa que durante os meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro o “clima” estava bastante “propício” para José Bonifácio, que nenhuma pressa tinha acerca da Maçonaria. É curioso observar que os líderes do mesmo movimento maçônico revolucionário de 1822, que em um curto espaço tempo reergueram uma Loja, iniciaram dezenas de membros, dividiram a Loja em três e fundaram o Grande Oriente Brasílico com o intuito de promover a independência do Brasil, que esses mesmos líderes aguardassem “um clima mais liberal” para reerguê-lo. Essas observações apenas reforçam a teoria de que a motivação foi, exclusivamente, a tão conhecida vaidade humana, impulsionada pela instalação do Grande Oriente Brasileiro, liderado por Irmãos considerados “rivais”, em junho de 1831.

Mas voltando aos axiônimos, apesar de desconhecido para muitos maçons brasileiros, o pronome de tratamento originalmente adotado pelo Grande Oriente do Brasil referente à Obediência e ao Grão-Mestre era o de “Sapientíssimo”. Durante quarenta e cinco anos do Século XIX (1832-1877), o líder maior dessa obediência maçônica do país era predominantemente chamado de Sapientíssimo Grão Mestre do Sapientíssimo Grande Oriente do Brasil13.

O termo “predominantemente” não foi escolhido à toa. Como se sabe, desde poucos meses após sua reinstalação até 1951, o Grande Oriente do Brasil era uma obediência maçônica mista, no sentido de não separação do governo dos graus simbólicos e dos altos graus, o que era (e ainda é) considerado uma irregularidade pela comunidade maçônica internacional. Foi no dia 23 de maio de 1951, por meio do decreto nº 1641, que o então Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, Irmão Joaquim Rodrigues Neves, desfez essa irregularidade, ao promulgar a nova constituição maçônica do GOB14.

Entretanto, no período em que a irregularidade existiu, o Grão-Mestre acumulava o posto de Soberano Grande Comendador. Os termos corretos empregados no referido período de quarenta anos do Século XIX eram: “Sapientíssimo” para Grão-Mestre e “Mui Poderoso” para Soberano Grande Comendador. O “Mui Poderoso”, apesar de largamente utilizado junto aos Soberanos Grandes Comendadores no restante do mundo, acabou entrando em desuso no Brasil, talvez pela extensão do título do cargo (Sapientíssimo Grão-Mestre e Mui Poderoso Soberano Grande Comendador. Ufa!), ou mesmo pela possível interpretação de que o cargo era de “Grande Comendador” e que o termo “Soberano” era distintivo. Por isso, durante o período, o líder maior do GOB era comumente chamado de “Sapientíssimo Grão-Mestre e Soberano Grande Comendador”. Logo, com o termo “Soberano” supostamente sendo interpretado como um axiônimo, e não como parte do título, começaram as aparições da variação “Soberano Grão-Mestre e Grande Comendador”. A partir de março de 1877 o uso do termo “Soberano” passou a ser predominante.

Uma hipótese para a boa aceitação dessa mudança é o fato de que o termo “Sapientíssimo” era compartilhado por todos os membros da Alta Administração, não havendo na época um termo distintivo exclusivo para o Grão-Mestre no GOB, o que pode ter estimulado o uso do “Soberano” em detrimento desse.

COMAB: Soberano ou Sereníssimo?

Os Grandes Orientes Independentes surgiram a partir da desfiliação de dez Grandes Orientes Estaduais do Grande Oriente do Brasil, ocorrida em 27 de maio de 1973 e liderada por Athos Vieira de Andrade, de Minas Gerais, e Danylo José Fernandes, de São Paulo15.

A partir de 1973, tendo como referências os termos de tratamento de “Soberano” no Grande Oriente do Brasil e “Sereníssimo” nas Grandes Lojas, os Grandes Orientes recém-libertos parecem não ter chegado a um consenso. O GOSC – Grande Oriente de Santa Catarina, por exemplo, adota o termo “Sereníssimo” desde sua fundação. Já o GOP – Grande Oriente Paulista parece ter inicialmente adotado o termo “Soberano”, mas optado pelo termo “Sereníssimo” a partir de 2003. Entretanto, a maioria dos Grandes Orientes confederados à COMAB adota o termo “Soberano”, herdado do Grande Oriente do Brasil, o que é logicamente natural, visto manterem a nomenclatura, ritos praticados, e até, em muitos casos, a mesma estrutura administrativa, basicamente apenas se desfiliando do GOB e declarando suas soberanias.

Durante o desenvolvimento deste artigo, algumas autoridades da COMAB foram contatadas e indagadas se há alguma decisão ou recomendação da COMAB em busca de uma padronização nos modos de tratamento. A informação obtida foi de que não houve ainda alguma deliberação nesse sentido, o que parece significar que cada Grande Oriente tem total autonomia para definir o axiônimo a ser utilizado.

Considerações Finais

Este artigo não tem a intenção de dizer qual o axiônimo correto ou mais adequado a ser utilizado ao se referir a um Grão-Mestre. Isso simplesmente é impossível de ser feito na Maçonaria, especialmente na Maçonaria Latina. Se nem mesmo nos Estados Unidos, em que as Grandes Lojas costumam chegar a um consenso, não há unanimidade no assunto, por que esperar isso no Brasil, cuja Maçonaria regular tem três distintas vertentes e pratica oito diferentes ritos?

Por conta dessa Maçonaria “cosmopolita” praticada no Brasil, não há que se dizer em certo e errado. O que se pode fazer, ou melhor, o que é dever de todo maçom, é buscar a verdade, ou seja, pesquisar e identificar a real origem e razão daquela ação ou interpretação, buscando compreender o contexto de sua ocorrência. E isso sem qualquer julgamento de mérito.

O objetivo deste artigo é simples e creio que foi alcançado. Se “Sereníssimo” ou “Soberano”, pouco importa. São apenas “elogios oficiais”, como, por exemplo, “Excelentíssimo” para as principais autoridades civis ou “Magnífico” para Reitores de Universidades. No entanto, um maçom, pela própria natureza da instituição, não deveria pronunciar ou escrever quase que diariamente um termo maçônico sem nem ao menos querer saber seu significado, sua origem, sua adoção. Seria o mesmo que dizer palavras que não se sabe o significado no meio de frases em conversas na rua. Algo, no mínimo, bizarro.

Autor: Kennyo Ismail

*Texto originalmente publicado no blog No Esquadro

Notas

  1. Dicionário Online Priberam de Língua Portuguesa. ↩︎
  2. Dicionários Priberam e Michaelis. ↩︎
  3. Termo adotado em todas as Grandes Lojas dos EUA, com exceção a Grande Loja da Pensilvânia, que se refere ao Grão-Mestre como “Right Worshipful”. ↩︎
  4. HARRIS, Eileen. Batty Langley: A Tutor to Freemasons (1696-1751). The Burlington Magazine, Vol. 119, No. 890, 1977, pp. 327-335. ↩︎
  5. LYTTLE, Charles H. Historical Bases of Rome’s Conflict with Freemasonry. Church History, Vol. 9, Issue 01, 1940, pp. 3-23. ↩︎
  6. CUMMING, I. Freemasonry and Education in Eighteenth Century France. History of Education Journal, Vol. 5, N. 4, 1954, pp. 118-123. ↩︎
  7. OSBORNE, T. Language and sovereignty: titles of address and the royal edict of 1632., Working Paper. Durham: Durham Research Online (DRO), 2013. ↩︎
  8. COIL, Henry Wilson & BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Ed. Macoy, 1961. ↩︎
  9. COIL, Henry Wilson & BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Ed. Macoy, 1961. ↩︎
  10. BARATA, A. M. E é certo que os homens se convencem mais pela experiência do que pela teoria: cultura política e sociabilidade maçônica no mundo luso-brasileiro (1790-1822). REHMLAC, Vol. 3, Nº 1, 2011. ↩︎
  11. AZEVEDO, C. M. M. Maçonaria: História e Historiografia. Revista USP, São Paulo, No. 32, 1996, p. 178-189. ↩︎
  12. CASTELLANI, J.; CARVALHO, W. História do Grande Oriente do Brasil – A Maçonaria na História do Brasil. São Paulo: Madras Editora, 2009. ↩︎
  13. Baseado em análise de conteúdo dos Boletins do Século XIX do Grande Oriente do Brasil disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional. ↩︎
  14. CASTELLANI, J. Fragmentos da Pedra Bruta. Londrina: Editora A Trolha, 2001. ↩︎
  15. SOBRINHO, Octacílio Schüler. Uma Luz na História: o sentido e a formação da COMAB. Florianópolis: Ed. O PRUMO, 1998. ↩︎

Visitando Marte

Nessas férias tive uma oportunidade, talvez única de fazer uma visita a Marte e participar de uma reunião maçônica.

Fiz contato com meu mais novo amigo Elon, que sem pestanejar, me ofereceu uma carona na sua SpaceX, um dos seus mais novos brinquedos! A viagem foi sensacional, partimos do Aeroporto Bartolomeu Lisandro, sem escalas e retorno para o Cabo de São Tomé, viagem de três dias, tranquilo…

Ao chegar a Marte, fui muito bem recepcionado, já havia um belo café, que mais parecia um almoço, os marcianos são muito gentis, logo nos paramentamos e fomos para o templo.

Engraçado que o templo deles não é a cópia do Templo de Jerusalém, mas sim de uma espaçonave linda e iluminada, não há pontos cardeias como no nosso, nem Oriente, nada disso, lá as referências são pelo GPS! Para caminhar no grande salão é preciso ter equilíbrio, certas horas flutuamos, e as vezes nem conseguimos sair do lugar. O Guarda do Templo não usa espada, mas sim uma arma galática que simplesmente dizima os intrusos, vira pó e os restos são levados pelo vento.

Não há cargos definidos, apenas um líder, que eles chamam de MM, Marciano-Mór. Não é um ser velho, nem novo, até porque lá eles vivem por apenas 1 ano marciano, equivale a 100 anos na terra. O que me chamou a atenção é que eles não se tratam como irmãos e sim como amigos, achei fantástico!

Além de todas as diferenças, a sua divisa se converge com a nossa, de liberdade, igualdade e amizade.

Como tinham dois jupiterianos como visitantes, os marcianos me perguntaram quando poderão via a terra, pois já tentaram e nunca foram bem-vindos, respondi que ainda precisamos evoluir para chegar nesse ponto!

A reunião transcorreu na maior paz e concórdia, a Ordem do Dia foi uma bela peça espacial em 3D, titulada: ” A escolha do Marciano-Mór .”

Ao final dessa pequena peça, já na palavra a bem da ordem, os marcianos me indagaram como escolhemos nosso líder, respondi com tranquilidade: não há problemas nesse quesito, uma vez que sempre temos amigos bem preparados.

A reunião encerrou, fomos para um banquete, até sushi eu comi, e achávamos que lá não tem água, inocentes…

Já me despendindo, fui abordado pelos dois jupiterianos que lá estavam visitando, respeitando é claro o nosso 14° Landmark, onde um deles me perguntou: realmente lá vocês escolhem seus líderes em harmonia?

Chamei-o entre colunas e disse, não! Não é bem assim! Estamos vivendo tempos difíceis, onde o maduro ignora o moderno e o moderno simplesmente desconhece o mais antigo, de um lado, um quer manter o poder e do outro lado o outro quer tomar de assalto, achando que vai mudar tudo e fazer diferente. Continuei, ambos estão cegos, basta levar o amor na frente que isso seria suprimido. O jupiteriano me olhou e disse: que poder? Fiquei sem resposta…

Nos despedimos com cinco abraços que remete a Quinta Essência dos marcianos e embarquei com Elon em nossa nave espacial.

Quando aterrissamos, Elon já sem entender nada, mas com a sua mala cheia de presentes, virou-se para mim e disse: lá não é uma amizade, porque vocês não se entendem? Já saindo da nave, com a porta entreaberta disse: boa sorte amigo você é sensacional, e obrigado pela oportunidade, um dia quem sabe os marcianos não vêm aqui e nos ensinam um pouco mais sobre amizade.

Para encerrar essa Odisséia, o cartão de visitas está em minha memória, fértil, reconheço, mas também gravada no meu peito, como a ponta de um ferro!

Espero que todos um dia tenham essa oportunidade, é uma experiência incrível, se eu mudei? Talvez sim, talvez não, mas o que importa foi a experiência.

TFA

Autor: Renato Krile

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Ordo Ab Chao, O Templo e A Escada de Jacó

Uma palestra que traz uma perspectiva histórica e exegética sobre três conceitos bíblicos que são muito importantes para a Maçonaria.

Sobre o Palestrante
Luis Felipe Moura é membro da ARLS Conde de Grasse-Tilly 301 (GOP/SP). É Teólogo e Psicanalista, especialista em Bíblia Hebraica, autor do canal Universo Monoteísta

Publicado originalmente no excelente blog O Prumo de Hiram.

Reino Unido – Maçonaria em declínio e mal-amada

Embora a Grande Loja Unida da Inglaterra seja a “mãe de todas as lojas” para a grande maioria dos maçons no mundo, sua organização, tradições, rituais e lugar na sociedade britânica são em grande parte desconhecidos fora do Reino Unido. Em particular, não é possível medir o grau de hostilidade que prevalece na terra de Shakespeare em relação a uma instituição considerada retrógrada, ultraconservadora e, para alguns, “blasfema”.

“Não entendemos nada sobre a maçonaria inglesa se tentarmos encontrar os marcos aos quais estamos acostumados na França.”

Para o historiador Yves Hivert-Messeca, a maçonaria britânica é uma “coisa inglesa” tão estranha aos costumes maçônicos continentais quanto pernas de rã podem ser para a gastronomia do outro lado do Canal. Aqui estão alguns exemplos: em um país onde não há constituição escrita, mas um conjunto de leis, tradições e jurisprudência, algumas das quais datam da Idade Média, os rituais em uso na Grande Loja Unida da Inglaterra não se baseiam em regras escritas, mas em usos orais consagrados na tradição e que podem variar de uma loja para outra. Embora negue que seja uma religião substituta ou mesmo que se preocupe com a espiritualidade, a Grande Loja Unida da Inglaterra se apresenta, pela voz de seu Grão-Mestre Adjunto Jonathan Pence, como “uma organização secular – secularista, mas… que apoia a religião”.

Ela é uma associação estritamente masculina, que não reconhece nem a maçonaria mista nem a feminina dentro dela. No entanto, reconhece como regulares as obediências das mulheres, onde as irmãs se autodenominam “irmãs”, enquanto em ambos os lados as visitas são proibidas. Quanto à concepção de que a Maçonaria pode ser universal – a palavra nunca é usada – ou dar-se a vocação de mudar a sociedade ao mesmo tempo em que muda o homem, estas são ideias totalmente estranhas aos membros de uma irmandade que “se contenta em repetir de cor um ritual abstruso antes de se sentar para jantar”, segundo as palavras de Marius Lepage. 

Ela é orgulhosa de seus laços com a família real. Tal como o príncipe Edward, duque de Kent, primo da falecida rainha Elizabeth II, que, aos 87 anos, detém o título de grão-mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra  desde 1967. Tal como o irmão do anterior, o príncipe Michael de Kent, 82 anos, grão-mestre da The Grand Lodge of Mark Master Masons of England and Wales , os maçons da marca, grau que é, juntamente com o Arco Real, um dos dois principais “altos graus” da maçonaria anglo-saxônica que se chama “além do craft” ou “graus laterais”.

O peso da tradição tanto quanto a idade daqueles que são seus fiadores leva a uma pergunta: a Grande Loja Unida da Inglaterra, que solenemente celebrou seu tricentésimo aniversário em 2017, está condenada a não mudar nada pelos próximos três séculos?

Alguns irmãos, sem dúvida, desejam fazê-lo. A maioria dos outros, que veem sua adesão à maçonaria apenas como uma forma amável e caridosa de sociabilidade que é praticada quatro vezes por ano, não se importa. Mas, independentemente de sonharem ou não com a Maçonaria eterna, todos devem agora aceitar a ideia de que a instituição já mudou. E que o que ela representa está cada vez mais distante das preocupações e dos valores dominantes de uma sociedade que, precisamente, em Londres como em Paris, se baseia cada vez menos em valores, mas no dinheiro.

Proteção real contra a redução do número de membros

O primeiro sinal dessa mudança, pelo menos o mais perceptível pelos próprios maçons, é que Charles III, o novo soberano britânico, ao contrário de seu pai, o duque de Edimburgo, não quis entrar na Maçonaria quando era príncipe de Gales, como seus antepassados, alguns dos quais foram grão-mestres antes de reinar sob o nome de George IV (1762-1830), William IV (1765-1837), Edward VII (1841-1910), Edward VIII (1894-1972) – abdicou em 1936 – e George VI (1895-1952).

