O caminho para a construção interna humana, baseado no conto dos Três Porquinhos, pela ótica de um M∴ M∴

A Franco-maçonaria, com seus ensinamentos ricos em simbolismos, ritualística e significados, tem como objetivo a construção moral e o aprimoramento dos valores do homem em todos os aspectos da vida.

O conto dos Três Porquinhos, embora seja usualmente associado à literatura infantil, pode ser interpretado de forma profunda quando aplicado à jornada de crescimento pessoal e espiritual na “escada” de todo Maçom.

Nesse conto, observa-se diferentes abordagens na construção das casas dos protagonistas, fazendo-se uma analogia com a vida real, na forma como cada ser humano dirige a vida. Esforço e dedicação podem ou não estar presentes.

Palha, madeira, tijolos, tempo e dedicação à obra foram usados na construção das casas para interpretar esse conto, além das diferentes “personalidades” dos irmãos.

Para testar a resistência dessas casas, o conto narra o poder do Lobo Mau, que com a “força de seu sopro”, fazia grandes estragos. Assim como acontece na vida, na qual se recebe sopros diários de vícios, vaidades, ganância e ignorância que podem também causar um mal irremediável a nós e a quem nos cerca, tendo um poder devastador em nossas vidas.

A casa de palha que desabou de imediato pela pouca dedicação à construção representa a fragilidade do espírito humano, que não se sustenta diante das adversidades, assim como a falta de fundamentos sólidos na personalidade. Para não acontecer como aconteceu com a casa de palha, que foi ao chão apenas com um sopro, devemos valorizar e cultivar a fortaleza interior, a dedicação as causas e a espiritualidade sólida.

Já a casa de madeira simboliza o caráter do indivíduo, que pode parecer estável à primeira vista, porém não é capaz de resistir a desafios mais sérios. Assim como a madeira fraca ou podre, que pode ser quebrada com um simples empurrão, o caráter frágil também é susceptível a ruir e quebrar quando confrontado com as adversidades da vida.

Por fim, a construção da casa de tijolos representa a redenção do espírito e do caráter que contemplam a verdadeira fortaleza que a Maçonaria busca forjar nos seus membros. A solidez e durabilidade dos tijolos são comparadas à construção de um homem firme em princípios, valores e virtudes, capaz de resistir às intempéries da vida.

A jornada na Maçonaria visa justamente essa construção sólida, baseada na reflexão, aprendizado e aprimoramento constante, moldando o ser humano em um indivíduo íntegro e resiliente diante dos desafios.

Assim, ao olharmos para o conto dos Três Porquinhos sob a ótica maçônica, podemos enxergar a importância da construção de uma personalidade forte e verdadeira, capaz de resistir às adversidades e se tornar um pilar de luz e virtude não apenas para si mesmo, mas para toda a humanidade.

Autor: Celso Cardoso
Mestre Maçom da ARLS União Brumadinense, Nº 312 – Oriente de Brumadinho- Jurisdicionada à GLMMG

Screenshot_20200502-144642_2

O blog O Ponto Dentro do Círculo é um espaço dedicado à reflexão, aprendizado e compartilhamento de conhecimentos, sempre com o firme compromisso com a promoção dos valores maçônicosNele, exploramos os mistérios da simbologia, discutimos a filosofia maçônica e celebramos nossa jornada no desbaste da pedra bruta, disponibilizando para os irmãos textos e artigos acadêmicos produzidos por autores nacionais e internacionais, maçons e não-maçons, que nos auxiliam em uma melhor compreensão da nossa Ordem e de nós mesmos enquanto maçons e cidadãos.

Mas para manter essa luz brilhando, precisamos de sua ajuda. Contribuir financeiramente para o nosso blog é uma maneira prática e significativa de apoiar nossa comunidade maçônica. Juntos, podemos levar a maçonaria a novos horizontes!!!

Para você contribuir é bem simples:

Doações mensais recorrentes: Considere fazer uma doação mensal recorrente. Cada valor, por menor que seja, faz a diferença e ainda participa de nossos sorteios literários. Para ser um colaborador mensal, basta acessar nossa página no Apoia-se através do link 

https://apoia.se/opontodentrodocirculo

Doações esporádicas: Se você deseja colaborar financeiramente com o blog, mas sem ter o compromisso de ser mensalmente, pode também fazer sua doação, de qualquer valor, utilizando a chave PIX abaixo

opontodentrodocirculo@gmail.com

Juntos podemos fortalecer nossa comunidade e iluminar o caminho para as futuras gerações. Contribua hoje e faça parte dessa missão!

Oração para qualquer crente de qualquer crença

A Maçonaria sempre foi, é e sempre será (ou não se seria) um espaço de Tolerância. Desde logo religiosa. Qualquer crente de qualquer crença tem nela lugar, em estrita igualdaďe com os demais crentes de quaisquer outras crenças. 

Algo que quem está de fora tem dificuldade em entender é como se processa então o relacionamento entre crentes das mais diversas crenças em matéria de espiritualidade, atentas as naturais diferenças que inevitavelmente haverá. O conceito de Grande Arquiteto do Universo como designação comum para o deus que cada um venera não chega para esclarecer a dúvida. Mesmo utilizando uma designação comum para o conceito divino de cada um, como conseguem os maçons coletivamente e em conjunto dirigir-se ao que inevitavelmente é diversamente concebido entre eles e por cada um deles?

Mais uma vez, a resposta está no estabelecimento do máximo denominador comum entre eles, utilizando invocações para todos aceitáveis. Mas afirmar isto é fácil. Demonstrá-lo para quem está de fora é mais difícil…

Proponho-me aqui ilustrar como isso é possível, transcrevendo uma oração que nem sequer faz parte de qualquer ritual maçônico e, que eu saiba, não é maçonicamente utilizada, mas que ilustra, a meu ver, na perfeição como é possível invocar, orar, dialogar, com o deus de cada um, independentemente das diferentes crenças individuais.

Aproveito para, de caminho, elevar o nível do blogue e ilustrar também a diferença entre o que arrazoa um mero escrevinhador como eu e o que cria um verdadeiro escritor! Ora aprecie o leitor a superlativa beleza desta oração (no final revelarei quem a escreveu):

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está é o teu templo. Dá-me vida para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai. Sê digno de ti em mim.

Bendito seja o teu nome de Céu e de Terra, e de Corpo e Alma, e de Vida e Morte! Louve-te a minha boca e as minhas mãos te louvem!

Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da Terra tua carne. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia, para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu.

Senhor, livra-me de mim. Unge-me da tua divina (*).

Que o meu pomar dê frutos saborosos a Ti e a minha vinha dê vinho.

Quando me movo, és tu que te moves; quando falo, és tu que me és falando. Quando dou um passo, avanças tu. Se paro, estacas de mim.

(*) Deixado em branco pelo autor. Este humilde escrevinhador propõe que a palavra que o autor deixou por escrever seja Luz.

Leitor, releia e deixe a beleza deste texto impregnar a sua sensibilidade! E verifique como esta oração pode ser dita por um cristão, um judeu, um muçulmano ou um crente de qualquer outra crença!

Este texto foi escrito em 1912, por um gênio de seu nome Fernando Pessoa.

Está publicado no livro Prosa íntima e de autoconhecimento, edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim, 2017.

Autor: Rui Bandeira

Fonte: Blog A Partir Pedra

Screenshot_20200502-144642_2

blog O Ponto Dentro do Círculo é um espaço dedicado à reflexão, aprendizado e compartilhamento de conhecimentos, sempre com o firme compromisso com a promoção dos valores maçônicosNele, exploramos os mistérios da simbologia, discutimos a filosofia maçônica e celebramos nossa jornada no desbaste da pedra bruta, disponibilizando para os irmãos textos e artigos acadêmicos produzidos por autores nacionais e internacionais, maçons e não-maçons, que nos auxiliam em uma melhor compreensão da nossa Ordem e de nós mesmos enquanto maçons e cidadãos.

Mas para manter essa luz brilhando, precisamos de sua ajuda. Contribuir financeiramente para o nosso blog é uma maneira prática e significativa de apoiar nossa comunidade maçônica. Juntos, podemos levar a maçonaria a novos horizontes!!!

Para você contribuir é bem simples:

Doações mensais recorrentes: Considere fazer uma doação mensal recorrente. Cada valor, por menor que seja, faz a diferença e ainda participa de nossos sorteios lierários. Para ser um colaborador mensal, basta acessar nossa página no Apoia-se através do link 

https://apoia.se/opontodentrodocirculo

Doações esporádicas: Se você deseja colaborar financeiramente com o blog, mas sem ter o compromisso de ser mensalmente, pode também fazer sua doação, de qualquer valor, utilizando a chave PIX abaixo

opontodentrodocirculo@gmail.com

Juntos podemos fortalecer nossa comunidade e iluminar o caminho para as futuras gerações. Contribua hoje e faça parte dessa missão!

Noções de realismo fantástico aplicadas à maçonaria

O Homem atual, parcialmente desperto do seu sono mental de milhares de anos, está um pouco mais liberado, mas ainda está preso aos grilhões de preconceitos, lendas, falsos mitos, crendices que foram programados no seu subconsciente. Ele começa lentamente a vislumbrar através de sua memória genética a experiência e a vivência de seus antepassados de milhões de anos. A Terra tem sua idade estimada em cinco bilhões de anos.

O Homem quer saber a qualquer custo de onde veio e qual é o mistério da vida. E por isso ele especula muito. Foi criado aqui neste planeta a partir de um tronco comum com os primatas? é oriundo de outros planetas? Ou habitantes de outros mundos mais avançados fizeram experiências genéticas a partir dos primatas? No momento atual há uma ansiedade uma verdadeira febre de procura das suas prováveis origens.

A razão principal desta tendência é porque a Ciência está tornando o Homem mais liberado de falsas morais, falsos deuses e crenças descabidas e assim ele está se preparando para a grande e fantástica aventura cósmica. É claro que conhecendo o passado ignoto, será mais fácil antecipar o futuro maravilhoso que o espera.

Cada ser humano tem em sua mente uma verdadeira procissão de fantasmas mentais, no meio da qual caminha uma realidade desconhecida para ele.

Carl Jung em seu livro “O Homem e seus símbolos” penetrando ainda mais nas entranhas de mente humana refere que existem aspectos subconscientes na nossa percepção da realidade. Quando nossos sentidos reagem a fenômenos reais, as sensações auditivas e visuais são de certa maneira transpostas da esfera da realidade para o subconsciente e uma vez ai programados, se tor- nam psíquicos cuja natureza extrema é desconhecida, pois a mente não pode conhecer sua própria substância.

O status intelectual e moral atual no qual o Homem está inserido, foi modelado pela Ciência no campo físico e por pensadores e filósofos no campo mental. O mundo atual não é igual ao mundo dos seus antepassados. Outros paradigmas foram introduzidos. Tudo mudou.

Sabe-se que a civilização moderna foi construída sem o conhecimento de sua verdadeira estrutura intima. Embora idealizada pelo Homem ela não está de forma alguma bem ajustada à sua própria medida. O Homem não conhece o seu EU duplo.

O conhecimento interior é aquele que emana do seu próprio íntimo de sua forma intuitiva e natural, não seguindo raciocínios, conceitos teorias, ou qualquer outro processo mental. São os caminhos do autoconhecimento.

Muito embora a maioria dos maçons não saiba, mas este é o verdadeiro ponto crucial da Iniciação, apesar deste fato não ser propriedade da Ordem. Todas as entidades iniciáticas seguem este mesmo percurso.

Este conhecimento interior não deve ser confundido com o conhecimento comum adquirido através de livros didáticos, de aulas escolares, manuais etc.

O mundo desenvolveu-se ao acaso por iniciativa de homens-gênios a maioria por descobertas acidentais, amoldados à forma de ser de seus pensamentos, sem seguir uma metodização ou esquema racional.

Repentinamente houve um tremendo salto na Ciência. O Homem aceitou a desafio. Mas os homens de Ciência não tomam conhecimento para onde estão chegando ou para onde pretendem ir. São conduzidos pelo acaso. Cada cientista é um homem à parte guiado pelas próprias descobertas. As descobertas acontecem sem pevisão do que possam causar.

O Homem ainda está meio aturdido, meio tonto e parvo com tanta realidade, a qual chega às raias do fantástico.

No momento, o Homem quer aprender alguma coisa sobre civilizações extintas e entrar ao mesmo tempo entrar em contato com outros seres inteligentes do Universo. Explora como pode o cosmo, dentro de sua tecnologia impotente em busca de outros mundos, pesquisa o próprio planeta em busca de novas verdades que possibilitem encontrar suas raízes. A atual ansiedade em pesquisar sobre a origem e desaparecimento dos dinossauros, nada mais é que a própria procura de si mesmo.

A Ciência, dentro do paradigma cartesiano e newtoniano é muito rígida. Admite uma experiência como fato comprovado após sua repetição centenas e milhares de vezes de maneira experimental e lógica, seguindo o esquema cientifico que ela considera como correto.

O que não consegue explicar, simplesmente abandona, põe de quarentena, não publica, nega simplesmente como no caso a teoria do caos e dos sistemas não lineares, apenas para citar como exemplos.

E ainda assim muitos segredos em poder da Ciência que poderiam precipitar a evolução da humanidade foram mantidos secretos durantes milênios em favor de grupos, religiosos ou mesmo científicos, com receio de que a revelação pudesse causar catástrofes e o mundo fosse engolido por se inteirar destes conhecimentos. Mas em realidade este é um artifício, uma mentira, pois na verdade os segredos são mantidos seguros por interesses de grupos econômicos, científicos ou religiosos.

Um dos exemplos mais recentes é o mistério que o meio cientifico e teológico e outros exegetas está fazendo com os manuscritos de Qunran – Mar Morto, descobertos em 1947, trazendo-os ainda escondidos. Resolveram agora recentemente liberá-los para alguns estudiosos devidamente credenciados.

Sabe-se que foi introduzida na Bíblia mais de trinta mil alterações. Ora, aqueles manuscritos escritos por essênios[sobre esse assunto, ver nota do blog ao final do texto]1 com seus textos ainda virgens de alterações por cerca de dois mil anos, poderiam alterar o rumo das religiões, e poderia até mudar o rumo da própria civilização cristã.

Todavia, a Ciência que o homem conhece e a usa mal, pautada toda ela no paradigma newtoniano-cartesiano sofreu um impacto, ou seja, um pulo para o futuro, quando o conhecido se deparou com o desconhecido. Foi quando o antigo paradigma não mais explicou e nem pode prever resultados deste choque de interpretações e definições.

Foi quando a Física Quântica apareceu. Os cientistas entraram em contato com outra realidade. A Física quântica apresentou um aspecto da realidade fantástica que até parece ficção cientifica, pois as partículas estudadas podem estar em dois o mais lugares ao mesmo tempo.

A Física Quântica é de probabilidades, pois nunca se saberá com certeza como uma coisa especifica vai acabar. Não se sabe o resultado.

A Física clássica é reducionista, pois parte da probabilidade de que só se conhecendo as partes de um todo, poderá se conhecer este todo.

A nova Física é holística, pois enquadra o universo como um todo unificado, cujos segmentos ou partes se interconectam e se influenciam uma às outras, ou seja, mutuamente.

Segundo Stuart Hamreroff existem dois tipos de leis governando o universo. Um é explicado pela lei do movimento de Newton. Todavia indo para a escala a nível do átomo uma série de leis quânticas assume o controle das ações.

O Homem ficou mais ainda perdido com esta nova realidade.

A atual civilização é recente. Sabe-se mais ou menos que ela data de cinco mil anos atrás.

Mesmo sem ter havido os tais fins de mundo ou por água ou por fogo como pregam os falsos profetas, muitos povos nasceram, cresceram tiveram o seu apogeu e desapareceram. Esta parece ser uma constante, um ciclo pelo qual todos passam todos os povos. Ninguém acreditava que o império romano caísse e desaparecesse.

A civilização atual está no caminho do apogeu cientifico e o Homem se preparando para a grande aventura cósmica, mas ele ainda não evoluiu como ser inteligente a ponto de vencer suas paixões, suas vaidades e sua ganância de poder temporal. É claro que o Homem tem ótimas qualidades, mas ainda mata, ainda existem traições e ainda existem guerras

Como todas as civilizações a atual parece ser uma conspiração contra si própria. Grande número de pequenos tiranos, chefetes verdadeiras pequenas divindades, cujo poder somente é possível por causa de um consentimento passivo e acomodado de não por em dúvida que este poder não deva existir, e isso desviam o olhar do Homem do verdadeiro aspecto da realidade, ou seja, de seu aspecto mais puro. Ressalte-se que muitos destes tipos são Grão-Mestres, veneráveis, chefes de estado, papas, juízes chefes de escritório e políticos principalmente.

Esta conspiração leva o Homem a renunciar voluntariamente que no mundo habitado por ele, exista um outro Homem dentro do si o outro EU.

O Homem para se tornar liberto, terá que sair a força deste labirinto, e escapar do jugo dos conspiradores.

A única forma será um redimensionamento de todos os valores conhecidos. Novas programações mentais deverão introduzidas na mente humana. Se não houver esta reciclagem, o Homem será eternamente vítima desta farsa.

A própria Maçonaria não está ajustada para o Maçom atual, pois ela foi moldada para o Homem emergente das primeiras décadas da era industrial e, não está sendo usado o mesmo modelo idealizado para a aquela época. Modificaram tudo.

A Ordem perdeu-se. Desapareceu o seu verdadeiro encanto mágico que havia no início. O Maçom atual entra no templo sem respeitar os símbolos que “enxerga”, sem, no entanto, senti-los. O poder que a Maçonaria poderia ter foi fragmentado pelas ditas denominações potências cada qual se diz ser a verdadeira, a regular insinuando sempre que as demais são perjuras ou irregulares.

A Maçonaria atual por falhas de sua estruturação escondeu de seus adeptos sua verdadeira finalidade, seus principais princípios e também lado místico que deveria ser mostrado em sua pureza.

Todos querem exibir seus luxuosos aventais e ostentar seus graus. Quanto mais elevado o grau, maior importância o Maçom se dá, sem ter o mínimo o conhecimento básico necessário. Existe a tática da acomodação. Eles vêm buscar graus e pagam por isso e assim comparecem, dando a impressão que são numerosos e fortes. Existem, poucos pensadores. Onde estão os filósofos e sábios da Ordem?

A maioria das Lojas é autofágica do ponto de vista do poder de liderança e político em relação aos seus líderes. Cria-os, e depois os destroem, os engole.

Quanto à maioria dos adeptos, estes são acomodados e guiados por falsos condutores.

Quase ninguém usa seu espaço durante uma sessão, para explodir seu pensamento democrático diante de um fato que precisa ser denunciado. As instruções e os ensinamentos são insuficientes.

Há um verdadeiro pacto de silêncio. Todos se calam e esperam acontecer.

Os poucos maçons que poderiam ser os arautos de um pensamento livre, são execrados, denegridos e esquecidos. Adormecem.

Há qualquer coisa de errado na Ordem. O Maçom terá que parar para pensar; Sua visão está embaçada. Ele precisa ver a realidade tal qual ela é.

Para se chegar a este desiderato, o Maçom terá que empregar uma maneira diferente para utilizar os conhecimentos que tem ao seu dispor, rever princípios universais da Ordem, rever as interpretações simbólicas e históricas, os procedimentos ritualísticos e principalmente procurar entender o conceito mais profundo do que vem a ser a Iniciação, tentando estabelecer novas ordens de valores entre as várias áreas do saber maçônico, vendo os fatos como eles são em realidade e não com os olhos que se limitam apenas às hierarquias tradicionais.

Se o Maçom proceder assim, finalmente perceberá a realidade e ao mesmo tempo, o fantástico.

O realismo fantástico para seus simpatizantes não é uma agressão às leis da natureza, mas sim as suas verdadeiras manifestações. É o aparecimento do palpável impossível.

É o verdadeiro contato com a realidade sem as falsificações impostas pelos antigos e modernos preconceitos, as más e erradas programações milenares, étnicas, familiares e individuais etc.

É a revelação da obra divina através de suas leis da Harmonia, Evolução e Vibração vistas de um modo direto sem o filtro do sono intelectual que ainda domina o Homem, através de costumes ultrapassados, tabus sociais, conformismos, sofismas, superstições; falsos mitos, crendices etc.

Segundo Teilhard de Chardin, “Em escala cósmica nos ensina a Física Moderna só o fantástico tema probabilidade de ser real”.

Haldane diz: “A realidade não é apenas mais fantástica do que acreditamos, é muito mais fantástica do que tudo quando podemos imaginar”.

Afirmam os autores que o verdadeiro realismo moderno faça parte o fantástico nas áreas cósmicas, pesquisas de culturas extintas, sociologia que estudam o Homem em si, especialmente a mente humana composta de seu consciente e subconsciente e o relacionamento do Homem com o Universo.

A Maçonaria é um sistema moral, filosófico e político-social que investe tudo principalmente no Maçom, procurando melhorá-lo espiritualmente, preparando-o para ser um líder e construtor social, antevendo uma sociedade humana de paz, igualdade, justiça social, onde a verdade pura seja transparente e verdadeira e que ele possa saber mais sobre o seu futuro.

Está claro que a Ordem terá que refazer toda a sua forma de ser, e executar seus verdadeiros princípios ora destorcidos, criar novas formas de ação do pensamento, preparando-se assim para o grande empreendimento cósmico que o porvir reserva para Ela.

Autor: Hercule Spoladore

Loja de Pesquisas Maçônicas Brasil – Londrina/PR

Nota do blog

  1. Essa opinião já está superada na academia. Para um melhor entendimento sobre o tema, sugerimos ouvir o episódio “Manuscritos do Mar Morto: os documentos e seus conteúdos”, no podcast História FM, disponível através do link: https://open.spotify.com/episode/4cojn7DRC97gK3Z5pISjUl?si=2844689990574dbd ↩︎
Screenshot_20200502-144642_2

blog O Ponto Dentro do Círculo é um espaço dedicado à reflexão, aprendizado e compartilhamento de conhecimentos, sempre com o firme compromisso com a promoção dos valores maçônicos. Nele, exploramos os mistérios da simbologia, discutimos a filosofia maçônica e celebramos nossa jornada no desbaste da pedra bruta, disponibilizando para os irmãos textos e artigos acadêmicos produzidos por autores nacionais e internacionais, maçons e não-maçons, que nos auxiliam em uma melhor compreensão da nossa Ordem e de nós mesmos enquanto maçons e cidadãos.

Mas para manter essa luz brilhando, precisamos de sua ajuda. Contribuir financeiramente para o nosso blog é uma maneira prática e significativa de apoiar nossa comunidade maçônica. Juntos, podemos levar a maçonaria a novos horizontes!!!

Para você contribuir é bem simples:

Doações mensais recorrentes: Considere fazer uma doação mensal recorrente. Cada valor, por menor que seja, faz a diferença e ainda participa de nossos sorteios lierários. Para ser um colaborador mensal, basta acessar nossa página no Apoia-se através do link 

https://apoia.se/opontodentrodocirculo 

Doações esporádicas: Se você deseja colaborar financeiramente com o blog, mas sem ter o compromisso de ser mensalmente, pode também fazer sua doação, de qualquer valor, utilizando a chave PIX abaixo

opontodentrodocirculo@gmail.com

Juntos podemos fortalecer nossa comunidade e iluminar o caminho para as futuras gerações. Contribua hoje e faça parte dessa missão!

Referências

ARNTZ, William, CHASSE, Betsy, VICENTE, Mark. Quem somos nós. Rio de Janeiro: Ed. Presitígio Editorial, 2007.

CARREL, Aléxis. O Homem, esse desconhecido. Porto: Editora Educação Nacional (?)

CHARDIN, Teilhard. O Fenômeno Humano. São Paulo: Editora Herder, 1970.

PAUWELS Louis, BERGIER, Jacques. O Despertar dos Mágicos. São Paulo: Ed. Difusão Europeia do Livro, 1968.

Revista Libertas – Nº 31

Caríssimos leitores,

Já está disponível no blog O Ponto Dentro do Círculo a edição nº31 da revista Libertas, uma publicação da Academia Mineira Maçônica de Letras.

Clique no link abaixo e boa leitura!

https://opontodentrocirculo.com/revista-libertas/

Fraternalmente,

Luiz Marcelo Viegas

Screenshot_20200502-144642_2

Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

O reconhecimento, a consciência e a imortalidade

Antes de mais nada, assumo e aceito, não ser reconhecido, não ter consciência e nem se quer entender a espiritualidade!

Mas por quê?

Essas fases distintas levam a uma simplicidade esotérica, de forma que para um pouco de esforço mental, rapidamente nos deparamos com a realidade, não enxergamos ainda além do véu!

Será preciso então ser transmutado desse plano, para que tal entendimento seja revelado? Talvez sim… não se entristeça, apenas reflita!