Criada em 1717, a Grande Loja da Inglaterra empreendeu desde cedo o recrutamento e, em seguida, a manutenção de aristocratas de alto escalão mais próximo possível da família real. Isso, por um lado, dava aos maçons a garantia de proteção real e, por outro, dava à monarquia a vantagem de ter a seu serviço um influente corpo social inteiramente dedicado. Já em 1721, a Grande Loja elegeu o duque John de Montague grão-mestre, que foi sucedido por Philip, Duque de Wharton, Francis, Conde de Dalkeith, e Charles, Duque de Richmond. Após o cisma de 1753, que viu várias lojas se proclamarem “Antigas” em referência a uma suposta regularidade ancestral que teria sido depravada pelos “Modernos” a quem foi negada qualquer anterioridade no que diz respeito à tradição, as duas grandes lojas continuaram, cada uma a seu modo, a ter como grão-mestres membros poderosos da aristocracia. Ou mesmo altezas reais como o Duque de Sussex que, em 1813, presidiu a reunificação dos antigos e modernos dentro da nova Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI). Mas, dado o desinteresse do atual soberano pelo que continua a ser chamado de Arte Real, é uma aposta segura que a tradição de patrocínio real ou principesco da instituição será extinta com a passagem para o Oriente eterno das duas altezas que ainda carregam sua chama cintilante.

Outro sinal da perda, se não de influência, pelo menos da representação social da maçonaria britânica, é o declínio do número de membros, que é uma preocupação constante dentro da GLUI. Já em 2001, a respeitável revista da loja de pesquisa Ars Quatuor Coronati publicou um artigo retumbante sob o título: “Maçons, uma espécie ameaçada de extinção”. De 500.000 irmãos na década de 1950, a Grande Loja Unida da Inglaterra reivindica 200.000 hoje. E, novamente, esse número provavelmente está superestimado, porque não leva em conta a multifiliação de muitos irmãos que, frustrados em se reunir apenas quatro vezes por ano, ingressam em várias lojas.

É em Londres, que concentra a maior parte da maçonaria britânica, com cerca de 1200 lojas – 6000 para Inglaterra e País de Gales – que o declínio do número de membros é mais notável. Menos nas províncias, onde há até um certo rejuvenescimento. E parece estar se sustentando melhor na Escócia, onde a Grande Loja da Escócia reivindica 600 lojas em suas 32 províncias. É mantido na Irlanda, com cerca de 22.000 membros em toda a ilha. Para colocar o fenômeno em perspectiva, argumenta-se que todas as “fraternidades” tais como Rotary, Lions e Kiwanis também estão em declínio. Ou mesmo em queda livre. Isto apesar de este declínio parecer ser menos pronunciado no Reino Unido do que nos Estados Unidos e no Canadá. Alguns se consolam observando que o fenômeno também não poupa as igrejas, que estão ainda mais desertas do que na França.

Externalização versus estigmatização

As autoridades da Grande Loja Unida da Inglaterra estão bem cientes do problema e buscam soluções para conter a queda. Em particular, combatendo as caricaturas da ordem veiculadas pela imprensa e certos livros de sucesso, abrindo o seu museu ao público e organizando vários eventos públicos, conferências e simpósios. E, desde a era digital, multiplicando os sites na web onde é possível encontrar publicações da GLUI tais como a revista trimestral Freemasonry Today , bem como os nomes das lojas, seus endereços e os horários das sessões. Somam-se a isso as “instituições de caridade”, as inúmeras iniciativas em que os maçons participam de todo tipo de obras beneficentes, que vão desde o financiamento de instalações esportivas até a compra de equipamentos hospitalares ou de emergência.

O problema é que quanto mais a maçonaria britânica se expõe e se torna conhecida, mais está aberta ao ridículo e até à rejeição. Isso é evidenciado, por exemplo, pela polêmica relatada pelo conhecido jornal de esquerda The Guardian em fevereiro passado, sobre o financiamento pela Grande Loja Unida de Inglaterra de veículos de emergência para o Corpo de Bombeiros de Londres. Este financiamento, no valor de 2,5 milhões de libras, foi contestado pelo sindicato dos bombeiros devido à afixação de placas maçônicas nas referidas viaturas.  O porta-voz do sindicato pediu a sua remoção. O motivo alegado foi a exclusão das mulheres pela GLUI. Esta reação é mais fácil de entender quando sabemos que, pouco antes, uma auditoria da cultura dos bombeiros de Londres tinha concluído que o Corpo de Bombeiros de Londres era “institucionalmente racista e misógino” …

Mas o Reino Unido não esperou que a onda woke estigmatizasse a maçonaria. Acreditamos, na França, que o antimaçonismo é uma especialidade católica, e imaginamos que a cultura protestante que prevalece no mundo anglo-saxão seria um baluarte contra o preconceito e a intolerância em relação às lojas. Mas não é bem assim. “Os ataques episódicos a que a Ordem é submetida na Grã-Bretanha nunca mencionam um projeto global de controle sobre a cidade, ao contrário do que a maçonaria é regularmente suspeita na Bélgica e na França. Mais simplesmente, os não-maçons suspeitam que os maçons usam sua filiação e suas reuniões ocultas para obter vantagens, privilégios e benefícios negados aos comuns mortais”, diz Pierre Noël, membro da Grande Loja Regular da Bélgica de obediência “inglesa”. Só que se na França o antimaçonismo é muitas vezes associado ao antissemitismo, é essencialmente católico e reacionário, é exatamente o oposto o que ocorre do outro lado do Canal. Lá, é nas fileiras da esquerda trabalhista que o antimaçonismo e, nos últimos anos, o antissemitismo sob o disfarce do antissionismo são mais difundidos. Não só uma certa imprensa, refletindo amplos setores da opinião pública, descredibilizou a Maçonaria por suas práticas consideradas ridículas e obsoletas, como a acusou de favorecer indevidamente seus membros, especialmente aqueles que eram membros da polícia ou do judiciário. Essa suspeita decorre do paradoxo de que, enquanto a monarquia permanece popular como uma instituição folclórica economicamente lucrativa através do turismo que ela gera, grande parte do povo britânico tem um ódio indisfarçável por tudo o que encarna os “ricos”: as grandes escolas privadas, a caça, os clubes… e, consequentemente, a Maçonaria.

Um clube para os ricos

Essa rejeição é alimentada por essa peculiaridade da vida política inglesa, o que significa que, por tradição, a luta de classes é mais explícita lá do que na França. Desde 1922, os estatutos do Partido Trabalhista Britânico, afirmam que este partido foi criado para defender os interesses da classe trabalhadora representada pelos sindicatos, que são um dos componentes do partido. E isso de uma forma mais estrutural do que quando a CGT chegou a ser acusada de ser a correia de transmissão do Partido Comunista.

Por outro lado, os membros conservadores do Partido Conservador são tradicionalmente associados à classe média alta, à aristocracia e à família real. Por suas ligações com a família real, a Maçonaria é, portanto, indiscriminadamente considerada como uma emanação de círculos conservadores. O fato de a Grande Loja Unida da Inglaterra proibir qualquer discussão política em suas lojas e nunca se posicionar sobre qualquer assunto não só não ajuda, como acentua sua imagem de “clube dos ricos”. Tanto que, no início da década de 1920, quando o Partido Trabalhista estava às portas do poder, a reprovação sistemática (“blackballing”) de seus membros que se apresentavam nas portas dos templos levou o Grão-Mestre da Ordem, que era nada menos que o Príncipe de Gales e futuro rei Edward VIII, a provocar a criação, em 1929, da New Welcome Lodge destinada a acolher personalidades do Partido Trabalhista. Este foi notavelmente o caso de Arthur Greenwood e Hugh Dalton, que foram ministros várias vezes antes e depois da Segunda Guerra Mundial nos governos liderados pelo líder trabalhista Clement Atlee.

Mas essa iniciativa, longe de acalmar o sentimento dos trabalhistas em relação à maçonaria, teve o efeito contrário. Em 1935, Herbert Morrison, que concorria à liderança do Partido Trabalhista, acusou publicamente a loja de conspirar contra ele para permitir que Clement Atlee – que não era maçom – assumisse a liderança do partido. E o caso, levado à praça pública, acentuou um pouco mais o sentimento conspiratório. Várias décadas depois, como a loja New Welcome havia mudado seu foco e era o lar de parlamentares de todos os matizes e funcionários parlamentares de Westminster, a loja continuou a ser vista como evidência de uma conspiração maçônica no parlamento.

Em fevereiro de 2018, um jornalista do jornal Guardian escreveu que a loja ainda estava em funcionamento, juntamente com outras duas lojas para jornalistas políticos e parlamentares, a Alfred Robbins Lodge e a Gallery Lodge, cujos membros estavam a serviço do “lobby maçônico”. A recorrente suspeita de conspiração e favorecimento à maçonaria também existe na França. Mas nunca vai além da esfera conspiratória de extrema-direita que se espalha pela web. E mesmo à direita da direita, a esfera política da França não faz alarde há muito tempo.

A situação é bem diferente no Reino Unido, onde durante a década de 1990 o parlamento foi palco de uma interminável novela mantida por vários deputados trabalhistas, um dos mais virulentos dos quais foi Jack Straw, várias vezes ministro da Justiça nos governos trabalhistas de Gordon Brown e Tony Blair. Ele exigiu que todos os policiais e juízes que são membros da polícia e do judiciário declarem publicamente sua filiação à Maçonaria. A demanda foi apoiada por grande parte da imprensa de esquerda, bem como por tabloides, que nunca perdem a oportunidade de alimentar todas as formas de teorias da conspiração repetindo, por exemplo, alegações em um livro best-seller publicado na década de 1980 sugerindo que os crimes de Jack, o Estripador, foram o resultado de um ritual maçônico.

No início de 1997, o Grande Secretário da Grande Loja Unida da Inglaterra, Michael Higham, foi convocado a comparecer perante um comitê que lhe apresentou uma lista de 169 policiais implicados em corrupção e má conduta policial. Higham se recusou a responder, argumentando o direito de associação. Era um assunto sério. Ele podia ser acusado de desacato ao Parlamento, crime punível com prisão. Por fim, o Grande Secretário cedeu e deu 16 nomes. Fê-lo com relutância, anunciando que o primeiro-ministro Tony Blair receberia uma carta oficial de protesto em nome de todos os maçons britânicos, que se sentiam vítimas do que equivalia a perseguição. Depois, discutiu-se se o pedido de declaração aos magistrados deveria ser obrigatório ou voluntário. A segunda opção prevaleceu, apesar da oposição do mais alto magistrado do país, o Lord Chief Justice. Em 9 de setembro de 1998, o Pró-Grão-Mestre, Lord Farnham, fez uma declaração solene sobre este assunto:

“Encorajamos todos os maçons que são membros de nossa organização, especialmente aqueles que ocupam cargos judiciais, a revelar sua filiação quando apropriado, com a única restrição de que eles não podem usá-la para buscar promoção pessoal. Deixamos a cargo de cada indivíduo, individualmente, decidir quando e onde declarar sua filiação. Cada membro é obrigado a obedecer à lei e é convidado a ser um cidadão exemplar.”

Indignado com exigências discriminatórias não aprovadas por uma lei anterior, o pró-grão-mestre concluiu que os maçons tinham que se curvar às exigências do poder, mas “com orgulho” e sem deixar de expressar sua desaprovação à discriminação injustificada. O resultado deste caso foi que, de 5000 magistrados, 5% admitiram ser maçons. Em maio de 1999, o comitê apresentou um relatório reconhecendo que a filiação maçônica não era “uma causa primária” de disfunção na força policial, mas isso não impediu que pressionasse o governo a acelerar o processo de registro de policiais e juízes maçons, e até mesmo a estender o processo ao parlamento e às autoridades municipais. O relatório conclui, contra toda a lógica, que se houve uma certa paranoia neste caso, foi obra dos próprios maçons e da sua obsessão pelo segredo. E, no entanto, o mesmo relatório mostrou que dos 169 policiais suspeitos, apenas oito eram maçons (The Daily Telegraph, 26 de maio de 1999).

Desconfiança e hostilidade das igrejas

A religião é outra causa da desconfiança endêmica da sociedade britânica em relação à maçonaria. Há duas razões opostas para isso. O Reino Unido é um dos países com os maiores níveis de indiferença religiosa do mundo. As religiões cristãs são agora minoria e 76% dos britânicos dizem que não dão importância à religião em suas vidas. De acordo com uma pesquisa de 2017 do Centro Independente de Pesquisa Social, 53% da população disse não ter religião e apenas 15% dos britânicos disseram pertencer à religião anglicana – 3% para jovens de 18 a 24 anos e 40% para aqueles com 75 anos ou mais.

E, provavelmente, não é por acaso que foi um britânico, o biólogo Richard Dawkins, que, com seus livros, ajudou a popularizar os argumentos em favor do ateísmo. No entanto, em contraste com a sociedade britânica, a maçonaria inglesa continua a exigir de seus membros a crença em uma vontade suprema ou princípio criativo que às vezes é chamado de Deus, às vezes Grande Arquiteto, às vezes Ser Supremo. Os Estatutos de 1929 da Grande Loja Unida da Inglaterra especificaram que a crença no Grande Arquiteto do Universo e em Sua vontade revelada seria uma qualificação essencial para ser membro da Ordem. Em 1938, o Grande Arquiteto deu lugar ao Ser Supremo. Então, em 1985, foi promulgado que “a Maçonaria não é uma religião nem um substituto para a religião. Ela exige que seus membros acreditem em UM Ser Supremo, mas não oferece nenhum sistema de fé próprio.”

No entanto, se essa formulação de inspiração deísta pode satisfazer os seguidores dos diferentes cultos que coexistem dentro das lojas, ela esbarra na descristianização da sociedade britânica, bem como com os cristãos que não podem admitir que, seja qual for o nome pelo qual é designado, a entidade superior evocada em particular nos graus superiores não é o deus do evangelho. Daí uma série de advertências, esclarecimentos e até anátemas proferidos pelas diversas religiões, com exceção dos católicos romanos que, fora da Irlanda, sempre foram discretos sobre a questão.

Em 1925, William Booth, o fundador do Exército de Salvação, foi o primeiro a proibir seus “soldados” de ingressar na maçonaria. Em 1927, a Conferência das Igrejas Metodistas, referindo-se às advertências de seu fundador, o Rev. John Wesley, renovou essas advertências sobre uma sociedade desprovida de qualquer referência explícita a Jesus Cristo. Na década de 1950, o reverendo Walton Hannah publicou dois livros best-sellers nos quais analisava graus simbólicos e os “Altos graus” como pertencentes a uma religião sincrética e como uma paródia inaceitável dos sacramentos da Igreja. Essas acusações foram rejeitadas por dignitários da Igreja e membros da maçonaria.

Em resposta, Hannah converteu-se ao catolicismo e tornou-se sacerdote católico romano. Em 1965, no entanto, uma comissão da Igreja Presbiteriana da Escócia, na qual sempre houve muitos maçons, expressou sua preocupação com o risco potencial de competição entre a Igreja e a Loja, que poderia parecer para alguns como uma super-igreja, descolada dos dogmas da fé cristã. Em 1985, a Conferência Anual das Igrejas Metodistas adotou um relatório intitulado Instruções aos Metodistas sobre a Maçonaria. Altamente crítico, este relatório atacava especificamente o ritual do Arco Real, que era semelhante a um culto religioso, mas ignorava a singularidade da revelação cristã e aconselhou seus seguidores a não se tornarem maçons.

Em 1987, a Igreja da Inglaterra publicou o relatório de um grupo de trabalho criado dois anos antes, intitulado Maçonaria e Cristianismo – São compatíveis? Uma contribuição à discussão. Referindo-se a diferentes visões dentro da comissão, o relatório concluiu:

“As reflexões do próprio grupo de trabalho revelam diferenças de opinião compreensíveis entre aqueles de seus membros que são maçons e aqueles que não são. Enquanto os primeiros reconhecem plenamente que o relatório demonstra a existência de dificuldades óbvias enfrentadas pelos cristãos que são maçons, os segundos são de opinião que o relatório destaca várias questões fundamentais que põem em causa a compatibilidade da maçonaria e do cristianismo.”

Como resultado das discussões sobre este relatório dentro da Igreja da Inglaterra, que tinha e ainda tem um número de padres e bispos maçons, e talvez sob sua influência, a Grande Loja Unida da Inglaterra decidiu modificar certos rituais, incluindo a remoção das ameaças de castigos físicos previstas nos juramentos exigidos dos candidatos a cada grau. “Alguns viam isso como uma admissão de culpa que apenas reforçava suas suspeitas, outros uma quebra da tradição e uma inaceitável submissão aos ucasses da Igreja da Inglaterra”, comenta Pierre Noël.