Primeira fase ser reconhecido como tal… coisa séria, não pode ser uma frase sem conteúdo, precisa ser internalizada, vir do eu mais puro e sincero, simples assim… ser reconhecido por todos já seria uma extrema audácia, então pelo menos pelos mais próximos, ou pelos amigos. Uma frase dessa envergadura não deve ser dita como num ditado, mas sim de forma espiritual, pois traduz o ser pleno e em gozo de suas virtudes, pense nisso!

A segunda parte, consciência, de quê? De quem? Quando?

Tal consciência me deixa muito livre de tais questionamentos, será que temos mesmo? Não é uma tarefa fácil, ter consciência é algo divino, puro, imaculado, sem reservas, religioso, responsável! Não uma fase, um degrau… Pense nisso!

Por fim, a espiritualidade! Como se fosse algo comprado na quitanda… não é bem assim! Sabemos disso.

Uma fase de encontro de si mesmo e da certeza que realmente, nada sabe! Uma arte real, sem sofismas, reserva mental, ou o que seja análogo, algo realmente, transcendental!

Concorda? Talvez não… muito mais simples se dizer: ” não sou mais servo “, sou, o que sou, e tenho dito! Não passa de uma exacerbação do próprio eu, mas se dito em espírito nobre, a perfeição! Quando? Na morte, com certeza. Pense nisso!

E onde está o fio que liga isso tudo? Cuidado com o Minotauro… Na nossa mente, na nossa vida, no nosso cotidiano!

A cada dia, é preciso ser reconhecido, ter consciência e ser altamente espiritualizado, pelo menos tentar, vamos conseguir? Claro que não… mas não desista, aí está a graça disso tudo, a busca infinita…

Como dizia o poeta: ” tente outra vez “

TFA

Autor: Renato Krile

Screenshot_20200502-144642_2

Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

IGREJA CATÓLICA E MAÇONARIA: novas abordagens sobre uma antiga questão

1.    Introdução

É necessária uma boa dose de perspicácia para perceber quando um evento noticiado tem o condão de propiciar uma reflexão sobre o presente vivido a partir de continuidades históricas. Assim foi com a notícia do Vatican News de 15 de novembro de 2023 com o singelo, apesar de bem direto, título “A maçonaria continua proibida para os católicos” (VATICANO NEWS, 2023).

Trata-se de matéria que analisa a resposta do Dicastério para a Doutrina da Fé de 13/11/2023, aprovada pelo Papa Francisco, referente a uma consulta do bispo de Dumaguete, nas Filipinas, sobre como lidar adequadamente, do ponto de vista doutrinário, com o fato de que tem havido o aumento de fiéis filiados à maçonaria.

O Dicastério confirmou que “a filiação ativa de um fiel à maçonaria é proibida, devido à irreconciliabilidade entre a doutrina católica e a maçonaria (cf. a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé de 1983, e as mesmas Diretrizes publicadas pela Conferência episcopal em 2003)” (VATICANO NEWS, 2023) . A nota esclarece que os maçons e aqueles que seguem os princípios maçons estão abrangidos pelas normas da Declaração acima referida.

Com efeito, a Declaração (CBCP, 2023) conjunta do CBCP sobre sanções para os católicos que aderem à maçonaria, datada de 6 de julho de 2002, emitida pelo Bispo Orlando B. Quevedo, dispõe que:

Qualquer católico que seja publicamente conhecido por ser membro de qualquer Associação Maçónica e participe activamente no seu programa e actividades, ou promova os seus pontos de vista, ou exerça qualquer cargo nela existente, e se recuse a renunciar a essa filiação apesar de pelo menos uma advertência (Cf. Cânon 1347) deve ser punido com um interdito (Cf. Cânon 1374), Isto é:

  1. não deve ser admitido à Santa Comunhão e a outros sacramentos (Cf. Cânon 1332);
  2. é proibido atuar como padrinho no Batismo e na Confirmação;
  3. não ser admitido como membro de estruturas paroquiais ou diocesanas;
  4. devem ser negados ritos fúnebres, a me- nos que tenham sido demonstrados alguns sinais de arrependimento antes da morte (cf. cânon 1184, §1, n. 3);
  5. quando os ritos fúnebres da Igreja forem permitidos pelo bispo, não serão permitidos cultos maçônicos na Igreja ou cemitério imediatamente antes ou depois dos ritos da Igreja, a fim de evitar escândalos públicos (Cf. Cânon 1184, §1, n. 3, e Cânon 1374).

Assim, qualquer católico que seja membro convicto da Maçonaria será considerado excomungado e sofrerá todas as punições pertinentes, dentre elas o seu afastamento da vida religiosa e sacramental, isto é, será proscrito no sentido amplo do termo: exilado, banido, degredado da vida da igreja.

A questão que merece nota e justifica essa pesquisa se refere a necessidade de se entender a posição da Igreja a respeito da participação de fiéis e religiosos católicos na Maçonaria. Foi consultada documentação do Vaticano em busca de se perceber como se fundamentou a decisão eclesiástica do Dicastério que confirmou que a filiação ativa de um fiel à maçonaria é proibida, devido à irreconciliabilidade entre a doutrina católica e a maçonaria, sujeitando o fiel à penalidades canônicas.

Como toda pesquisa sobre um tema tão complexo, não se pretendeu esgotar o assunto em debate, ficando desde já esclarecido que a investigação merece mais aprofundamento. Ao cabo, é salutar afirmar que, para a Maçonaria – em seus diversos níveis e abordagens doutrinárias – se faz mister enfrentar a questão posta pela Igreja Católica, pois unicamente dela se originou a chamada incompatibilidade doutrinária com a Maçonaria. A Maçonaria, instituição imbuída de princípios elementares, dentre os quais a crença na democracia que propugna pela existência de diferentes formas de pensar, projeta-se na reflexão do tema, consciente de que historicamente participou e vem participando da construção do destino no país.

2. As bulas papais do século XIX e a Maçonaria

Contudo, a fim de que se possa entender o percalço do presente se faz necessário relembrar do passado. Para tanto, não é despiciendo conhecer as bulas papais que trataram da relação entre a Igreja Católica e a Maçonaria ao longo dos anos, em passagens de séculos, demonstrando a importância da celeuma.

Será, pois, necessária uma avaliação que extrapole o limiar lógico das normas recentes e alcance a História (enquanto ciência que estuda as relações no passado) do conflito entre maçons e católicos. Para tanto, devemos recuar no tempo e buscar como a Igreja Católica se posicionou frente à Maçonaria já no século XVIII, em documentação acessível através de pesquisa em websites oficiais da Igreja, através do Vaticano.

Em 1738, o Papa Clemente XII, regulando a relação com os maçons, expediu a Carta Encíclica denominada In Eminenti Apostolatus Specula, que tratou das sociedades secretas. Tal edito demonstrou a preocupação da Igreja Católica quanto às organizações secretas e em especial a Maçonaria. A alegação da Carta baseou-se na ideia de que a organização maçônica ameaçava a integridade da religião católica e poderia gerar perturbação nos fiéis católicos. Segundo o Papa, as organizações maçônicas não estavam de acordo com as leis civis e canônicas e agiam como raposas assaltando as casas católicas, roubando os fiéis. Para a Igreja da época, era dever do Papa proteger a fé católica e a Igreja desses ataques.

Em 1751, quase duas décadas após a Carta de Clemente XII, o papa Bento XIV expediu a bula papal denominada de Provida Romanorum Pontificum que confirmou o entendimento anterior sobre a relação da Igreja com a Maçonaria. Os maçons eram considerados como um perigo e o crescimento e expansão da maçonaria no mundo eram vistos com um problema grave. O Papa ratificou as sanções e proibições anteriormente decretadas sobre a participação de católicos na Maçonaria.

Na bula de Bento XIV estão enumerados os motivos que justificaram sua decisão:

  • filiação de pessoas dos diversos credos, gerando um perigo à pureza da religião católica;
  • a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembleias secretas;
  • o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo;
  • que tais sociedades são reconhecidamente contrárias às sanções civis e canônicas;
  • que em muitos países as ditas sociedades e agregações foram proscritas e eliminadas por leis de príncipes seculares;
  • que tais sociedades e agregações são reprovadas por homens prudentes e honestos e, no pensar deles, quem quer que se inscreva nelas merece o ferrete da depravação e perversidade.

Da leitura dos motivos é possível inferir que a Igreja, já naquela época, percebia a Maçonaria com um perigo à sua existência, especificamente baseada na crença de que a pluralidade de credos seria um atentado à pureza da religião católica e de sua missão.

Na Encíclica Ecclesianm a Jesu, de 1821, o Papa Pio VII, evidenciou que as sociedades secretas, especialmente a Maçonaria e a Carbonária (esta ligada a Ordem Maçônica pelo entendimento da Igreja), eram organizações que propagavam a liberdade religiosa e desprezavam os ritos e sacramentos da Igreja Católica. Assim posto, tais sociedades representavam uma séria ameaça à fé cristã, até pelo fato (segundo o Vaticano) de que eram responsáveis por tramar e influenciar rebeliões e conspirações por toda a parte. A Encíclica indica que essas sociedades ameaçavam a paz e a harmonia nos principados e reinos que adotaram o cristianismo católico.

A bula papal Quo Graviora, de 1825, do Papa Leão XII, abordou novamente a questão das sociedade secretas e da Maçonaria, enfatizando que – apesar de todos os esforços dos Papas que lhe antecederam, com medidas punitivas – a instituição maçônica continuava a crescer e atuar em diversos reinos da Europa, procurando causar revoltas e rebeliões. Segundo a bula, tais movimentos buscavam derrubar príncipes e causar danos a Igreja e a todos os homens de bem. Desse modo, a Maçonaria estaria envolvida em desordens e representava uma séria ameaça ao mundo ocidental.

Em 1829, o Papa Pio VIII editou a Encíclica Traditi Humilitati, que conclamava toda a comunidade católica a envidar esforços contra as sociedades secretas de homens facciosos, inimigos de Deus e dos Príncipes, que estariam dedicados a provocar a ruína do Igreja, minar os Estados, subverter a ordem universal e, quebrando as restrições da verdadeira fé, abriam caminho para todos os tipos de maldade. Segundo a Igreja, esses homens facciosos tentavam esconder nas trevas dos ritos arcanos a iniquidade dos seus conselhos e das decisões que neles eram tomadas. A ação das sociedades secretas representava uma suprema ofensa contra a sociedade religiosa – leia-se: Igreja Católica – e civil.

Pio VIII destacou que não era o primeiro papa a agir contra essas organizações inimigas da Igreja e citava os Sumos Pontífices Clemente XII (com a constituição In eminenti Apostolatus Specula), Bento XIV (com a constituição Provida Romanorum Pontificum), Pio VII (com a constituição Ecclesiam a Jesu Christo) e Leão XII (com a constituição Quo Graviora). De fato, esses pontífices já haviam atuado e excomungado essas sociedades secretas através de cartas apostólicas públicas que não deixavam dúvida de que cabia ao papa o poder apostólico de zelar pelos preceitos católicos e cuidar da observância escrupulosa dos mesmos.

Em 1884, A Encíclica Humanum Genus sobre a Maçonaria foi emitida pelo Papa Leão XII. Tal documento evidenciava, novamente, que o Vaticano continuava preocupado com o crescimento e expansão do movimento maçônico no mundo ocidental. Esse documento papal reforçava a denominação da Maçonaria como um inimigo da Igreja e da fé católica. Há nesta Encíclica a expansão doutrinária da missão de combate à Maçonaria, que além de ser um dever do Papa passava a ser também obrigação de todos os cristão, notadamente pelo fato de que a Maçonaria passou a ser denominada de seita maçônica.

Essa breve síntese histórica das bulas papais emitidas no século XIX dão conta de que, para a Igreja Católica, a Maçonaria era vista como uma sociedade inimiga dos preceitos eclesiásticos católicos, sob diversas alegações, desde a afirmação de que os maçons eram promovedores da desordem religiosa e civil até ao ponto em que a Maçonaria deveria ser condenava por aceitar em suas fileiras diversos credos religiosos, fato este que atentava contra a pureza católica.

3. O Código Canônico Católico e a Maçonaria

Contudo, para o historiador, é natural questionar se onde se apresentam continuações ou permanências das instituições também não se apresentam rupturas ou descontinuidades, muitas vezes escamoteadas através de abordagens temáticas minimamente diferenciadas.

Assim, chamou a atenção do pesquisador o texto incluído na Declaração conjunta do CBCP sobre sanções para os católicos que aderem à maçonaria emitida pela Conferência Episcopal Católica das Filipinas em 6 de junho de 2023.

Figurando como uma lágrima de crocodilo, o documento arremata que:

Como os maçons católicos são membros da Igreja, eles merecem as orações e a caridade que os cristãos devem uns aos outros. Embora as diretrizes da Igreja não devam ser diluídas, a situação pessoal e individual de um maçom católico deve ser considerada, para que gradualmente ele possa seguir livremente essas diretrizes. Recomenda-se que um maçom consulte seu pároco ou bispo para receber orientação pessoal e espiritual sobre este assunto. (CBCP, 2023)

A declaração afirma que os maçons católicos merecem as orações e caridade que os cristão devem uns aos outros, mesmo que em dado momento sua situação esteja em desacordo com os regramentos da Igreja. Para tanto, deverá ser levada em conta a situação pessoal e individual do maçom católico para que o mesmo possa aos poucos seguir livremente os regramentos eclesiásticos.

A Declaração CBCP de 2023 indica a existência de uma dualidade de aspectos: de um lado, há a assunção oficial de que um problema existe (há fiéis maçons que são católicos e que merecem atenção) e deve ser enfrentado. De outro lado, não há indicação exata de qual é a intransponível “incompatibilidade entre o cristianismo e os princípios da maçonaria que toca em questões importantes da vida cristã” (CBCP, 2023).

Para entender melhor tal incompatibilidade doutrinária será, ainda, necessário buscar no passado (algumas vezes não tão remoto) as indagações pertinentes.

A Dichiarazione Sulla Massoneria (Declaração Sobre A Maçonaria) (VATICANO, 1983), promulgada pela Congregazione Per La Dottrina Della Fede (Congregação Para A Doutrina Da Fé) estabeleceu que:

DECLARAÇÃO SOBRE A MAÇONARIA

Pergunta-se se o julgamento da Maçonaria pela Igreja mudou porque não é expressamente mencionado no novo Código de Direito Canônico como no Código anterior.

Esta Congregação é capaz de responder que esta circunstância se deve a um critério editorial também seguido para outras associações que também não são mencionadas por estarem incluídas em categorias mais amplas.

Portanto, o julgamento negativo da Igreja em relação às associações maçônicas permanece inalterado, uma vez que seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e, portanto, a pertença a eles permanece proibida. Os fiéis que pertencem a associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem receber a Santa Comunhão.

Não cabe às autoridades eclesiásticas locais pronunciarem-se sobre a natureza das associações maçônicas com um juízo que implique derrogação ao acima estabelecido, e isso está de acordo com a Declaração desta Sagrada Congregação de 17 de Fevereiro de 1981 (Cf. AAS 73, 1981, pp. 240-241).

O Sumo Pontífice João Paulo II, no decurso da audiência concedida ao abaixo assinado Cardeal Prefeito, aprovou a presente Declaração, decidida na reunião ordinária desta Sagrada Congregação, e ordenou a sua publicação.

Roma, da Sé da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 26 de novembro de 1983.

Joseph Card. RATZINGER – Prefeito Irmão Jérôme Hamer, O.P. – Arcebispo titulação de Lorium – Secretário

A Declaração estipula que os fiéis – caso estejam filiados à Maçonaria – estão em pecado grave perante a Igreja Católica Romana, pois “o julgamento negativo da Igreja em relação às associações maçônicas permanece inalterado, uma vez que seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e, portanto, a pertença a eles permanece proibida”.

Constata-se que é decisão da Igreja Católica entender que os princípios maçônicos são inconciliáveis com a doutrina da Igreja. Contudo, não está claro na Declaração quais princípios são esses.

Necessário, pois, buscar um pouco mais no passado as normas e textos que possam iluminar a questão, a fim de esclarecer ao público e ao jovem maçom em que campo doutrinário se situa a querela. Pesquisou-se, assim, a fonte documental indicada pela própria missiva: Declaração desta Sagrada Congregação de 17 de Fevereiro de 1981 (Cf. AAS 73, 1981, pp. 240-241).

De acordo com o L’Osservatore Romano (Edição semanal em Português, Número 10, de 8 de Março de 1981. pág. 2) a declaração de 17 de fevereiro de 1981 assim estabelece:

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRI- NA DA FÉ

DECLARAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE

CATÓLICOS À ASSOCIAÇÕES MAÇÔNICAS

(Declaratio de canonica disciplina quae sub poena excommunications vetat ne catholici nomen dent sectae massonicae aliisque eiusdem generis associationibus)

Em data de 19 de Julho de 1974, esta Congregação escrevia a algumas Conferências Episcopais uma carta reservada sobre a interpretação do cân. 2335 do Código de Direito Canónico, que veta aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçónicas e outras semelhantes.

Dado que a citada carta, tornada de domínio público, deu margem a interpretações errôneas e tendenciosas, esta Congregação, sem querer prejudicar as eventuais disposições do novo Código, confirma e precisa quanto segue:

1 – não foi modificada de algum modo a actual disciplina canônica que permanece em todo o seu vigor;

2 – não foi, portanto, ab-rogada a excomunhão nem as outras penas previstas;

3 – quanto na citada carta se refere à interpretação a ser dada ao cânone em questão, deve ser entendido, como intencionava a Congregação, só como um apelo aos princípios gerais da interpretação das leis penais para a solução dos casos de cada pessoa, que podem ser submetidos ao juízo dos Ordinários. Não era, pelo contrário, intenção da Congregação confiar às Conferências Episcopais o pronunciar-se publicamente com um juízo de carácter geral sobre a natureza das associações maçónicas que implique a derrogação das mencionadas normas.

    Roma, da sede da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 17 de Fevereiro de 1981. (VATICANO, 1981)

    Neste documento, a Sagrada Congregação Para A Doutrina Da Fé afirmou que enviou uma carta reservada a algumas Conferências Episcopais sobre a interpretação do Cânone número 2335 do Código de Direito Canônico, que veta aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçônicas e outras semelhantes. Contudo, o teor da carta tornou-se público, o que exigiu esclarecimentos quanto a interpretações errôneas. A Declaração supra reafirma que as Conferências Episcopais não poderão se pronunciar publicamente com um juízo de caráter geral sobre a natureza das associações maçônicas que implique a derrogação das mencionadas normas penais canônicas sobre o tema.

    Tal restrição imposta às Conferências Episcopais explica por que, depois de tão longo período, o bispo de Dumaguete (Filipinas) se viu na condição de solicitar orientação de como lidar adequadamente, do ponto de vista doutrinário, com o fato de que tem havido o aumento de fiéis filiados à maçonaria.

    Afinal, o que preceitua o Cânone número 2335 do Código de Direito Canônico?

    O Código de Direito Canônico foi promulgado pelo Papa João Paulo II em Roma, no Palácio Vaticano, no dia 25 de Janeiro de 1983, quinto ano do seu Pontificado. Sua Versão Portuguesa é a 4ª edição, revista pela Conferência Episcopal Portuguesa, em Lisboa, por António Leite, Serafim Ferreira e Silva, Samuel Rodrigues e Melícias Lopes. Esta edição pode ser encontrada no website do Vaticano.

    Logo na introdução do Código, o Papa João Paulo II informa que:

    As Leis Da Disciplina Sagrada teve a Igreja Católica, no decurso dos séculos, o costume de as reformar e renovar para que, conservando sempre a fidelidade ao seu divino Fundador, correspondessem adequadamente à missão salvífica que lhe foi confiada. Movidos por este mesmo propósito e satisfazendo finalmente a expectativa de todo o orbe católico, determinamos neste dia, 25 de Janeiro de 1983, a publicação do Código de Direito Canónico já revisto. Ao fazê-lo, o Nosso pensamento volta-se para o mesmo dia do ano 1959, quando o Nosso Predecessor João XXIII, de feliz memória, anunciou pela primeira vez ter decidido a reforma do Corpus vigente das leis canónicas, que tinha sido promulgado na solenidade de Pentecostes do ano 1917. (VATICANO, 1983)

    Ao tratar da extensão das decisões presentes na revisão de 1983, a nova norma se apresenta alterando a vigência de outros regramentos. Assim é que o Cân. 6 do Código Canônico determina que:

    Cân. 6 —

    § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

    1. ° o Código de Direito Canónico promulga- do no ano de 1917;
    2. ° as outras leis, quer universais quer particulares, contrárias às prescrições deste Código, a não ser que acerca das particulares se determine outra coisa;
    3. ° quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código;
    4. ° as outras leis disciplinares universais respeitantes a matéria integralmente ordenada neste Código.

    § 2. Os cânones deste Código, na medida em que reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em consideração também a tradição canónica. (VATICANO, 1983)

    Ao entender-se o termo ab-rogado (cuja etimologia pode ser encontrada no latim como abrogare) no sentido de anular ou abolir uma lei ou um decreto (o mesmo que revogar a validade de algo obrigatório ou instituído como um benefício ou privilégio) é consequente entender que as normas ab-rogadas tornaram-se obsoletas, obrigando a todos os obediente da normas a não mais usá-las, pois seus ditames foram suprimidos.

    Quanto à vigência e eficácia do novo Código não há dúvida, mormente frente à leitura do Cân. 7 que determinou que: “A lei é instituída quando se promulga”.

    Assim é que o Código de Direito Canónico promulgado no ano de 1917 foi juridicamente suprimido.

    Eis que, como consequência direta da revisão, o Cân. 2335 (que conforme a carta de 19 de Julho de 1974 da Congregação para a Doutrina da Fé vetava aos católicos, sob pena de excomunhão, inscreverem-se nas associações maçônicas e outras semelhantes) foi abolido.

    Convém destacar que, pesquisando-se o texto do novo Código Canônico de modo literal, não se encontram em todo o arcabouço normativo sequer uma vez os termos “maçom” ou “maçonaria” na versão em língua portuguesa. Acredita-se que efetivamente tais termos não constem do documento em vigor.

    Assim, a inconciliável compatibilidade entre ser fiel da Igreja Católica Apostólica Romana e ser membro da Maçonaria deve se originar de uma interpretação da nova norma, isto é, do Código promulgado em 1983. Mas qual dispositivo pode esclarecer a questão?

    Com efeito, pode-se encontrar no novo Código o Cân. 1374, que assim estabelece:

    Cân. 1374 — Quem der o nome a uma associação, que maquine contra a Igreja, seja punido com pena justa; quem promover ou dirigir tal associação seja punido com interdito. (VATICANO, 1983)

    É interessante conhecer o Cân. 750 do novo Código que estabelece certos requisitos mínimos para que a fé católica possa ser percebida como pertencente à doutrina católica, e por conseguinte detentora de direitos e deveres canônicos, nos seguintes termos:

    Cân. 750 —

    § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal; isto é, o que se manifesta na adesão comum dos fiéis sob a condução do sagrado magistério; por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias;

    § 2. Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas. (VATICANO, 1983)

    Conclui-se que a fé deve estar inserida no contexto de aceitação da fé nos exatos termos determinados pelo Cân. 750, pois em contrário se aplicará o preceituado no Cân. 1371 que estabelece punição da seguinte forma:

    Cân. 1371 — Seja punido com pena justa:

    1 – quem, fora do caso previsto no cân. 1364,

    § 1, ensinar uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice ou pelo Concílio Ecuménico ou rejeitar com pertinácia a doutrina referida no cân. 750,

    § 2 ou no cân. 752, e, admoestado pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se retractar;

    2 – quem, por outra forma, não obedecer à Sé Apostólica, ao Ordinário ou ao Superior quando legitimamente mandam ou proíbem alguma coisa e, depois de avisado, persistir na desobediência. (VATICANO, 1983).

    Posto que as normas (mesmo as mais recentes) são reticentes ou lacunosas em especificar quais as partes das doutrinas católica e maçônica são incompatíveis, constata-se que o problema dentro da análise lógico-jurídica, persiste no sentido de se entender que a hermenêutica limitada aos regramentos e às suas justificações não é bastante para explicar o porquê dos maçons não poderem ser aceitos como fiéis na Igreja Católica, na medida em que no tempo presente não há indicativo de que os maçons estejam promovendo a desordem, destronando reinos ou enfraquecendo a pureza da religião católica.

    4.   A Igreja Católica e os Maçons

    Terá sido sempre assim na História do Brasil: católicos não podiam ser maçons? Maçons não podiam ser católicos? É possível entender a origem de tal dicotomia inconciliável?