Ainda se poderia multiplicar exemplos que ilustram a posição social, muito mais desconfortável do que se pensa na França, da maçonaria britânica. Examinando mais de perto, essa situação provavelmente se deve menos ao seu conteúdo e ao seu ensino – supondo que haja um ensinamento explicitamente expresso – do que ao fato de que ele não responde a nenhum dos desejos da sociedade ao seu redor. Como, de fato, uma sociedade de velhos senhores ricos, conservadores e brancos poderia despertar qualquer coisa além de zombaria quando não a hostilidade de um mundo secular onde prevalece o multiculturalismo, a “confusão de gênero” e a busca implacável por qualquer coisa considerada “dominante”?

A diversidade, a abertura às questões sociais, a defesa do secularismo, a exteriorização que, por enquanto, permite que a maçonaria liberal se mantenha à tona poderiam salvar o que resta da instituição maçônica britânica? Alguns estão pensando nisso até mesmo dentro da Grande Loja Unida da Inglaterra. Mas essas mudanças levariam pelo menos um século para serem implementadas. E o que restará da instituição até lá?

Quando as irmãs pensam que são irmãos…

Sob o impulso da feminista socialista e antroposofista Annie Besant, a Ordem Internacional dos Direitos Humanos da França criou sua primeira loja em Londres em 1902 sob o nome de Human Duty No. 6. A loja, que funcionava em inglês, foi muito influenciada pela Teosofia, que não era do agrado do reverendo William Cobb, que com outros membros decidiu formar a Grande Loja para Homens e Mulheres, independente do conselho supremo de Paris, sob o nome de Honourable Fraternity of Antient Masonry.

Ao mesmo tempo, uma cisão ocorreu em 1913 liderada por aqueles que queriam entrar no grau lateral do Arco Real. Foi então que foi criada a Honorável Fraternidade dos Antigos Maçons. Aos poucos, as irmãs, que se chamavam e ainda se chamam “irmãos”, na forma como falamos de fraternidade, levaram sua obediência a se tornar exclusivamente feminina a partir de 1935. A primeira dessas duas obediências, que também estabeleceu um capítulo do Arco Real, mudou seu nome em 1958 para se tornar a Order of Women Freemasons. É a maior obediência feminina britânica, com cerca de 6000 membros. Essas duas obediências são cópias da Grande Loja Unida da Inglaterra, que as reconhece como regulares desde 1999. As duas ordens femininas organizam regularmente eventos conjuntos, que por vezes podem ser realizados nas instalações da GLUI. Mas, como esta, as obediências das duas mulheres britânicas não têm relação com as obediências mistas ou com as obediências das mulheres estrangeiras que recebem irmãos. Note-se que, desde 2018, a GLUI considera que um maçom transgênero não deixa de ser maçom e que um leigo transgênero que se tornou homem pode ser iniciado. Estas disposições são necessárias devido à lei britânica que proíbe a discriminação.

A maçonaria mista, por outro lado, é representada principalmente pela Federação Britânica da Droit-Human, que tem uma dúzia de lojas trabalhando em inglês. Sua orientação é mais nitidamente espiritualista do que na França e permaneceu marcada pela influência da Teosofia. Em 2001, uma cisão do Droit Humain foi formada sob o nome de Grande Loja da Maçonaria para homens e mulheres.

Sob uma aparente unidade, uma profusão de rituais e altos escalões

A rigor, não existe um rito inglês. As práticas em uso nas lojas da Grande Loja Unida da Inglaterra são resultado da codificação ocorrida após a unificação de 1813 entre os modernos e os antigos, sob a égide da chamada Loja da Reconciliação, que desenvolveu um ritual da União.  

A partir de então, era importante transmitir esse ritual apenas oralmente, de modo que foi necessário criar lojas de instrução para reproduzir sua prática da forma mais fiel possível. Para este fim, a Loja de Estabilidade foi formada em 1817, e em 1823 surgiu a Loja de Emulação. Ambas tinham como objetivo aperfeiçoar tanto a instrução quanto a prática do ritual que, além disso, podia variar de uma loja para outra, cada loja ou às vezes grupo de lojas em uma região, estando ligada a um estilo particular chamado “trabalhos”. Essas práticas às vezes são traduzidas por escrito em um livro azul, mas nunca são oficialmente validadas pela GLUI.

O trabalho na loja consiste apenas em um ritual simbólico marcado por orações dirigidas, respectivamente, ao Grande Arquiteto do Universo no primeiro grau, ao Grande Geômetra do Universo no segundo e ao Altíssimo no terceiro. Não há direção de circulação na loja e os ângulos só são marcados na cerimônia de iniciação, que é feita sem passar sob a venda e sem armadilhas ou provações. Ela se conclui com uma longa exortação do venerável mestre.

A singularidade da passagem de companheiro reside no fato de ele ser chamado, depois de ter subido sete degraus simbólicos, a chegar à “Câmara do Meio”, cujo acesso é reservado aos mestres nos outros ritos. Inclui o uso da palavra Shib. como senha e ensina a importância das artes liberais. A elevação ao grau de mestre é centrada na lenda de Hiram, mas sem dramaturgia. Essa é substituída por um longo discurso que termina com um convite à reflexão sobre a morte, mas também sobre “um princípio vital e imortal [que] nos inspira com a santa confiança de que o Senhor da Vida nos dará forças para pisar o Príncipe das Trevas […]” O sistema de altos graus é particularmente complexo, até confuso. Um artigo do Ato de União de 1813 afirma que há “apenas três graus e não mais (…) incluindo o Arco Real Sagrado”. Esse grau, concebido como um complemento ao de mestre, deve ser traduzido como arco e não como arca. Ele se refere à lenda bíblica de que, na época da reconstrução do templo sob a liderança do sumo sacerdote Josué após o exílio na Babilônia, a palavra sagrada que é um dos nomes de Deus foi encontrada sob uma pedra fundamental até então desconhecida. Este grau é altamente valorizado e praticado por mais da metade dos maçons britânicos e requer apenas um mês de filiação ao mestrado.

O outro grau mais comum é o de Mark Mason, ou Maçom da Marca, que se refere à marca particular com a qual os operários assinaram seu trabalho. Simbolicamente, seu objetivo é encontrar uma pedra que estava faltando no “Arco Real Sagrado”. É administrado por uma Grande Loja de Mestres Maçons da Marca independente da Grande Loja Unida da Inglaterra. Finalmente, há muitos outros graus “além do craft”, entre os quais o Rito Escocês Antigo e Aceito – REAA – em 33 graus ocupa um lugar importante, com 900 capítulos. O grau de Rosacruz é praticado essencialmente lá, reservado, como muitos outros “altos graus”, apenas a irmãos que professam a fé cristã trinitária. 

Droit Humain, Grand Loge de France, Grand Orient de France: os “dissidentes” de Londres estão indo muito bem.

Diante do monopólio quase exclusivo da Grande Loja Unida da Inglaterra, as obediências “dissidentes” seguiram discretamente, cada uma a seu modo, seu caminho original. Em 2022, quando veio participar do Convento da Droit-Humain em Paris, René Pfertzel foi educadamente convidado a remover o quipá.

“Aqui, o secularismo não é um problema na dúzia de lojas do DH no Reino Unido. Se uma mulher muçulmana usando um lenço na cabeça viesse até nós, ninguém pensaria em pedir que ela descobrisse a cabeça”, diz esse rabino liberal nascido na França que frequenta uma loja da federação britânica DH sem ter que remover seu quipá. O DH inglês é muito mais espiritualista do que na França. Um ritual criado por Annie Besant parcialmente inspirado pela Teosofia é praticado e questões seculares nunca são mencionadas.

Além disso, é porque o grão-mestre da GLUI havia declarado que a Maçonaria não deveria se preocupar com a espiritualidade que Julian Rees, jornalista e escritor, deixou a Grande Loja Unida da Inglaterra para a Droit-Humain.

Mesmo assim, espiritualistas ou não, as lojas mistas não são reconhecidas pela Grande Loja Unida da Inglaterra por uma questão de princípio. Não mais do que as do Grande Oriente da França, mistas ou não. Hiram, a loja histórica do GODF em Londres, foi criada em 1899 pelos herdeiros distantes da loja Philadelphes fundada em 1850 por proscritos de 1848 que trabalhavam no rito de Memphis. Seus membros incluíam Charles Bradlaugh, uma figura ilustre do livre pensamento no Reino Unido.

“Quando os fogos foram acesos, todas as obediências foram convidadas e os irmãos da GLUI estavam presentes. Mas, 24 horas depois, eles disseram que não queriam ter nada a ver com a loja. E, desde então, não mudou”, diz François Gaillard, o atual venerável da Loja Hiram, que se tornou mista há cerca de dez anos. É uma das duas lojas francófonas em Londres, juntamente com a White Swan, da Grande Loja da França. 

Há também uma loja do GODF trabalhando em inglês. Criada em 2010 por iniciativa de Philippe Baudhuin, antigo venerável da loja Hiram, Liberdade de Consciência, como o próprio nome sugere, está claramente posicionada sobre os valores da liberdade de consciência e do secularismo, o que a torna um verdadeiro objeto de curiosidade e interesse para alguns irmãos da GLUI que, ousadamente, por vezes a visitam. Sem, claro, deixar traço de sua presença que pudesse levar à sua exclusão.

Autor: Jean-Moïse Braitberg
Traduzido por: José Filardo

Fonte: Bibliot3ca Fernando Pessoa

Publicado originalmente na Franc-Maçonnerie Magazine.

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Em busca de uma “pedagogia” maçônica

Introdução

Assombram, ao Maçom contemporâneo, inúmeras questões, desde as de tempos imemoriais (de onde viemos, para onde vamos e qual o sentido da vida) até algumas, senão de todo novas, ora revisitadas à luz de tantas e quantas mudanças tecnológicas (notadamente nos transportes e comunicações), sociais (subprodutos da globalização), políticas (hegemonia das ideologias em detrimento dos valores e do pragmatismo conservador) etc.; em síntese, as ortodoxias cedem espaços às inusitadas heterodoxias.

Saberes e valores até então supostos estabelecidos são novamente trazidos (e permanentemente se encontram) à discussão, entre tantos:

  1. na esfera da geopolítica internacional – os interesses nacionais, a autodeterminação dos povos, os referentes ao ecossistema (sustentabilidade ambiental e social, o que perpassa a degradação, as novas formas de energias, as questões migratórias, etc.);
  2. no campo político – os alcances e os limites das democracias, o relacionamento entre os Poderes da República, a representatividade dos governos;
  3. na chamada pauta dos costumes – os direitos e deveres das minorias, as questões de gênero, os novos modelos familiares, referente a idade mínima para responsabilização penal; entre tantas. Inútil tentar elaborar um rol exaustivo de questões que diariamente se alternam, se modificam e se combinam a outras mais para constituir um efetivo caleidoscópio de questões-problemas sempre a desafiar o entendimento.

E a uns mais e a outros menos, são indagações que exigem de todos algum posicionamento, a favor ou contra (para orientar os filhos, conversar com os amigos, navegar por entre as mídias, tomar decisões profissionais etc.), o que por vezes não deixa alternativas senão a apreciação como se tudo pudesse mesmo ser subsumido a maniqueísmos reducionistas.

Neste cenário de grandes dificuldades e desafios, todos buscam, e de todas as formas, aprimorar as suas condições de, senão lograr sucesso, sobreviver, o que por ora pode ser equiparado a manter a condição de empregabilidade. E ao Maçom é então legítimo perguntar: em meio a tanto, é possível contar o auxílio da Ordem? Entre tantas demandas, qual o sentido de despender tempo e dinheiro para estar a prumo com a Maçonaria? Alguns chegam a ir mais longe, não só indagam como efetivamente esperam um papel proativo da instituição, notadamente quando os assombros são de natureza política, ideológica e confrontam os usos e costumes legados pelas tradições.

Em meio a esse panorama em que as atribulações são frequentes, a resposta dos autores deste texto é afirmativa: a Maçonaria tem sim uma grande contribuição em favor dos Irmãos! Como aliás sempre teve, ainda que há tempos se observem enormes vácuos, omissões e desvios de finalidade; daí que contrário ao senso de tantas opiniões, também defendem que a sua atuação (a da Ordem) deve passar ao largo das manifestações públicas (bem como intramuros) que denotem engajamento político-partidário. Enquanto fraternidade iniciática e ecumênica a Ordem naturalmente conta com um amplo espaço, já legitimado, para apoiar os Irmãos no trato das questões levantadas acima. Como? Ao contribuir para a formação e o desenvolvimento do pensamento crítico, qual seja, aquele elaborado a partir de argumentos lastreados em dados e fatos objetivos, submetido à ponderação das vantagens vs. desvantagens, à avaliação de alternativas, comprometido com a alteridade, sem prejuízo às idiossincrasias genuínas a cada caso.

Isto posto, este texto, do ponto de vista temático dá sequência a outros1 que tiveram por objetivo compartilhar com os Irmãos algumas reflexões sobre uma das principais missões da Maçonaria, mas também, pragmaticamente, sugerir uma ferramenta auxiliar com o intuito de facilitar as operações do dia a dia – o trabalho nas e a partir das Lojas. São 2 (duas) as premissas extraídas da literatura maçônica e que amparam essas iniciativas:

1 – a de que a ignorância, nas suas mais diversas manifestações, encontra-se na raiz, senão de todos, de muitos ou mesmo da maioria dos males e problemas; bem como que

2 – uma das principais aspirações dos maçons, no sentido à qual dirige as suas buscas, é aproximar-se da verdade2.

Ademais, beira à tautologia afirmar que todo esforço no sentido à eliminação das ignorâncias corresponde, também, a um passo de aproximação à verdade; portanto, é razoável admitir que uma das prioridades da agenda maçônica deve(ria) ser o desenvolvimento sistemático do pensamento crítico, pois se este ao iluminar esclarece e elimina as primeiras, simultaneamente performa tal qual alavanca sobre a segunda.

Portanto, por ora o objetivo é, aos primeiros textos, acrescentar novas estratégias de condução dos trabalhos no sentido ao aprimoramento das iniciativas. Assim, na sequência, para recapitular, mas sobretudo para conferir unidade à estrutura que se propõe, são passados em breve revista (na seção Antecedentes) alguns dos temas já abordados nas publicações anteriores. Este conjunto, então acrescido das novas estratégias, pode ser considerado como o embrião, as primeiras iniciativas no sentido à construção (em processo) de uma “pedagogia” maçônica. A exemplo da pedagogia, a andragogia, em gênero, é uma metodologia voltada à aprendizagem educacional que admite diferentes espécies formadas a partir de visões de mundo, pressupostos, modelos, técnicas, ferramentas etc.; todavia, enquanto a primeira é voltada à aprendizagem infantil, a última tem o foco dirigido aos jovens e adultos, como é o caso do público constituído pelos maçons. A opção por manter no título a expressão “pedagogia” deve-se à sua larga compreensão em detrimento da andragogia, designação cujo entendimento é mais reservado, sem que, por este motivo, acredita-se, tenha sido agregado dificuldade conceitual à proposta final de trabalho.

Concluída a revista, na seção Um Passo à Frente são então apresentadas e justificadas as novas iniciativas, mas que também podem ser consideradas estratégias (porque para a eficácia demandam visão, esforços deliberados e continuados no longo prazo) e mesmo procedimentos (porque também aplicáveis ao dia a dia das Lojas) que, a juízo dos autores (amparados na literatura) podem alavancar o desenvolvimento das funções intelectivas mais elevadas, a saber, a imaginação, o raciocínio lógico, a memória, o planeamento, entre outras. Por razões que adiante se tornarão evidentes por si mesmas, foi julgado oportuno destacar uma das “ferramentas de trabalho”: os aforismos, mas também para contrastá-los com as demais.

E tendo em vista que as iniciativas e mesmo a Missão da Ordem são antes meio do que fim em si mesmas, na seção Dois Passos à Frente são então levantadas grandes questões do cotidiano, cuja análise e entendimento ganhariam em qualificação se aos Irmãos fossem oferecidas as condições apropriadas. Mais especificamente, o que ora se refere são diretrizes, orientações, metodologias e ferramentas de estudo, tudo encapsulado num Programa de Docência Maçônica para além dos aspectos meramente conteudistas, mas antes e sobremodo orientado no sentido ao desenvolvimento do pensamento crítico. Torna-se claro, então, o posicionamento dos autores: as atividades em Loja, assim os seus desdobramentos, podem (deveriam) ser consideradas oportunidades para o desenvolvimento de habilidades e competências, a realização de efetivos exercícios cognitivos preparatórios ao enfrentamento das questões do cotidiano, no mundo real – vide, por exemplo, Pinheiro (2020a, 2021d). Por vezes parece haver um grande equívoco, como se a passagem da Fase Operativa à Especulativa implicasse no completo abandono do pragmatismo, das utilidades no dia a dia; que não se percam as origens em debates demasiados esotéricos e mais apropriados em outros ambientes.

Finalmente, considerando que todas as iniciativas e propostas devem ser desenvolvidas num ambiente de adultos, a última seção (Andragogia), em resumo, apresenta as características específicas e que não devem ser perdidas de vista em todo e qualquer encaminhamento junto a este público. A seção é concluída com a ilustração de uma das mais simples, mas nem por isto menos eficaz, dentre as ferramentas apresentadas em Um Passo à Frente.

O conjunto dessas observações se constitui, então, em esboço aberto à críticas e sugestões bem como para submissão à prova em cada Loja no sentido à construção de um Programa de Docência Maçônica apoiado nos princípios da andragogia.

Antecedentes

Ainda que o estudo da História acompanhe o Iniciado por durante muitos anos, e seja de grande relevância, em última análise trata-se de matéria propedêutica, pois o estudo do simbolismo está para o Maçom Especulativo, assim como o trabalho no corte, no desbaste e no assentamento das pedras estava para o Maçom Operativo. Numa carta de A. Pike a F. Gould (apud Newton, 2000, p. 41) pode ser lido:

O simbolismo da Maçonaria, que juntamente com o seu espírito de fraternidade constituem a sua essência […] os Símbolos do Universo, antigamente tão eloquentes e hoje tão mudos e sem intérpretes […] a verdadeira grandeza e majestade da Maçonaria consiste em ser ela a guardiã zelosa desses e outros Símbolos; e que o seu simbolismo é a sua alma.

E por oportuno, cabe lembrar que uma das mais usuais definições de Maçonaria é a que a apresenta como um sistema de moralidade velado por alegorias e ilustrado por símbolos; sendo assim, a análise simbólica se constitui tanto em matéria-prima quanto é o processo e o produto do trabalho do Maçom contemporâneo. Foi essa a motivação que levou à proposição, por Pinheiro (2023), do Modelo Geral de Análise e Interpretação Simbólica (MGA&IS), na ocasião ilustrado a partir do contexto do Regime (Rito) Escocês Retificado (RER). Em síntese, o MGA&IS sugere que todo evento (representação, utensílio, decoração etc.) litúrgico, ritualístico ou doutrinário no contexto de cada Rito pode ser estudado a partir de uma chave com quatro níveis de análise, ora também denominados de sentidos de interpretação: o literal; o alegórico; o tropológico; e, o anagógico.

O Quadro 1, a seguir, síntese da revisão da literatura promovida pelos autores citados, auxilia o entendimento:

Quadro 1: Níveis de Leitura e Interpretação de Textos & Símbolos

Fonte: Pinheiro, Pellegrini e Varejão (2023)

O MGA&IS, pela sua abrangência, ao organizar, orientar e conferir objetividade às iniciativas, contribui também para manter o foco dos debates (habitualmente tendentes à dispersão) entre os integrantes do Quadro da Loja.

Já em Pinheiro (2021a), após apresentar e discutir algumas questões relativas à “ideia de verdade” (conceito, dimensões, alcances, impasses, operacionalidade, desdobramentos éticos e morais etc.), o autor ressalta o papel do método (meta + caminho) como estratégia para, senão atingi-la enquanto objetivo do projeto3, dela o mais próximo se acercar. Finalmente, traz à lume algumas ferramentas4 (a dialética, o silogismo, as quaestio disputata, indução vs. dedução e o moderno método científico) que, mutatis mutandis, desde a aurora da filosofia têm sido utilizadas para organizar, sistematizar e refletir sobre o conjunto de informações (teorias, hipóteses, levantamentos, experimentos, testes, etc.) que proporcionam a emergência e a compreensão de um quadro lógico (novo, alternativo) que, então, ainda que temporariamente, pode vir a ser instituído como a verdade admitida num dentre os tantos e os mais variados domínios do conhecimento, das ciências naturais (física, química, biologia, astronomia, etc.) às ciências comportamentais e humanas. O que ora importa chamar a atenção é que é destituído de sentido a pretensão de chegar à verdade (e à sua contraparte, a redução da ignorância) sem a adoção de métodos e de ferramentas adequadas no âmbito de um plano de trabalho cujas atividades avançam, se desenvolvem e se consolidam pari passu, como é próprio das Ordens Iniciáticas.

Finalmente, em Pinheiro (2021b, 2021c, 2020b, 2017) poderão ser encontradas não só aplicações da análise simbólica no contexto do RER, mas também, e aí por analogia as considerações se estendem a todos os Ritos, ilustrações sobre fontes de pesquisa, sobre a organização (mais habitual) das formas e dos conteúdos das produções intelectuais escritas, em particular quando em formato de artigos, entre outros tantos aspectos pertinentes à temática.

Um passo à frente

Em sendo a Maçonaria um “sistema de moralidade velado por alegorias e ilustrado por símbolos”, é de se esperar que no contexto dos seus projetos andragógicos seja ressaltada a questão de descobrir as chaves de análise que permitem extrair das alegorias e dos símbolos as mensagens neles ocultadas – o que inicialmente pode ser obtido com o auxílio do MGA&IS. Ademais, porque a maioria dos trabalhos maçônicos são apresentados na forma escrita5 (ou oral) o problema se resume, no primeiro momento, em aprender nos idiomas nacionais – no caso, o português -, pelo menos os principais veículos e as formas de ocultação mais utilizadas, quais sejam: as conhecidas figuras de linguagem, também denominadas figuras de estilo. E ao reconhecer6 a presença de uma figura de linguagem o estudioso já estará dialogando com os dois primeiros níveis de interpretação – o literal e o alegórico – apresentados no MGA&IS. Em segundo lugar, para a efetiva decodificação da mensagem, não há outra alternativa senão o acúmulo do que se conhece por “conhecimentos gerais – cultura geral”, a começar pela riqueza de vocabulário, mas também da historicidade pertinente, da evolução dos usos e costumes, das crônicas etc., pois, como se diz: não há texto sem contexto. O lastro de conhecimentos é conditio sine qua non, pois como analogar sem um quadro de referências? Já é tempo de a Maçonaria, devidamente, enfrentar essa realidade!

E a mais conhecida dentre as figuras de linguagem é a metáfora, que corresponde ao “[…] desvio da significação própria de uma palavra, nascido de uma comparação mental ou característica comum entre dois seres ou fatos” (Cegalla, 2020, p. 614). E a metáfora, por reunir as características abrangentes, atua ainda como um guarda-chuva que se estende sobre outras. E dentre as mais conhecidas, tem-se:

  • a metonímia, que “consiste em usar uma palavra por outra, com a qual se acha relacionada. Esta troca faz-se não porque as palavras são sinônimas, mas porque uma evoca a outra” (op. cit., p. 615);
  • a perífrase “é uma expressão que designa os seres por meio de algum dos seus atributos ou de um fato que os celebrizou” (op. cit., p. 617); e,
  • a sinestesia “é a transferência de percepções da esfera de um sentido para a de outro, do que resulta uma fusão de impressões sensoriais de grande poder sugestivo” (op. cit., p. 617).

Isoladas ou combinadas, e também a outras figuras, como as de construção (elipses, pleonasmos, etc.) e as de pensamento (antíteses, eufemismos, hipérboles, etc.), as figuras de linguagem colaboram para compor enigmas sempre à espera de serem decifrados nos 3 (três) níveis superiores de leitura; e o fato de estarem ocultos já carrega em si mesmo a mensagem principal: um convite à reflexão crítica, à busca do equilíbrio no estreito fio da navalha que separa a tradição da renovação, bem como ao desenvolvimento dos processos cognitivos que enriquecem, apuram e elevam o espírito.

As figuras de linguagem admitem graus de complexidade; a metáfora, por exemplo, pode ser apresentada em forma de narrativa, quando então é denominada como parábola7, das quais a Bíblia8 é fonte inesgotável e, como todas as parábolas, elas intencionalmente encerram enigmas à espera de decifração. É de se lembrar que vários Ritos maçônicos9 carregam os legados tanto do Velho quanto do Novo Testamento, daí que conhecê-los é iniciativa de bom alvitre para o devido entendimento da simbologia, das mensagens e dos ensinamentos da Ordem que se encontram escamoteados em meio às liturgias, às ritualísticas e às doutrinas. E para corroborar a observação acerca da importância do lastro de conhecimentos gerais para a análise e a interpretação simbólica, a Parábola do Bom Samaritano (Lc 10:25-37)10 terá o seu entendimento prejudicado se o leitor desconhecer, por exemplo, as rivalidades históricas entre os judeus (habitantes da Judeia) e os samaritanos (que habitavam a Samaria) agudizadas a partir das invasões e da conquista promovida pelos assírios. Já o conhecimento da aridez do território de Israel dá maior amplitude aos ensinamentos a partir da Parábola do Semeador (Mt 13: 1-9; Mc 4). Ambas figuram dentre as mais conhecidas e importantes parábolas do Novo Testamento em razão da (suposta) projeção das mensagens (aconselhamentos) sobre o comportamento dos cristãos (maçons) no cotidiano.

E na sequência da Parábola do Semeador, os evangelistas esclarecem os motivos do recurso às parábolas, a necessidade do conhecimento, bem como as consequências da ignorância:

– Por que lhes falas contando parábolas?
.
Ele lhes respondeu:
.
– Porque a vós é concedido conhecer os segredos do reinado de Deus, a eles não é concedido. Àquele que tem, lhe será dado e lhe sobrará; ao que não tem lhe tirarão inclusive o que tem. Por isso lhes falo contando parábolas: porque olham e não veem; escutam e não ouvem nem compreendem. (Mt 13: 10-12)

No caso do RER, a Parábola do Semeador se reveste de um valor singular, podendo também ser utilizada para esclarecer, por exemplo, a diferença entre o Recepcionado (expressão habitual no RER) e aquele que, desde então, poderá ou não ser efetivamente considerado como um Iniciado na Ordem.

E além do conhecimento em si mesmo que cada leitura proporciona, quando acumulados os saberes têm o condão de promover a ressignificação dos conhecimentos anteriores que até então eram dados como definitivamente estabelecidos. O conjunto assim constituído, apreciado em perspectiva cronológica, revela então novas dimensões do conhecimento, a exemplo dos padrões e das tendências configuradas em resposta às mudanças históricas nos usos e costumes dos povos. Um bom exemplo, entre tantos, é acompanhar as mudanças no significado da expressão “justiça”11 – tão cara à Maçonaria -, do Velho ao Novo Testamento, da Antiguidade à Contemporaneidade (Pós-Modernidade?).

Complementando: só o distanciamento histórico permite identificar padrões que, quando revelados, deslocam o foco da atenção do episódio singular (aparentemente próprio de um dado momento) para uma dimensão superior, como por exemplo a identificação de um traço de comportamento inerente à natureza humana, portanto, como permanente independentemente do momento. Emergem, assim, novas chaves de análise. E também aqui não há melhor fonte-ilustrativa do que a Bíblia, notadamente as alternâncias (e permanências) reportadas em 1 e 2 Reis (Bíblia, 2006).

Em esclarecimento que ora se faz oportuno, o estudo das parábolas faculta ao estudioso dar um novo salto qualitativo no âmbito do MGA&IS: da leitura alegórica passar à tropológica, de onde se extraem as lições morais, bem como à anagógica. Entretanto, é importante observar que neste último caso são necessários pressupostos adicionais referentes, por exemplo, à concepção de homem e à visão de mundo12 para conferir a necessária racionalidade compreensiva que autoriza a passagem do nível tropológico ao anagógico, para então atentar às suas implicações no cotidiano.

As metáforas-narrativas também podem vir apresentadas na forma de alegorias que se distinguem das parábolas em razão de encerrarem apenas uma mensagem em cada um dos seus elementos. Mas as alegorias, por sua vez, podem ser reunidas em composições literárias maiores denominadas fábulas13, nas quais o real e o imaginário (a exemplo de animais antropomorfizados14) se entrelaçam para, por vezes em meio às ironias e sátiras, transmitirem vigorosas mensagens morais, quando não, na forma de estratagemas literários, correspondem a verdadeiros Cavalos de Tróia com críticas e ímpetos de transformação social e política, como é o caso de o Livro das Bestas, de Lúlio15 (2006). Quem, por exemplo, nunca ouviu falar das Fábulas de Esopo16 (2008) ou das de J. de La Fontaine17? Ou ainda do já clássico A Revolução dos Bichos, de Orwell (2007)? Mas enquanto as parábolas bíblicas convidam a extensão da interpretação simbólica até o nível anagógico, as alegorias e as fábulas, de regra, se esgotam no nível tropológico – o das lições morais, dos aconselhamentos aplicáveis ao dia a dia nas sociedades e de acordo com os seus usos e costumes.

Um caso à parte: a popularidade dos aforismos

Em meio a tanto, isto é, como veículos condutores de mensagens ocultas à espera de decifração, há ainda os provérbios e os aforismos. Denomina-se aforismo (ou apotegma, “ditado”, “máxima”, mas também “pensamento”) uma expressão concisa de princípio ou doutrina a respeito de qualquer verdade geralmente aceita, e comunicada mediante uma robusta e/ou memorável asserção. Dito de outro modo, refere-se a textos curtos e sucintos – em geral uma sentença – que assim, em poucas palavras, apresenta um princípio ou regra visando instruir ou aconselhar sobre a vida prática (Xusnida, 2023), mormente o campo da moralidade.

O termo foi primeiramente usado por Hipócrates no seu trabalho intitulado Aforismos, uma longa série de proposições a respeito dos sintomas e diagnósticos de doenças e a arte de curar. Este formato universal de repassar conhecimentos tem recebido por séculos a atenção de literatos, filósofos e docentes, empregados especialmente para lidar com assuntos diversos nas áreas da arte, agricultura, medicina, jurisprudência e política; aplicações tão diversas justificam o adjetivo “elásticos” quando alguns autores referem aos aforismos.

Um dos primeiros e mais famosos trabalhos na forma de aforismos é o Manual (Encheirídion) de Epiteto18, compilado pelo seu discípulo Lúcio Flávio Arriano a partir das notas tomadas durante as aulas do seu mestre (Nascimento, 2008). Através do seu aluno Júnio Rústico, Epiteto exerceu influência sobre o Imperador Marco Aurélio19. Além de ter inspirado autores cristãos da Antiguidade, a influência do Manual é de tal ordem que desde o Renascimento até hoje ele tem sido objeto de estudos. Em recente publicação sobre A Arte de Viver – o manual clássico da virtude, felicidade e sabedoria, de Epiteto (2018), S. Lebell declara: “Para apresentar os ensinamentos de Epiteto da maneira mais direta e proveitosa possível, seleccionei, interpretei e improvisei a partir das ideias contidas no Enchiridion e nos Discursos […]” (op. cit., p. 10).

Modernamente, numa das suas maiores expressões podem ser vistos na obra do filósofo prussiano Arthur Schopenhauer20 denominada Aforismos para a Sabedoria de vida (Schopenhauer, 1851, 2020), um relato brilhante e sereno sobre a vivência acumulada na sua longa existência. De toda a enorme produção do filósofo, esta obra – que propõe uma eudemonologia21, ou seja, escritos morais para uma vida feliz ou menos infeliz (Ferreira, 2016) – também tem sido estudada na Academia a respeito da sua efetiva operacionalidade, mediante a liberdade opondo-se à vontade (Pereira, 2018).

De estilo muito flexível, os aforismos por vezes são expressos com viés cômico (Fernandes, 1977 e 2020), satírico ou irônico (Castro, 2007), todos de inegável importância para a educação em geral (Dadaboeva et al, 2022) por despertar o interesse pelo pensamento a respeito do amplo entorno que o cerca, entre outras qualidades, sendo encontradiço o uso de aforismos em materiais didáticos como livros, apostilas e exercícios. Imagine-se a operacionalidade de um livro de História poder incluir aforismos selecionados de autores de diferentes épocas, promovendo o debate a partir da diversidade de perspectivas sobre a importância da educação para o desenvolvimento de uma sociedade.

Como são de fácil entendimento, imediata apreensão e memorização, e juridicamente considerados de domínio público, mais recentemente, com as redes sociais, os aforismos tiveram a sua utilização efetivamente universalizada – o sonho de todo educador enquanto ferramenta potente. Por vezes rimados, mas a maioria em versos brancos, e como pode ser observado nos exemplos a seguir, a muitos são atribuídas autorias nem sempre confirmadas, mas nestes casos parece haver um claro intuito: o reforço da mensagem a partir do argumento da autoridade. Quem ousará discordar?