    Como um fato verificável historicamente, é possível afirmar que a historiografia nacional (BARATA, 2002, 2006; CARVALHO,2019, COLUSSI, 1998) do século XIX comprova a forte presença de católicos na maçonaria brasileira, inclusive sacerdotes e religiosos, que exerceram cargos de liderança nos campos religioso e político do período. Destaca-se que alguns desses religiosos maçons foram protagonistas em momentos marcantes da história nacional, como a revolução de 1817 em Pernambuco, em que padres participaram ativamente desse movimento (DE SOUSA, 2023), ou na chamada Questão Religiosa, “durante os anos de 1872 a 1875, que foi uma série de acontecimentos envolvendo a Igreja Católica, a Maçonaria e o Governo Imperial em seu centro, mas que envolveu indiretamente outros elementos em voga” (CARVALHO, 2018, p. 105).

    É possível fazer uma síntese da Questão Religiosa no Brasil como sendo um efeito da confrontação que se verificava na Europa entre a Maçonaria e a Igreja Católica Romana. Várias autoridades eclesiásticas se envolveram na Questão que ditava, entre outros pontos, a autonomia da hierarquia e da estrutura da Igreja frente ao poder estatal da Monarquia. Houve intensos choques entre religiosos, com retaliações e penalidades eclesiásticas. Uma das consequências mais destacadas refere-se à expulsão de religiosos que pertenciam também à Maçonaria por ordem de Dom Vital e de Dom Antônio de Macedo Costa.

    Avançando-se na pesquisa, por conseguinte, para participar da Maçonaria é necessário primeiro saber o que ela representa. Vamos direcionar a pesquisa para melhor entender. Apesar de haver diversas definições sobre o que vem a ser a Maçonaria, uma definição mais geral e mais utilizada é a que lhe define como sendo um belo sistema de moralidade velado em alegoria e ilustrado por símbolos (ZELDIS, 2011). Alegorias e símbolos que precisam ser decifrados e ensinados a seus membros, a fim de que a sua tradição seja permanente, nesse sentido, William Preston, a definia como sendo um sistema regular de moralidade, concebido em uma tensão de interessantes alegorias, que desdobra suas belezas ao requerente sincero e trabalhador (PRESTON, 1867).

    Outrossim, percebe-se que a ordem maçônica é uma organização iniciática, de caráter fraternal, regida por normas e princípios próprios, que acolhe pessoas do sexo masculino em seu seio, com o objetivo de aprimorar seus conhecimentos por meio de um sistema baseado em símbolos, lendas e mitos, a fim de buscar o aprimoramento moral e intelectual.

    A Maçonaria é uma instituição universalista, filosófica, espiritualista, filantrópica e humanitária fundamentada nos postulados da liberdade, igualdade, fraternidade, paz, justiça e democracia (SOUSA, 2017, p. 20).

    Segundo a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, a Maçonaria tem como preceitos fundamentais: acreditar na existência de um princípio criador, o Grande Arquiteto do Universo; proclamar o trabalho como direito e dever do homem; respeitar as leis do País e defender a livre manifestação do pensamento e da dignidade da pessoa humana. A maçonaria combate o fanatismo e as paixões que tornam o homem cego e incapaz de tomar decisões justas, que o conduz ao caminho do mal.

    Em seus rituais, estão contidas lições e ensinamentos que – durante as suas cerimônias – são decifrados e possibilitam aos participantes vivenciarem experiências que os levam a refletir sobre as questões da vida cotidiana, de modo a contribuir com o seu aperfeiçoamento moral.

    A lei moral da maçonaria, presente nas Constituições de Anderson de 1723 (primeiro documento normativo maçônico aprovado pela Grande Loja Maçônica da In- glaterra, que foi a primeira potência maçônica) destaca que “um Maçom é obrigado, por sua Condição, a obedecer à Lei moral; e se compreende bem a Arte, não será jamais um Ateu estúpido, nem um Libertino irreligioso” (THE CONSTITUTIONS FREEMASONRY, 1755).

    No Rito Escocês Antigo e Aceito, a Bíblia está no centro do altar e, em todas as reuniões, há a leitura de passagens da Bíblia Sagrada que enaltecem a existência humana, a fé e a importância de uma conduta reta e moral. Em seus graus simbólicos, são retratadas passagens da história do Antigo Testamento, em que a construção do templo de Salomão é um dos principais enredos abordados.

    Entretanto, os atritos entre Igreja Católica e Maçonaria existentes durante o período da Revolução Francesa não podem ser olvidados, pois da sua compreensão se pode auferir lições importantes para a análise da situação presente.

    Na França, durante o período que se convencionou chamar de Revolução Francesa – de maio de 1789 a novembro de 1799 – segundo Simon Schama (1989, p. 421) que analisou continuidades e descontinuidades e o papel que coube à nobreza no processo de aceleração do fim do Antigo Regime,

    A fusão de velho e novo repetia-se por toda a França. No papel as transformações não poderiam ter sido mais abruptas ou radicais. Como organismos jurídicos os parlamentos simplesmente foram substituídos pelo fiat legislativo da Assembléia Constituinte e a velha jurisdição dos bailliages pelos dos juges de paix eleitos e dos tribunais dos distritos e departamentos. Da mesma forma, a natureza caótica do governo com fronteiras superpostas e entrecruzadas que diferiam da administração civil ao governo militar e à diocese eclesiástica desapareceu na unidade do departamento. […] A presença de “homens novos” — médicos, engenheiros, numerosos advogados, ocasionais comerciantes — na primeira leva de instituições criada pela Revolução certamente resultou, em parte, da maciça expansão de cargos eleitos. Pelo menos no atendimento às reivindicações por mais governo, formuladas nos cabiers, os notáveis revolucionários cumpriram amplamente seu dever. […] Um exame mais profundo dos novos regimes em muitas cidades, grandes e pequenas, da província francesa revela que muitos desses remanescentes do Ancien Régime estavam estrategicamente colocados.

    Schama atenta para o fato de que socialmente não havia muita diferença entre esses “homens novos” e aqueles tipificados como sendo da nobreza, especialmente quando viviam no ambiente de uma cidade ou centro comercial. De fato, “todos pertenciam ao mesmo ambiente cultural: o mundo das academias e das lojas maçônicas. Todos endossavam o projeto otimista do final do Iluminismo segundo o qual as ciências necessariamente levariam a uma prosperidade maior e a um governo mais perfeito”. SCHAMA (1989, p. 422).

    Se, de um lado o discurso radical dos “homens novos” punha na escrita dos decretos revolucionários toda uma narrativa de mudanças e rupturas, de outro lado os mesmos homens – aos quais tanto se criticava por fazerem as vezes do Antigo Regime – de fato continuavam no poder, porém agora com o apoio popular da turba mobilizada. “Assim, foram exatamente os homens dos quais tanto se queixavam os cabiers rurais – abastados coqs de village e outros proprietários, alguns deles nobres — que se apoderaram dos bens da Igreja quando estes foram colocados no mercado”. SCHAMA (1989, p. 423).

    É possível, pois, afirmar com base em forte documentação histórica que a relação da Igreja com a Maçonaria estava – a partir dos idos do fim do século XVIII – definitivamente posta em termos de conflito aberto de interesses, igualmente em intensidade nos campos político, cultural e ideológico.

    Ainda quanto ao século XIX, base histórica para essa reflexão, ainda há que se debater o fato da Maçonaria Brasileira ter sido uma instituição que apoiou o fim do regime do padroado patrocinado pela Monarquia portuguesa e a laicidade do Estado, assim como a acolhida aos protestantes em seu seio. Tal atuação pode ter causado a decisão pela incompatibilidade naquela época em terras nacionais.

    Outro aspecto que merece nota é que durante a Questão Religiosa, no século XIX, o conflito entre Igreja e Maçonaria pode ter se acirrado a partir do advento da chamada Maçonaria Especulativa de cunho iluminista (iniciado no século XVIII), com forte apelo filosófico- racionalista, cujo pendão de encadeamento de raciocínio lógico extremado pode não ter sido devidamente compreendido à época, exatamente em um contexto cultural europeu em que o raciocínio lógico se punha como um discurso científico contra a metafísica, o espiritual e o divino.

    5.   O Cristianismo e as Religiões

    De início, é de se considerar que a Ordem Maçônica não é uma religião, mas uma instituição de cunho iluminista. Sua organização filosófico-racionalista baseia-se nos antigos mistérios e está harmonizada com as religiões monoteístas de seus integrantes. Dessa maneira, não há qualquer tipo de afronta à Igreja Católica ou aos seus dogmas. Por isso, é substancial o entendimento de que proibir, conforme imposto pela alta hierarquia da Igreja Católica, que os católicos sejam também maçons é desnecessário e ineficaz tendo em vista que, mesmo que na aparência se difunda que se quer proteger o católico da influência maçônica, de fato não se está a respeitar um dos preceitos básicos do cristianismo que é o de aceitar a pluralidade de caminhos que visam a salvação.

    A respeito deste tema relativo à salvação do Cristão, em 1997, a Comissão Teológica Internacional do Vaticano, em análise do tema “O Cristianismo e as Religiões”, redigiu estudo sobre as relações da Igreja com outras religiões, cujo objeto de pesquisa se fundamentou nos seguintes termos:

    Numa época em que se aprecia o diálogo, a compreensão mútua e a tolerância, é natural surgir tentativas de elaborar uma teologia das religiões a partir de critérios aceitos por todos, isto é, que não sejam exclusivos de determinada tradição religiosa. Por isso, nem sempre se distinguem claramente as condições para o diálogo interreligioso e os pres supostos básicos de uma teologia cristã das religiões. Para fugir dos dogmatismos procuram-se padrões exteriores, que permitam avaliar a verdade de uma religião. Os esforços realizados nessa direção não chegam a convencer. Se a teologia é fides quaerens intellectum, não se vê como se pode abandonar o “princípio dogmático” ou refletir teologicamente prescindindo das próprias fontes. (VATICANO, 1997)

    Como se vê no trabalho de 1997, pouco mais de uma década após a promulgação do novo Código Canônico de 1983, a compreensão doutrinária da Igreja ampliou-se em busca do diálogo e compreensão mútua, da qual espera-se tolerância e a elaboração de uma teologia das religiões a partir de critérios de consenso.

    Tal ampliação da visão doutrinária católica está explicitamente definida nos itens 62 e 63 do Capítulo II.4. – Ecclesia Universale Salutis Sacramentum do texto referido anteriormente, como segue:

    62 – Não se pode desenvolver uma teologia das religiões sem levar em conta a missão salvífica universal da Igreja, testemunhada pela Sagrada Escritura e pela tradição de fé da Igreja. A valorização teológica das religiões foi impedida durante muito tempo por causa do princípio “extra Ecclesiam nulla salus”, entendido em sentido exclusivista. Com a doutrina sobre a Igreja como “sacramento universal da salvação” ou “sacramento do Reino de Deus”, a teologia trata de responder à nova apresentação do problema. Tal ensinamento, também acolhido pelo concílio Vaticano II, se concilia com a visão sacramental da Igreja no Novo Testamento.

    63 – Atualmente, a questão primária já não é se os homens podem alcançar a salvação ainda que não pertençam à Igreja Católica visível; tal possibilidade é considerada como teologicamente certa. A pluralidade das religiões, da qual os cristãos são cada vez mais conscientes, o melhor conhecimento dessas mesmas religiões e o necessário diálogo com elas, sem deixar em último lugar a mais clara consciência das fronteiras espaciais e temporais da Igreja, nos interrogam sobre se se pode ainda falar da necessidade da Igreja para a salvação e sobre a compatibilidade desse princípio com a vontade salvífica universal de Deus. (VATICANO, 1997).

    De fato, para a Igreja Católica – de acordo com a Comissão Teológica Internacional do Vaticano – não se trata mais de saber apenas se os homens podem se salvar, inclusive os que não pertencem à Igreja Católica. Tal possibilidade é certa do ponto de vista doutrinário. Discute-se, agora, se apenas a Igreja será considerada o único caminho da salvação eis que há uma “vontade salvífica universal de Deus”.(VATICANO, 1997).

    Atenta ao desenvolvimento globalizado das relações interculturais, a Comissão Teológica do Vaticano refletiu sobre a questão da verdade teológica, indicando que é necessário reconhecer a alteridade da verdade das diferentes religiões, de modo a levar o cristianismo a aprender a conviver respeitosamente com outras religiões. Aos poucos, mesmo que de modo relutante, vai expandindo a noção doutrinária de que é necessário ao católico aprender a conviver com outros tipos de religiosidades tendo em vista que se pode observar uma mudança da consciência do homem atual, nos seguintes termos:

    102. A crescente interrelação das culturas na atual sociedade mundial e sua constante interpenetração nos meios de comunicação fazem com que a questão da verdade das religiões tenha passado ao centro da consciência cotidiana do homem de hoje. As presentes reflexões consideram alguns pressupostos dessa nova situação; nelas, porém, não se entra na discussão de conteúdos com as diferentes religiões. Esta deveria realizar- se na teologia dos diferentes lugares, ou seja, nos diferentes centros de estudo que estão era contato cultural direto com as outras religiões. Ante a situação de mudança da consciência do homem atual e a situação dos fiéis, é claro que a discussão com a pretensão de verdade das religiões não pode ser um aspecto marginal ou parcial da teologia. A confrontação respeitosa com essa pretensão deve representar um papel no centro do trabalho cotidiano da teologia, deve ser parte integral dessa mesma teologia. Com ela o cristianismo de hoje deve aprender a viver, no respeito pela diversidade das religiões, uma forma da comunhão que tem seu fundamento no amor de Deus pelos homens e se funda em seu respeito para com a liberdade do homem. Esse respeito pela “alteridade” das diferentes religiões está por sua vez condicionado pela própria pretensão de verdade (VATICANO, 1997).

    É perceptível que a doutrina católica está buscando se adequar à atualidade, ampliando a visão de alteridade de seus fiéis, indicando que a salvação não está limitada a apenas um caminho doutrinário e clamando aos católicos para absorver espiritualmente o novo clima global de diversidade cultural.

    Ainda se pode falar da necessidade exclusiva da Igreja para a salvação frente à compatibilidade desse princípio com a doutrina que prega que a vontade de salvação do fiel é universal desde que direcionada à busca de Deus?

    6. A ação maçônica no Brasil do século XXI

    A Maçonaria, enquanto instituição iniciática, filosófica e social conseguiu evoluir e se expandir pelo mundo todo. Nos últimos trezentos anos, sobreviveu a diversas transformações culturais, políticas e sociais e, atualmente, é considerada como sendo uma instituição universal e de amplo alcance social.

    Não obstante todos os desafios e obstáculos enfrentados, a Maçonaria tem sua História. Para entendê-la, faz-se necessário refletir sobre quais foram os fatores que contribuíram para o seu êxito enquanto instituição, donde se destaca a continuidade de sua própria existência como uma organização ativa e influente no mundo moderno. Esta reflexão se impõe especialmente frente à permanência da celeuma com a Igreja Católica, cuja origem no século XVII foi possível rastrear sucintamente neste estudo, conforme se observou nos documentos papais referidos.

    Uma das hipóteses que aqui evidencia-se é que ela vem conseguindo sensibilizar homens que buscam ingressar em uma organização fraternal. Buscam benefícios pessoais, novos conhecimentos filosóficos, reconhecimento social, ajuda mútua tanto quanto a possibilidade do exercício de diferentes micro-poderes.

    E, ao se analisar de modo crítico o contexto atual da instituição, faz-se história também reconhecer que – apesar de permanecer ativa – não demonstra mais a força e o protagonismo social e político que teve no passado. Vivemos em um outro momento histórico, em que a Maçonaria se apresenta mais cumprindo um papel social do que propriamente de protagonismo político e social, e em muitos casos a formação maçônica, está em segundo plano.

    No caso da Maçonaria Brasileira, alguns pesquisadores maçônicos evidenciam o momento crítico, que a instituição vem vivenciando. Tal assertiva se evidencia por pesquisas recentes conduzidas pela CMSB e CMI que apontaram a evasão maçônica e o fechamento de lojas em diversos países, como um sinal de um momento crítico para a Ordem Maçônica no mundo ocidental. Essa é uma realidade que pode impactar a maçonaria brasileira, que já vivencia o problema da evasão maçônica, em virtude de conflitos internos, desmotivação, e falta de conteúdo nas reuniões, que foram evidenciados por De Morais (2017).

    Kennyo Ismail (2013), avaliando os motivos da crise da Maçonaria brasileira, destacou que ela precisava assumir uma vocação, assim como a maçonaria americana já o tinha feito, sobre o risco de vir a perder a sua importância.

    Seguindo princípios mais filosóficos do que práticos, a Maçonaria brasileira, assim como toda a Maçonaria latina, parece enfrentar uma crise de identidade, ou melhor, uma crise de obsolescência, ao sustentar vocações tão úteis em outros momentos históricos, mas menos necessárias no atual cenário mundial do Ocidente (ISMAIL, 2013, p. 20).

    A análise de Kennyo parece ser sensata e prudente. Contudo, é preciso destacar que a Maçonaria Brasileira, apesar de ser uma das mais populosas do mundo, enfrenta desafios e sofre com problemas crônicos, que necessitam ser enfrentados pelas lideranças maçônicas. Destaca-se o alto índice de turnover nas lojas maçônicas brasileiras, quando muitos iniciados, ao alcançar o grau de mestre, de alguma forma, se afastam dos trabalhos de sua loja. Esse é um fator preocupante. Necessário buscar soluções mais eficazes já que se demonstrou que tal problema não será resolvido apenas com incentivos ao aumento de iniciações, ou flexibilização ou facilitação nos processos de sindicância.

    A tese defendida pelo Maçom Albert Mackey (1869) advertia sobre o problema da formação maçônica e da valorização das vaidades na Ordem. Essa advertência se mantém vigente, em especial quando se constata que muitas lojas maçônicas têm dificuldades para cumprir o seu principal papel, que é a formação do homem.

    Compasso (2020) destaca que nessa formação é importante que os mestres maçons compreendam o seu papel, que é o de zelar pelo futuro da instituição, de modo a garantir que os aprendizes e companheiros sejam formados com qualidade e que tenham o mínimo de conhecimento maçônico necessário para manter a tradição.

    O autor destaca que:

    A base da filosofia maçônica tem por objetivo restabelecer seu antigo e verdadeiro caráter indelével e apostolado da mais alta moralidade, da prática das virtudes, da Liberdade debaixo da Lei, da Igualdade segundo o mérito, com subordinação e disciplina e, da Fraternidade com deveres mútuos (COMPASSO, 2020, p. 51).

    Há sem dúvida necessidade urgente de melhor formar os obreiros, a fim de construir o futuro da instituição. Caminhos são válidos como valorizar quem estuda e dar oportunidade a quem sabe e deseja formar os novos maçons. O despeito dessa constatação pode gerar, já no curto prazo, uma situação em que a instituição pereça por falta de qualidade doutrinária e por desconhecimento da sua força social, do seu simbolismo e de suas tradições. O risco real é que acabe por tornar-se simplesmente um clube social ou teatral, no qual pessoas se reúnem periodicamente apenas para praticar determinado ato teatral, sem significado e entendimento algum.

    Enfim, não se pode esquecer o que a Ordem é. O irmão, pesquisador e escritor Ailton Elisiário concebeu o entendimento de que:

    A Maçonaria é o centro de união e o meio de conciliar uma amizade sincera, entre as pessoas que nunca haveriam de poder, sem isto, chegar a ela. Seu fundamento é a fraternidade. Portanto, o futuro da Maçonaria no restante do Século XXI está para o Brasil e para o Mundo no trabalho maçônico, que se exprime na lapidação da pedra bruta e em tornar feliz a Humanidade. Os maçons não podem ser mais apenas coadjuvantes, mas efetivos participantes da vida pública. Daí, as discussões para o erguimento das colunas da Maçonaria Executiva (ELISIÁRIO, 2020, p. 49).

    Portanto, a Maçonaria brasileira deve direcionar seus esforços para melhor formar seus quadros e priorizar a qualidade dos processos seletivos, evitando a massificação no ingresso, o que isoladamente não garante a melhoria dos quadros de filiados.

    Não é tarefa simples. Mas medidas simples podem ser adotadas: É preciso formar melhor, qualificar as reuniões, ter projetos e principalmente criar um propósito para que as pessoas permaneçam na instituição.

    Desse modo, por meio de

    Maçons mais conscientes e dotados de mais conhecimentos sobre a ordem estarão mais comprometidos e engajados nas atividades da instituição, pois serão mais capazes de contribuir na construção de uma Maçonaria mais forte e atuante (SOUSA, 2020, p. 30).

    Além disso, é essencial que só sejam eleitos para os cargos de direção da organização homens comprovadamente qualificados para as funções e comprometidos com os ideais da Maçonaria. Que estejam dispostos a servir à instituição, oferecendo mais que dela possam se beneficiar, seguindo a esteira do pensamento de Albert Mackey (1869).

    Tal situação se apresenta tanto mais difícil quanto mais contundente for a questão apresentada pela Igreja Católica no sentido de declarar a irreconciliável incompatibilidade entre maçons e católicos.

    7.   Considerações finais

    Não basta esperar por novos entendimentos por parte da Igreja, em uma atitude reativa. Espera-se que os maçons se tornem agentes de seus próprios ideários, e construam seu tempo histórico. Para isso, será necessário estudar o assunto e enfrentar os desafios. Não há como negar que há pela frente grandes embates doutrinários e filosóficos.

    Argumenta-se que tal tema abordado neste estudo não seja tão importante para o maçom no seu cotidiano. Parece que, à primeira vista, a sociedade de modo geral não está muito preocupada com tal questão, tanto que não houve grande repercussão na imprensa nacional. Espera-se mesmo que a decisão publicada no Vatican News, em 15 de novembro de 2023, sob o título “A maçonaria  continua  proibida  para  os  católicos” (VATICANO NEWS, 2023) não repercurta muito na vida dos católicos.

    Entretanto, do ponto de vista da Maçonaria Brasileira, é de se considerar que tal decisão é um fato importante, que necessitará ser enfrentado com a devida atenção pelas lideranças maçônicas, principalmente visando orientar seus membros, com destaque para os que são responsáveis pelas milhares de lojas maçônicas existentes no Brasil.

    Se for levado em consideração o fato de que nosso país é o maior território nacional cristão e católico do mundo ocidental, a decisão ganha dimensão quase continental, eis que a imagem da Maçonaria Brasileira está sendo afetada, inculcada na mente da população como sendo uma instituição anti-cristã, o que obviamente compromete todos os esforços doutrinários e de ação social de interesse dos maçons.

    É certo que a Maçonaria, por suas próprias condições intelectuais e de formação cidadã, tem as ferramentas que podem ser utilizadas para melhor educar e formar cidadãos que compõem e comporão seus quadros. Contudo, algumas práticas necessitam ser reavaliadas no sentido de se evitar a mitificação de pessoas, concessão de medalhas com propósitos diminutos, construção de templos desnecessários e atividades sociais sem proveito efetivo para a instituição. De fato, há que se defender com vigor que é necessário investir na formação moral do homem maçom, não se admitindo com leveza que as disputas políticas entre Potências e Lojas diminuam o papel histórico da Maçonaria.

    Por fim, já com o devido alerta sobre a recente incursão da Igreja Católica na definição de um “inimigo institucional”, faz-se mais que necessário que os líderes maçônicos compreendam a importância de seu papel como representantes legítimos de seus irmãos.

    De se concluir, pois, que a Maçonaria pode estar escorregando para uma série crise ainda não percebida por suas lideranças, situação esta que não deriva necessariamente da declaração da Igreja Católica, mas que em função dela pode se agravar. A proibição da Igreja Católica que impede católicos de serem maçons está a esperar uma tomada de posição da Maçonaria Brasileira, e esta pode se dar com certeza através de mudanças de atitude da própria Ordem no sentido de enfrentar o debate doutrinário, melhorar a formação do quadro maçom e aprimorar a ação social da instituição.

    Autores: Kleber Cavalcante de Sousa e José Roberto Santhiago

    Fonte: Revista Ciência & Maçonaria, vol. 10, n. 1, p. 37-49, jul/dez, 2023.

    Screenshot_20200502-144642_2

    Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

    Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

    Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

    Referências

    1. Fontes

    BENTO XIV, 1751. Provida Romanorum Pontificum – Bula Papal. Roma: Santa sede. Disponível em : https:// www.vatican.va/content/benedictus-xiv/it/documents/ bolla–i-providas-romanorum–i        18-marzo-1751–il-pontefice-con.html Acesso: 16 Dez 2023

    CLEMENTE XII, 1738. In Eminenti – Carta Encíclica. Ro- ma: Santa   Sede.    Disponível        em:       https:// www.papalencyclicals.net/clem12/c12inemengl.htm Acesso: 20 Dez 2023.

    LEÃO XII, 1825. Quo Graviora – Bula Papal. Roma: Santa sede. Disponível: https://www.vatican.va/content/leo-xii/ it/documents/bolla-quo-graviora-13-marzo-1825.html Acesso: 20 Dez 2023

    LEÃO XIII, 1884. Humanum Genus: sobre a maçonaria – Carta Encíclica. Disponível em: http://www.vatican.va/content/leoxiii/pt/encyclicals/documents/hf_l- xiii_enc_18840420_humanum-genus.html . Acesso: 20 Dez 2023.

    PIO VII, 1821. Eclesian Jesu. – Bula Papal. Disponível em:https://www.vatican.va/content/pius-vii/it/documents/bolla-ecclesiam-a-jesu-13-settembre- 1821.html Acesso: 20 Dez 2023.

    PIO VIII, 1829. Traditi Humilitati – Carta Encíclica. Roma: Santa Sede. Disponível em: https://www.vatican.va/ content/pius-viii/it/documents/enciclica-traditi- humilitati-24-maggio-1829.html Acesso: 20 Dez 2023.

    MACKEY, A. G.. A Lexicon of Freemasonry: containing a definition of all its communicable terms, notices of its history, traditions, and antiquities, and an account of all the rites and mysteries of the ancient world. Moss & Company, 1869.

    PRESTON, William. Illustrations of Masonry. New York: Masonic Publishing and Manufact., 1867

    VATICANO NEWS. A maçonaria continua proibida para os católicos. Vaticano News. Disponível em: https:// www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-11/ maconaria-para-catolicos-continua-proibida.html. Aces- sado: 16 de nov. 2023.

    CBCP – Conferência Episcopal Católica das Filipinas. De- claração conjunta do CBCP sobre sanções para os católi- cos que aderem à maçonaria. 6/6/2023. Disponível em: https://cbcpnews.net/cbcpnews/pastoral-guidelines-in- dealing-with-individual-catholics-members-of- masonry/. Acessado: 16 de nov. 2023.

    Congregação Para A Doutrina Da Fé. Declaração Sobre a Maçonaria.         2/11/1983.       Disponível        em:                     https:// www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/ documents/rc_con_cfaith_doc_19831126_declaration- masonic_it.html. Acessado: 16 de nov. 2023.

              Declaração Sobre a Participação de Católicos à Associações      Maçônicas.      17/2/1981.             Disponível              em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ cfaith/documents/ rc_con_cfaith_doc_19810217_massoni_po.html.     Acessa- do: 16 de nov. 2023.

    Conferência Episcopal Portuguesa. Código de Direito Canônico. 25/1/1983.       Disponível        em:      https:// www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/ codex-iuris-canonici_po.pdf. Acessado em: 16 de nov. 2023.

    Comissão Teológica Internacional do Vaticano. O Cristi- anismo   e        as       Religiões.        Disponível               em: https:// www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/ cti_documents/rc_cti_1997_cristianesimo- religioni_po.html. Acessado em: 16 de nov. 2023.

    The Constitutions of the Freemasons. versão facsimile. Republished in Masonic Publishers, New York, 1855. Dis- ponível    em           :https://albalodge.org/resources/Constitutions(Anderson-1723).pdf Acessado: 10 de dez 2023.

    2.     Bibliografia

    AZEVEDO, CÉLIA M. MARINHO DE. Maçonaria: história e historiografia. Revista USP, n. 32, p. 178-189, 1996.

    BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1999.

    BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência do Brasil 1790-1822. São Pau- lo: Annablume/EDUFJF-FAPESP, 2006.

    CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 12ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019

    CARVALHO, Thais da Rocha. Liberdade religiosa no Bra- sil do século XIX: uma análise a partir do jornal ultra- montano O Apóstolo (1866-1891). Campinas: PUC- Campinas, 2018.

    COLUSSI, Eliane Lucia. A Maçonaria Gaúcha no Século XIX. Passo Fundo: EDIUPF, 1998.

    COMPASSO, Pedro Ricardo Souza de. A sobrevivência da Maçonaria tradicional em um mundo moderno: ensi- no maçônico e a mudança de paradigmas. In: DE MO- RAIS, Cassiano. Maçonaria perspectivas para o futuro. CMSB, Brasília, 2020.

    DE MORAIS, Cassiano Teixeira. Evasão Maçônica: causas e consequências. 1a. Ed. Brasília: DMC, 2017.

    ISMAIL, Kennyo. Relatório de pesquisa: CMI Maçona- ria no século XXI, 2018. Disponível em:

    SCHAMA, Simon. Cidadãos: uma crônica da Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

    SOUSA, Ailton Elisiário de. A maçonaria em tempos de pós-modernidade. In: DE MORAIS, Cassiano. Maçonaria perspectivas para o futuro. CMSB, Brasília, 2020.

    SOUSA, Kleber Cavalcante de. A Maçonaria em 24 lições: introdução ao estudo maçônico. Natal: AMRA, 2017.

    SOUSA, Kleber Cavalcante de. A educação maçônica e o futuro da maçonaria. In: DE MORAIS, Cassiano. Maçona- ria perspectivas para o futuro. CMSB, Brasília, 2020.

    SOUSA, Kleber Cavalcante. O seminário de Olinda e a participação de Padres-Maçons na Revolução de 1817. Revista Ciência & Maçonaria, v. 9, n. 1, 2023

    O maçom e o arrepio da espiritualidade

    “Como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim” (Clarice Lispector).

    A espiritualidade é comumente relacionada à religiosidade. Ambas são dimensões inequívocas do ser humano na sua busca de um sentido para a existência, sendo que a espiritualidade tem conotação de paz interior e crença na vida com um propósito transcendental, envolvendo preocupação com a humanidade e a natureza, com aspectos que extrapolam a individualidade. Diz-se que a espiritualidade faz parte dos instintos humanos, sendo quase tão natural acreditar em uma força superior quanto comer ou dormir.

    Já a religiosidade envolve os condicionantes acima aliados a práticas ritualísticas de culto a Deus ou entidades consideradas divinas que podem induzir maior conforto espiritual. Segundo HALL (2016),

    “todas as doutrinas que procuram revelar aquela centelha invisível no homem, chamada Espírito, são reconhecidas como espiritualistas. Aquelas que ignoram esse elemento invisível e concentram-se sobre o visível são reconhecidas como materialistas” (p.17/18).

    A espiritualidade é uma descoberta, a religiosidade um aprendizado. Pessoas que se identificam com uma ou outra forma demonstram resiliência e maior capacidade de relacionamento e superação de dificuldades. Porém, religião e espiritualidade não têm necessariamente de estar emparelhadas. Hoje, enfrenta-se uma disputa entre a espiritualidade libertadora e a combativa religiosidade de escravidão.

    Na obra Homo Deus, HARARI (2016) afirma: “Religião é um trato, enquanto espiritualidade é uma jornada”. Segundo ele, a religião oferece um contrato bem definido, com objetivos predeterminados, que permite à sociedade definir normas e valores comuns que regulam o comportamento humano. Por sua vez, jornadas espirituais levam as pessoas por caminhos misteriosos em direção a destinos desconhecidos. E o autor mostra o caminho:

    A busca geralmente começa com alguma pergunta profunda, tal como: Quem sou eu? Qual o sentido da Vida? O que é o bem? Enquanto a maioria das pessoas simplesmente aceita as respostas predefinidas fornecidas pelas forças dominantes, aqueles que buscam a espiritualidade não se satisfazem tão facilmente. Estão determinados a sair em busca da grande questão, aonde quer que isso as leve, e não só a lugares que conhecem bem ou que querem visitar. (p.191/192)

    Dentro de um enfoque reducionista, cuidar da espiritualidade enseja frequentar missa ou culto religioso, rezar ou orar, ler a Bíblia ou textos sagrados com assiduidade e refletir sobre passagens, reler e meditar sobre o conteúdo. Em contexto mais amplo, a espiritualidade evoca uma busca pessoal de sentido para a vida e se desenvolve na prática da meditação, da introspecção, do silêncio, no diálogo interior que analisa, critica e aperfeiçoa a capacidade de raciocinar e o funcionamento da mente, e também a autodisciplina e o controle das paixões e impulsos, enxergando o que há de errado em nós e atuando para uma efetiva mudança, numa dimensão ligada a valores e à ética, forjando a essência do ser humano virtuoso que se reflete na forma de pensar e agir.

    BARRETO (2012) consigna em sua Dissertação1:

    A Espiritualidade envolve as qualidades do espírito humano, incluindo conceitos psicológicos positivos, tais como amor e compaixão, paciência, tolerância, perdão, contentamento, responsabilidade pessoal, e um senso de harmonia com o meio ambiente (FRY; SLOCOM Jr., 2008). Para os autores, a espiritualidade é a busca de uma visão de servir aos outros, por meio da humildade, caridade, altruísmo e capacidade de ver as coisas exatamente como elas são, livre de distorções subjetivas (p. 21). […] A espiritualidade é uma característica do ser humano, que manifestada estimula o comportamento de conexão e respeito pelo outro. Para Boff (2006), a espiritualidade é a capacidade de diálogo consigo mesmo e com o próprio coração, um mergulho na profundidade de nós mesmos e a experimentação da realidade como um todo, entendendo que somos parte e pertencemos a um todo. Neste trabalho entende-se o todo, como os seres humanos, os demais seres vivos, e a própria natureza. E a partir disso, entende-se pelo outro o respeito pelo todo como sinônimo. (p.25)

    Na Maçonaria esse estágio é associado ao Grau de Aprendiz, cujo simbolismo orienta o Iniciado a desbastar a Pedra Bruta da consciência, a voz que nunca nos deixa a sós, a luz interior que nos ilumina, conhecendo-se a si mesmo, as fraquezas e as virtudes, eliminando resquícios de vanglória e orgulho intelectual que todo homem não espiritualizado possui e que impede sua genuflexão ou inclinação ante o Altar da Verdade; no Grau de Companheiro, que se fortaleça e dinamize os ensinamentos intelectuais e, como Mestre Maçom, além do dever de formar novos Mestres, que seja espiritualmente capaz e consciente de sua personalidade, orientado por um novo ideal, baseado em estudo e trabalho num processo contínuo de polimento, tornando-se Mestre de si mesmo, de forma que seja útil na edificação moral e social da humanidade.

    Por sua vez, a religião é um código de moral e, nos seus princípios e doutrinas, devidamente inspirados por uma fonte de iluminação traz, além da identidade entre seus membros, independentemente da nacionalidade, também uma rede de relacionamentos e um sentido de pertencimento e de algo que dê sentido ao mundo em que vivem. HARARI, em Sapiens (2017), comenta:

    “Hoje a religião é, muitas vezes, considerada uma fonte de discriminação, desavença e desunião. Mas, na verdade, a religião foi o terceiro maior unificador da humanidade, junto com o dinheiro e os impérios” (p. 218).

    E a melhor religião, diz a sabedoria popular, é aquela que aproxima as pessoas através do amor, e não aquela que afasta através do preconceito e limite a infinita bondade de Deus à mesquinhez do egoísmo humano.

    O que causa espanto é a contradição de religiões misteriosas, vingativas e irascíveis que hostilizam, atacam, ou matam uma pessoa de outro credo e o fazem como uma obrigação respaldada em um livro sagrado, com o objetivo de revelar, difundir e impor uma verdade. Por onde andará a espiritualidade entre os seus adeptos? Essas religiões se perpetuam e o poder é concentrado nas mãos de poucos.

    HARARI (2017) destaca um fato ocorrido em 23 de agosto de 1572, conhecido como o Dia do Massacre de São Bartolomeu, quando católicos e protestantes mataram uns aos outros às centenas de milhares. Naquele dia, católicos franceses atacaram comunidades de protestantes franceses. Entre 5 mil e 10 mil protestantes foram assassinados em menos de 24 horas. E acrescenta:

    Quando o papa em Roma ficou sabendo do ocorrido na França, foi tomado de tanta alegria que organizou preces festivas para celebrar a ocasião e encarregou Giorgio Vasari de decorar um dos aposentos do Vaticano com um afresco do massacre (o aposento atualmente está inacessível aos visitantes). Mais cristãos foram mortos por outros cristãos naquelas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência. (p.224)

    CESCON (2011), no artigo “O fundamentalismo religioso e a paz”, comenta:

    “Para esses crentes, apesar de Deus permanecer sempre presente nas suas palavras e nas suas orações rituais, Ele se torna um prisioneiro dos seus pontos de vista e atitudes humanas e agressivas. Por isso, em vez de imitarem a Deus na sua generosidade para com todas as suas criaturas, impõem, em nome de Deus Onipotente, os seus esquemas de agressividade, ódio e morte. Assim, consideram-se os verdadeiros e únicos defensores de Deus na terra” (p. 433).

    O Cristão molda sua vida baseado nas mensagens de Cristo. Um Budista, nos arquétipos morais e filosóficos de toda uma categoria de seres iluminados que alcançaram a realização espiritual pregada pelo seu líder religioso, com a sua doutrina se baseando no Caminho do Meio, na busca da moderação em tudo o que seu seguidor faz. O Judaísmo compreende todo um sistema de vida e comportamentos específicos, tendo como referência a Torá, o livro das leis judaicas, que estabelece claramente quais são as ações corretas a realizar. O Hinduísmo, uma das mais antigas do mundo, tem como fundamento a crença na reencarnação e no carma, bem como na lei de ação e reação. Já o Islamismo, uma das que mais cresce no mundo, tem o sentido de total submissão à vontade de Deus, e o praticante do islã, chamado de muçulmano, defende que as práticas políticas devem ser pautadas pela lógica religiosa e vice-versa.

    BLANC (2021) esclarece que registros arqueológicos revelam que a ideia de Deus ou de entidades divinas tem sido cultivada em todas as épocas e por todas as culturas [desde a Idade da Pedra, o homem é um contador de histórias2]. Nos primórdios da nossa espécie, a importância da religião era tanta que a partir dela se originaram as artes e as ciências (p.9). As religiões buscam responder questões como “de onde viemos”, “quem somos”, “o que estamos fazendo aqui”, “para onde vamos depois da morte” (p.15).

    Ainda segundo o autor:

    “as religiões apresentam cosmovisões que situam o ser humano no Universo e dão um sentido à sua existência. É um conhecimento edificado ao longo de milênios, baseado em revelações divinas e na intuição de homens e mulheres santos, que tem orientado a existência das pessoas, trazido consolo, esperança e compreensão ao longo dos últimos cinco mil anos. As religiões apresentam respostas para as questões mais íntimas do viver humano, estabelecem ética, celebram e fortalecem a fé ” (p.10)

    A religião, conforme ensina o sociólogo francês Émile Durkheim em sua obra “As Formas Elementares da Vida Religiosa” (apud WEISS, 2012), abarca uma “ordem de coisas que ultrapassa o alcance de nosso entendimento, o sobrenatural, o mundo do mistério, do incompreensível”. Ainda segundo ele, “a religião seria, portanto, uma espécie de especulação sobre tudo o que escapa à ciência e, de maneira mais geral, ao pensamento claro”. Ao se basear em dogmas e tabus, exigindo comportamentos a observar e verdades em que se deve crer, a religião é avessa à diversidade.

    Refletindo sobre o até aqui exposto, alguns podem até sentir arrepios, mas a Maçonaria não revela nenhuma verdade superior e não é religião, pois esta tem como escopo uma vida transcendental e aquela procura aperfeiçoar seus membros para a melhoria do seu entorno, para bem atuar no mundo presente. A seguir, a opinião de alguns autores.

    Segundo Ney Gonçalves Dias e Almir San’Anna Cruz (2020):

    “… a maçonaria, por seu ecletismo, por estimular e exaltar a liberdade de pensamento de seus iniciados, deplorando e não admitindo posições extremadas tanto de um lado – fanatismo religioso – quando por outro – ateísmo –, convive com naturalidade com crenças ou filosofias teístas, deístas e mesmo agnósticas” (p.57).

    ROBINSON (2014) comenta:

    “Pode-se afirmar com segurança que a Maçonaria não é uma religião por uma simples razão. Em geral, os adeptos acreditam que seus credos religiosos estão completamente certos. Isso significa que eles acreditam que todos os outros credos são, ao menos até certo ponto, errados. A posição da Maçonaria é oposta, uma vez que admite que há alguma verdade em todas as percepções humanas de Deus e declina de afirmar que qualquer crença em particular é perfeita” (p.249).

    HODAPP (2015) não deixa brecha para dúvidas ao elencar alguns fundamentos para entender sobre religião e maçons: (1) Uma reunião em uma Loja maçônica não é um serviço religioso; (2) Não há uma religião maçônica; (3) Não há um deus maçônico – nem tampouco um demônio maçônico: (4) Não há uma bíblia maçônica, reverenciada acima de qualquer outra; (5) Não há um plano maçônico para salvação espiritual; (6) A Maçonaria não é oculta; (7) A Maçonaria não é um culto; (8) A Maçonaria é uma invenção do homem (p. 70).

    No mesmo diapasão, não podendo também ser confundida com seita ou qualquer coisa que o valha, a maçonaria tem um ensinamento próprio, constante de seus manuais e rituais, que transmite seus princípios, que jamais podem ser associados a dogmas. Conforme demonstra Alec Mellor (1976), não existem dogmas maçônicos. “A própria noção de “Landmark” não se confunde com o do dogma”. Segundo ele, “a diferença está em que a Maçonaria não reivindica a Revelação…. longe de opor-se à Igreja, neste ponto, a incompatibilidade teria surgido se ela tivesse seus dogmas”.

    Nas sessões maçônicas não há momento de adoração a divindades. Porém, a Maçonaria não pode ser considerada secular, pois as atividades de uma Loja não são iniciadas sem antes invocar o auxílio de Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E a Bíblia3 permanece aberta no recinto, após a leitura de determinada passagem, conforme o Grau em que a Sessão é realizada, sendo fechada ritualisticamente ao final dos trabalhos. Mas, é importante destacar que a sua presença evoca apenas e tão-somente espiritualidade e harmonia, assim como na valorização dos esforços e como fonte de ensinamentos de regras de conduta (destacamos). Alguns Ritos ou Rituais não adotam essa prática, o que não impede que o obreiro o faça de forma interna, pessoal e silenciosa. Por isso a Maçonaria prega o respeito à autoridade e à religião de cada um.

    Enfim, quanto à espiritualidade, não existe procedimento algum que tenha o carimbo da Maçonaria, e para tanto apela ao discernimento de seus obreiros, pois seus ensinamentos e ritualística das sessões não vislumbram essa finalidade, ficando tais descobertas ao alvedrio de seus membros, individualmente. Da mesma forma, vale reiterar, a escolha de uma religião é responsabilidade individual.

    O destaque fica para o entendimento de que a prática da Maçonaria se caracteriza por uma disciplina de comportamento, na qual o indivíduo é treinado para regular seus costumes, atingindo com isso um perfeito equilíbrio entre as forças que motivam sua conduta como pessoa humana, partícipe de uma sociedade. Para tal, no ritual de Iniciação, o neófito é desafiado a refletir sobre o que é a virtude e o vício, sendo indagado o que ele entende por um e outro, levando-o a concluir que a virtude é uma disposição da alma que induz à prática do bem, e o vício, sempre nocivo e inadequado, é o hábito desgraçado que arrasta para o mal.

    Conforme repisado em seus Rituais, a Maçonaria é caracterizada como um sistema e uma escola não só de Moral, mas, sobretudo de filosofia social, um ambiente de diálogo e debates, que visa ao progresso contínuo de seus adeptos por meio de ensinamentos em uma série de Graus. Nesse contexto, as Instruções Maçônicas, que funcionam como veículos de propagação de valores, ensejam passos que levam à lapidação do espírito, de forma a propiciar os instrumentos adequados e a desenvolver habilidades necessárias para o empreendimento da jornada rumo ao aperfeiçoamento dos mais elevados deveres de homem cidadão em prol da humanidade pela liberdade de consciência, igualdade de direitos e fraternidade universal.

    Como uma fraternidade laica, iniciática e simbólica, com os símbolos evocando questionamentos que conduzem a reflexões sobre as próprias verdades, ao livre pensar e ao exercício da razão, a Maçonaria tem como objetivo primordial buscar no mundo profano4 os melhores homens para congregá-los numa única Família, aperfeiçoando-os.

    Tudo isso demanda muito labor, esforço e vontade do Iniciado em ser uma pessoa melhor e cada um seguindo o seu próprio ritmo, em busca da verdade, não se evidenciando uma investigação dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre arbítrio. Apoiado e inspirado em um trabalho coletivo, a espiritualidade maçônica, numa dimensão ligada a valores elevados, pressupõe a construção de um caminho individual e que liberte o espírito de erros, vícios e imperfeições que constituem a raiz ou causa interior de todo mal ou dificuldade exterior.

    Como dito acima, essa transformação do indivíduo, esse despertar espiritual, o despertar da Matrix, fazendo uma alusão à famosa trilogia, enseja abrir os olhos do nosso interior e se resume no simbolismo do desbaste da Pedra Bruta da consciência, nosso espírito imortal, que deve prevalecer sobre a matéria e ser lapidado incessantemente. Nesse diapasão, cabe à Maçonaria, nesse contexto, estimular essa atividade e promover, por meio de suas Instruções, a tão necessária revolução pessoal, por meio de reflexões sobre a espiritualidade não ligada a religião, em ambiente de convivência harmônica e fraternal.

    Crer é um conforto, pensar, um esforço” (Ludwig Marcuse, 1894-1971)

    Autor: Márcio dos Santos Gomes

    Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

    Screenshot_20200502-144642_2

    Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

    Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

    Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

    Notas

    1. Dissertação de Mestrado (2012) de Tiago Franca Barreto, disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23740/1/Dissertacao%20TIAGO%20FRANCA%20BARRETO%20versao%20final%20revisada%20com%20ficha.pdf ↩︎
    2. O homem primitivo ao procurar resposta para as indagações que fazia sobre os fenômenos que acontecia à sua volta não tinha outro meio que não fosse o uso da imaginação. O mito foi o primeiro conhecimento que existiu sobre a face da terra, antes de qualquer outro. Para narrar fatos, o homem primitivo lançava mão da lenda; para educar, lançava mão da fábula (nota deste articulista). ↩︎
    3. A Bíblia ou outro livro sagrado. Os Maçons referem-se ao livro como Volume da Lei Sagrada, tal qual uma referência não sectária à tolerância religiosa da Loja. […] “esse livro pode ser a Bíblia do Rei James, a Tanakh  hebraica, o Alcorão muçulmano, os Vedas hindus, o Avesta Zoroástrico ou os Provérbios de Confúcio. Em certas Lojas em Israel, encontrar três livros – uma Bíblia, uma Tanakh e um Alcorão – , todos abertos em conjunto no mesmo altar, em respeito às diferentes religiões dos seus membros, é comum” (HODAPP, 2015, p. 71). ↩︎
    4. Profano, do latim: pro=ante + fanum=templo, popularmente referenciado como leigo, fica fora dele, fora do Templo da Sabedoria ou de um real conhecimento da Verdade e da Virtude, das quais reconhece unicamente os aspectos profanos ou exteriores que constituem a moeda corrente do mundo.
      Infelizmente, o termo “profano”, dentre seus vários significados, somente é referenciado como aquele que deturpa ou viola coisas sagradas. Essa é uma situação que constrange e que poderia ser substituída, no caso da Ordem, pela expressão “não maçom”, muito mais palatável. ↩︎

    REFERÊNCIAS

    BARRETO, Tiago Franca. A prática da Espiritualidade no Ambiente de Trabalho: Um estudo de múltiplos casos na Região Metropolitana de Recife. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Pernambuco, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/23740/1/Dissertacao%20TIAGO%20FRANCA%20BARRETO%20versao%20final%20revisada%20com%20ficha.pdf. Acesso em 20.02.2024.

    BLANC, Claudio. As religiões do mundo. Barueri, SP: Camelot, 2021.

    CESCON, Everaldo; NODARI, Paulo César (ORG). Filosofia, ética e educação: por uma cultura de paz. São Paulo: Paulinas, 2011.

    GOMES, Márcio dos Santos. A bem da verdade. Disponível em: https://opontodentrocirculo.com/2015/05/22/a-bem-da-verdade/. Acesso em 28.11.2023.

    GOMES, Márcio dos Santos. A Instrução Maçônica. Disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2016/02/23/a-instrucao-maconica/.Acesso em 20.12.2023.

    HALL. Manly P. As Chaves Perdidas da Maçonaria. São Paulo: Madras, 2016.

    HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã – 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

    HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade – 26ª edição. Porto Alegre: LP&PM, 2017.

    HODAPP, Christopher. Maçonaria para leigos. Tradução da 2ª Edição. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015.

    MINAS GERAIS, Grande Loja Maçônica de. Rituais dos Graus Simbólicos do REAA.