“São necessários dois anos para aprendermos a falar e sessenta para aprendermos a calar” – E. Hemingway

“Os ideais que iluminaram o meu caminho são a bondade, a beleza e a verdade” – A. Einstein

“Só sei que nada sei” – Sócrates

Um alerta, talvez para alguns desnecessário: embora os textos didáticos estabeleçam diferenças, nem sempre são claras as fronteiras entre as parábolas, as fábulas e os aforismos (e em meio aos quais ainda existem os provérbios, salmos, lendas, etc.), vide, por exemplo, Gibran (2012). Não importa, o que importa é que todos podem ser vistos (e efetivamente são considerados) como espécies do gênero “ferramentas educacionais” para o desenvolvimento do pensamento crítico.

Todavia, se há vantagens, há também senões frente aos quais não se pode fechar os olhos, pois ao contrário das parábolas que para a sua interpretação tendem a exigir maior estofo cultural, os aforismos de imediato provocam sentimentos e manifestações: todos têm algo a dizer sobre, mas, salvo exceções, são antes opiniões do que conhecimento enquanto produto de reflexões amadurecidas – pensamento crítico. Os encantadores aforismos, em razão do seu fácil entendimento, apresentam reduzida exigência às funções intelectivas mais acuradas (imaginação, memória, análise, lógica, entre outras), quando muito eles demandam não mais do que instantes de atenção; já as metáforas-narrativas-parábolas, para a plena apreensão da polissemia que as caracteriza, requerem a evocação combinada de múltiplas funções do intelecto superior. Assim, se de um lado é claro que existe um gradiente de dificuldades (para a análise e interpretação) que separa as metáforas mais complexas (a exemplo das parábolas) dos aforismos, o exercício continuado de uma ou de outra é provável que resulte em níveis também diferenciados de desenvolvimento e amadurecimento no sentido à eliminação da ignorância e da maior proximidade à verdade – como visto, os grandes objetivos da Ordem.

Os aforismos autorais são deveras apropriados a uma derradeira observação: até chegarem a elaboração definitiva do que hoje se difunde como sabedoria popular, é muito provável que os seus autores tenham dedicado horas a fio aos estudos, à reflexão, ao debate e à análise crítica – por exemplo, vide acima o comentário sobre a obra de Schopenhauer, mas também é o caso de as Meditações, de Antonino (2019). Embora apresentado em forma de texto corrido, o livro por vezes chega a ser confuso porque quase que em meio a cada parágrafo destaca-se um aforismo, uma lição para o cotidiano; com efeito, Bini, o tradutor e comentarista da obra observa:

Meditações […] o nome original (Reflexões – para si mesmo) indica explicitamente o carácter de privacidade e até intimista desses escritos. O visível tom de autoadmoestação, autocrítica, confissão e, por vezes, desabafo […] um diário atípico que não era para ser publicado […] Marco Aurélio não foi exactamente um filósofo estóico, mas sim um estóico, uma vez que levou à prática e em larga escala os princípios da doutrina estóica, tanto no âmbito pessoal como, na medida do possível, na sua intensa e árdua atividade como governante do Império Romano.22

(Antonino, 2019, p. 9)

Assim, ao invés de um insight fugaz e genial, é de se sublinhar que o conhecimento (inserto como mensagem no aforismo) é antes produto da vontade, da determinação e do esforço continuado no longo prazo dos autores. Daí porque se reitera: o conhecimento efetivo (o produto da vivência) encontra-se introjetado nos “autores” (anônimos ou não), o texto é tão somente uma síntese, a aparência externa, um convite estimulante à reflexão. Portanto, os resultados e os ganhos pela escolha, grosso modo, se de uma (as parábolas) ou a partir da outra (os aforismos) fonte de estudo, por certo, devem23 ser distintos.

A leitura, como é sabido, é o substrato para a formação do conhecimento indispensável à análise e à interpretação simbólica, mas a falta do seu hábito entre os maçons – Breyner (2023) resgata e comenta o já clássico texto de Albert G. Mackey24 – tem levado ao desenvolvimento de algumas estratégias por parte dos autores e mesmo das autoridades responsáveis pelos destinos da Ordem, notadamente ao nível das Lojas. No entanto, a exemplo do “uso habitual do cachimbo que deixa a boca torta”, tais estratégias engendraram um círculo vicioso cujos efeitos já se têm feito perceber em meio a ecologia maçônica. Talvez um dos melhores exemplos, porque a meio caminho dos extremos apresentados (parábolas vs. aforismos) seja o hoje famoso Breviário Maçônico, de Camino (2021) – repositório de pequenas lições maçônicas, sem grandes elaborações, confrontos de ideias, citações, referências e tampouco mensagens subliminares à espera de decifração – “conhecimento prático” para utilização imediata, tipo “pega-embrulha-leva-usa”. E por oportuno se reitera, bem como se ressalta: a crítica não se dirige ao texto propriamente dito, mas à sua reduzida contribuição ao desenvolvimento das capacidades superiores que, aliadas às comodidades, limitações e, por que não reconhecer, opções individuais, delineiam a boca torta. Entretanto, como testemunho da sua ciência em relação à aridez do cenário no qual semeava, ele mesmo esclareceu:

Desenvolver o hábito da leitura diária não é tão fácil como possa parecer; contudo, o Maçom deve decidir com firmeza e enquanto não puder caminhar com as próprias pernas, deve usar de muletas. A comparação, talvez, não seja prosaica, mas é uma realidade; assim, esperamos que as “gotas” que oferecemos, despretensiosamente, possam servir, como se fossem doses homeopáticas de incentivo e alento. Devemos alertar que não é suficiente a leitura apressada […]. (op. cit., Apresentação)

Qual seja, o afamado autor já acalentava a expectativa de que incentivado por doses (gotas) homeopáticas de leitura (conhecimento), o organismo reagisse.

Em síntese, o emprego generalizado e continuado de apotegmas e assemelhados tende a levar os desavisados e mal orientados à crença de que o “conhecimento” desejado se esgota na mensagem mais imediata, quando, com efeito, o que se pretende é que o exercício de decifração dos enigmas (que nas metáforas de maior ordem de complexidade estão mais encobertos) seja antes de tudo um instrumento para o desenvolvimento das habilidades superiores indispensáveis à vida tal como ela se apresenta, um desafio diário. Na mesma linha – para configurar a boca torta – contribuem os “trabalhos” limitados a 2 (duas)25 páginas, bem como as “apresentações relâmpagos” (não mais do que em até 10 minutos) calcadas essencialmente na passagem acelerada de um conjunto de slides. Assim, o que era para ser uma solução provisória (o uso das muletas), não mais do que por um interregno porque a realização possível à luz das circunstâncias excepcionais, com o tempo e aos poucos passa a ser confundida com a própria realidade, quando não na sua forma mais idealizada.

Assim, gradualmente, parece ficar mais clara a necessidade e daí o esforço no sentido à elaboração de uma “pedagogia” (andragogia) maçônica. Sem perder de vista que a Maçonaria é meio antes de fim em si mesma, e que as suas preocupações e os seus objetivos não se esgotam no imediato, qual é então a utilidade do emprego sistemático de uma metodologia – a exemplo do MGA&IS – lastreada em robusta formação e treino na decifração de enigmas velados por alegorias e ilustrado por símbolos? Ora, não poderia ser outra coisa senão os benefícios colhidos por uma mente mais capacitada e desenvolvida quando frente aos problemas do cotidiano. É razoável admitir que mentes treinadas, de regra, respondem aos desafios com visão mais ampliada, maior celeridade, criatividade, responsabilidade, taxas de acerto, são mais flexíveis, mas também temperadas e resilientes, entre outros aspectos. E conforme já citado, não é outro o papel da Maçonaria que não o de, a partir do desenvolvimento do pensamento crítico e aguçado, contribuir para a promoção do homem integral. De outro lado, mesmo para aqueles que as convicções não admitem uma realidade para além do mundo sensível – metafísico – a Maçonaria pode contribuir no sentido à maior aproximação com os transcendentes fundamentais da filosofia: a verdade, o belo e o bem.

Dois passos à frente

Caracterizados os elementos básicos de uma metodologia de estudos continuados (com método, programa, ferramentas, objectivos, etc.), o que se pretende, agora e a partir de 3 (três) breves exemplos, é estabelecer uma ponte entre ganhos potenciais contabilizados a partir dos exercícios e das práticas em Loja (mas também extra Loja) e a sua aplicação à realidade quotidiana.

1 é muito próprio da Maçonaria afirmar, como norma de conduta, que todos devem “levantar (alguns textos referem a erigir, erguer) templos à virtude e cavar masmorras ao vício” – mais um perfeito apotegma. Ocorre que no mundo real e em sociedades culturalmente mais homogêneas, praticamente não há dúvidas no reconhecimento entre o bem (as virtudes) e o mal (os vícios), ainda que uns, por incontáveis motivos (mas entre eles não se encontra o desconhecimento), escolham este (o vício) ao invés de aquela (a virtude), por vezes levados pelas circunstâncias ou contingências. Não é, pois, nesse plano, que no mundo real se verificam as escolhas dos Irmãos de Ordem, e tampouco tem sentido a referência ao enfrentamento de dilemas entre o bem mal. Assim, em princípio, não caberia dedicar maior tempo, esforço e laudas com a matéria. Os verdadeiros dilemas sociais, do cotidiano, estão mais próximos do que se tornou conhecido como Escolha de Sofia: comprar comida, pagar aluguel ou a mensalidade escolar dos filhos? Despender com o medicamento de uso contínuo pelos pais idosos ou com a compra emergencial para atender as necessidades dos filhos menores? Haverá circunstâncias em meio às quais os fins justificam os meios26? A sinceridade acima de tudo, como princípio fundante, ou é admissível transigir com a mentira inconsequente? E quando é preciso escolher entre 2 (dois) preceitos fundamentais, dilema exposto, por exemplo, em Mt 12: 9-13:

Dirigiu-se a outro lugar e entrou na sua sinagoga. Havia aí um homem que tinha uma das mãos paralisada. Perguntaram-lhe, com intenção de acusá-lo, se era lícito curar no sábado. Ele respondeu:

– Suponhamos que um de vós tenha uma ovelha e num sábado ela caia num buraco: não a agarrará e a tirará? Quanto mais que uma ovelha vale um homem! Portanto, é permitido no sábado fazer o bem.
.
Então disse ao homem:
.
– Estende a mão.
.
Ele estendeu-a e ela ficou tão sã como a outra. Os fariseus saíram e deliberaram como acabar com ele.

A passagem, ainda que curta, é rica à exploração especulativa, da discussão e da atenção necessárias contra eventuais armadilhas retóricas (“pegadinhas”) à construção do argumento lógico-convincente que dá sustentação à escolha entre fazer o bem (curar) ou cumprir a lei (preceito religioso). Dessarte, acredita-se que o enfrentamento sistemático de questões análogas, em tese ou a partir de casos concretos – a exemplo dos trazidos à Introdução deste texto -, melhor prepararia os homens (os Irmãos) do que as reiteradas obviedades das exaltações do bem face ao mal;

2 – é também próprio à cultura maçônica a promoção da leitura parcial (por certo, a positiva) de determinados eventos, períodos históricos e personagens por vezes tratados como coletivos, como é o caso dos Cruzados – sempre lembrados como protetores dos viajantes, libertadores da Terra Santa e precursores das atividades bancárias – e também o dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão – a Ordem dos Cavaleiros Templários, estes, por mais motivos ainda, sempre enaltecidos na Ordem. A própria historiografia ocidental já aponta para os exageros cometidos – mas vide também Maalouf (2007) -, afinal, eram guerreiros; certamente que lhes são devidos o reconhecimento, a alguns pelos prováveis atos de heroísmos, mas longe de serem, como por vezes se apresenta, quase canonizados. David e Salomão invariavelmente são exaltados, mas poucos (no seio da Maçonaria) referem (com o intuito de debater) às ignóbeis iniciativas de Davi, relatadas em 2 Sm 11, e que vieram a constituir o que é conhecido como o Pecado de Davi. Já do seu filho, Salomão, são reverenciadas a sabedoria, a riqueza e a construção do Primeiro Templo, omitindo-se quase que por completo (dos debates e das reflexões) a extraordinária carga de impostos e sacrifícios que instituiu para financiar os seus empreendimentos, que não se limitaram ao Templo. Ademais, foram as suas atitudes que levaram, primeiro, à divisão das Doze Tribos em 2 (dois) reinos (Judá-sul, Israel-norte), e depois de sucessivas guerras internas, as derrotas e o exílio, para a Assíria, dos que habitavam o norte, e dos judeus para a Babilônia. É plenamente razoável conjecturar que a História teria sido outra não houvesse Salomão realizado o que pouco é explorado nos trabalhos Instrucionais. Estes exemplos são suficientes para questionar: o que mais contribui para o preparo, para a formação e o desenvolvimento integral do ser humano – em especial o seu senso crítico, foco deste texto e a razão de ser de um projeto andragógico -, analisar e debater a realidade tal como ela se apresenta (“nua e crua”) ou pinçar eventos e personagens depurados para então exaltá-los como modelos cujos passos devem ser seguidos? Reconhecer e celebrar os heróis, mas não os deificar;

3 – finalmente, em razão da herança judaico-cristã prevalecente no mundo ocidental, devida muito mais à segunda do que à primeira, um dos pressupostos fundamentais de todas as iniciativas é o da bondade como índole intrínseca à natureza humana. Por atacado e no longo prazo, sem dúvida que esse foi um elemento civilizatório, muito embora Kelley27 (2011), lastreado em vasta pesquisa questione severamente “o mito do bom selvagem”. Mais recentemente, o trabalho de Bregman (2021), igualmente robusto, reacendeu o debate que situa T. Hobbes28 (para quem o homem é intrinsecamente mau) e J. J. Rousseau29 (para quem os homens são bons), bem como os seus seguidores, em lados diametralmente opostos. Quem, hoje, ao acompanhar os noticiários, não se prende a especular sobre o assunto? Seria leviano, e tampouco é o intento, firmar aqui posição definitiva acerca das polêmicas. O que se pretende é antes trazer à pauta um dos temas contemporâneos e relevantes à espera de debates qualificados, só possíveis entre aqueles que (por suposto) não se encontram separados por religiões e ideologias. O conhecimento e as crenças acerca da natureza humana são essenciais, constituindo-se como efetivas balizas norteadoras dos comportamentos, dos sentimentos e das expectativas nos relacionamentos, estabelecendo, por exemplo, os níveis de confiança (no limite, de desconfiança), de medo, de empatia (ou frieza e distanciamento), de altruísmo (egoísmo), etc. Por esses motivos, s.m.j., amadurecer as reflexões sobre o tema30 é matéria do maior interesse da Ordem.

Vistas algumas condições de fundo, em apreciação crítica, acerca das condições de operacionalidade do que se pode, à falta de expressão específica, denominar de metodologia da didática maçônica, bem como algumas propostas para desenvolver a análise e a interpretação simbólica, a questão que ora se levanta é: quais as características do público-alvo? Bem como, de que modo essas características podem balizar um projeto que em última análise se destina ao ensino e à aprendizagem de um público adulto, alguns já em avançada idade?

Andragogia

Karolczak e Karolczak (2009, p. 83) apresentam um resumo das características que distinguem o público-alvo da andragogia:

  1. Conceito de aprendente: aquele que é autodirigido, o que significa que é responsável pela sua aprendizagem, e estabelece e delimita o seu próprio percurso educacional.
  2. Necessidade do conhecimento: os adultos sabem melhor do que as crianças a necessidade do conhecimento.
  3. Motivação para aprender o modelo andragógico leva em conta as motivações externas, como melhor trabalho, salário, mas valoriza, particularmente, as motivações internas relacionadas com a própria vontade de crescimento, como auto-estima, reconhecimento, autoconfiança e atualização das potencialidades pessoais.
  4. O papel da experiência: o adulto entra no processo educativo com muitas experiências, assim o professor e os recursos instrucionais, como livros e projeções, não garantem o interesse pela aprendizagem.
  5. Prontidão para a aprendizagem: o adulto tem orientação mais pragmática e está pronto para aprender o que decide aprender. Ele se torna disponível para aprender quando pretende melhorar o seu desempenho em relação a determinado aspecto da sua vida. A sua seleção de aprendizagem é natural e realista: por isso muitas vezes ele se nega a aprender o que os outros lhe impõem. Além disso, a sua retenção tende a decrescer, quando percebe que o conhecimento não pode ser aplicado imediatamente.

Ora, à excepção do item 3 no que ressalta características mais próximas ao mercado de trabalho, todos os demais, com maior ou menor propriedade podem ser identificados no Maçom contemporâneo:

o item (1) aliado à exigência de o Maçom ser livre, afasta qualquer tentativa de imposição nas relações de estudo, ensino-aprendizagem. As estratégias devem vir ancoradas no conhecimento das motivações (de ordem pessoal, familiar, profissional) intrínsecas a cada um, bem como na construção de uma agenda de trabalho que responda às necessidades individuais. Por certo que dificilmente serão contemplados interesses específicos, mas as expectativas do coletivo – do Quadro da Loja – também por certo que não se distanciam dos grandes temas da atualidade, como foi, há alguns anos, a celebração do tricentenário da Maçonaria Moderna e, mais recentemente, o destaque conferido à pandemia, à inteligência artificial, às guerras, à exposição pública e política da Ordem no Brasil etc. De outro lado, ao informar que cada um tem o tempo próprio de aprendizagem, é preciso ter o cuidado para não cair no vazio: a não oferta, a falta de iniciativas sob o argumento de que cada um saberá delinear a sua própria trilha, porque não se trata, aqui, de algum fenômeno de geração espontânea, daí que nada deve escapar à intencionalidade racional e planeada da administração da Loja;

– os itens (2) e (4) chamam a atenção para o que de tão óbvio é frequentemente ignorado: mesmo o jovem adulto Iniciado é detentor de conhecimentos e experiências que sob a orientação das Luzes idealmente devem ser compartilhadas com o Quadro; assim, todos crescem. E o que é mais importante: porque repletos de expectativas, algumas ainda difusas como às relativas à própria Ordem, de regra são pessoas com a mente mais aberta, mas também de ideias à primeira vista mais ousadas (A). Já os Iniciados em idade mais avançada, se de um lado trazem à Loja a sua vasta experiência, de regra tendem a ser mais resistentes no enfrentamento de determinados temas, como é o caso do conjunto de questões ora sob o abrigo da expressão “questões de gênero”. Ciosos dos saberes acumulados, os interesses desse último grupo são mais focados, e por vezes mesmo se resumem a encontrar um espaço para, orgulhosamente, compartilharem as suas trajetórias (B). Mas para o perfeito atendimento das expectativas, tanto de A quanto de B, se faz necessário que as Luzes estejam atentas, conheçam a fundo o seu público, a essência das pessoas: o que mais, além de um nome e matrícula as identificam? Quais as suas histórias de vida, êxitos, fracassos, as relações familiares, os seus sonhos, etc.? Mas quem, hoje, na Loja, conhece efetivamente o público-alvo? É possível chegar a um conhecimento tão profundo e mesmo íntimo (afinal, somos uma família) quando há Lojas (capitaneadas pelos interesses de alguns31) que ostensivamente trabalham para a constituição do que, a julgar pelo efetivo e orçamento, mais se parece com um projeto de poder? Como promover o mútuo conhecimento se os relacionamentos extra Loja se limitam aos breves momentos que antecedem as sessões?

finalmente, porque ora não é possível exaurir todos os aspectos, o item (5) alerta para o pragmatismo do Aprendiz adulto, a sua motivação (interesse, dedicação, persistência, etc.) tende a ser diretamente proporcional à utilidade identificada no objeto (conteúdo) de estudo vis-à-vis as expectativas formadas, daí a atenção aos pontos utilizados como exemplos na seção 3 Dois Passos à Frente.

Sobre os aforismos, conforme visto, alinham-se vantagens, mas também desvantagens; contudo, por oportuno e como um subproduto das apreciações anteriores, emerge uma vantagem adicional quando em perspectiva um público andragógico e diversificado: pela simplicidade que encerram, eles podem se revelar como excelentes pontos de partida. Devido à simplicidade, torna-se mais facilitado o atingimento dos objetivos, o que afasta as frustrações, confere sentido prático (utilidade) e alavanca a motivação. Assim, por exemplo, o Salmo 133 (Bíblia, 2006) pode ser lido e decodificado tendo por base os 4 (quatro) níveis de interpretação resumidos no MGA&IS, bem como ter os respectivos entendimentos associados à contribuição agregada no sentido ao polimento das pedras brutas indispensáveis às construções diárias.

E tantos outros aforismos, salmos e lendas carregam lições sobre os valores e as virtudes tão propagadas na Maçonaria que não será difícil às Luzes identificar os mais apropriados aos seus respectivos públicos, quais sejam: aqueles sobre os quais as intelecções realizadas, direta ou indiretamente, poderão contribuir no sentido à qualificação das reflexões que, por analogia, podem vir a ser apropriadas como auxiliares ao entendimento e, quiçá, equacionamento dos problemas do cotidiano.

O uso de aforismos é inegável recurso propedêutico, de mais fácil introdução e aceitação na população brasileira em geral que mal lê e lê mal, e menos ainda tem o costume de refletir, dadas as mazelas do seu sistema educacional, em todos os níveis. A parcela de analfabetos funcionais entre o alunado é fato lamentável há tempos, e já há indícios de que os sistemas informatizados e a digitalização voraz, ao contrário das expectativas, contribuíram para agravar a situação. E a Maçonaria, a começar pelo processo de indicação e seleção, não pode passar ao largo, como se não lhe dissesse respeito, desse quadro geral. Todavia, a adoção massiva na contemporaneidade dos recursos de mentoria, aliada, num primeiro momento, ao uso de aforismos como suporte instrucional, pode vir a ser uma alternativa factível em curto prazo.

Considerações finais

A história é importante, mas não é a alma da Maçonaria, que pode ser encontrada no simbolismo à espera de decodificação. Por sua vez, a interpretação simbólica não pode ser levada a esmo, nem apartada das liturgias, das ritualísticas e das doutrinas que compreendem os Ritos e Regimes e, tampouco, sem a orientação de um quadro de referências que lhe sirva como baliza, caso contrário prevalecerá o caos à semelhança de quando em construção a Torre de Babel. Ademais, é absolutamente necessário, indispensável até (em razão do público envolvido), que se tenha claro que a análise simbólica (e com mais razão ainda, a esotérica) não é fim, não se esgota em si mesmo ainda que, s.m.j., muitos estejam convictos desta condição. Mas se ela em alguma medida também é conhecimento, é antes e sobretudo um exercício cognitivo para robustecer o corpo, a mente e o espírito para o enfrentamento das questões que diariamente a todos assombram, desde as angústias existenciais até as de ordem profissional, mediadas pelas que permeiam os relacionamentos em geral.

Convictos desse posicionamento, os autores deram então continuidade às reflexões preliminares mediante a agregação de novos elementos, cujo conjunto, agora ampliado aponta no sentido à elaboração de um modelo de “pedagogia andragógica” a ser considerado no âmbito de um Programa de Docência Maçônica independentemente do Rito ou Potência.

O salto quali-quantitativo, que se espera seja oportunizado pela Maçonaria, se desdobra então em 2 (dois) momentos: no primeiro, o amplo “sistema de moralidade velado por alegorias e ilustrado por símbolos” pode ser lido e apreendido a partir das categorias do MGA&IS, mas para a adequada e melhor compreensão de cada nível de leitura há exigências a exemplo do lastro cultural e do conhecimento das figuras de linguagem que, combinadas ou não, carregam as mensagens ocultadas. Finalmente, não se pode perder de vista que os exercícios realizados e as lições até então aprendidas e apreendidas só encontram a sua razão de ser enquanto instrumentos analógicos para a leitura, a interpretação e o enfrentamento das questões do cotidiano – este, o segundo momento -, quando a Ordem então revela o seu sentido prático para os Irmãos.

A Maçonaria pode, à critério dos seus dirigentes, promover ou não (por omissão) uma plataforma-auxiliar aos Irmãos, capaz de fazê-los sentir como se apoiados sobre os ombros de gigantes, proporcionar com que enxerguem mais longe, bem como consigam discernir (separar o joio do trigo – Mt 13: 24-30) com clareza e entendimento por entre às ambiguidades e às fake news intencionadas em meio à guerra cultural em curso.

Autores:

Ivan A. Pinheiro, Mestre Maçom. E-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br. Brasil, RS, Porto Alegre, 28.09.23.

Lucas V. Dutra, Companheiro Maçom do Quadro da ARLS Presidente Roosevelt, 75, GLESP, Or. de São João da Boa Vista, Psicólogo, Professor Doutor em Psicologia, Especializado em Maçonologia (UNINTER), e-mail: dutralucas@aol.com.

Os autores não expressam o ponto de vista das Lojas, Obediências, Potências e Instituições das quais participam, tão somente exercem a sua liberdade de pensamento e expressão.

Notas

  1. Do autor, deste em parceria direta ou indireta, isto é, por contar com proposição de ideias e a revisão crítica de outros Irmãos, notadamente o ora coautor. ↩︎
  2. Seja ela a revelada ou a descoberta, pois tanto Huxley (2020) quanto Stark (2021), demonstram que a distância entre ambas é tão somente aparente, pois uma – a busca pela verdade revelada (divina, no âmbito do criacionismo) – levou à outra, à verdade descoberta (científica, no contexto do evolucionismo). Em síntese, os monoteísmos, ao trazerem inusitadas e desafiadoras questões à filosofia, levaram, naturalmente, à emergência das ciências como atualmente qualificadas. Stark e Bainbridge (2008, p. 110), por exemplo, afirmam: “As religiões surgem da reação humana contra a irracionalidade”. ↩︎
  3. Para maior facilidade, ao invés de buscar a verdade na sua maior expressão e abrangência, o melhor é aos poucos dela se aproximar, projeto a projeto, símbolo a símbolo, Grau a Grau. ↩︎
  4. Os autores se alternam no emprego das expressões “estratégias”, “ferramentas”, “abordagens”, “procedimentos”, “enfoques”, entre outras que, embora a rigor não sejam sinônimas, no contexto ora considerado as diferenças se tornam irrelevantes. ↩︎
  5. Em que pese a sua riqueza, diversidade, e atualmente acessibilidade, as artes pictóricas ainda estão à espera de exploração pelos maçons. Os interessados em descobrir o quanto de informações podem ser extraídas a partir de uma pintura (na verdade o autor aproveita a oportunidade e explora outras) podem consultar Brook (2012). Das catedrais já foi dito que são “livros de pedra”, assim, quem os quiser ler e desvendar as mensagens encobertas podem recorrer a Fulcanelli (1964) e Abrahão (2012). Finalmente, para uma visão panorâmica, o clássico de Gombrich (2013): A História da Arte. ↩︎
  6. E uma das estratégias é “por absurdo”, “por impossibilidade”. Tome-se a seguinte frase-exemplo: “toda profissão tem seus espinhos”. Ora, a rigor, no mundo das coisas reais, nenhuma profissão possui espinhos, portanto, trata-se de um absurdo e a citação só pode ser apreendida no contexto de uma mensagem alegórica, no caso, para expressar as dificuldades, os riscos e mesmo as armadilhas que, porque existentes em toda e qualquer profissão, demandam atenção e cuidado. ↩︎
  7. Do latim parabola deriva o nosso vocábulo “palavra”. ↩︎
  8. Não se refere, aqui, bem como em outras circunstâncias neste texto, à Bíblia como documento religioso, mas antes como um dos principais livros da literatura universal, que pela sua riqueza e diversidade é fonte para diversas explorações. E a literatura, como é sabido e ao contrário do texto técnico-profissional, tece, urde e combina os fios da História com os das narrativas ficcionais, quando então e sem parcimônia até se amanceba com as figuras de linguagem e outras. Portanto, a Bíblia (literatura) é a fonte natural dos que desejam não apenas se enriquecer de conhecimentos, mas também dominar os meneios do idioma, que é um dos desafios que se apresentam aos Irmãos de Ordem. Por fim, não raro a literatura se apresenta à vanguarda dos eventos que só a posteriori estarão plenamente revelados e compreendidos. ↩︎
  9. Como é o caso do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), bem como do Rito Escocês Retificado (RER). ↩︎
  10. Bíblia (2006). ↩︎
  11. Da justiça desmedida (desproporcional) que se confunde com a vingança à Lei de Talião, para então desembocar no Direito positivo romano, seguido do Código Napoleônico para finalmente chegar ao Moderno Estado Democrático e de Direito. E que não se perca de vista a justiça (comutativa, distributiva e social) levada a efeito pelas políticas públicas. ↩︎
  12. Dentre as suposições, a da existência de uma inteligência superior e inefável (o Uno, o Absoluto, etc.), a de que ao invés da dualidade corpo vs. mente, prevaleça (em todas as considerações) a concepção do homem holístico (corpo=físico; psico=mente, consciência; alma e espírito), a crença no advento e nas profecias escatológicas, o que implica que o sentido da vida só se realiza em definitivo no plano transcendente, daí também o imperativo da imortalidade da alma – em síntese: fé. ↩︎
  13. De fabulare, conversar, narrar. ↩︎
  14. A Cigarra e a Formiga, A Raposa e a Cegonha, a Tartaruga e a Lebre, entre tantas outras fábulas de inesquecível memória. ↩︎
  15. Ramon Llull (Raimundo Lúlio): 1232 – 1316. ↩︎
  16. Datadas do séc. VI/VII a.C. ↩︎
  17. 1621 – 1695. ↩︎
  18. 50-138 d.C. Nascido escravo, na Frígia, em razão do seu talento foi tornado liberto. ↩︎
  19. Marco Aurélio (121 – 180), de 161 até à sua morte foi imperador romano. ↩︎
  20. 1788 – 1860. ↩︎
  21. Provável herança da eudaimonia utilizada por Aristóteles (384 – 322 a.C.). ↩︎
  22. Destaques no original. ↩︎
  23. Não há como referir, senão em termos conjecturais, porque inexistem, na Maçonaria, pesquisas sobre o tema. ↩︎
  24. 1807 – 1881. ↩︎
  25. Um dos autores, por inúmeras vezes, inclusive nos Altos Graus, já testemunhou trabalhos cujo espaçamento, se reduzido ao “entre linhas simples = 1,0”, não superariam a 1 (uma) página. ↩︎
  26. As celebrações da Revolução Francesa podem ficar à margem, sem lembrar os custos do radicalismo jacobino conhecido como os acontecimentos durante o Período do Terror? ↩︎
  27. Antropólogo na Universidade de Illinois, Chicago. ↩︎
  28. 1588 – 1679. ↩︎
  29. 1712 – 1778. ↩︎
  30. Reitera-se: trata-se apenas de um exemplo colhido em meio a tantos e tantos que aguardam reflexões e debates. ↩︎
  31. Cui bono? ↩︎

Referências

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  • XUSNIDA, B. Pragmatic functions of aphorisms. Journal of New Century Innovations. 33, Issue 1, Iyul (sic) 2023, p. 120-123. http://www.newjournal.org.
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Revista Libertas Nº 28 e Nº 29 – Ano 2023

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Desinformação, pós-verdade e comportamento humano: discussões plausíveis

A desinformação, pós-verdade e comportamento humano despontam-se como temáticas emergentes na Ciência da Informação (CI), mas carecem de estudos e pesquisas que concatenem os mencionados assuntos conjuntamente. A desinformação reserva conteúdos orientados a convencer a opinião pública a determinadas notícias falsas, visando sempre vantagens particulares. Encontra-se, perante a disseminação intensa de conteúdos em fontes de informação, o comportamento de leitores inscritos em novos cenários e desafios informacionais. Considerando essas premissas introdutórias, o objetivo do presente artigo procurou analisar como os processos da desinformação e pós-verdade podem repercutir nas práticas relacionadas ao comportamento de leitores, a partir de determinadas notícias publicadas em meios de comunicação. Para cumprir o objetivo balizador do paper, os autores discorreram acerca de conceitos relativos à desinformação e ao processo de compartilhamento de notícias falsas em meios de comunicação tradicionais e digitais, com destaque às redes sociais. As considerações finais evidenciaram que leitores precisam considerar e compreender os desafios impostos pela disseminação ostensiva de notícias falsas, que repercute negativamente nas práticas intrínsecas ao comportamento humano.

1 – Introdução

Na sociedade contemporânea, os conteúdos enganosos assumem contornos desafiadores ao cumprimento das necessidades informacionais de indivíduos. Temáticas como ‘desinformação’, ‘notícias falsas’ e ‘pós-verdade’ constituem práticas humanas orientadas a ludibriar a sociedade, partindo das distorções, dissimulações e supressões de conteúdos inscritos na realidade informacional. A proposta das referidas práticas visa convencer a opinião pública em proveitos particulares, com intenções de prejudicar pessoas, organizações e/ou instituições.