    MELLOR, Alec. Os Grandes Problemas da Atual Franco-Maçonaria – Os novos rumos da Franco-Maçonaria. São Paulo, Pensamento, 1976.

    OLIVEIRA, Ney Gonçalves de; CRUZ, Almir Sant’Anna. Deus: criador ou criatura? Do Big Bang ao pensamento humano. Rio de Janeiro: Nossa Casa, 2020.

    ROBINSON, John J. Nascidos no Sangue. São Paulo: Madras, 2014.

    WEISS, Raquel. Durkheim e as formas elementares da vida religiosa. Debates do NER, Porto Alegre (2012). Disponível em:https://seer.ufrgs.br/debatesdoner/article/download/36520/23591. Acesso em 07.11.2023.

    Desinformação, pós-verdade e comportamento humano: discussões plausíveis

    A desinformação, pós-verdade e comportamento humano despontam-se como temáticas emergentes na Ciência da Informação (CI), mas carecem de estudos e pesquisas que concatenem os mencionados assuntos conjuntamente. A desinformação reserva conteúdos orientados a convencer a opinião pública a determinadas notícias falsas, visando sempre vantagens particulares. Encontra-se, perante a disseminação intensa de conteúdos em fontes de informação, o comportamento de leitores inscritos em novos cenários e desafios informacionais. Considerando essas premissas introdutórias, o objetivo do presente artigo procurou analisar como os processos da desinformação e pós-verdade podem repercutir nas práticas relacionadas ao comportamento de leitores, a partir de determinadas notícias publicadas em meios de comunicação. Para cumprir o objetivo balizador do paper, os autores discorreram acerca de conceitos relativos à desinformação e ao processo de compartilhamento de notícias falsas em meios de comunicação tradicionais e digitais, com destaque às redes sociais. As considerações finais evidenciaram que leitores precisam considerar e compreender os desafios impostos pela disseminação ostensiva de notícias falsas, que repercute negativamente nas práticas intrínsecas ao comportamento humano.

    1 – Introdução

    Na sociedade contemporânea, os conteúdos enganosos assumem contornos desafiadores ao cumprimento das necessidades informacionais de indivíduos. Temáticas como ‘desinformação’, ‘notícias falsas’ e ‘pós-verdade’ constituem práticas humanas orientadas a ludibriar a sociedade, partindo das distorções, dissimulações e supressões de conteúdos inscritos na realidade informacional. A proposta das referidas práticas visa convencer a opinião pública em proveitos particulares, com intenções de prejudicar pessoas, organizações e/ou instituições.

    Na cultura política, a exemplo, a pós-verdade baseia-se em crenças pessoais, com a proposta de conferir à sociedade uma normalidade ilusória, relacionando à disseminação de informações incompletas e/ou alteradas para atender os anseios dos indivíduos, independente dos acontecimentos. Em síntese, os termos ‘desinformação’ e ‘pós-verdade’ não apresentam correlações na construção conceitual, mas sim aportes operacionais engendrados em processos de disseminação de informação parcial ou falaciosa.

    O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC), integrado ao advento de computadores conectados na lógica de rede, vem operando ressignificações estruturais nas interações de diversos atores sociais, afetando diretamente o comportamento humano no âmbito da seleção de fontes e canais de informação. O propósito da seleção das citadas fontes e canais de conteúdo é cumprir as necessidades informacionais de indivíduos, com o empenho de superar as lacunas cognitivas. A argumentação estruturada no presente artigo compreende a desinformação, a pós-verdade e o comportamento de leitores desponta pertinência em estudos desenvolvidos no âmbito da Ciência da Informação (CI), apesar de investigações incipientes que perpassem pelas temáticas anunciadas.

    A partir das considerações supracitadas, a autoria elaborou o seguinte problema de investigação: como os processos da desinformação e pós-verdade podem repercutir nas práticas relacionadas ao comportamento de leitores, a partir de determinadas notícias veiculadas em meios de comunicação? Para responder a pergunta balizadora do artigo em tela, o objetivo da investigação procurou analisar interferências da desinformação e pós-verdade no comportamento de leitores, a partir da seleção de notícias veiculadas em meios de comunicação.

    Considerando a introdução anunciada, os autores apresentaram no referencial teórico os conceitos atinentes à desinformação e processo de compartilhamento de notícias falsas em meios de comunicação tradicionais e digitais, com destaque às redes sociais inscritas na internet. Os autores também procuraram evidenciar, sem exaustividade, a relevância de profissionais da informação na orientação de leitores e no acesso a informações relevantes norteadas à apropriação de conteúdos; circunscrita na sociedade, a seção seguinte discutiu a pós-verdade como insumo à desinformação, recuperando o traçado histórico-conceitual e as correspondências com a realidade empírica na atualidade.

    Na quarta seção, aventaram-se substratos do comportamento humano perante as notícias falsas, considerando as tecnologias e as redes sociais como catalisadoras na disseminação de conteúdos; na seção seguinte a autoria procurou corresponder às interferências da desinformação no comportamento de leitores, a partir de notícias veiculadas em sites preocupados em denunciar conteúdos falaciosos.

    As considerações finais indicaram que indivíduos, assim como os profissionais da informação, estão diante de inúmeros desafios concernentes à disseminação ostensiva de notícias falsas, repercutindo negativamente nas práticas intrínsecas ao comportamento informacional.Como limitações do estudo anunciado, evidenciou-se que o volume de notícias relacionadas a conteúdos enganosos carecem de análises aprofundadas para constructos argumentativos consistentes. Os constructos deverão estar fundamentados em temáticas como ‘comportamento informacional humano’, ‘necessidades informacionais’ e ‘desinformação’.

    E para agenda de pesquisas futuras, os autores consideram a elaboração de um modelo de busca de conteúdos para orientar a leitores, e aos profissionais da informação, no processo de diferenciação de notícias falsas e notícias verídicas; aventaram também a ampliação do escopo da pesquisa a sites que combatem as práticas de desinformação no âmbito brasileiro e internacional.

    2 – A retórica da desinformação

    Não existem fatos, apenas interpretações. (Friedrich Nietzsche)

    A manipulação de informações orientada a emoldurar a opinião pública remonta a história da humanidade. Pesquisas desenvolvidas por Posetti e Matthews (2018) permitiram considerar a modificação intencional de conteúdos, também denominada de desinformação, como ferramentas essenciais para confundir leitores e estratos da sociedade. Segundo os autores, a prática de manipulação de informações remonta os primeiros registros do século IV a.C e adquire novas reconfigurações na contemporaneidade, com o advento da telemática.

    A prática da desinformação apresenta desafios a indivíduos, aqui denominados de leitores, no processo de procura, recuperação e apropriação de conteúdos relevantes ao cumprimento das necessidades informacionais. A competência de leitores corresponderia uma dimensão relevante em procurar e selecionar informações direcionadas à superação das necessidades informacionais. Oliveira e Souza (2018, p.4) argumentam que discussões relativas à competência informacional revelam-se essenciais diante aos fenômenos da informação manipulada, “[…] causando desinformação, desconhecimento e insegurança e todos os elementos que a acompanha: injustiça, medo, manipulação, e, em último grau, descrédito para as informações verídicas”.

    A partir da perspectiva dos responsáveis pela elaboração de informações falaciosas, assim como os indivíduos que as disseminam, as motivações podem apresentar diversos aspectos: dinheiro, publicidade, política, preconceito, intolerância, medo, raiva, inveja, prazer e/ou vaidade. Os citados motivos atuam como gatilhos comportamentais para o cumprimento de ações estratégicas orientadas a determinados objetivos. (OLIVEIRA; SOUZA, 2018).

    No âmbito da compreensão conceitual da informação pautada em inverdades, propalada com o propósito de ludibriar sujeitos, salientam-se as expressões misinformation e disinformation, propostas pelos pesquisadores Wardle e Derakhshan (2019). A expressão misinformation significa a informação falsa, que os indivíduos apresentam dificuldades em reconhecer a autoria dos conteúdos circulados (as fontes de divulgação) devido à ausência (ou parcialidade) de determinadas competências para selecionar informações válidas. Não haveria uma intencionalidade perversa subjacente, ou o propósito consolidado em prejudicar os leitores. A expressão disinformation representa também uma informação falsa, mas com o objetivo direto de acarretar prejuízos.

    O compartilhamento de informações falsas, independente dos conceitos das expressões supracitadas, reverbera, substancialmente, com as redes sociais. O Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp, a exemplos, destacam-se como patentes dispositivos à disseminação massiva de conteúdos na internet. A presente situação não implica em prerrogativas concebidas como ‘sem controle’ ou ‘ambiente desregulado’, que encorajam indivíduos a ‘postarem’ informações enganosas na rede; as pessoas estarão, sim, sujeitas a enquadramentos penais, considerando a transgressão em tela, como o artigo 138 do Código Penal Brasileiro (2008), que esclarece as práticas escusas em divulgar calúnia, difamação e injúria constitui um crime previsto em lei.

    No Brasil ainda há dois projetos de leis em tramitação no Congresso Nacional, que visam combater à prática da desinformação. O projeto de Lei n.º 6.812/2017 (BRASIL, 2017) apresenta como objetivo a tipificação criminal da divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na internet, pertinente à pessoa física ou jurídica. O segundo projeto refere-se à Lei n.º 9.533/2018 (BRASIL, 2018) circunscreve e prevê a tipificação penal ao produzir e disseminar de informações falsas, com o objetivo de promover hostilidade e violência contra o governo.

    Determinadas iniciativas governamentais procuram estabelecer leis que autorizam a punição a indivíduos que divulgam informações não verídicas em meios de comunicação tradicionais e internet. Contudo, as iniciativas substanciais partem de empresas privadas em parceria com incentivos públicos. Universidades e organizações têm desenvolvido instrumentos voltados ao combate da desinformação, com atividades baseadas no conceito de fact-check, ou ‘checagem dos fatos’. O desenvolvimento de práticas e instrumentos usados no combate a informações que persuadem ao equívoco resultam das atividades de profissionais de tecnologia, comunicação, engenheiros e jornalistas; e agora com o aumento crescente de bibliotecários, documentalistas e pesquisadores da CI.

    A partir dos dispositivos empregados para viabilizar a disseminação massiva de informações, compreende-se que a partilha de conteúdos suscetíveis à desinformação poderá interferir em estratégias de leitores na recuperação de informações em diversos sistemas, sejam formais e informais. Procuram-se, em muitas oportunidades, conteúdos entremeados em apelos emotivos para satisfazer uma necessidade informacional que, na presente discussão, reconfiguraria as estruturas do comportamento de leitores.

    Diante do intenso fluxo informacional, os profissionais da informação – como os bibliotecários e documentalistas   – deverão assumir   ações proativas   para mitigar, ou superar, conteúdos que contribuam com a desinformação da sociedade (usuários da informação), orientando-a com práticas de seleção pertinentes a fontes de informação seguras. Os profissionais da informação também poderão promover o desenvolvimento de competência ou habilidades informacionais em indivíduos, orientando-os à criticidade da seleção de conteúdos, avaliando sempre as fontes de informação confiáveis.

    Na contemporaneidade, como a produção e disseminação de conteúdos é permanente, o profissional da informação assume uma atividade primordial em orientar usuários, a sociedade em geral, na seleção de informações factuais. Assim, os referidos profissionais precisam conhecer as necessidades informacionais de usuários para refutar determinados conteúdos oriundos de fontes duvidosas.

    [O citado] contexto aponta a urgente necessidade de desenvolver habilidades para o acesso e uso da informação a fim de distinguir verdadeiras e falsas, bem como adquirir uma maior consciência social em relação à responsabilidade cidadã de replicar informações verídicas advindas de fontes consideradas fidedignas. (CORRÊA; CUSTÓDIO, 2018)

    Os profissionais da informação também precisam atentar aos desafios que extrapolam o cumprimento de sua atividade intelectual e técnica, como reconhecer notícias que procuram desinformar os leitores. No quesito anunciado,

    a pós-verdade poderá culminar em processos de desinformação da sociedade, ao considerar os apelos relacionados às emoções e às convicções pessoais para emoldurar a opinião pública em detrimento aos conteúdos factuais.

    Percebe-se o convite à subjetividade de indivíduos que acessam a referidas informações, escapulindo do bibliotecário e documentalista uma orientação profissional possível. As súplicas emocionais e a percepção individual constituem dimensões intrapsíquicas, acessível ao campo de pesquisa da psiquiatria, psicologia e psicanálise; não ao campo da CI.

    2.1 – A pós-verdade e o insumo à desinformação

    Enunciada pelo Oxford Dictionaries como a palavra de 2016, o verbete ‘pós-verdade’ conforma-se à recorrência apelativa às emoções e às percepções de sujeitos na formulação de opinião pública em detrimento à apropriação de informações factuais. Apesar remontar a década de 1990, o referido termo alcança destaque e aderência com o referendo da União Europeia (UE), então sediada no Reino Unido, e a eleição presidencial nos Estados Unidos da América (EUA). Hodiernamente, a ‘pós-verdade’ constitui um substantivo de contornos políticos (mas não exclusivo) e corresponde a inverdades estruturadas em discursos tendenciosos disseminados em meios de comunicação analógicos e digitais.

    Segundo o Oxford Dictionaries, a expansão do significado do prefixo ‘pós’ supera a situação comumente orientada a eventos especificados a posteriori, como os termos pós-guerra, pós-operatório ou pós-graduação, para encontrar conformidade e pertencimento a conceitos associados a fatores sem importância, que extrapolavam a relevância do significado anterior. Para contornar os pressupostos histórico-conceituais do termo analisado, muito provável que a termo ‘pós-verdade’ tenha aparecido no ensaio A government of lies (1992), publicado pelo dramaturgo sérvio-americano, Steve Tesich, na revista The Nation. O ensaio evidenciava que a sociedade norte-americana assumiu o posicionamento de creditar aos boatos a ‘leitura’ da realidade parcial, em contrapartida às prerrogativas das verdades democráticas.

    Tesich (1992) argumenta que o desejo humano de resguardar a autoestima, característica marcada da sociedade norte-americana, autorizou o governo a assumir uma ‘postura protetiva’ direcionada ao público massivo, como sucedeu no governo do presidente estadunidense nos anos de 1969 a 1974, com o mandato presidencial de Richard Nixon. Com a proposta de proteger a sociedade da verdade, a população associou a verdade vigente às notícias desalentadoras e às circunstâncias de insegurança, mas essenciais à compreensão dos problemas da nação. Debater e afrontar problemas inscritos em quaisquer sociedades poderia assegurar soluções viáveis à comunidade.

    Com a inserção da pós-verdade no contorno político, Tesich (1992) prossegue criticando as práticas dos presidentes dos Estados Unidos, como Ronald Reagan e George W. Bush, em elaborar argumentos orientados aos desejos – e não às necessidades informacionais – da população, como a disseminação de conteúdos criteriosamente selecionados aos mainstream media. A proposta visava a conferir à população ‘uma normalidade narcísica’, com a divulgação de informações parciais, manipuladas e ajustadas aos anseios da sociedade.

    Na história recente dos EUA, a campanha do candidato à presidência, Donald Trump, recorreu a estratégias eleitoreiras reforçadas pelos dispositivos sociais de comunicação da internet, como o Facebook e Twitter, para reverberar as propostas de governo às camadas sociais   recônditas   geograficamente. Assim,  D.   Trump formula mensagens que cumpririam os formatos assinalados pelas redes sociais, disseminando conteúdos diretos, mas impactantes e polêmicos, a diversos públicos. Segundo especialistas do campo político, a constância de postagens que enalteciam a cultura e o desejo do eleitorado norte-americano, assim como a perseguição aos imigrantes e o aumento de empregos no âmbito nacional, representou a ascensão de promessas que repercutiram na vontade da legitimação xenofóbica e beligerante da sociedade. Afinal, a proposta constituía em promover a ‘América grande novamente’.

    Eleito, Donald Trump conservou a prática de produzir e disseminar informações em redes sociais, sempre direcionadas aos desejos da população. A preocupação não constituía em equacionar a inserção norte-americana em negociações e sistemas internacionais, mas cumprir as promessas de campanha que asseguraram a vitória do candidato. O presidente eleito precisaria suceder aos anseios de parte considerável da população, com discursos e práticas falaciosas, tendenciosas e não humanitárias. O protecionismo e a exaltação nacional atendiam, em contentamento, as aspirações dos indivíduos em temáticas autocentradas nos campos políticos, culturais, econômicos e sociais.

    Com potencial de compartilhamento de notícias falsas, denominadas de fake news, as redes sociais constituíram um ambiente propício à disseminação de conteúdos orientados a campanhas políticas, como as presidenciais. A partir da pesquisa relacionada às mídias sociais nas eleições dos EUA, Allcott e Gentzkow (2017) endossam que as notícias falaciosas partilhadas na internet representaram fontes de informação ‘valiosas’, ou seja, confiar em notícias preterindo a crítica intelectiva e a veracidade dos conteúdos. Os autores admitem que as circunstâncias informacionais do mencionado período eleitoral, associadas à divulgação de notícias falsas, asseguraram a vitória de D. Trump em 2016.

    As notícias falsas envolvem distorções intencionais da realidade, como o processo de desinformação, e apresentam contornos convincentes para ludibriar pessoas com notícias parciais que dissimulam a verdade.

    Os artigos advêm de sites que disseminam conteúdos enganosos e sedutores, e os títulos assemelham-se às organizações de notícias verossímeis para confundir, na presente perspectiva, a sociedade. Contudo, a ausência de posicionamento crítico ou a apropriação intencional dos conteúdos falaciosos configura-se como dimensões legítimas da liberdade de acesso à informação, mas compromete e dificulta, em substância, a seleção de conteúdos verdadeiros direcionados a usuários de informação interessados em notícias constatadas.

    Como a pós-verdade presume o descompromisso com a realidade, os conteúdos precisos e relevantes assumem uma condição secundária nos processos de produção e circulação de informações, e as informações aparentes e falaciosas relevam-se como ‘verdades’ indubitáveis. Assim, as informações circuladas em ambientes virtuais encontram repercussões massivas e adquirem status de verdades incontestáveis. A considerar a referida dimensão, as informações registradas nas redes sociais apresentam desafios para desvelar a veracidade dos conteúdos circulados na internet.

    Como a pós-verdade pretere as considerações de peritos e cientistas em detrimento à lógica do senso comum, principalmente em plataformas de mídias sociais – constituídas como fontes predominantes de informação –, Vosoughi, Roy e Aral (2018) corroboram que as tecnologias sociais, dispositivos que facultam o compartilhamento instantâneo de conteúdos em ‘cascatas’, propiciam a disseminação de informações superficiais ou enganosas. Apresentando os dados da pesquisa relativa à disseminação diferencial de notícias verdadeiras e notícias falsas verificadas no Twitter, entre os anos 2006 a 2017, os autores evidenciam que os conteúdos enganosos divulgados alçaram uma projeção significativa, célere, profunda e ampla em relação às categorias das notícias verdadeiras. As informações falsas mais pronunciadas, segundo a pesquisa, equivaleram a temáticas como ‘terrorismo’, ‘desastres naturais’, ‘ciência’, ‘lendas urbanas’ ou ‘informações financeiras’.

    A investigação também evidenciou que as notícias falsas apresentavam novidades em contraponto das notícias verdadeiras, sugerindo que as pessoas manifestavam propensões psicológicas em compartilhar informações novas, independente dos conteúdos inverídicos. Em consonância aos resultados da referida pesquisa, as respostas às histórias falsas imprimiam medo, ojeriza e surpresa, enquanto as histórias verdadeiras inspiravam antecipação, tristeza, alegria e confiança. Consideraram ainda, nos resultados da investigação, a propagação acelerada e equânime de informações falsas e verdadeiras promovida por robôs, mas com a aderência e propensão de internautas (e não máquinas) em propagar boatos na internet.

    Em 2020, o cenário da pós-verdade como insumo à desinformação conferiu ao surto do novo coronavírus. Com o decreto de pandemia anunciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), correspondente ao aumento exponencial de infectados ao redor do mundo, o conceito de pós-verdade parece ascender à consolidação conceitual na modelagem da opinião pública. No Brasil, a exemplo, os meios de comunicação tradicionais (rádio, jornal impresso e televisão), sites e redes sociais direcionaram esforços contínuos para informar a sociedade, em tempo real, os desdobramentos do COVID-19, como procedimentos de proteção, evitar a propagação e tratar tecnicamente da enfermidade. Contudo, os noticiários encontraram também um ambiente propício à disseminação de informações falsas.

    No relatório Coronavírus: pandemia, infodemia e política (10 a 31 de março de 2020), coordenado por Isabela Kalil e R. Marie Santini (2020), com o amparo da equipe de pesquisadores sediados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, informa que a sociedade atual presencia uma ‘infodemia’ de conteúdos pertinentes ao novo coronavírus. A ‘infodemia’ constitui, em essência, a quantidade e variedade excessiva de informações relativas à temática, com variantes de credibilidade, conteúdos duvidosos, imprecisos e baseados em evidência. A ‘infodemia’ confunde os indivíduos no processo de seleção de fontes confiáveis que contribuiriam, mormente, com orientações seguras relativas à pandemia. Os responsáveis pelo relatório endossam ainda que informações deturpadas e disseminadas pelas mídias sociais e aplicativos de mensagens, como o whatsApp telegram, repercutem e impactam na opinião pública e no comportamento informacional de leitores.

    O excesso de fontes de informação e a miríade de assuntos disseminados pela internet poderão confundir a população na busca e recuperação de conteúdos confiáveis e apurados. Assim, a disseminação de publicações elaboradas por indivíduos que não possuem o ‘conhecimento de causa’ implicará novas configurações do comportamento de usuários da informação, sobretudo pelo desenvolvimento de competências para selecionar os conteúdos relevantes, ou factuais, daqueles desprovidos de fontes seguras de informação, constituindo-se uma desinformação, um desserviço à sociedade.

    Desta forma, a seção seguinte dissertará como os referidos processos da desinformação podem repercutir em práticas relacionadas ao comportamento informacional de leitores. A seção também discute determinados aspectos do comportamento informacional baseados na circulação de notícias falsas em meios de comunicação tradicionais e/ou virtuais.

    2.2 – Situando a notícia falsa

    As notícias falsas manifestam-se como conteúdos contraproducentes a usuários da informação, consequentemente a leitores diversos. Enunciam-se o contraponto às informações contidas em unidades de informação, a exemplo de bibliotecas, arquivos e museus, aos bancos de dados científicos e aos meios de comunicação comprometidos com os fatos. Wardle e Derakhsan (2019) estruturam uma figura para representar, conceitualmente, termos como ‘desinformação’ e ‘informação incorreta’ para contrastar com a informação verificável, de interesse público.

    Figura 1 – Desordem da informação – Fonte: Jornalismo, fake news e desinformação. Wardle e Derakhsan (2019).

    Os autores endossam que o discurso das notícias falsas corrobora com a informação incorreta e desinformação, constituindo a primeira um conteúdo falso, mas que o sujeito a dissemina como verdadeira; a segunda categoria, no entanto, constitui uma informação falsa, que o sujeito dissemina sabendo da não veracidade dos conteúdos, ou seja, uma mentira intencional e deliberada. Os autores ainda entendem que a má-informação, apesar de baseada na realidade, é usada para acarretar danos a pessoas, organizações ou países, contrariando padrões éticos dos meios de comunicação. A informação incorreta, a desinformação e a má-informação encontram reverberações nas tecnologias, considerando a velocidade de disseminação de conteúdos na internet.

    Sem dúvida, as tecnologias da informação e da comunicação têm influenciado o comportamento informacional de usuários/leitores significativamente. As notícias que refutam a veracidade dos acontecimentos, reservadas às prerrogativas da desinformação, tornaram-se práticas comuns no processo de modelar a opinião da sociedade e cooptar o senso comum. A disseminação de notícias falsas aumentou consideravelmente nos últimos tempos e é perpetrada por políticos em campanhas eleitorais, como ocorridas nos EUA e Brasil. As equipes responsáveis empregam estratégias baseadas em conteúdos enganosos, com softwares programados à propagação de mensagens promotoras da imagem do político, denominadas de robôs. Os perfis falsos em redes sociais também contribuem com a disseminação de informações enganosas.

    Empreendidas por profissionais e não profissionais, as notícias falsas desconsideram a ética informacional e procuram ludibriar a sociedade disseminando conteúdos que evocam vantagens particulares de determinados grupos.

    Com a capacidade de ‘viralização’, ou seja, compartilhamento massivo entre usuários das redes sociais, os conteúdos sempre estão baseados em informações descontextualizadas e parciais, com distribuição deliberada de desinformação e boatos em meios de comunicação tradicionais, como jornais impressos, rádio, televisão, e meios tecnológicos.