Na cultura política, a exemplo, a pós-verdade baseia-se em crenças pessoais, com a proposta de conferir à sociedade uma normalidade ilusória, relacionando à disseminação de informações incompletas e/ou alteradas para atender os anseios dos indivíduos, independente dos acontecimentos. Em síntese, os termos ‘desinformação’ e ‘pós-verdade’ não apresentam correlações na construção conceitual, mas sim aportes operacionais engendrados em processos de disseminação de informação parcial ou falaciosa.

O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC), integrado ao advento de computadores conectados na lógica de rede, vem operando ressignificações estruturais nas interações de diversos atores sociais, afetando diretamente o comportamento humano no âmbito da seleção de fontes e canais de informação. O propósito da seleção das citadas fontes e canais de conteúdo é cumprir as necessidades informacionais de indivíduos, com o empenho de superar as lacunas cognitivas. A argumentação estruturada no presente artigo compreende a desinformação, a pós-verdade e o comportamento de leitores desponta pertinência em estudos desenvolvidos no âmbito da Ciência da Informação (CI), apesar de investigações incipientes que perpassem pelas temáticas anunciadas.

A partir das considerações supracitadas, a autoria elaborou o seguinte problema de investigação: como os processos da desinformação e pós-verdade podem repercutir nas práticas relacionadas ao comportamento de leitores, a partir de determinadas notícias veiculadas em meios de comunicação? Para responder a pergunta balizadora do artigo em tela, o objetivo da investigação procurou analisar interferências da desinformação e pós-verdade no comportamento de leitores, a partir da seleção de notícias veiculadas em meios de comunicação.

Considerando a introdução anunciada, os autores apresentaram no referencial teórico os conceitos atinentes à desinformação e processo de compartilhamento de notícias falsas em meios de comunicação tradicionais e digitais, com destaque às redes sociais inscritas na internet. Os autores também procuraram evidenciar, sem exaustividade, a relevância de profissionais da informação na orientação de leitores e no acesso a informações relevantes norteadas à apropriação de conteúdos; circunscrita na sociedade, a seção seguinte discutiu a pós-verdade como insumo à desinformação, recuperando o traçado histórico-conceitual e as correspondências com a realidade empírica na atualidade.

Na quarta seção, aventaram-se substratos do comportamento humano perante as notícias falsas, considerando as tecnologias e as redes sociais como catalisadoras na disseminação de conteúdos; na seção seguinte a autoria procurou corresponder às interferências da desinformação no comportamento de leitores, a partir de notícias veiculadas em sites preocupados em denunciar conteúdos falaciosos.

As considerações finais indicaram que indivíduos, assim como os profissionais da informação, estão diante de inúmeros desafios concernentes à disseminação ostensiva de notícias falsas, repercutindo negativamente nas práticas intrínsecas ao comportamento informacional.Como limitações do estudo anunciado, evidenciou-se que o volume de notícias relacionadas a conteúdos enganosos carecem de análises aprofundadas para constructos argumentativos consistentes. Os constructos deverão estar fundamentados em temáticas como ‘comportamento informacional humano’, ‘necessidades informacionais’ e ‘desinformação’.

E para agenda de pesquisas futuras, os autores consideram a elaboração de um modelo de busca de conteúdos para orientar a leitores, e aos profissionais da informação, no processo de diferenciação de notícias falsas e notícias verídicas; aventaram também a ampliação do escopo da pesquisa a sites que combatem as práticas de desinformação no âmbito brasileiro e internacional.

2 – A retórica da desinformação

Não existem fatos, apenas interpretações. (Friedrich Nietzsche)

A manipulação de informações orientada a emoldurar a opinião pública remonta a história da humanidade. Pesquisas desenvolvidas por Posetti e Matthews (2018) permitiram considerar a modificação intencional de conteúdos, também denominada de desinformação, como ferramentas essenciais para confundir leitores e estratos da sociedade. Segundo os autores, a prática de manipulação de informações remonta os primeiros registros do século IV a.C e adquire novas reconfigurações na contemporaneidade, com o advento da telemática.

A prática da desinformação apresenta desafios a indivíduos, aqui denominados de leitores, no processo de procura, recuperação e apropriação de conteúdos relevantes ao cumprimento das necessidades informacionais. A competência de leitores corresponderia uma dimensão relevante em procurar e selecionar informações direcionadas à superação das necessidades informacionais. Oliveira e Souza (2018, p.4) argumentam que discussões relativas à competência informacional revelam-se essenciais diante aos fenômenos da informação manipulada, “[…] causando desinformação, desconhecimento e insegurança e todos os elementos que a acompanha: injustiça, medo, manipulação, e, em último grau, descrédito para as informações verídicas”.

A partir da perspectiva dos responsáveis pela elaboração de informações falaciosas, assim como os indivíduos que as disseminam, as motivações podem apresentar diversos aspectos: dinheiro, publicidade, política, preconceito, intolerância, medo, raiva, inveja, prazer e/ou vaidade. Os citados motivos atuam como gatilhos comportamentais para o cumprimento de ações estratégicas orientadas a determinados objetivos. (OLIVEIRA; SOUZA, 2018).

No âmbito da compreensão conceitual da informação pautada em inverdades, propalada com o propósito de ludibriar sujeitos, salientam-se as expressões misinformation e disinformation, propostas pelos pesquisadores Wardle e Derakhshan (2019). A expressão misinformation significa a informação falsa, que os indivíduos apresentam dificuldades em reconhecer a autoria dos conteúdos circulados (as fontes de divulgação) devido à ausência (ou parcialidade) de determinadas competências para selecionar informações válidas. Não haveria uma intencionalidade perversa subjacente, ou o propósito consolidado em prejudicar os leitores. A expressão disinformation representa também uma informação falsa, mas com o objetivo direto de acarretar prejuízos.

O compartilhamento de informações falsas, independente dos conceitos das expressões supracitadas, reverbera, substancialmente, com as redes sociais. O Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp, a exemplos, destacam-se como patentes dispositivos à disseminação massiva de conteúdos na internet. A presente situação não implica em prerrogativas concebidas como ‘sem controle’ ou ‘ambiente desregulado’, que encorajam indivíduos a ‘postarem’ informações enganosas na rede; as pessoas estarão, sim, sujeitas a enquadramentos penais, considerando a transgressão em tela, como o artigo 138 do Código Penal Brasileiro (2008), que esclarece as práticas escusas em divulgar calúnia, difamação e injúria constitui um crime previsto em lei.

No Brasil ainda há dois projetos de leis em tramitação no Congresso Nacional, que visam combater à prática da desinformação. O projeto de Lei n.º 6.812/2017 (BRASIL, 2017) apresenta como objetivo a tipificação criminal da divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na internet, pertinente à pessoa física ou jurídica. O segundo projeto refere-se à Lei n.º 9.533/2018 (BRASIL, 2018) circunscreve e prevê a tipificação penal ao produzir e disseminar de informações falsas, com o objetivo de promover hostilidade e violência contra o governo.

Determinadas iniciativas governamentais procuram estabelecer leis que autorizam a punição a indivíduos que divulgam informações não verídicas em meios de comunicação tradicionais e internet. Contudo, as iniciativas substanciais partem de empresas privadas em parceria com incentivos públicos. Universidades e organizações têm desenvolvido instrumentos voltados ao combate da desinformação, com atividades baseadas no conceito de fact-check, ou ‘checagem dos fatos’. O desenvolvimento de práticas e instrumentos usados no combate a informações que persuadem ao equívoco resultam das atividades de profissionais de tecnologia, comunicação, engenheiros e jornalistas; e agora com o aumento crescente de bibliotecários, documentalistas e pesquisadores da CI.

A partir dos dispositivos empregados para viabilizar a disseminação massiva de informações, compreende-se que a partilha de conteúdos suscetíveis à desinformação poderá interferir em estratégias de leitores na recuperação de informações em diversos sistemas, sejam formais e informais. Procuram-se, em muitas oportunidades, conteúdos entremeados em apelos emotivos para satisfazer uma necessidade informacional que, na presente discussão, reconfiguraria as estruturas do comportamento de leitores.

Diante do intenso fluxo informacional, os profissionais da informação – como os bibliotecários e documentalistas   – deverão assumir   ações proativas   para mitigar, ou superar, conteúdos que contribuam com a desinformação da sociedade (usuários da informação), orientando-a com práticas de seleção pertinentes a fontes de informação seguras. Os profissionais da informação também poderão promover o desenvolvimento de competência ou habilidades informacionais em indivíduos, orientando-os à criticidade da seleção de conteúdos, avaliando sempre as fontes de informação confiáveis.

Na contemporaneidade, como a produção e disseminação de conteúdos é permanente, o profissional da informação assume uma atividade primordial em orientar usuários, a sociedade em geral, na seleção de informações factuais. Assim, os referidos profissionais precisam conhecer as necessidades informacionais de usuários para refutar determinados conteúdos oriundos de fontes duvidosas.

[O citado] contexto aponta a urgente necessidade de desenvolver habilidades para o acesso e uso da informação a fim de distinguir verdadeiras e falsas, bem como adquirir uma maior consciência social em relação à responsabilidade cidadã de replicar informações verídicas advindas de fontes consideradas fidedignas. (CORRÊA; CUSTÓDIO, 2018)

Os profissionais da informação também precisam atentar aos desafios que extrapolam o cumprimento de sua atividade intelectual e técnica, como reconhecer notícias que procuram desinformar os leitores. No quesito anunciado,

a pós-verdade poderá culminar em processos de desinformação da sociedade, ao considerar os apelos relacionados às emoções e às convicções pessoais para emoldurar a opinião pública em detrimento aos conteúdos factuais.

Percebe-se o convite à subjetividade de indivíduos que acessam a referidas informações, escapulindo do bibliotecário e documentalista uma orientação profissional possível. As súplicas emocionais e a percepção individual constituem dimensões intrapsíquicas, acessível ao campo de pesquisa da psiquiatria, psicologia e psicanálise; não ao campo da CI.

2.1 – A pós-verdade e o insumo à desinformação

Enunciada pelo Oxford Dictionaries como a palavra de 2016, o verbete ‘pós-verdade’ conforma-se à recorrência apelativa às emoções e às percepções de sujeitos na formulação de opinião pública em detrimento à apropriação de informações factuais. Apesar remontar a década de 1990, o referido termo alcança destaque e aderência com o referendo da União Europeia (UE), então sediada no Reino Unido, e a eleição presidencial nos Estados Unidos da América (EUA). Hodiernamente, a ‘pós-verdade’ constitui um substantivo de contornos políticos (mas não exclusivo) e corresponde a inverdades estruturadas em discursos tendenciosos disseminados em meios de comunicação analógicos e digitais.

Segundo o Oxford Dictionaries, a expansão do significado do prefixo ‘pós’ supera a situação comumente orientada a eventos especificados a posteriori, como os termos pós-guerra, pós-operatório ou pós-graduação, para encontrar conformidade e pertencimento a conceitos associados a fatores sem importância, que extrapolavam a relevância do significado anterior. Para contornar os pressupostos histórico-conceituais do termo analisado, muito provável que a termo ‘pós-verdade’ tenha aparecido no ensaio A government of lies (1992), publicado pelo dramaturgo sérvio-americano, Steve Tesich, na revista The Nation. O ensaio evidenciava que a sociedade norte-americana assumiu o posicionamento de creditar aos boatos a ‘leitura’ da realidade parcial, em contrapartida às prerrogativas das verdades democráticas.

Tesich (1992) argumenta que o desejo humano de resguardar a autoestima, característica marcada da sociedade norte-americana, autorizou o governo a assumir uma ‘postura protetiva’ direcionada ao público massivo, como sucedeu no governo do presidente estadunidense nos anos de 1969 a 1974, com o mandato presidencial de Richard Nixon. Com a proposta de proteger a sociedade da verdade, a população associou a verdade vigente às notícias desalentadoras e às circunstâncias de insegurança, mas essenciais à compreensão dos problemas da nação. Debater e afrontar problemas inscritos em quaisquer sociedades poderia assegurar soluções viáveis à comunidade.

Com a inserção da pós-verdade no contorno político, Tesich (1992) prossegue criticando as práticas dos presidentes dos Estados Unidos, como Ronald Reagan e George W. Bush, em elaborar argumentos orientados aos desejos – e não às necessidades informacionais – da população, como a disseminação de conteúdos criteriosamente selecionados aos mainstream media. A proposta visava a conferir à população ‘uma normalidade narcísica’, com a divulgação de informações parciais, manipuladas e ajustadas aos anseios da sociedade.

Na história recente dos EUA, a campanha do candidato à presidência, Donald Trump, recorreu a estratégias eleitoreiras reforçadas pelos dispositivos sociais de comunicação da internet, como o Facebook e Twitter, para reverberar as propostas de governo às camadas sociais   recônditas   geograficamente. Assim,  D.   Trump formula mensagens que cumpririam os formatos assinalados pelas redes sociais, disseminando conteúdos diretos, mas impactantes e polêmicos, a diversos públicos. Segundo especialistas do campo político, a constância de postagens que enalteciam a cultura e o desejo do eleitorado norte-americano, assim como a perseguição aos imigrantes e o aumento de empregos no âmbito nacional, representou a ascensão de promessas que repercutiram na vontade da legitimação xenofóbica e beligerante da sociedade. Afinal, a proposta constituía em promover a ‘América grande novamente’.

Eleito, Donald Trump conservou a prática de produzir e disseminar informações em redes sociais, sempre direcionadas aos desejos da população. A preocupação não constituía em equacionar a inserção norte-americana em negociações e sistemas internacionais, mas cumprir as promessas de campanha que asseguraram a vitória do candidato. O presidente eleito precisaria suceder aos anseios de parte considerável da população, com discursos e práticas falaciosas, tendenciosas e não humanitárias. O protecionismo e a exaltação nacional atendiam, em contentamento, as aspirações dos indivíduos em temáticas autocentradas nos campos políticos, culturais, econômicos e sociais.

Com potencial de compartilhamento de notícias falsas, denominadas de fake news, as redes sociais constituíram um ambiente propício à disseminação de conteúdos orientados a campanhas políticas, como as presidenciais. A partir da pesquisa relacionada às mídias sociais nas eleições dos EUA, Allcott e Gentzkow (2017) endossam que as notícias falaciosas partilhadas na internet representaram fontes de informação ‘valiosas’, ou seja, confiar em notícias preterindo a crítica intelectiva e a veracidade dos conteúdos. Os autores admitem que as circunstâncias informacionais do mencionado período eleitoral, associadas à divulgação de notícias falsas, asseguraram a vitória de D. Trump em 2016.

As notícias falsas envolvem distorções intencionais da realidade, como o processo de desinformação, e apresentam contornos convincentes para ludibriar pessoas com notícias parciais que dissimulam a verdade.

Os artigos advêm de sites que disseminam conteúdos enganosos e sedutores, e os títulos assemelham-se às organizações de notícias verossímeis para confundir, na presente perspectiva, a sociedade. Contudo, a ausência de posicionamento crítico ou a apropriação intencional dos conteúdos falaciosos configura-se como dimensões legítimas da liberdade de acesso à informação, mas compromete e dificulta, em substância, a seleção de conteúdos verdadeiros direcionados a usuários de informação interessados em notícias constatadas.

Como a pós-verdade presume o descompromisso com a realidade, os conteúdos precisos e relevantes assumem uma condição secundária nos processos de produção e circulação de informações, e as informações aparentes e falaciosas relevam-se como ‘verdades’ indubitáveis. Assim, as informações circuladas em ambientes virtuais encontram repercussões massivas e adquirem status de verdades incontestáveis. A considerar a referida dimensão, as informações registradas nas redes sociais apresentam desafios para desvelar a veracidade dos conteúdos circulados na internet.

Como a pós-verdade pretere as considerações de peritos e cientistas em detrimento à lógica do senso comum, principalmente em plataformas de mídias sociais – constituídas como fontes predominantes de informação –, Vosoughi, Roy e Aral (2018) corroboram que as tecnologias sociais, dispositivos que facultam o compartilhamento instantâneo de conteúdos em ‘cascatas’, propiciam a disseminação de informações superficiais ou enganosas. Apresentando os dados da pesquisa relativa à disseminação diferencial de notícias verdadeiras e notícias falsas verificadas no Twitter, entre os anos 2006 a 2017, os autores evidenciam que os conteúdos enganosos divulgados alçaram uma projeção significativa, célere, profunda e ampla em relação às categorias das notícias verdadeiras. As informações falsas mais pronunciadas, segundo a pesquisa, equivaleram a temáticas como ‘terrorismo’, ‘desastres naturais’, ‘ciência’, ‘lendas urbanas’ ou ‘informações financeiras’.