    Segundo Faustino (2019), com o surgimento de cibercultura, as notícias falsas alçaram o protagonismo no ambiente da internet devido à facilidade do anonimato, ou da ‘invisibilidade’ proporcionada pela web, encorajando as pessoas, ou grupos sociais, a conceber desinformações de maneira sistemática. O presente paper parte do pressuposto que os processos da desinformação podem repercutir nas práticas relacionadas ao comportamento informacional de usuários/leitores, concepções que serão discutidas a partir de notícias veiculadas em meios de comunicação (empiria), com destaque a sites e redes sociais da internet.

    3 – A desinformação e as interferências comportamentais

    A partir das discussões estabelecidas nas temáticas da desinformação e pós-verdade para justificar as interferências no comportamento informacional de usuários, observa-se, na literatura científica, o patente descompromisso de determinados indivíduos em verificar as fontes de informação para impedir a circulação de conteúdos inverídicos.

    Os propagadores  de boatos procuram, na informação inédita e falaciosa, conquistar atenção de inúmeros leitores, com ‘likes’ e ‘curtidas’, mas visando sempre o prejuízo de pessoas, organizações ou instituições.

    As notícias falsas podem redundar em consequências sociais dramáticas, a exemplo do linchamento de uma mulher promovido por moradores do bairro Morrinhos IV, na periferia do município de Guarujá, São Paulo. Acusada de praticar rituais de feitiçaria, circulou na comunidade a notícia falsa que a citada vítima sequestrava crianças e as assassinava nas supostas práticas magias macabras. A repercussão da ocorrência denuncia o perigo de boatos que circulam na internet e a problemática em confiar em informações divulgadas, desconsiderando as possibilidades das consequências trágicas que poderão suceder.

    As informações inverídicas interferem também questões de saúde pública, com ênfase ao agravo à credibilidade da imunização de vacinas, que orientou ao governo brasileiro a criar, em 2018, um canal exclusivo para conferir a veracidade de informações divulgadas na internet. Ainda no âmbito da saúde pública, a população brasileira assistiu, em 2020, à infodemia relativa à COVID-19, doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, que pode apresentar complicações respiratórias graves. Devido à inexistência de tratamentos medicamentosos, ou vacinas preventivas, milhares de notícias falsas foram disseminadas em redes sociais, principalmente a partir de aplicativos de mensagens instantâneas. As notícias circuladas conferiam a conteúdos falaciosos pertinentes à prevenção e tratamentos.

    Para exemplificar, as informações disseminadas orientavam à população que o vírus, antes de alcançar os pulmões, permaneceria na garganta durante quatro dias, apresentando, ao indivíduo acometido pela moléstia, tosse seca e dores no corpo. A recomendação, segundo a notícia falsa, consistia em gargarejar com água morna, sal ou vinagre para eliminar o coronavírus. Na continuação das notícias falsas correspondeu a medicamentos que prometiam restabelecer os pacientes do Covid-19; contudo, Cloroquina, Hidroxicloroquina, Ivermectina, medicamentos aventados para o tratamento do vírus, não apresentavam evidências científicas concernentes ao efetivo.

    Também pertinente à consequência das desinformações repercutindo em práticas relacionadas ao comportamento informacional de usuários/leitores, no Irã, circulou uma notícia falsa indicando o álcool etílico poderia combater o vírus. Como a cultura do citado país não autoriza a venda e consumo de bebidas alcoólicas, um estrato significativo da população resolveu consumir álcool, comercializado em farmácias e supermercados. Resultado: 37 mortes e 237 pessoas internadas em hospitais por intoxicação causada pelo metanol, conforme   publicação   do   jornal   local   Asharq   Al-Awsat   (2020). A desinformação, destarte, motivando o comportamento humano a práticas prejudiciais à saúde pública.

    Em pesquisa recente pulicada pela PSafe1 (2020), em meio ao COVID-19, revelou que o Whatsapp é a principal plataforma de compartilhamento de desinformação relativa à doença. A pesquisa estimou que 42,5 milhões de brasileiros já receberam, acessaram ou replicaram notícias falsas acerca da pandemia.

    Ainda vale ressaltar que o uso de robôs (bots) é também uma estratégia usada para veicular desinformação, com celeridade inquestionável, e que consiste em programas que simulam inúmeras ações humanas padronizadas. As atividades dos robôs permitem converter quaisquer assuntos em tendência, agredir uma figura pública, espalhar boatos e, inclusive, constituir-se em importante arma política.

    A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), como parte das ações de combate a desinformação, elaborou um infográfico anunciando com oito etapas essenciais para evidenciar a veracidade das informações, colaborando com a população na recuperação de conteúdos verídicos.

    Figura 2 – Como identificar notícias falsas – Fonte: IFLA.

    As etapas descritas no infográfico, elaborado pela IFLA, transita nas considerações das fontes de informação, como discutido na presente comunicação, na leitura sistemática de publicações associadas a autores reconhecimentos e sérios, as pesquisas de informações que assegurem o fundamento dos conteúdos selecionados, assim como a data de publicação, a essência da publicação (o conteúdo é ofensivo? Procura desqualificar pessoas, organizações ou instituições?) e as considerações de especialistas. As recomendações assinaladas pela Federação procuram promover a mitigação de notícias falsas disseminadas em canais de comunicação.

    Assim, desinformação estimulou na população manifestações comportamentais negativas preocupantes. Considerando a perspectiva conceitual de comportamento informacional elaborada por Wilson (1981; 2000), a necessidade de informação operou apropriações dos conteúdos na prática, sem avaliar adequadamente as fontes de informação. As informações divulgadas em websites preocupados em contestar as notícias falsas permite inferir que conteúdos disseminados em canais de comunicação diversos interferem, sim, no comportamento informacional dos usuários.

    A celeridade da circulação de conteúdos e facilidade do acesso à informação proporcionaram novas experiências, amplitude da liberdade de expressão e manifestação de diferentes abordagens de pensamentos. Entretanto, a possibilidade do anonimato constitui uma expressão sedutora a determinados usuários da internet, resguardando a sensação de impunidade do conhecido laissez-faire: a internet compreendida como um ambiente desgovernado e não controlado, que anuncia uma falácia de compreensão, ponderando o enquadramento jurídico legal a infratores da web. Mas compete recuperar o artigo 138 do Código Penal Brasileiro (2008), que, apesar de carecer de ajustes diante dos avanços das tecnologias, esclarece as práticas escusas em divulgar calúnia, difamação e injúria constitui um crime previsto em lei.

    Nos ambientes virtuais, as práticas de compartilhamento de conteúdos apresentam uma associação diretamente proporcional aos perfis que comportam um número de seguidores vultosos, tornando-os mais influentes e inseridos na rede mundial de computadores. Importante recuperar a premissa anunciada pela pós-verdade no aspecto da seleção de conteúdos que realizem emocionalmente as necessidades informacionais dos indivíduos, sem compromisso com notícia factual, verdadeira. As escolhas pautam-se, mormente, nas convicções pessoais e estão isentas de senso crítico.

    4 – Considerações finais

    O desenvolvimento substancial das TIC, no contexto contemporâneo, potencializa a disseminação de informações em meios de comunicação formais e informais da internet. As redes sociais, sites e jornais eletrônicos, a exemplos, configuram-se em ambientes propícios à disseminação célere de informações a diversos estratos da sociedade. A velocidade permite a circulação de conteúdos qualificados, verídicos e factuais à população, mas também constitui um espaço profícuo à ‘viralização’ de notícias falsas. O presente estudo adverte para a urgente necessidade em desenvolver competências ledoras ao acesso e uso da informação, com o propósito de distinguir conteúdos verdadeiros e falsos, e assim alcançar a consciência social engendrada na responsabilidade.

    Os profissionais da informação, com destaque a bibliotecários e documentalistas, poderão desempenhar atividades essenciais ao desenvolvimento das citadas competências informacionais de leitores e cumprir sua missão profissional em assegurar o acesso da sociedade a conteúdos qualificados.

    O combate à desinformação e às notícias falsas deverá representar uma prática coletiva, com a participação ativa da sociedade (indivíduos, organizações e instituições).

    Contudo, os desafios são inúmeros, a considerar o ambiente virtual e a inserção de influenciadores digitais; a pós-verdade também constituirá um desafio devido à súplica emocional em detrimento a informações verdadeiras.

    Ainda no âmbito dos contornos conceituais das tecnologias e da capacidade de inserção das redes sociais na circulação de conteúdos em diferentes meios de comunicação, a sociedade continua a enfrentar os desafios em selecionar conteúdos factuais para satisfazer as necessidades informacionais, pessoais ou coletivas. Assim sendo, a desinformação poderá acarretar insumos ao engano e a repercussões negativas no âmbito da apropriação de informações falaciosas.

    A sociedade (em geral) e os indivíduos (em específico) parecem desconhecer as estratégias orquestradas e norteadas a objetivos específicos; afora influenciar pessoas, a desinformação procura prejudicar organizações, instituições, líderes e governantes para emoldurar a opinião pública e convencer o senso comum.

    A partir das considerações formuladas, o comportamento de leitores enuncia desafios diante dos processos de desinformação e notícias falsas. As notícias veiculadas em sites e redes sociais corroboram com as argumentações defendidas no decurso do paper vigente. A desinformação poderá, sim, repercutir negativamente nas práticas relacionadas ao comportamento informacional de leitores, a constatar os casos do linchamento em São Paulo e as mortes por ingestão de álcool no Irã. Não obstante, os desafios são permanentes, com o crescente e intenso fluxo de notícias que pululam incessantemente.

    O compromisso com a verdade, descolada de crenças, opiniões e convicções, deverá constituir a ‘bússola’ de indivíduos preocupados com a sociedade bem informada.

    Nas considerações derradeiras, o corrente estudo apresentou limitações pertinentes à recuperação vultosa de notícias veiculadas em sites e redes sociais; notícias que corroborassem com as premissas das repercussões danosas da desinformação no comportamento de leitores. Ressalta-se o volume considerável de notícias que anunciam a correspondência de conteúdos enganosos com as práticas comportamentais, mas que carecem de análises aprofundadas para constructos argumentativos e consistentes. Os referidos constructos deverão estar fundamentados na literatura clássica e no ‘estado da arte’ de temáticas, como ‘psicologia cognitiva’, ‘comportamento informacional humano’, ‘necessidades informacionais’, ‘desinformação’, ‘infodemia’ e ‘hiperinformação’ para sedimentar as discussões empreendias no presente estudo.

    Como agenda de pesquisas futuras, os autores propõem a elaboração de um modelo de busca de informações para orientar a leitores no processo de diferenciação de notícias falsas e notícias factuais, com respaldo teórico-conceitual da CI. Os autores também aventam a possibilidade de ampliar o escopo da pesquisa, selecionando sites que procuram combater as práticas de desinformação e notícias falsas. A estratégica conferiria a estruturar as categorias discursivas das matérias disseminadas e associá-la a possíveis intencionalidades de indivíduos, ou organizações, que as publicam.

    Autores:

    José Carlos Sales dos Santos –Doutor em Ciência da Informação. Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.

    Vagner Marcelo Ramos Santos – Mestrando em Ciência da Informação. Universidade  Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.

    Fabiana Costa Lavigne – Mestrando em Ciência da Informação. Universidade  Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.

    Fonte:

    Biblos: Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação, Rio Grande v. 34, n. 02, p. 313-331, jul./dez. 2020 – https://repositorio.ufba.br/handle/ri/35205

    Referências

    ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social media and fake news in the 2016 election.

    Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, p. 211-236, 2017. Disponível em: Acesso em: 22out. 2018.

    ASHARQ AL-AWSAT. Iran’s Coronavirus Death Toll Rises to 291.Disponível em: https://aawsat.com/english/home/article/2173001/irans-coronavirus-death-toll-rises-291. Acesso em: 05 abr. 2020.

    BRASIL. Código Penal Brasileiro. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

    BRASIL. Projeto de Lei n° 6.812/2017. 2017. Disponível em: https://www.camara.gov.br/. Acesso em: 07 abr. 2020.

    BRASIL. Projeto de Lei n° 9.533/2018. 2018. Disponível em: https://www.camara.gov.br/. Acesso em: 07 abr. 2020.

    CANABARRO, Diego. Para além das “fake news”: os componentes da chamada “desordem informacional”. Disponível em: https://observatoriodainternet.br/post/para-alem-das-fake-news-os- componentes-da-chamada-desordem-informacional. Acesso em: 05 abr. 2020.

    CERIGATTO, Mariana Pícaro. Diálogos possíveis entre competências informacional e midiática: revisão da literatura e posicionamento de instituições da área. 2018. 264 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2018.

    CORRÊA, Elisa Cristina Delfini; CUSTODIO, Marcela Gaspar. A informação enfurecida e a missão do bibliotecário em tempos de pós-verdade: uma releitura com base em ortega y gasset. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, 2018. Disponível em: <https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/777/1043&gt;. Acesso em: 12 abr. 2020.

    DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas C. L. Fake news nas redes sociais online: propagação e reações à desinformação em busca de cliques. Media & Jornalismo, Lisboa, v. 18, n. 32, p. 155-169, abr. 2018. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2183- 54622018000100012&lng=pt&nrm=iso. Acesso: 12 abr. 2020.

    DEMO, Pedro. Ambivalências da sociedade da informação. Ciência da Informação., Brasília, D.F., v. 29, n. 2, p. 37-42, maio/ago. 2000. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/885. Acesso em: 05 abr. 2020.

    FAUSTINO, André. A liberdade de expressão nas redes sociais na sociedade da informação. 1. ed. Editora: Lura Editorial, 2019.

    FERREIRA FILHO, João Batista. A verdade sob suspeita: fake news e à conduta epistêmica na política da desinformação. Academia. [S. l.], 2018. Disponível em: https://www.academia.edu/38074713/A_verdade_sob_suspeita_fake_news_e_conduta_epist%C3%AAmica_na_pol%C3%ADtica_da_desinforma%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 10 abr. 2020.

    GRAGNANI, Juliana. Pesquisa inédita identifica grupos de família como principal vetor de notícias falsas no WhatsApp. BBC Brasil. Londres, 20 abr. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43797257>. Acesso em: 12 abr. 2020.

    KALIL, Isabela; SANTINI, R. Marie. Coronavírus, pandemia, infodemia e política. Relatório de pesquisa. Divulgado em 01 de abril de 2020. 21p. São Paulo / Rio de Janeiro: FESPSP / UFRJ. Disponível em: <https://www.fespsp.org.br/store/file_source/FESPSP/Documentos/Coronavirus- einfodemia.pdf> Acesso em: 20 abr. 2020.

    MONTEIRO, Silvana Drumond; FIDENCIO, Marcos Vinicius. As dobras semióticas do ciberespaço: da web visível à invisível. Transinformação, Campinas, v. 25, n. 1, p. 35-46, Abr. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 37862013000100004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13 abr. 2020.

    MORAES, Isabela; MERELES, Carla. Notícias falsas e pós-verdade: o mundo das fake news e da (des)informação. Disponível em https://www.politize.com.br/noticias-falsas-pos-verdade/ Acesso em: 12 abr. 2020.

    OLIVEIRA, Maria Lívia Pacheco de; SOUZA, Edvânio Duarte. A competência crítica em informação no contexto das fake news: os desafios do sujeito informacional no ciberespaço. Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, n. XIX ENANCIB, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/102566. Acesso em: 13 abr. 2020.

    OXFORD UNIVERSITY PRESS. Word of the year 2016 is.2017. Disponível em: https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016. Acesso em: 18 out. 2018. PINHEIRO, Marta Macedo; BRITO, Vladimir de Paula. Em busca do significado da desinformação. DataGramaZero, Revista de Informação v. 15 n. 6 dez/14. Disponível em: https://www.brapci.inf.br/index.php/article/download/51758. Acesso em: 02 abr. 2020.

    POSETTI, Julie; MATTHEWS, Alice. A short guide to the history of ’fake news’ and disinformation. Disponível em: https://www.icfj.org/news/short-guide-history-fake-news-and-disinformation-new- icfj-learning-module. Acesso em: 04 abr. 2020.

    PSAFE. Fake news sobre Coronavírus já atingiu 42,5 milhões de brasileiros. Disponível em: https://www.psafe.com/pt-br/pesquisas-psafe/. Acesso em: 07 abr. 2020.

    RIPOLL, Leonardo; MORELLI MATOS, José Claudio. Zumbificação da informação: a desinformação e o caos informacional. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, p. 2334-2349, dez. 2017. ISSN 1980-6949. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/918. Acesso em: 12 abr. 2020.

    SAMPAIO, Denise Braga; LIMA, Izabel de França; OLIVEIRA, Henri Poncio Cruz de. Estratégias fact-checking no combate à fake news: análises informacional e tecnológica no e-farsas e boatos.org. Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, n. XIX ENANCIB, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/103103. Acesso em: 13 abr. 2020.

    SINTRA, Marta Catarina Dias. Fake News e a Desinformação: perspetivar comportamentos e estratégias informacionais. 2019. Dissertação(Mestrado). Universidade Nova Lisboa, Lisboa, 2019. Disponível em: <https://run.unl.pt/handle/10362/79564&gt;. Acesso em: 03 abr. 2020.

    SORJ, Bila. Anti-semitismo na Europa hoje. Novos estud. – CEBRAP, São Paulo, n. 79, p. 97-115, novembro de 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 33002007000300005&lng=en&nrm=iso. Acesso em 10 de abril de 2020.

    STRONGREN, Fernando F. Fake News: um conceito indefinido. Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.10, n.1, p. 62-80, Set. 2019. Disponível em: http://www.semeiosis.com.br/fake-news-um-conceito-indefinido/. Acesso em: 06 abr. 2020.

    TESICH, Steve. A government of lies. The Free Library, Jan.1992. Disponível em: https://www.thefreelibrary.com/A governmentof lies.-a011665982. Acesso em: 23 mar.2020.

    TOBIAS, Mirela Souza; DELFINI CORRÊA, Elisa Cristina. O paradigma social da Ciência da Informação: o fenômeno da pós-verdade e as fake news nas mídias sociais. Revista ACB, [S.l.], v. 24, n. 3, p. 560-579, dez. 2019. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1529&gt;. Acesso em: 12 abr. 2020.

    VOSOUGHI, Soroush.; ROY, Deb.; ARAL, Sinan. The spread of true and false news online. Science, 359, p.1146-1151, 2018.

    WARDLE, Claire; DERAKHSHAN, Hossein. Módulo 2: Reflexão sobre a “desordem de informação”: formatos da informação incorreta, desinformação e má-informação. In: IRETON, Cherilyn; POSETTI, Julie (Eds.).Jornalismo, fake news e desinformação. Paris: UNESCO, 2019.

    WILSON, Thomas Daniel. Human information behavior. Informing Science Research, v. 3, n. 2, p. 49-55, 2000. Disponível em: http://www.inform.nu/Articles/Vol3/v3n2p49-56.pdf. Acesso em: 21 jan. 2020. WILSON, Thomas Daniel. On user studies and information needs. Journal of Documentation, v. 31, n. 1, p. 3-15, 1981.

    Screenshot_20200502-144642_2

    Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

    Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

    Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

    A indiferença

    Há poucos dias, lendo um texto na Internet, percebi algo sensacional, porém a reboque uma triste realidade.

    Por muitas vezes ficamos nos perguntando onde está a Maçonaria que tanto protagonizou em nossa história, que tantos homens que dela no passado fizeram parte mudaram a bússola da humanidade e, por fim, aquela Maçonaria libertadora e fraterna da qual sempre ouvimos e falamos, para onde foi, e onde está?

    Em verdade, ela não morreu, essa é a boa notícia! Mas ela sofre da indiferença de seus membros…

    Sim, essa é a palavra-chave, indiferença!

    O grande problema atual da Maçonaria não reside em seus Rituais, mas sim nos que nela pregam a total indiferença, e isso é tão verdadeiro que muitos que lerão esta peça, se quer irão se dar conta disso.

    Essa indiferença se inicia quando os seus membros começam a ignorar seus ensinamentos, deixam de lado suas reuniões por qualquer motivo fútil, ignoram a palavra de um irmão, se deixam levar pela vaidade exacerbada pela busca de um poder, que em verdade não tem poder algum, a medalha no peito e um cargo começam a ser mais almejada que a sua busca pelo aperfeiçoamento, a indiferença é tão latente nos dias atuais que não estar presente se tornou banal, ir um dia ou outro, tanto faz…

    A indiferença na Maçonaria é algo nocivo, é visível atualmente ver irmãos ávidos ao Mestrado, e quando lá alcançam simplesmente dão as costas para suas Lojas.

    Realmente o recado da indiferença veio muito para trazer uma profunda reflexão do verdadeiro papel em Maçonaria, onde deveríamos fazer a diferença estamos pregando a indiferença, nem nós, nem a Instituição merecem esse tratamento.

    O Maçom precisa fazer a diferença, não a que se fala, mas a que se faz! Ser assíduo, participativo, ser parte viva da Loja, ser praticante da solidariedade, do convívio entre os irmãos, das obras sociais, enfim ser parte e não apenas fazer parte, quando não é assim, sobressai a indiferença, triste realidade.

    Essa foi a grande reflexão, o mal que fazemos pregando a indiferença, está tornando nossa Instituição, vazia, oca, sem causa e inútil!

    A Maçonaria não é um clube de festas e eventos sociais, é uma escola de aperfeiçoamento humano, ela não convive com a indiferença!

    O contrário dessa indiferença, deveria ser amor.

    Autor: Renato Krile

    Screenshot_20200502-144642_2

    Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

    Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

    Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com

    A questão do sagrado na maçonaria: intolerância, controvérsias e aproximações

    A maçonaria possui como fundamento princípios iluministas e libertários que garantem à instituição um caráter laico e de tolerância, permitindo aos seus membros a prática da liberdade religiosa. Todavia, os últimos três séculos foram marcados por diversas demonstrações de intolerância entre a instituição maçônica e as diversas religiões, disputas internas que resultaram em cismas e que demonstram contradição entre a teoria e a aplicação prática de tais princípios. Esse texto tem como objetivo analisar algumas dessas tensões, trazendo novas considerações sobre a questão religiosa e sua relação com a maçonaria e os desafios para o futuro.

    Introdução

    A maçonaria em sua vertente tradicional exige daqueles que buscam iniciar em seus augustos mistérios a crença em Deus1, independente de filiação religiosa, respeitando a liberdade de pensamento e a expressão de fé de cada indivíduo. Nas diversas lojas é possível constatar a presença de maçons cristãos, judeus, umbandistas, espíritas, muçulmanos e das mais variadas crenças. Conforme os fundamentos da instituição, a pluralidade de ideias é um princípio basilar da maçonaria.

    O Iluminismo, movimento intelectual e filosófico que dominou a Europa durante o século XVIII, também conhecido como “século das luzes”2, teve como característica uma série de ideias centradas na razão como a principal fonte de autoridade e legitimidade. Assim, defendia ideais como liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, governo constitucional e a separação Igreja-Estado3. Na França, as doutrinas centrais dos filósofos do Iluminismo eram a liberdade individual e a tolerância religiosa, em oposição a uma monarquia absoluta e aos dogmas fixos da Igreja Católica Romana4. Muitas das reuniões dos filósofos iluministas aconteciam em círculos maçônicos, por consequência, muitos maçons eram grandes proeminentes do movimento. Diante disso, pode-se propor que a maçonaria colaborou com o desenvolvimento do Iluminismo, e munida do mais profundo princípio de igualdade entre os homens, emprestou seu conceito e experiência de democracia à sociedade contemporânea então recentemente instalada, graças à liderança libertadora de seus membros5.

    Posteriormente, tais influências vieram a gerar diversos problemas na relação entre a maçonaria e as diversas matrizes religiosas, como as excomunhões advindas de leis das igrejas cristãs, mas também da impossibilidade de membros de religiões não-teístas, como os budistas, ou os ateus, que não podem ser iniciados na maçonaria anglo-saxônica e nas potências que possuem tratado de reconhecimento mútuo com eles. A questão da fé também ocasionou cismas dentro da maçonaria, como o ocorrido entre o Grande Oriente da França e a Grande Loja Unida da Inglaterra, gerando as duas grandes instituições, tradicional/dogmático e liberal/adogmático. Essa separação expõe certas fragilidades da instituição e apresentam um caráter bem diferente daquele que é apresentado publicamente pelos seus membros.

    Dessa forma, a análise das tensões entre as diversas expressões religiosas e a maçonaria, bem como suas disputas internas, se apresentam como fios condutores diante da possibilidade de um debate que visa não somente a compreensão mútua, minando pontos de divergências que podem ser mais bem compreendidos, mas também como forma de aproximação e de diálogo, construindo pontes tão necessárias na sociedade contemporânea, objetivando a cooperação no soerguimento de espaços de paz e respeito.

    Desenvolvimento

    A relação entre as religiões e a maçonaria apresenta-se durante toda a história da instituição, desde seus primórdios até a modernidade, onde é possível verificar uma mudança de relação entre ambos os lados, passando de um caráter amistoso para uma constante tensão. No início da fase operativa da maçonaria, constata-se em seus antigos documentos, chamados Old Charges, ou “Antigas Obrigações”, diversas menções sobre essa relação. Vale destacar que o período operativo, durante a Idade Medieval, foi marcado pela aproximação entre os pedreiros livres e a Igreja Católica, motivados pelos talentos desses trabalhadores na arte de construir, especialmente as grandes catedrais católicas. Isso fez com que as concepções religiosas oriundas do catolicismo fossem abraçadas pelos grupos das guildas de construtores, base da maçonaria moderna.

    Após o advento do Iluminismo, diversos intelectuais passaram a manter relações estreitas com os ambientes dos pedreiros operativos, de modo que aqueles espaços que outrora eram restritos aos que dominavam a arte de construir, em uma relação laboral e iniciática, estavam aos poucos tornando-se ambientes especulativos, círculos filosóficos, onde discutiam-mais diversos temas de interesse comum.  Desse ponto em diante, ao fim do século XVII, a herança maçônica medieval passaria a ser vista como simbolismo de valor esotérico, restrito aos seus iniciados. É nesse contexto que a instituição passa a receber os chamados “aceitos”, aqueles que não eram pedreiros no sentido literal do termo, mas que foram recebidos em alojamentos exclusivos de tais grupos.

    Como consequência das transformações ocorridas na maçonaria, não tardou para que o ambiente logo se tornasse estritamente especulativo, afastando-se totalmente do aspecto laboral presente durante toda a Idade Medieval. Assim, é possível constatar nessa fase a presença de muitos intelectuais das mais diversas áreas, como cientistas, músicos, políticos e filósofos. Naturalmente, essa abertura fez com que a pluralidade de ideias também fosse introjetada na instituição, especialmente aquelas advindas do pensamento iluminista. Como consequência, por conta do contexto em que estava inserida, a maçonaria passou a enfrentar problemas com a Igreja Católica, que passou a não aceitar que os seus fiéis fossem membros da instituição. Os documentos oficiais da igreja mencionam que a ordem maçônica possui princípios anticristãos, deístas, libertários e humanistas ou iluministas.

    Essa disputa, que teve início através da condenação pública feita pelo cardeal André Hercule de Fleury, primeiro-ministro de Luís xv, em 14 de setembro de 1737, proibia todas as reuniões secretas e, especialmente, a formação de associações qualquer que fosse o pretexto e qualquer que fosse a denominação, foi formalizada no ano seguinte com a publicação da encíclica In eminenti apostolatus specula (1738), do papa Clemente XII6. Após essa primeira condenação, surgiram diversas outras que fazem referências desfavoráveis à maçonaria, são algumas delas: Providas Romanorum, de Bento XIV (1751); Inscrutabili Divinae, de Pio VI (1775); Ecclesiam a Jesu Christo, de Pio VII (1821); Quo Gravioria Mala, de Leão XII (1825); Traditi Humilitati (1829), Litteris Altero (1830), de Pio VIII; Mirari Vos (1832), de Gregório XVI; Qui Pluribus (1846), Quibus Quantisque Malis (1849), Quanta Cura (1864), Multiplices Inter (1865), Apostolicae Sedis Moderatoni (1869), Etsi Multa (1873), Etsi Nos (1882), de Pio IX; Humanum Genus (1884), Officio Sanctissimo (1887), Dall’Alto Dell’Apostolico Seggio (1890), Inimica Vis (1892), Custodi di quella fede (1892), Praeclara (1894), Annum ingressi (1902), de Leão XIII. O último documento oficial que faz referência à maçonaria é a Declaração sobre a Maçonaria, assinado pelo cardeal Joseph Ratzinger, em 26 de novembro de 1983.

    Esses embates estenderam-se por quase 300 anos, passando pelos círculos protestantes e das demais religiões, o que exigiu posicionamento muitas delas sobre a questão maçônica, e até mesmo da maçonaria em relação a algumas religiões. Em 1888, supostamente um budista havia sido iniciado na Birmânia, o ocorrido chamou a atenção de alguns maçons ingleses que afirmaram que “o budismo só pode ser chamado de religião em um sentido muito peculiar, pois é teoricamente um ateísmo puro e ignora totalmente a existência de uma divindade”, e que por isso disso “um budista parece carecer de vários requisitos essenciais exigidos de um candidato à Maçonaria”7.

    No âmbito do protestantismo, em 2010 a Igreja Evangélica Luterana do Brasil emitiu um parecer desfavorável sobre a maçonaria e a participação de cristãos luteranos na instituição8. A Igreja Presbiteriana do Brasil, por sua vez, modificou seu posicionamento sobre a maçonaria desde sua chegada no Brasil na segunda metade do século XIV até 2012. Conforme decisão do Sínodo, ocorrido em 1900, os cristãos presbiterianos poderiam decidir fazer parte ou não da maçonaria. Contudo, em 1996 a Comissão Executiva do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil publicou parecer recomendando seus membros a evitarem o envolvimento com a maçonaria. Atualmente, a denominação proíbe vinculação de seus membros à instituição maçônica9.  Em 2013,  durante  o  18º  Concílio  Geral  da  Igreja  Metodista,  ficou  definido  que os fiéis membros da maçonaria não devem ser impedidos de participar das atividades da igreja, contudo, deveriam ser orientados a se desvincular da instituição. Os novos membros, por sua vez, só podem ser recebidos na igreja após o desligamento da maçonaria10.

    Tais questões são ainda mais complexas nas relações entre a maçonaria e as igrejas protestantes de viés pentecostal e neopentecostal, onde há um forte apelo ao discurso conspiracionista, demoníaco e de “guerra espiritual”. As disputas que envolvem todas essas instituições ainda são objetos de discussão, envolvendo agentes de ambos os lados, teólogos e maçonólogos, sendo um campo rico para os estudos no âmbito da maçonologia, das ciências da religião e da teologia, visando compreender do fenômeno religioso dentro da instituição, sua relação com as diversas expressões religiosas, bem como suas eventuais implicações.

    Definindo Religião e Maçonaria

    Para se chegar à questão do sagrado na maçonaria, faz-se necessário compreender as maneiras como o ser humano compreende e vivencia a religião. Autores como Messadié11, Eliade12, Holloway13 e Campbell14, ocuparam-se  em analisar e  sistematizar uma história das  religiões  e do  mito,  de  modo  que, suas  contribuições  influenciam  até  hoje  os  estudos  das  religiões  em todo o mundo. Parte integrante dessas pesquisas vão além do registro histórico e do arcabouço prático das diversas matrizes religiosas, mas também apontam para um aspecto relacional entre o homem e o transcendente no aspecto místico.

    A mística, assim como a religião em seu aspecto prático, é algo que está presente na existência humana desde os primórdios de sua existência. Ela não é uma especialização (característica do pensar ocidental moderno), é uma dimensão antropológica, um algo que pertence ao mesmo ser humano. Todo homem é místico – ainda que seja em potência15. Há uma relação entre mística e religião, que conforme os apontamentos de Vaz, se dá no aspecto da experiência e do transcendente:

    Com efeito, o sentido original, e que vigorou por longo tempo, de termo mística e de seus derivados diz respeito a uma forma superior de experiência, de natureza religiosa, ou religioso-filosófica (Plotino), que se desenrola normalmente num plano transracional – não aquém, mas além da razão –, mas, por outro lado, mobiliza as mais poderosas energias psíquicas do indivíduo. Orientadas pela intencionalidade própria dessa original experiência que aponta para uma realidade transcendente, essas energias elevam o ser humano às mais altas formas de conhecimento e de amor que lhe é dado alcançar nessa vida16.

    Para  além  das  definições  mais  conhecidas  de  Cícero,  Lactâncio  e Agostinho de  Hipona, algumas outras apontam para perspectivas mais abrangentes sobre do que se trata a religião. Para Matthew Arnold, um escritor inglês do séc. XIX, por exemplo, ela é “moralidade tocada pela emoção”17. O primeiro registro público de um maçom definindo o que é religião foi feito por Westcott em seu artigo Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah (1888). O autor aponta que  “religião  é  o  nome  que  nós,  mortais,  damos  às  nossas  aspirações  em relação  ao nosso Criador e aos nossos esquemas para lê-lo”18. Por outro lado, a definição de Julien Ries afirma que “é antes de tudo um pensamento estruturado, que explica o divino e o cosmos e implica uma Weltanschauung [visão de mundo]”19. Na modernidade, o sociólogo Émile Durkheim definiu religião como “um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”20. Sobre isso é importante ressaltar que a religião está ligada à crença no aspecto público e coletivo, e por isso não vemos religião de um único praticante, de modo que a religiosidade é um fenômeno social. Adilson Koslowski, em seu artigo “Em torno da problemática de definir Religião” (2013), cita a contribuição de William Alston que, por sua vez, valeu-se do conceito de “semelhança de família” de Wittgenstein para chegar em uma definição bastante abrangente do que é religião. Para o autor a religião é caracterizada por nove propriedades:

    crença em seres sobrenaturais (Deus ou Deuses); a distinção entre o sacro e o profano; atos rituais focados sob objetos sagrados; um código moral sancionado por Deus ou pelos deuses; sentimentos religiosos (senso do mistério, adoração, assombro, fascínio); oração e outros tipos de comunicação com o divino; uma visão geral da vida e da morte, uma organização mais ou menos total da existência (cosmovisão); por fim, um vínculo com uma comunidade religiosa21.

    Com tais apontamentos podemos ter uma ideia mesmo que plural sobre o que é religião. Entretanto, defini-la de maneira homogênea ainda é uma tarefa bastante complexa. Adilson Koslowski aponta essa dificuldade:

    Rigorosamente, podemos apenas dizer se algo é mais ou menos religião, a saber, se tem mais ou menos semelhanças com o conjunto de características de religião. Em suma, não temos uma definição de religião, temos apenas uma caracterização de religião ou um conceito brando de religião22.

    Definir a maçonaria como sendo ou não religião é ainda uma questão que gera controvérsia. A posição majoritária é a dos autores que defendem que a instituição maçônica não é uma religião, apesar de possuir práticas e expressões religiosas. Whytehead em seu artigo Whymper’s Religion of Freemasonry (1888), traz um questionamento bastante oportuno sobre o assunto: “maçonaria não é uma religião, mas apenas a serva da religião. Admitindo que não seja em si uma religião, se deve ter uma religião própria, caso contrário, por que tem orações e ensino religioso?”23. Freitas Neto, por sua vez, buscou esclarecer os diferentes objetivos e áreas de atuação da maçonaria e das religiões:

    A Maçonaria e as religiões operam em planos diferentes. A Loja nunca poderá ser uma substituta do templo, ainda que seja eventualmente chamada de “templo”, porque ela não fornece respostas às questões fundamentais que afligem o espírito. A Loja é um espaço de sociabilidade e ética que se soma à religião, à qual presta tributo, ao exigir dos seus membros prévia profissão de fé num Criador e ordenador do Universo como condição de admissão e permanência24.

    As potências regulares do Brasil, em suas constituições e regulamentos, apresentam definições do que é a maçonaria. A Constituição do Grande Oriente do Brasil (2009), em seu artigo 1º, afirma que a Maçonaria é uma instituição essencialmente iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista, cujos fins supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ankerberg e Weldon são exemplos de autores que discordam da visão majoritária, eles afirmam que:

    A leitura exaustiva dos escritos maçônicos deixa claro que a Maçonaria é uma religião substituta, não importa quão sincera e categoricamente tente negar isso. Quanto mais se lê sobre a Maçonaria, mais óbvio e inegável fica o fato de que a Maçonaria acredita e alega que é a Única Religião Verdadeira25.

    Ailton Elisiário de Souza, mencionando uma carta da Grande Loja Unida da Inglaterra dirigida à Grande Loja do Uruguai, publicada em 18 de outubro de 1950, aponta que a maçonaria se trata de um culto, afirmando seu caráter religioso de viés monoteísta. Esse pensamento está presente em toda a maçonaria advinda da tradição anglo-saxônica, também chamada maçonaria tradicional ou dogmática:

    A Maçonaria não é um movimento filosófico admitindo toda orientação ou opinião… A verdadeira Maçonaria é um culto para conservar e difundir a crença na existência de Deus, para ajudar os Maçons a regular a sua vida e a sua conduta nos princípios de sua própria religião, qualquer que ela seja… mas deve ser uma religião monoteísta que exija a crença em Deus como Ser supremo… e deve ser uma religião tendo um livro sagrado sobre o qual o iniciado possa prestar o juramento à Ordem26.

    Nogueira Filho, por sua vez, apresenta uma definição mais próxima do pensamento oriundo do Iluminismo:

    A maçonaria é uma escola de filosofia, de moral, de ética, de bons costumes e os seus filiados, nela aprendem, à medida que evoluem, que à dinâmica da vida, acompanha o progresso das artes, da ciência, formando mentalidades sensíveis e progressistas para a universidade dos conceitos básicos e ecumênicos, (como são as leis naturais) eternas e imutáveis, da criação do G.A.D.U.27

    Tomando como ponto de partida essas conceitualizações, podemos compreender a maçonaria como uma instituição pautada no progressismo e na evolução do ser humano, através do aprimoramento intelectual, inspirado nas diversas filosofias, no estudo das artes, da ciência e das religiões. É desta maneira que as expressões religiosas possuem espaço e se manifestam na maçonaria, e mesmo a instituição não sendo uma religião, também é crença comum dos maçons que o principal requisito para admissão em sua sociedade é a crença em um governante Onipresente, Onisciente e Onipotente do Universo.

    Intolerância, controvérsias e aproximações

    Durante o percurso histórico da maçonaria, em especial nas suas fases operativa e especulativa, pode-se constatar um afastamento do plano original da ordem. Nesse sentido, a  instituição  que  por volta  do  século  XIV  possuía grande  influência  religiosa,  quatro  séculos depois adquiriu um caráter secular.

    Os Antigos Deveres ou Old Charges dessas corporações – regulamentos que existiam naquele período operativo – sempre iniciam com invocações a Deus, como o Estatuto dos Talhadores de Pedra de Ratisbona, de 1459, que começa assim: “Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo, da bem aventurada Virgem Maria, como também de seus bem aventurados servos, os Quatro Santos Coroados, à sua eterna memória”. O Poema Regius, de 1390, dispõe que: “Quem conheça este ofício e adquira dignidade, amará sempre a Deus e à Santa Igreja”. O Manuscrito de Harley, de 1670, começa assim: “O Pai onipotente do céu, com a sabedoria do glorioso Filho e pela bondade do Espírito Santo, três pessoas em um só Deus, estejam conosco e nos dêem graça para dirigir a nossa conduta a fim de alcançar a duradoura felicidade. Amém”28.

    Nas primeiras décadas após a fundação da Grande Loja da Inglaterra, em 171729, os primeiros rituais maçônicos começaram a surgir pela Europa. Além da ordem das reuniões, os rituais continham  também “orações distintas, dirigidas ao Deus  único  claramente  definido”30.  Desta forma, segundo os apontamentos de Westcott, a Maçonaria tem, ao que parece, uma grande ideia central, um criador, um Deus Único31. Essa posição aparece como herança de tempos anteriores da instituição. Ao tratar da doutrina maçônica, o autor afirma que:

    Nossa atual doutrina é o unitarismo, revestido das virtudes cristãs. Se a Maçonaria surgiu como um esquema inteiramente novo no século 16 ou 17, ela deve ter surgido em uma terra cristã e certamente teria sido marcada por características especialmente trinitárias, que teriam permanecido permanentes32.

    A maçonaria inglesa é historicamente fundamentada na Bíblia. Ela surge como uma fraternidade aberta a cristãos de todas as correntes, uma vez que não se punha como uma religião ou partido político, mas como um espaço de sociabilidade33. Durante todo o período de 1717 a 1813, havia nesses espaços para a prática de se fazer orações cristãs, algo bastante comum e, de fato, quase universal34.

    Todas as suas tradições, títulos e palavras são tiradas das Escrituras, suas lições são derivadas delas, e muito de sua fraseologia é apropriada da mesma fonte; de modo que se for verdade, como concordam todos os historiadores maçônicos de renome, que todo o sistema de Maçonaria Especulativa, como atualmente conhecido no mundo civilizado, é derivado linearmente da Maçonaria Revisada Inglesa de 1717, segue-se necessariamente que todos os maçons dos dias atuais consideram ou deveriam considerar a Bíblia como a Grande Luz da Maçonaria35.

    Conforme aponta B. Cramer, “as várias defesas da Maçonaria do período provam que muitos membros eram cristãos piedosos, e que era tomado muito cuidado para não admitir ateus na Ordem”36. As Constituições de Anderson, documento base legal da Maçonaria Especulativa, afirmam que um maçom não deve ser ateu ou irreligioso, no entanto, “esta rejeição expressa do ateísmo, no entanto, não impediu que os maçons fossem constantemente acusados de uma tendência ao livre pensamento e ao deísmo”37.

    Um Maçom é obrigado, por sua Condição, a obedecer à Lei moral; e se compreende bem a Arte, não será jamais um Ateu estúpido, nem um Libertino irreligioso. Mas se bem que nos Tempos antigos os Maçons fossem obrigados em cada País a ser da Religião, qualquer que fosse, desse País ou dessa Nação, contudo é considerado mais conveniente de somente os sujeitar àquela Religião sobre a qual todos os Homens estão de acordo, deixando a cada um suas próprias Opiniões; isto é, serem Homens de bem e leais, ou Homens de Honra e de Probidade, quaisquer que sejam as Denominações ou Confissões que os possam distinguir; pelo que a Maçonaria se torna o Centro de União, e o Meio de firmar uma Amizade sincera entre Pessoas que teriam ficado perpetuamente Distanciadas38.

    Mesmo a maçonaria tendo como base o teísmo cristão, o ceticismo aumentava com o passar dos anos, e assim, no final do século XVII, o solo estava preparado para o crescimento do deísmo, a religião dos educados no alvorecer do Iluminismo39.

    Até  o  final  do  século  XVI,  era  considerado  suficiente  na  Inglaterra  defender  pontos  de vista teológicos apelando para os velhos métodos dogmáticos. O livro de Hooker sobre a Constituição da Igreja, 1594, é o primeiro a aplicar a razão no domínio da teologia, pois até 1611 duas pessoas foram queimadas por bispos ingleses por dissidência religiosa. No entanto, a filosofia realista de Bacon havia fortalecido a independência das mentes dos homens, e assim apareceu em 1637 a célebre obra de Chillingworth sobre a religião protestante, na qual toda autoridade em assuntos espirituais é rejeitada: o autor não indaga se certos dogmas são aprovados por a Igreja, mas se estão em consonância com a razão humana, pois somente tais são de crença obrigatória40.

    Ainda de acordo com B. Cramer, “o deísmo inglês se esforçou para erigir uma religião natural, isto é, filosófica, em oposição a um credo positivo”41. O deísmo afirma a crença em um ser divino, em vez da adesão a uma doutrina ou igreja religiosa específica. Como consequência da adesão a esse pensamento em círculos maçônicos, ocorreram diversos ataques à maçonaria por parte de igrejas estabelecidas e autoridades religiosas em vários países.

    Foram os filósofos naturais newtonianos, que acreditavam na observação e interpretação racionais e abraçavam uma “religião universal ou religião da natureza”, os envolvidos na escrita e promulgação das obrigações e dos rituais da maçonaria inglesa moderna. Para esses pensadores a parte essencial da religião é de natureza imutável, pois se baseia na razão imutável, de modo que, a religião pode, portanto, ser chamada de lei moral de todas as nações. Essa é uma abordagem do conhecimento baseada nos princípios newtonianos, combinando a crença em Deus com a observação racional do mundo natural. “A primeira das “Antigas Obrigações” diz: “embora nos tempos antigos… mas agora é considerado mais conveniente apenas obrigá-los àquela religião com a qual todos os homens concordam”. (Isto é próprio do filósofo, do pensador, perseguido desde a infância)”42.

    A maçonaria tem grande influência na forma como os maçons passam a compreender e se relacionar com a religião. Isso tem ligação direta com os pressupostos da ordem, os mesmos que fizeram parte da construção maçônica durante o iluminismo. Através do estímulo da ordem para que o maçom seja um buscador, ele passa a ser alguém que investiga os fenômenos da realidade através da ciência, da filosofia e da razão.

    Em 1813 as duas Grande Lojas da Inglaterra, os “Antigos” e os “Modernos”, uniram-se e formaram a Grande Loja Unida da Inglaterra. Esse período foi marcado por um esforço para colocar todo o Cristianismo fora da ordem, contudo, não obtendo muito sucesso:

    Em 1813, uma nova volta foi dada ao parafuso, e este último aperto resultou na eliminação das orações cristãs e algumas outras alusões de caráter cristão. Mesmo assim, no entanto, diz o irmão Whymper, no ritual que foi acordado na União, nosso ritual atual, há ampla evidência a ser encontrada de um tom cristão geral; na verdade, parte do simbolismo, se não aponta diretamente para o cristianismo, é reduzido a uma série sem sentido de palavras, mais particularmente no caso de algumas porções encontradas no trabalho do Terceiro Grau43.

    Mesmo com a grande influência cristã, a abertura ao ingresso dos maçons aceitos fez com que diferentes formas de fé também batessem à porta da instituição. Diante disso, novos dilemas foram surgindo, pois aquela sociedade liberal e plural deveria buscar respostas para diversas questões que foram motivos de debates, principalmente sobre a recepção ou proibição da iniciação de candidatos que não fossem cristãos. Ritualisticamente buscava-se soluções sobre como adequar os procedimentos, tendo em vista que até aquele momento a bíblia cristã era o único livro pertencente a uma religião que estava disposto dentro dos templos. Vale ressaltar que a maçonaria especulativa nunca teve o objetivo de ser mundial. Os fundadores não previram sua extensão além das terras inglesas e isso foi um dos motivos que os colocou em uma questão problemática, já que nenhuma provisão havia sido feita para casos em que fosse necessário realizar a recepção de homens de fé diferente da que prevalecia naquele contexto. Isso fez com que alguns autores assumissem posturas menos tolerantes quanto à presença de outras manifestações de fé dentro da maçonaria inglesa. Whytehead, analisando o livro Religion of Freemasonry (1888), de Henry Josiah Whymper, traz como principal apontamento o problema da universalidade maçônica na Índia e como isso passou despercebido de uma análise cuidadosa por parte dos maçons ingleses:

    Nós, que vivemos na Inglaterra, apenas lemos ou ouvimos falar das práticas das Lojas sob a Constituição Inglesa no Oriente, e o que ouvimos e lemos nos levou a acreditar que na Índia a Universalidade da Maçonaria é mais ampla e favoravelmente exemplificada do que em qualquer outra parte do mundo. Como essa universalidade foi conseguida, talvez não tenhamos permanecido para investigar, e nossa própria ignorância comparativa das circunstâncias nos levou a aceitar tudo como ortodoxo e em ordem sem qualquer exame muito próximo ou crítico44.

    Para o autor as questões levantadas sobre o assunto deveriam ser consideradas e analisadas muito cuidadosamente, tanto por parte dos maçons individualmente, quanto dos governantes da maçonaria, de acordo com a Constituição Inglesa. Whymper viveu por bastante tempo na Índia, onde pôde constatar as características da maçonaria indiana descritas em seu livro. Para Whytehead, isso era o suficiente para que o autor adquirisse um status de autoridade sobre o assunto. Ele descreve o ponto central do texto de Whymper como sendo seu objetivo provar que a maçonaria se tratava de uma instituição universal e cristã, e que por isso, “nenhuma outra visão é consistentemente defensável, que as alegorias, símbolos e ensinamentos não podem ser conciliados de outra forma”45.

    Nos países do continente asiático, durante as reuniões maçônicas, diferentes livros sagrados são utilizados no lugar da bíblia, que por sua vez, é comumente utilizada nos países da Europa e das Américas.

    Nosso autor argumenta que isso é errado, que sob a Constituição Inglesa somente a Bíblia pode ser o volume da Lei Sagrada, que é virtualmente um insulto às Sagradas Escrituras substituí-las por qualquer outro livro, e que todos os ensinamentos e o simbolismo da Arte apontam tão distinta e inequivocamente para a Bíblia Sagrada que, se outro assim chamado livro “Sagrado” for substituído, toda a cerimônia será reduzida a um absurdo46.

    Whytehead, inspirado pelos escritos de Whymper, apresenta uma visão bastante sectária, diferente daquela popularizada pela Maçonaria moderna, alicerçada sob os pilares da liberdade, tolerância e do respeito, principalmente quando relacionados à religiosidade. Para o autor, a Maçonaria inglesa representava a Maçonaria original. Ele ainda afirma a relação direta da instituição com o cristianismo e que suas bases estavam intimamente ligadas à bíblia, de modo que, essa relação não admitia seu divórcio sem uma separação completa da Antiga Maçonaria como entendida pelos maçons ingleses47.