A investigação também evidenciou que as notícias falsas apresentavam novidades em contraponto das notícias verdadeiras, sugerindo que as pessoas manifestavam propensões psicológicas em compartilhar informações novas, independente dos conteúdos inverídicos. Em consonância aos resultados da referida pesquisa, as respostas às histórias falsas imprimiam medo, ojeriza e surpresa, enquanto as histórias verdadeiras inspiravam antecipação, tristeza, alegria e confiança. Consideraram ainda, nos resultados da investigação, a propagação acelerada e equânime de informações falsas e verdadeiras promovida por robôs, mas com a aderência e propensão de internautas (e não máquinas) em propagar boatos na internet.

Em 2020, o cenário da pós-verdade como insumo à desinformação conferiu ao surto do novo coronavírus. Com o decreto de pandemia anunciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), correspondente ao aumento exponencial de infectados ao redor do mundo, o conceito de pós-verdade parece ascender à consolidação conceitual na modelagem da opinião pública. No Brasil, a exemplo, os meios de comunicação tradicionais (rádio, jornal impresso e televisão), sites e redes sociais direcionaram esforços contínuos para informar a sociedade, em tempo real, os desdobramentos do COVID-19, como procedimentos de proteção, evitar a propagação e tratar tecnicamente da enfermidade. Contudo, os noticiários encontraram também um ambiente propício à disseminação de informações falsas.

No relatório Coronavírus: pandemia, infodemia e política (10 a 31 de março de 2020), coordenado por Isabela Kalil e R. Marie Santini (2020), com o amparo da equipe de pesquisadores sediados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, informa que a sociedade atual presencia uma ‘infodemia’ de conteúdos pertinentes ao novo coronavírus. A ‘infodemia’ constitui, em essência, a quantidade e variedade excessiva de informações relativas à temática, com variantes de credibilidade, conteúdos duvidosos, imprecisos e baseados em evidência. A ‘infodemia’ confunde os indivíduos no processo de seleção de fontes confiáveis que contribuiriam, mormente, com orientações seguras relativas à pandemia. Os responsáveis pelo relatório endossam ainda que informações deturpadas e disseminadas pelas mídias sociais e aplicativos de mensagens, como o whatsApp telegram, repercutem e impactam na opinião pública e no comportamento informacional de leitores.

O excesso de fontes de informação e a miríade de assuntos disseminados pela internet poderão confundir a população na busca e recuperação de conteúdos confiáveis e apurados. Assim, a disseminação de publicações elaboradas por indivíduos que não possuem o ‘conhecimento de causa’ implicará novas configurações do comportamento de usuários da informação, sobretudo pelo desenvolvimento de competências para selecionar os conteúdos relevantes, ou factuais, daqueles desprovidos de fontes seguras de informação, constituindo-se uma desinformação, um desserviço à sociedade.

Desta forma, a seção seguinte dissertará como os referidos processos da desinformação podem repercutir em práticas relacionadas ao comportamento informacional de leitores. A seção também discute determinados aspectos do comportamento informacional baseados na circulação de notícias falsas em meios de comunicação tradicionais e/ou virtuais.

2.2 – Situando a notícia falsa

As notícias falsas manifestam-se como conteúdos contraproducentes a usuários da informação, consequentemente a leitores diversos. Enunciam-se o contraponto às informações contidas em unidades de informação, a exemplo de bibliotecas, arquivos e museus, aos bancos de dados científicos e aos meios de comunicação comprometidos com os fatos. Wardle e Derakhsan (2019) estruturam uma figura para representar, conceitualmente, termos como ‘desinformação’ e ‘informação incorreta’ para contrastar com a informação verificável, de interesse público.

Figura 1 – Desordem da informação – Fonte: Jornalismo, fake news e desinformação. Wardle e Derakhsan (2019).

Os autores endossam que o discurso das notícias falsas corrobora com a informação incorreta e desinformação, constituindo a primeira um conteúdo falso, mas que o sujeito a dissemina como verdadeira; a segunda categoria, no entanto, constitui uma informação falsa, que o sujeito dissemina sabendo da não veracidade dos conteúdos, ou seja, uma mentira intencional e deliberada. Os autores ainda entendem que a má-informação, apesar de baseada na realidade, é usada para acarretar danos a pessoas, organizações ou países, contrariando padrões éticos dos meios de comunicação. A informação incorreta, a desinformação e a má-informação encontram reverberações nas tecnologias, considerando a velocidade de disseminação de conteúdos na internet.

Sem dúvida, as tecnologias da informação e da comunicação têm influenciado o comportamento informacional de usuários/leitores significativamente. As notícias que refutam a veracidade dos acontecimentos, reservadas às prerrogativas da desinformação, tornaram-se práticas comuns no processo de modelar a opinião da sociedade e cooptar o senso comum. A disseminação de notícias falsas aumentou consideravelmente nos últimos tempos e é perpetrada por políticos em campanhas eleitorais, como ocorridas nos EUA e Brasil. As equipes responsáveis empregam estratégias baseadas em conteúdos enganosos, com softwares programados à propagação de mensagens promotoras da imagem do político, denominadas de robôs. Os perfis falsos em redes sociais também contribuem com a disseminação de informações enganosas.

Empreendidas por profissionais e não profissionais, as notícias falsas desconsideram a ética informacional e procuram ludibriar a sociedade disseminando conteúdos que evocam vantagens particulares de determinados grupos.

Com a capacidade de ‘viralização’, ou seja, compartilhamento massivo entre usuários das redes sociais, os conteúdos sempre estão baseados em informações descontextualizadas e parciais, com distribuição deliberada de desinformação e boatos em meios de comunicação tradicionais, como jornais impressos, rádio, televisão, e meios tecnológicos.

Segundo Faustino (2019), com o surgimento de cibercultura, as notícias falsas alçaram o protagonismo no ambiente da internet devido à facilidade do anonimato, ou da ‘invisibilidade’ proporcionada pela web, encorajando as pessoas, ou grupos sociais, a conceber desinformações de maneira sistemática. O presente paper parte do pressuposto que os processos da desinformação podem repercutir nas práticas relacionadas ao comportamento informacional de usuários/leitores, concepções que serão discutidas a partir de notícias veiculadas em meios de comunicação (empiria), com destaque a sites e redes sociais da internet.

3 – A desinformação e as interferências comportamentais

A partir das discussões estabelecidas nas temáticas da desinformação e pós-verdade para justificar as interferências no comportamento informacional de usuários, observa-se, na literatura científica, o patente descompromisso de determinados indivíduos em verificar as fontes de informação para impedir a circulação de conteúdos inverídicos.

Os propagadores  de boatos procuram, na informação inédita e falaciosa, conquistar atenção de inúmeros leitores, com ‘likes’ e ‘curtidas’, mas visando sempre o prejuízo de pessoas, organizações ou instituições.

As notícias falsas podem redundar em consequências sociais dramáticas, a exemplo do linchamento de uma mulher promovido por moradores do bairro Morrinhos IV, na periferia do município de Guarujá, São Paulo. Acusada de praticar rituais de feitiçaria, circulou na comunidade a notícia falsa que a citada vítima sequestrava crianças e as assassinava nas supostas práticas magias macabras. A repercussão da ocorrência denuncia o perigo de boatos que circulam na internet e a problemática em confiar em informações divulgadas, desconsiderando as possibilidades das consequências trágicas que poderão suceder.

As informações inverídicas interferem também questões de saúde pública, com ênfase ao agravo à credibilidade da imunização de vacinas, que orientou ao governo brasileiro a criar, em 2018, um canal exclusivo para conferir a veracidade de informações divulgadas na internet. Ainda no âmbito da saúde pública, a população brasileira assistiu, em 2020, à infodemia relativa à COVID-19, doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, que pode apresentar complicações respiratórias graves. Devido à inexistência de tratamentos medicamentosos, ou vacinas preventivas, milhares de notícias falsas foram disseminadas em redes sociais, principalmente a partir de aplicativos de mensagens instantâneas. As notícias circuladas conferiam a conteúdos falaciosos pertinentes à prevenção e tratamentos.

Para exemplificar, as informações disseminadas orientavam à população que o vírus, antes de alcançar os pulmões, permaneceria na garganta durante quatro dias, apresentando, ao indivíduo acometido pela moléstia, tosse seca e dores no corpo. A recomendação, segundo a notícia falsa, consistia em gargarejar com água morna, sal ou vinagre para eliminar o coronavírus. Na continuação das notícias falsas correspondeu a medicamentos que prometiam restabelecer os pacientes do Covid-19; contudo, Cloroquina, Hidroxicloroquina, Ivermectina, medicamentos aventados para o tratamento do vírus, não apresentavam evidências científicas concernentes ao efetivo.

Também pertinente à consequência das desinformações repercutindo em práticas relacionadas ao comportamento informacional de usuários/leitores, no Irã, circulou uma notícia falsa indicando o álcool etílico poderia combater o vírus. Como a cultura do citado país não autoriza a venda e consumo de bebidas alcoólicas, um estrato significativo da população resolveu consumir álcool, comercializado em farmácias e supermercados. Resultado: 37 mortes e 237 pessoas internadas em hospitais por intoxicação causada pelo metanol, conforme   publicação   do   jornal   local   Asharq   Al-Awsat   (2020). A desinformação, destarte, motivando o comportamento humano a práticas prejudiciais à saúde pública.

Em pesquisa recente pulicada pela PSafe1 (2020), em meio ao COVID-19, revelou que o Whatsapp é a principal plataforma de compartilhamento de desinformação relativa à doença. A pesquisa estimou que 42,5 milhões de brasileiros já receberam, acessaram ou replicaram notícias falsas acerca da pandemia.

Ainda vale ressaltar que o uso de robôs (bots) é também uma estratégia usada para veicular desinformação, com celeridade inquestionável, e que consiste em programas que simulam inúmeras ações humanas padronizadas. As atividades dos robôs permitem converter quaisquer assuntos em tendência, agredir uma figura pública, espalhar boatos e, inclusive, constituir-se em importante arma política.

A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), como parte das ações de combate a desinformação, elaborou um infográfico anunciando com oito etapas essenciais para evidenciar a veracidade das informações, colaborando com a população na recuperação de conteúdos verídicos.

Figura 2 – Como identificar notícias falsas – Fonte: IFLA.

As etapas descritas no infográfico, elaborado pela IFLA, transita nas considerações das fontes de informação, como discutido na presente comunicação, na leitura sistemática de publicações associadas a autores reconhecimentos e sérios, as pesquisas de informações que assegurem o fundamento dos conteúdos selecionados, assim como a data de publicação, a essência da publicação (o conteúdo é ofensivo? Procura desqualificar pessoas, organizações ou instituições?) e as considerações de especialistas. As recomendações assinaladas pela Federação procuram promover a mitigação de notícias falsas disseminadas em canais de comunicação.

Assim, desinformação estimulou na população manifestações comportamentais negativas preocupantes. Considerando a perspectiva conceitual de comportamento informacional elaborada por Wilson (1981; 2000), a necessidade de informação operou apropriações dos conteúdos na prática, sem avaliar adequadamente as fontes de informação. As informações divulgadas em websites preocupados em contestar as notícias falsas permite inferir que conteúdos disseminados em canais de comunicação diversos interferem, sim, no comportamento informacional dos usuários.

A celeridade da circulação de conteúdos e facilidade do acesso à informação proporcionaram novas experiências, amplitude da liberdade de expressão e manifestação de diferentes abordagens de pensamentos. Entretanto, a possibilidade do anonimato constitui uma expressão sedutora a determinados usuários da internet, resguardando a sensação de impunidade do conhecido laissez-faire: a internet compreendida como um ambiente desgovernado e não controlado, que anuncia uma falácia de compreensão, ponderando o enquadramento jurídico legal a infratores da web. Mas compete recuperar o artigo 138 do Código Penal Brasileiro (2008), que, apesar de carecer de ajustes diante dos avanços das tecnologias, esclarece as práticas escusas em divulgar calúnia, difamação e injúria constitui um crime previsto em lei.

Nos ambientes virtuais, as práticas de compartilhamento de conteúdos apresentam uma associação diretamente proporcional aos perfis que comportam um número de seguidores vultosos, tornando-os mais influentes e inseridos na rede mundial de computadores. Importante recuperar a premissa anunciada pela pós-verdade no aspecto da seleção de conteúdos que realizem emocionalmente as necessidades informacionais dos indivíduos, sem compromisso com notícia factual, verdadeira. As escolhas pautam-se, mormente, nas convicções pessoais e estão isentas de senso crítico.

4 – Considerações finais

O desenvolvimento substancial das TIC, no contexto contemporâneo, potencializa a disseminação de informações em meios de comunicação formais e informais da internet. As redes sociais, sites e jornais eletrônicos, a exemplos, configuram-se em ambientes propícios à disseminação célere de informações a diversos estratos da sociedade. A velocidade permite a circulação de conteúdos qualificados, verídicos e factuais à população, mas também constitui um espaço profícuo à ‘viralização’ de notícias falsas. O presente estudo adverte para a urgente necessidade em desenvolver competências ledoras ao acesso e uso da informação, com o propósito de distinguir conteúdos verdadeiros e falsos, e assim alcançar a consciência social engendrada na responsabilidade.

Os profissionais da informação, com destaque a bibliotecários e documentalistas, poderão desempenhar atividades essenciais ao desenvolvimento das citadas competências informacionais de leitores e cumprir sua missão profissional em assegurar o acesso da sociedade a conteúdos qualificados.

O combate à desinformação e às notícias falsas deverá representar uma prática coletiva, com a participação ativa da sociedade (indivíduos, organizações e instituições).

Contudo, os desafios são inúmeros, a considerar o ambiente virtual e a inserção de influenciadores digitais; a pós-verdade também constituirá um desafio devido à súplica emocional em detrimento a informações verdadeiras.

Ainda no âmbito dos contornos conceituais das tecnologias e da capacidade de inserção das redes sociais na circulação de conteúdos em diferentes meios de comunicação, a sociedade continua a enfrentar os desafios em selecionar conteúdos factuais para satisfazer as necessidades informacionais, pessoais ou coletivas. Assim sendo, a desinformação poderá acarretar insumos ao engano e a repercussões negativas no âmbito da apropriação de informações falaciosas.

A sociedade (em geral) e os indivíduos (em específico) parecem desconhecer as estratégias orquestradas e norteadas a objetivos específicos; afora influenciar pessoas, a desinformação procura prejudicar organizações, instituições, líderes e governantes para emoldurar a opinião pública e convencer o senso comum.

A partir das considerações formuladas, o comportamento de leitores enuncia desafios diante dos processos de desinformação e notícias falsas. As notícias veiculadas em sites e redes sociais corroboram com as argumentações defendidas no decurso do paper vigente. A desinformação poderá, sim, repercutir negativamente nas práticas relacionadas ao comportamento informacional de leitores, a constatar os casos do linchamento em São Paulo e as mortes por ingestão de álcool no Irã. Não obstante, os desafios são permanentes, com o crescente e intenso fluxo de notícias que pululam incessantemente.

O compromisso com a verdade, descolada de crenças, opiniões e convicções, deverá constituir a ‘bússola’ de indivíduos preocupados com a sociedade bem informada.

Nas considerações derradeiras, o corrente estudo apresentou limitações pertinentes à recuperação vultosa de notícias veiculadas em sites e redes sociais; notícias que corroborassem com as premissas das repercussões danosas da desinformação no comportamento de leitores. Ressalta-se o volume considerável de notícias que anunciam a correspondência de conteúdos enganosos com as práticas comportamentais, mas que carecem de análises aprofundadas para constructos argumentativos e consistentes. Os referidos constructos deverão estar fundamentados na literatura clássica e no ‘estado da arte’ de temáticas, como ‘psicologia cognitiva’, ‘comportamento informacional humano’, ‘necessidades informacionais’, ‘desinformação’, ‘infodemia’ e ‘hiperinformação’ para sedimentar as discussões empreendias no presente estudo.

Como agenda de pesquisas futuras, os autores propõem a elaboração de um modelo de busca de informações para orientar a leitores no processo de diferenciação de notícias falsas e notícias factuais, com respaldo teórico-conceitual da CI. Os autores também aventam a possibilidade de ampliar o escopo da pesquisa, selecionando sites que procuram combater as práticas de desinformação e notícias falsas. A estratégica conferiria a estruturar as categorias discursivas das matérias disseminadas e associá-la a possíveis intencionalidades de indivíduos, ou organizações, que as publicam.

Autores:

José Carlos Sales dos Santos –Doutor em Ciência da Informação. Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.

Vagner Marcelo Ramos Santos – Mestrando em Ciência da Informação. Universidade  Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.

Fabiana Costa Lavigne – Mestrando em Ciência da Informação. Universidade  Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.

Fonte:

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