    Irmão Whymper pergunta como pode ser possível para o mestre inglês de uma Loja, sob a Constituição inglesa, apontar o Alcorão ou os Zendavestas como “os escritos sagrados” e dizer a um candidato que tal livro deve ser a regra e o guia de sua fé. (…) Somente a Bíblia pode ser “sagrada” em uma Loja Inglesa, cada membro do qual expressou sua crença distinta no Deus da Bíblia e na eficácia da oração48.

    O aspecto universalista da instituição também foi visto de maneira crítica por Whytehead. Segundo o autor, a Maçonaria especulativa após o ano de 1717 havia passado por um processo de modificação que tinha como objetivo eliminar as influências cristãs de suas leis e rituais. “A consequência dessa cruzada anticristã foi a formação dos graus cristãos por aqueles maçons que estavam insatisfeitos com as decisões arbitrárias de Anderson e seus aliados”49.

    Em uma série de capítulos exaustivos que tratam sucessivamente das antigas e novas Constituições, das palestras e do ritual, ele mostrou em detalhes que, em primeiro lugar, a Maçonaria era essencialmente cristã e trinitária; que no período conhecido como Renascimento, em 1717, um determinado esforço foi feito para dar à Maçonaria um tom de universalidade que nunca possuiu antes, e que com esse objetivo tentou, mas apenas com sucesso parcial, eliminar todo ensino Cristão das Constituições e do Ritual50.

    Sendo um grande crítico da descristianização da maçonaria, do universalismo que estava cada vez mais presente na instituição e da presença de outros livros religiosos no lugar da bíblia dentro das lojas, Whymper apresentava como solução para resolver tais questões a ideia de que lojas hindus, persas e muçulmanas deveriam ser fundadas sob constituições distintas da inglesa. Contudo, evitando minar os direitos gerais maçônicos das lojas e de seus membros, afirmava que os direitos de visita e demais privilégios ligados ao status maçônico continuariam preservados. Para o autor, essa ação evitaria a existência do que ele chamava de “anomalias, contradições e absurdos”51.

    Whytehead aparentemente possuía certo grau de aversão às influências do Iluminismo na Maçonaria e das diferentes formas de compreensão acerca do sagrado que não fosse a teísta cristã. Analisando o contexto em que estava inserido, ele afirmava: “a tendência dos dias atuais está muito na direção do chamado Agnosticismo, que, na minha humilde opinião, é apenas um termo polido e indefinido para preguiça mental e flacidez moral”52.

    Mesmo com os esforços de autores como Whytehead, Whymper e outros, que durante a história da Maçonaria prezavam pelo caráter cristão e trinitarista da maçonaria inglesa, não tardou para que o deísmo e o universalismo se estabelecessem como base filosófica na instituição. Aos poucos, a pluralidade de crenças, a presença de livros de diferentes tradições religiosas e o ecumenismo passariam a permear a liturgia maçônica. Desse modo, não somente o cristianismo seria visto como a crença proeminente na maçonaria, mas todas as demais religiões passariam a ter o mesmo status.

    Sempre existiu uma doutrina esotérica sustentada por uma hierarquia seleta, e essa doutrina a Unidade de Deus, como um Criador, Projetista e Governante, independentemente dos modos de Sua manifestação para nós, mortais, seja por processos e emanações sublimes, ou por Filiação, ou pela influência do Espírito Santo, ou pelo desenvolvimento do sexo, ou por maternidade; todos esses modos de representar a ação de um Deus único e impessoal, em relação às Suas obras53.

    Independente da compreensão que se tinha sobre o sagrado, a crença em Deus e a influência da religião eram fatores centrais na maçonaria inglesa. Entretanto, não tardou para que surgissem novas disputas sobre a questão do lugar da religião na maçonaria. Conforme afirma Freitas Neto, “o afã de muitos maçons em fazer da Maçonaria uma espécie de supra religião, uma religião civil à qual as demais religiões deveriam se submeter, acabou por deturpar o sentido da experiência maçônica”54.

    Outro fator que merece atenção é a necessidade de uma compensação religiosa na experiência do maçom dentro da instituição. Se por um lado há maçons que são deístas, ou que não fazem parte de alguma religião, por outro, há um forte apelo ao aspecto religioso dentro dos espaços das reuniões. Como se a ausência da prática religiosa fosse compensada dentro da maçonaria, fazendo com que ela adquira um caráter sagrado, religioso, dogmático, passando a ser vista como a religião daquele membro. Sobre isso, Freitas Neto afirma que “do fato de que a Maçonaria não ensina dogmas não implica que o maçom não os possa (ou não deva) ter. Entre não ensinar dogmas e negá-los há uma distância gigantesca”55. Em relação aos dogmas o autor afirma que, “um dogma pode ser definido como um ponto fundamental de um sistema de crenças que, por representar uma Verdade absoluta, definitiva, imutável, infalível, inquestionável e absolutamente segura sobre a qual não pode pairar nenhuma dúvida”56. Apesar disso,  para  evitar  compreensões  errôneas  sobre o assunto, o autor afirma que “o sentido original da neutralidade maçônica, em termos de religião, surgiu como um imperativo para a possibilidade de convivência interna corporis entre os diferentes, e não como um dogma a ser imposto em todas as instâncias sociais”57.

    O caráter adogmático da maçonaria, as influências oriundas do Iluminismo, do liberalismo e do ceticismo ainda abriram espaço para que diversos questionamentos sobre o aspecto da espiritualidade resultassem na chamada “Querela do Grande Arquiteto do Universo”. Esse movimento encabeçado pelo pastor protestante e conselheiro do Grande Oriente da França, Frédéric Desmons, fez com que “em 1872, Lojas da Bélgica, e depois em 1877, na França, deixaram de obrigar que os trabalhos fossem dedicados à Glória do Grande Arquiteto do Universo”58.

    Em 1961, essas diferenças seriam retomadas e aprofundadas. Nesse ano, o Grande Oriente da França e potências liberais fundaram o Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçônicas Signatárias do Apelo de Estrasburgo (Clipsas), do qual decorreu a liberdade para as Lojas de: utilizarem ou não a Bíblia; saudarem ou não o Grande Arquiteto do Universo; iniciarem mesmo os que não acreditam na imortalidade da alma; aceitarem ou não ateus; incorporarem pessoas portadoras de deficiências físicas; interpretarem livremente a simbologia maçônica; e debaterem sobre política e religião59.

    Apesar das tentativas de aproximação entre ambos os lados, poucos foram os resultados positivos alcançados, de modo que ainda prevalecem os mesmos critérios de reconhecimento e regularidade de anteriormente. Dessa forma, pode-se observar que mesmo os ideais iluministas não foram capazes de evitar problemas administrativos e políticos na instituição. Esse é um dilema que deve ser considerado em investigações de estudiosos da maçonaria para que, através da compreensão desses fenômenos, busque-se encontrar maneiras de reduzir os danos oriundos de polêmicas exegéticas, buscando assim a prática concreta dos pilares de liberdade, igualdade e fraternidade, tão caros à instituição.

    Conclusão

    Duzentos e oitenta e cinco anos se passaram desde a primeira declaração pública contra a  Maçonaria, realizada pela Igreja Católica. Movidos pelo mesmo  espírito  comum  à  toda cristandade, o século XX foi marcado pela mudança de visão que as igrejas protestantes históricas tinham sobre a instituição. Se outrora  essas  denominações  foram  beneficiadas  por membros que faziam parte da maçonaria, atualmente já não são mais vistos dessa forma. Membros desses grupos religiosos são estimulados ao afastamento da ordem maçônica para que consigam viver a espiritualidade nessas igrejas. Por outro lado, a maçonaria também demonstrou certo grau de aversão a algumas religiões asiáticas, como o hinduísmo e o budismo. Sobre isso, criticava- se o  fato dessas religiões  modificarem  as  bases  da  maçonaria  inglesa,  ao  introduzirem  seus livros sagrados na instituição e retirando a bíblia do seu devido lugar. O budismo, por sua vez, sendo uma religião não-teísta, apresenta-se como crença conflitante com os pressupostos da maçonaria tradicional que pugnam pela crença em um princípio criador, chamado Deus ou Grande Arquiteto do Universo. Essas situações trazem à tona a necessidade de reflexão sobre as relações que envolvem a maçonaria e as diversas matrizes religiosas em todo o mundo. A disputa ocorrida entre os maçons da Índia e os ingleses demonstra que a instituição deve pensar possibilidades sobre o caso de membros de diferentes religiões, incluindo aquelas de tradição mnemônica como a umbanda, o candomblé e as religiões indígenas. Questões que envolvem a Maçonaria tradicional e dogmática, oriunda do ramo da Grande Loja Unida da Inglaterra, e a maçonaria liberal e adogmática, do Grande Oriente da França, estimulam a se pensar ações que envolvam a aproximação e o diálogo envolvendo instituições dessas duas perspectivas e como isso pode auxiliar em um melhor posicionamento da Maçonaria universal diante de questões que envolvam suas relações com as diversas camadas da sociedade, incluindo as dos direitos humanos, da religiosidade, do diálogo e da construção da paz. Em suma, mesmo com os avanços sociais, as questões antigas envolvendo Maçonaria e religião sempre retomam a popularidade, muitas vezes envolta por mistérios, exageros e folclore. Muito já foi melhorado, graças ao pensamento progressista e laico, contudo, as concepções ortodoxas e conservadoras de determinadas expressões religiosas tendem a tomar mais destaque diante desse debate, cabendo aos diversos atores dessas tradições buscar soluções para que possam caminhar juntos, mesmo se impedidos pelas concepções teológicas e filosóficas, mas em prol da construção de uma sociedade melhor.

    Autor: Fernando Rodrigues de Souza

    Fonte: REHMLAC+, vol. 15, no. 2, julio / diciembre 2023, p. 140-156.

    Notas

    1. A exigência está presente nos Landmarks de Mackey nº 19, Pike nº 3, Lockwood nº 1, Grant nº 8, Simmons nº 1, Pound nº 1, Lecerff nº 2, Berthelon nº 5 e Figueiredo nº 1. Na legislação podemos citar como exemplo a Constituição do Grande Oriente do Brasil, artº 2. ↩︎
    2. Francisco José Calazans Falcon, Iluminismo (São Paulo: Editora Ática, 1994). ↩︎
    3. Milan Zafirovski, The Enlightenment and Its Effects on Modern Society (New York: Springer, 2010). ↩︎
    4. Peter Gay, The Enlightenment: An Interpretation (New York: W. W. Norton & Company, 1996). ↩︎
    5. Kennyo Ismail, “Maçonaria & Iluminismo”, No Esquadro (blog), 24 de dezembro de 2012, https://www.noesquadro.com.br/ historia/maconaria-iluminismo/ ↩︎
    6. José Antonio Ferrer Benimelli, Os arquivos secretos do Vaticano e a Franco-Maçonaria: História de uma condenação pontifícia
      (São Paulo: Madras, 2007). ↩︎
    7. Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Lodge Quatuor Coronati No. 2076, “Burmah”, v. 1 (1888): 191. ↩︎
    8. Igreja Evangélica Luterana do Brasil (portal da Internet), “Maçonaria x Igreja Cristã”, recuperado em 2 de fevereiro de 2023, https://www.ielb.org.br/organizacao/conteudo/146/maconaria-x-igreja-crista ↩︎
    9. Secretaria Executiva do Supremo Concílio, Igreja Presbiteriana do Brasil (portal da Internet), “Decisões Importantes”, recuperado em 2 de fevereiro de 2023, https://www.executivaipb.com.br/site/decisoes_importantes/maconaria_1900-2011.pdf ↩︎
    10. José Geraldo Magalhães, “Decisões do concilio geral terceira fase”, Igreja Metodista Portal Nacional (portal da Internet), recuperado em 2 de fevereiro de 2023, https://www.metodista.org.br/decisoes-do-concilio-geral-terceira-fase ↩︎
    11. Gerard Messadié, História geral de deus da antiguidade à época contemporânea (Sintra: Publicações Europa-América, 2001). ↩︎
    12. Mircea Eliade, História das crenças e das ideias religiosas. Vol. 1: Da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis (Rio de Janeiro: Zahar, 2010). ↩︎
    13. Richard Holloway, Uma breve história da religião (Porto Alegre: L&PM, 2016). ↩︎
    14. Joseph Campbell, As transformacões do mito através do tempo (São Paulo: Cultrix, 2012). ↩︎
    15. Raimon Panikkar, De la mística: Experiencia plena de la vida. (Barcelona: Herder, 2007), 19. ↩︎
    16. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência Mística e Filosofia na tradição Ocidental (São Paulo: Loyola, 2000), 9. ↩︎
    17. Matthew Arnold, Literature & Dogma: An Essay Towards a Better Apprehension of the Bible (London: Smith, Elder, & Co., 1873), 544. ↩︎
    18. W. W. Westcott, “The Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah”. Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Quatuor Coronati Lodge No. 2076, v. 1 (1888): 73–78. ↩︎
    19. Julien Ries, O sentido do sagrado: nas culturas e nas religiões (Aparecida: Ideias e Letras, 2008), 17. ↩︎
    20. Émile Durkheim, As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico da Austrália (São Paulo: Martins Fontes, 2000), 32. ↩︎
    21. Adilson Koslowski, “Em torno da problemática de definir religião”, Philósophos – Revista De Filosofia 18, n. 1 (janeiro 2013– junho 2013): 103-26, https://doi.org/10.5216/phi.v18i1.20819. ↩︎
    22. Koslowski, “Em torno da problemática de definir religião”, 119. ↩︎
    23. T. B. Whytehead, “Whymper’s Religion of Freemasonry”, Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Quatuor Coronati Lodge No. 2076, v. 1 (1888): 283. ↩︎
    24. E. C. Freitas Neto, “Do trono de Salomão à soleira do Papa”, C&M 2, n. 1 (janeiro 2014–junho 2014): 19. ↩︎
    25. John Ankerberg e John Weldon, Os Ensinos Secretos da Maçonaria (São Paulo: Vida Nova, 1995), 262. ↩︎
    26. Ailton Elisiário de Sousa, “O livro da lei sagrada um símbolo que divide”, O Buscador 3, no. 4 (outubro 2016–dezembro 2016): 2, https://www.gvaa.com.br/revista/index.php/OBuscador/article/view/5053/4311 ↩︎
    27. Samuel Nogueira Filho, Maçonaria: Religião e Simbolismo (São Paulo: Traço Editora, 1984), 31. ↩︎
    28. Ailton Elisiário de Souza, “Maçonaria e religião”. O Buscador 5, no. 1 (janeiro 2017–junho 2017): 2, https://www.gvaa.com.br/ revista/index.php/OBuscador/article/view/5077/4344 ↩︎
    29. Os historiadores Andrew Prescott e Susan Mitchell Sommer, através do artigo “Did Anything Happen in 1717?”, publicado no volume 131 da Ars Quatuor Coronatorum (2018), propõem o ano de 1721 como sendo a data oficial de fundação da Grande Loja da Inglaterra. Para manter a coerência do texto desta pesquisa, optamos por adotar em todo o artigo o ano de 1717. ↩︎
    30. Westcott, The Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah, 73. ↩︎
    31. Westcott, The Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah, 74. ↩︎
    32. “Our present doctrine is a Unitarianism, clothed with the Christian virtues. If Freemasonry arose as an entirely new scheme in the 16th or 17th century it must have arisen in a Christian land, and would certainly have been marked by specially Trinitarian features, which would have remained permanent”. Westcott, The Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah, 75. ↩︎
    33. Freitas Neto, Do trono de Salomão à soleira do Papa, 11. ↩︎
    34. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 282. ↩︎
    35. “All its traditions, titles, and words are taken from the Scriptures, its lessons are derived therefrom, and much of its phraseology is appropriated from the same source; so that if it be true, as is agreed by all Masonic historians of repute, that the whole system of Speculative Masonry, as at present known in the civilised world, is lineally derived from the English Revised Freemasonry of 1717, it necessarily follows that all Freemasons of the present day do or should regard the Bible as the Great Light in Freemasonry”. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 282. ↩︎
    36. B. Cramer, “The origin of Freemasonry”, Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Quatuor Coronati Lodge No. 2076, v. 2 (1889): 107. ↩︎
    37. Cramer, The origin of Freemasonry, 107. ↩︎
    38. James Anderson, As Constituições dos Franco-Maçons de 1723 ou Constituições de Anderson. Trad. e introd. João Nery Guimarães. (São Paulo: A Fraternidade, 1982), 50 ↩︎
    39. Cramer, The origin of Freemasonry, 104. ↩︎
    40. “Till towards the end of the sixteenth century it was considered sufficient in England to defend theological views by an appeal to old dogmatic methods. Hooker’s book on the Constitution of the Church, 1594, is the first to apply reason in the domain of theology. But this freedom of opinion did not prevail very rapidly, for as late as 1611 two persons were burnt by English bishops for religious dissent. Nevertheless Bacon’s realistic philosophy had meanwhile strengthened the independence of men’s minds, and thus there appeared in 1637 the celebrated work of Chillingworth on the Protestant Religion, in which all authority in matters spiritual is rejected: the author does not enquire whether certain dogmas are approved by the Church, but whether they are consonant with human reason, for only such are obligatory of belief”. Cramer, The origin of Freemasonry, 102. ↩︎
    41. Cramer, The origin of Freemasonry, 104. ↩︎
    42. Cramer, The origin of Freemasonry, 106. ↩︎
    43. “In 1813 a further turn was given to the screw, and this latest squeeze resulted in the knocking out of the Christian prayers and certain other allusions of a Christian character. Even then, however, says Bro. Whymper, in the ritual that was agreed upon at the Union, our present ritual, there is ample evidence to be found of a general Christian tone, indeed some of the symbolism, if not directly pointing to Christianity, is reduced to a meaningless array of words, more particularly in the case of some portions to be found in the working of the Third Degree”. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 282. ↩︎
    44. “We who live in England only read or hear of the practices of Lodges under the English Constitution in the East, and what we have heard and read has led us to the belief that in India the Universality of Freemasonry is more widely and favourably exemplified than in any other part of the world. How this universality has been brought about we have, perhaps, not stayed to enquire, and our own comparative ignorance of the circumstances has prompted us to accept everything as orthodox and in order without any very close or critical examination”. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 281. ↩︎
    45. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 281. ↩︎
    46. “Our author argues that this is wrong, that under the English Constitution the Bible alone can be the volume of the Sacred Law, that it is virtually an insult to the Holy Scriptures to substitute for them any other book, and that the whole of the teachings and symbolism of the Craft point so distinctly and unmistakeably to the Holy Bible that if another so-called “Sacred” book be substituted the whole ceremony is reduced to nonsense”. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 281. ↩︎
    47. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 281. ↩︎
    48. “Bro. Whymper asks how it can be possible for the English master of a Lodge, under the English Constitution, to point to the Koran or the Zendavestas as “ the sacred writings,” and tell a candidate that such a book should be the rule and guide of his faith. (…) Only the Bible can be “sacred” in an English Lodge, every member of which has expressed his distinct belief in the God of the Bible and in the efficacy of prayer”. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 282. ↩︎
    49. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 281. ↩︎
    50. “In a series of exhaustive chapters dealing successively with the old and new Constitutions, the lectures and the ritual he has shown in detail that in the first instance Freemasonry was essentially Christian and Trinitarian; that at the period known as the Revival, in 1717, a determined effort was made to give to Freemasonry a tone of universality which it never possessed before, and that with this object it was attempted, but only with very partial success, to eliminate all Christian teaching from the Constitutions and Ritual”. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 281. ↩︎
    51. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 282. ↩︎
    52. Whytehead, Whymper’s Religion of Freemasonry, 283. ↩︎
    53. “There has always existed an esoteric doctrine held by a select hierarchy, and that doctrine the Unity of God, as a Creator, Designer, and Ruler, apart from the modes of His manifestation to us mortals, whether by processes and sublime emanations, or by Sonship, or by influence of the Holy Spirit, or by the development in sex, or by maternity; all of these modes of representing the action of a unique impersonal God, in relation to His Works”. Westcott, The Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah, 74–75. ↩︎
    54. Freitas Neto, Do trono de Salomão à soleira do Papa, 18. ↩︎
    55. Freitas Neto, Do trono de Salomão à soleira do Papa, 19. ↩︎
    56. Freitas Neto, Do trono de Salomão à soleira do Papa, 19. ↩︎
    57. Freitas Neto, Do trono de Salomão à soleira do Papa, 19. ↩︎
    58. P. F. C. Oliveira, “Fé e Razão: A liberdade de consciência na maçonaria e a religiosidade”. C&M 6, n.1 (janeiro 2019–junho 2019): 25. ↩︎
    59. Oliveira, Fé e Razão: A liberdade de consciência na maçonaria e a religiosidade, 26. ↩︎

    Referências

    Alston, William. “Religion”. Brochet, Donald. Encyclopedia of philosophy. Darke: Tompson Gale, 2006.

    Anderson, James. As Constituições dos Franco-Maçons de 1723 ou Constituições de Anderson. Trad. e introd. João Nery Guimarães. São Paulo: A Fraternidade, 1982.

    Ankerberg, John e John Weldon, Os Ensinos Secretos da Maçonaria. São Paulo: Vida Nova, 1995.

    Arnold, Matthew. Literature & Dogma: An Essay Towards a Better Apprehension of the Bible. London: Smith, Elder, & Co., 1873.

    Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Lodge Quatuor Coronati No. 2076. “Burmah”, v. 1 (1888): 191.

    Calazans Falcon, Francisco José. Iluminismo. São Paulo: Editora Ática, 1994.

    Campbell, Joseph. As Transformacões do Mito Através do Tempo. São Paulo: Cultrix, 2012.

    Cramer, B. “The origin of Freemasonry”. Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Quatuor Coronati Lodge No. 2076, v. 2 (1889): 102–108.

    Durkheim, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico da Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

    Eliade, Mircea. História das crenças e das ideias religiosas. Vol. 1. Da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

    Ferrer Benimelli, José Antonio. Os arquivos secretos do Vaticano e a Franco-Maçonaria: História de uma condenação pontifícia. São Paulo: Madras, 2011.

    Freitas Neto, E. C. “Do trono de Salomão à soleira do Papa”. C&M 2, n. 1 (janeiro 2014–junho 2014): 7-20.

    Gay, Peter. The Enlightenment: An Interpretation. New York: W. W. Norton & Company, 1996. Koslowski, Adilson. “em torno da problemática de definir religião”. Philósophos – Revista De Filosofia

    Messadié, Gerard. História Geral de Deus da Antiguidade à Época Contemporânea. Sintra: Publicações Europa-América, 2001.

    Nogueira Filho, Samuel. Maçonaria: religião e simbolismo. São Paulo: Traço Editora; 1984.

    Oliveira, P. F. C. “Fé e Razão: A liberdade de consciência na maçonaria e a religiosidade”. C&M 6, n.1 (janeiro 2019–junho 2019): 23-33.

    Panikkar, Raimon. De la mística: Experiencia plena de la vida. Barcelona: Herder, 2007.

    Ries, Julien. O sentido do sagrado: nas culturas e nas religiões. Aparecida: Ideias e Letras, 2008.

    Sousa, Ailton Elisiário de. “O livro da lei sagrada um símbolo que divide”. O Buscador 3, no. 4 (outubro 2016–dezembro 2016): 01–10. https://www.gvaa.com.br/revista/index.php/OBuscador/ article/view/5053/4311

    Sousa, Ailton Elisiário de. “Maçonaria e religião”. O Buscador 5, n.1 (janeiro 2017–junho 2017): 01–15.

    Vaz, Henrique C. de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2000.

    Westcott, W. W. “The Religion of Freemasonry illuminated by the Kabbalah”. Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Quatuor Coronati Lodge No. 2076, v. 1 (1888): 73–78.

    Whytehead, T. B. “Whymper’s Religion of Freemasonry”. Ars Quatuor Coronatorum. Transactions of the Quatuor Coronati Lodge No, 2076, v. 1 (1888): 281-283.

    Zafirovski, Milan. The Enlightenment and Its Effects on Modern Society. New York: Springer, 2010.

    Screenshot_20200502-144642_2

    Se você acha importante o trabalho que realizamos com O Ponto Dentro do Círculo, apoie nosso projeto e ajude a manter no ar esse que é um dos mais conceituados blogs maçônicos do Brasil. Você pode efetuar sua contribuição, de qualquer valor, através dos canais abaixo, escolhendo aquele que melhor lhe atender:

    Efetuando seu cadastro no Apoia.se, através do link: https://apoia.se/opontodentrodocirculo

    Transferência PIX – para efetuar a transação, utilize a chave: opontodentrodocirculo@gmail.com